Mina

Haviam, com toda honestidade, pouca coisa que eu odiasse. Por exemplo, eu odiava grosseria e qualquer tipo de má educação. Mas odiava ainda mais deixar uma pessoa com problemas sozinha. E era assim que eu me sentia nesse exato momento: como se estivesse deixando meu pai para trás enquanto ele tinha problemas para resolver no Alto Conselho. Minha prima, Ana, estava ao meu lado no carro; parecia cansada e olhava para fora da janela com um olhar perdido. A mãe de Ana, minha tia Cassandra, estava dirigindo de um jeito concentrado. Por um breve momento encontrou meu olhar pelo retrovisor; estava tão preocupada quanto eu.

Nos aproximamos de um sinal vermelho, mas Cassandra acenou a mão e ele se tornou verde, então avançamos por Forks.

— Achei que só podíamos usar magia em uma emergência. - Ana ergueu uma sobrancelha, lembrando da regra que estávamos ouvindo desde que deixamos Salém.

— Isso foi uma emergência, Anastácia. - repreendeu Cassandra, que não pareceu gostar do gracejo - Quando mais rápido chegarmos em casa, melhor.

"Em casa" não me pareceu o termo certo para usar ao se referir a casa que ela havia encontrado em Forks. Fiquei tentada a dizer que "em casa" para mim significava Salem, ou voltando mais ainda, significava estar de volta a Grã-Bretanha com meu pai sorrindo novamente e minha mãe, que agora estava ausente.

— Não gosto desse lugar. - continuou Ana - Ele tem sua essência fria. Parece um lugar onde os mortos se levantam.

Um arrepio cruzou minha espinha ao ouvir suas palavras, e me lembrei do pesadelo que havia tido duas noites atrás.

— Eu também não gosto daqui. - Cassandra concordou - Mas é o melhor lugar que podia trazer vocês as pressas. Precisam ficar longe de Salem, e aqui não há nenhuma família bruxa.

— O que iremos dizer amanhã na escola? - perguntei - Com certeza os alunos irão fazer perguntas.

— Diga que você está sob minha tutela porque seu pai está trabalhando. - ela respondeu - Por mais de mil anos o mundo da magia tem estado em segredo, e eu não irei deixar que vocês duas destruam esse segredo em um dia, você me escutou, Anastácia?

Anastácia encarou a mãe, com os olhos âmbar brilhando por trás dos cabelos vermelhos vivos.

— É claro.

***

Nossa casa ficava no ponto mais distante do centro de Forks, de forma que não tínhamos vizinhos. O que significava nada de perguntas inconvenientes e nada de pessoas intrometidas. A casa era bonita, com dois andares e bem ampla. Possuía um ar antigo, algo que eu amei, e estava bem conservada.

Não me sentia bem para conversar, nem mesmo com Ana, que em meus anos de solidão era minha única amiga, por isso me tranquei em meu quarto e com um aceno arrumei todos os meus pertences.

Sentei em minha cama, me sentindo deprimida. Queria estar com meu pai e ao mesmo tempo me ressentia por ele ter me deixado tão facilmente com Cassandra. Será que ele havia decidido me deixar, assim como minha mãe.

Senti as lágrimas virem aos meus olhos, mas engoli o choro. A última coisa que eu precisava agora era uma crise emocional. Amanhã eu estaria bem, não é mesmo?

***

Errado.

Quando Cassandra deixou Ana e eu na escola, tive o pressentimento de que algo iria mudar toda a  minha vida. Os alunos nos encaravam e alguns tentavam falar conosco, mas eu fingi que não ouvia e notei que Anastácia fazia o mesmo.

— Você também sente? - ela sussurrou para mim, quando terminamos de pegar nossos horários em uma secretaria lotada de estudantes.

— Completamente. - respondi - Deixe-me ver seus horários.

Foi com uma completa tristeza que notei que tínhamos apenas Biologia, Álgebra II e Ed. Física juntas.

— Não acredito nisso... - ela murmurou - Mas podemos mudar. - ela ergueu o dedo.

— Não. - murmurei, segurando seu pulso enquanto mais estudantes passavam pelo corredor - Vamos para nossas aulas. Não devemos chamar atenção.

Minha primeira aula era Artes, o que agradeci mentalmente. Não iria suportar ter logo Álgebra para me testar. O professor ainda não havia entrado na classe, mas os poucos alunos que estavam lá sorriram, simpáticos. Eu retribui o sorriso, mas desviei o olhar e me sentei; não queria encorajá-los a falar comigo.

Minhas aulas correram bem, embora eu não tenha esbarrado em Anastácia, e me perguntava se ela estava sendo discreta como eu estava tentando ser.

Mas foi só na hora do almoço, no refeitório, que eu percebi que realmente havia algo em Forks.