Operação Jardim Secreto escrita por Lura


Capítulo 23
Epílogo


Notas iniciais do capítulo

A todos que me acompanharam e me apoiaram durante esta história: o meu carinho e a minha gratidão.
Vocês não têm ideia do quanto foram importantes para mim.



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Adrien apanhou a pequena caixa de veludo anil do local onde a havia escondido, no fundo do armário. Por segurança, abriu-a, satisfeito ao admirar seu conteúdo.

Ele ainda recordava a empolgação que sentira três meses atrás, ao contar a um rabugento Sr. Chevalier que finalmente tinha o anel perfeito, depois de muito procurar e pensar sobre. No fim, a resposta estava no começo de seu relacionamento com Marinette, e após alguns esboços próprios e uma visita a um designer de joias competente, ele finalmente poderia pedi-la em casamento.

O velho chegou a perguntar em tom tão humorado quanto sua rabugice costumeira permitia, se ele estava mesmo certo daquele passo, visto que eram muito novos, mas emudeceu no momento em que Adrien lhe apresentou o anel.

O mesmo que segurava agora, meses depois.

Uma joia de ouro rosê, que se retorcia no meio para formar folhas delicadas, as quais sustentavam um diamante com lapidação estilizada em drusas pontiagudas, que simulavam pétalas. Uma flor de lótus, que adornaria o anelar de Marinette assim que ele fizesse o pedido.

Naquela ocasião de meses antes, após uns segundos de silêncio e contemplação, o velho finalmente admitiu, satisfeito, que era o anel perfeito e que ele estava muito contente por seus protegidos, os quais tinha certeza que seriam extremamente felizes. Adrien bem tentou provocá-lo sobre o velho parecer emocionado, mas a voz enérgica de Marinette irrompeu naquele instante, sinalizando que ela havia chegado para o jantar, o que fez com que ele se atrapalhasse para esconder o anel no bolso, enquanto o jardineiro zombava abertamente.

O resto daquela tarde passou como um borrão.

Sr. Chevalier disse que descansaria em seu quarto até a hora do jantar, mas não sem antes se envolver em uma discussão divertida com Marinette, algo que acontecia praticamente todos os dias, por motivos completamente aleatórios.

A preparação da refeição seguiu normalmente, com Marinette tagarelando sobre como Audrey Bourgeois era uma chefe terrível e ela tinha que aguentá-la pelo bem de sua carreira no mundo da moda, e com ele pensando, ansioso, em muitas maneiras de fazer o pedido de casamento, sem ficar realmente satisfeito com qualquer uma delas.

Eles não demoraram realmente a perceber que havia algo errado, visto que o Sr. Chevalier era praticamente religioso com os horários das refeições, mas estava atrasado em descer para juntar-se a eles. Ainda lhe assombrava a lembrança do momento em que entraram no quarto do velho para conferir a situação. O tempo pareceu parar naquele instante, mas voou depois disso, tanto que ali estava ele, três meses mais tarde,  ainda sem oficializar seu noivado com Marinette e sem a menor ideia de quando poderia fazer isso.

Pois os dois ainda estavam em estágio de superação.

Varrendo as lembranças de sua mente, o rapaz fechou a caixinha e a enfiou no bolso, passando os olhos brevemente pelo quarto que chamou de seu nos últimos anos. Era elegante, embora antiquado como o resto da casa, com seu papel de parede padronizado em azul cerúleo e móveis em madeira maciça escura. O cômodo dispunha de portas duplas de vitrais coloridos que, se abrisse, lhe permitiriam  uma vista esplêndida do Jardin d’Eau sob a luz vespertina, a mesma com que o quarto principal, situado ao lado, contava. A paisagem que, provavelmente, havia sido a última contemplação do Sr. Chevalier deste mundo, uma vez que o encontraram sentado na varanda naquela tarde, embalado em um sono de paz. 

Porém eterno.

Novamente, o rapaz afastou as lembranças e desceu para dar continuidade ao que vinha fazendo, a pausa para resgatar o anel sendo efetuada apenas para garantir que Marinette não o encontraria por acaso nos próximos dias.

Entrando na biblioteca, decidiu que prosseguiria com a limpeza da lareira e apanhou uma caixa de papelão desocupada, um pedaço de pano e pôs-se a trabalhar.

Pegando o primeiro porta-retrato, esfregou gentilmente com o pano a superfície vítrea, retirando a poeira e conferindo mais nitidez à fotografia que registrava Sr. Chevalier em sua farda militar. Contemplou a imagem por alguns segundos, antes de guardar o objeto cuidadosamente dentro da caixa de papelão, repetindo calmamente o mesmo processo com todos os outros porta retratos que decoravam a lareira.

Em determinado ponto, passou a sentir os olhos verde ácidos de Plagg sobre si enquanto limpava, mas seguiu com a tarefa o melhor que pôde, para não afligir o pequeno amigo. Ele já havia se preocupado com ele mais que o necessário.

Não demorou a chegar na foto de Antoine e Maurice. Por muito tempo, a imagem dos dois garotinhos foi o registro fotográfico mais recente contido naquela casa. 

Mas as coisas mudaram. 

Adrien pegou o último porta retrato sobre a lareira, o qual continha uma fotografia do Sr. Chevalier, de Marinette e dele próprio no Jardin d’Eau, registrada pela Srta. Bustier na primeira primavera após a restauração do lugar. 

Naquela fotografia, os três exibiam sorrisos radiantes e, talvez por isso, ela tenha sido escolhida para estar na lareira, ao lado dos registros familiares.

Claro, muitas outras fotos foram registradas desde que o conheceram. O velho sempre reclamava da “mania” dos jovens de fotografarem qualquer momento simplório (em suas palavras), mas comprou um aparador só para exibi-las ali na biblioteca, e espalhou muitas outras pelos móveis da casa.

Fotos de quando se apresentou como “Sábio da Floresta” no teatro interativo; de quando foi abraçado por Ladybug e Chat Noir logo após saber que o  jardim não mais seria vendido; de quando visitou o colégio Françoise Dupont para ministrar uma oficina de arte; ao lado de Adrien e Marinette em sua formatura do ensino médio; da formatura graduação de ensino superior de cada um deles.

Havia ainda algumas de momentos corriqueiros, como trabalhos simples no jardim, ou ocasiões aleatórias na antiga casa, e muitas outras salvas virtualmente. A última foto que registraram, ainda estava na galeria de imagens do celular de Adrien e era bem semelhante àquela contida no porta-retrato que segurava em mãos naquele momento: Sr. Chevalier com ele e Marinette, um de cada lado, e a vegetação multicolorida do Jardin d’Eau ao fundo, a maior diferença entre elas sendo suas fisionomias amadurecidas pelos nove anos decorridos entre o registro de uma e outra.

Assim como fizera com os outros, Adrien retirou o pó do vidro do porta-retrato, mas relutou em guardá-lo na caixa e seguiu encarando-o. Ele só percebeu que havia desligado para o resto do mundo enquanto  fitava o retrato, quando sentiu algo acertar-lhe a nuca.

O rapaz resistiu ao instinto de olhar para trás quando a bolinha de papel rolou pelos seus pés, sabendo que, atualmente, apenas uma pessoa além dele entrava naquela casa. Curioso, colocou o porta-retrato de volta na lareira e pegou a bolinha, mal contendo a exclamação de surpresa ao desembrulhar a folha.

— Isso foi nostálgico — comentou, enquanto lia as linhas manuscritas no papel. — Não imaginei que guardaria a “conversa” — acrescentou, sem desviar os olhos do objeto em mãos. 

A risada leve de Marinette ecoou pela casa, antes que ela entrasse na biblioteca, com Tikki flutuando em seu encalço.

— Eu não sei porque não joguei fora na época, considerando todos os problemas que essa folha me causou — contou, parando ao lado dele. — Mas hoje me sinto aliviada por não ter feito isso. Afinal, se não fosse por ela, eu não teria porque procurar o Jardin d’Eau e todo o resto não teria acontecido.

— Realmente — concordou ele, não precisando de palavras para entender o ponto principal.

Se nove anos atrás, Alix — sim, hoje ele sabia que fora ela — não tivesse acertado a nuca de Adrien com a folha de caderno que as meninas usavam para trocar mensagens sobre a famigerada “Operação Jardim Secreto”, eles jamais teriam conhecido o Sr. Chevalier ou ajudado a proteger o legado dele.  O pensamento lhe trouxe um calafrio. Tudo começou com um mal entendido, que levou a um festival e um teatro em que salvaram o Jardin d’Eau, e o rapaz nem gostaria de pensar o que teria sido do lugar caso as coisas tivessem acontecido de modo diverso.

Além disso, aquela simples folha de papel havia o aproximado de Marinette e lhe ajudado a descobrir a identidade do seu verdadeiro amor.

— Acho que podemos guardá-la, então — decidiu, concluindo que mesmo por caminhos tortos, a troca de mensagens registrada naquela velha folha de papel lhes havia trazido mais felicidades que problemas.

— Vai para a nova casa então — concluiu Marinette, apanhando a folha das mãos dele e dobrando cuidadosamente, para guardar em sua pequena bolsa transversal em seguida.

Adrien sorriu em resposta. O sentimento era agridoce, mas não poderia negar que estava feliz por finalmente estar acontecendo. Marinette e ele morariam juntos. Claro que ele imaginou que antes lhe daria o anel que estava em seu bolso mas, não poderia dizer que estava realmente incomodado com a ordem das coisas. Especialmente porque ainda não se sentia seguro quanto à data da proposta.

— Terminou de empacotar suas coisas? — questionou, envolvendo-a pela cintura.

— Uns… Noventa por cento?! — respondeu, fazendo charme, ao mesmo tempo que enlaçava o pescoço dele em retorno.

O rapaz revirou os olhos. Depois de tanto tempo, já havia se acostumado com a desorganização da namorada. Aquela seria sua realidade agora, e ainda assim ele mal podia esperar.

— Hei! Eu tinha que te ajudar com as coisas aqui! — justificou ela, olhando ao redor até que seus olhos pairaram sobre o retrato deles dois e do Sr. Chevalier, que agora descansava isolado na lareira, demonstrando que vira Adrien segurando-o pouco antes. — Por falar nisso, como você está? — indagou, a preocupação vincando sua testa.

— Bem — respondeu ele simplesmente.

A jovem não se deixou convencer.

— Eu sei que isso é realmente difícil para você, gatinho. Você não precisa continuar se não estiver bem — lembrou. — Eu posso terminar, e Nino e Alya já se ofereceram para ajudar — emendou.

— Não é mais difícil para mim que é para você, bugaboo — redarguiu, sem perder o modo que ela crispou o nariz diante do apelido. — Por isso vamos superar isso juntos, como sempre fazemos — decidiu.

Marinette abriu um sorriso leve e triste. Adrien tinha razão em dizer que a tarefa não era fácil para ambos, mas ela ainda acreditava que o afetava mais, especialmente por ele ter um histórico de perdas e traumas maior que o dela. Além disso, foi ele que morou com o Sr. Chevalier nos últimos seis anos, então evidentemente sentiria sua ausência a nível diário mais que qualquer um.

Gentilmente, a jovem desvencilhou-se dos braços do namorado e apanhou o porta-retrato, sentindo involuntariamente a pontada no peito que surgia sempre que se lembrava que nunca mais os três se reuniriam daquela forma. Mas apesar de toda a tristeza, não pôde evitar a onda de gratidão pelo velho jardineiro que se seguiu.

Armand Chevalier havia ajudado ela e Adrien de muitas formas.

Inicialmente, os dois jovens perceberam que o velho não tinha integrado o núcleo de inteligência do exército atoa, quando ele apresentou evidências das verdadeiras identidades de Ladybug e Chat Noir e os confrontou sobre isso. Na ocasião, o ex-militar revelou que havia matado a charada pouco depois que os conhecera, mas permitiu que eles levassem o segredo adiante para que ficassem mais à vontade. No entanto, com o crescimento deles, os oponentes também foram se tornando mais fortes e, o aumento de suas responsabilidades pessoais os colocou sob um risco maior. Por isso, foi bom ter mais alguém que os ajudasse com álibis e com o encobrimento de rastros e pontas soltas. A casa do velho jardineiro praticamente se tornou um dos QG’s dos portadores, até mesmo Mestre Fu aparecia por ali ocasionalmente para discussões de estratégias.

Posteriormente, a atuação do velho foi essencial na resolução de outro problema.

Com a graduação no ensino médio de Adrien, Gabriel Agreste estava tornando a vida do filho quase impossível com tantos trabalhos que determinava que realizasse, o que culminou até mesmo no afastamento de Chat Noir do campo de batalha por um tempo. A gota d’água para o garoto foi a divergência com o pai quanto ao que cursaria na faculdade. O famoso estilista foi taxativo ao dizer que não pagaria os estudos do filho se não seguisse o que havia planejado e enfatizou que mesmo que ele tentasse seguir modelando para suprir os próprios gastos, não conseguiria trabalhos se ele não quisesse que conseguisse, mostrando que não teria receio em usar a própria influência para bloquear os caminhos de um “filho rebelde”.

Adrien sabia que tinha a herança de sua mãe por receber, mas apenas poderia requerê-la aos dezoito anos, o que lhe deixava um espaço de meses sem recursos para pagar a faculdade. Ainda assim, enfrentou o pai e decidiu sair de casa, ciente das dificuldades que enfrentaria e dos trabalhos normais que teria que desenvolver para sobreviver.

Foi então que Sr. Chevalier decidiu intervir.

O velho não apenas acolheu Adrien em sua casa, como decidiu arcar com os gastos da faculdade e ainda teve coragem de enfrentar Gabriel Agreste em uma batalha judicial pela guarda do adolescente, e depois ajudá-lo no processo de requerimento da herança de sua mãe — que durou anos a fio, com o estilista usando de todos os recursos que dispunha para impedir o acesso do filho.

Eles desconfiavam fortemente que o único motivo para que Gabriel Agreste não tivesse apelado para métodos de ataques pessoais ao velho jardineiro, era a simpatia que ele tinha despertado nos cidadãos parisienses, ao lutar pela preservação do jardim, que havia se tornado patrimônio local.

Apesar dos ataques se limitarem à própria pessoa, Adrien ainda se sentiu como se não passasse de um fardo na época. Contudo, o velho jardineiro conseguiu lhe deixar à vontade, mesmo em meio àquela situação.

— Você sabe, eu sempre imaginei que pagaria os estudos do meu filho e o veria se graduar na faculdade, mas não tive essa chance — comentou certa vez, para consolá-lo. — Eu sei que você tem mais idade para ser meu neto, mas mesmo assim, me deixe realizar meu desejo em você.

Depois daquele dia, Adrien fez o máximo para trabalhar e conquistar o suficiente ao menos para seus gastos pessoais e para contribuir com as despesas domésticas, mesmo sob os protestos veementes do Sr. Chavelier. E apesar de seu histórico impressionante de demissões (com Gabriel Agreste o sabotando a cada novo emprego), não desistia de seguir tentando e ajudava o velho no jardim sempre que tinha tempo, como uma forma de compensação, assim como Marinette, que nas palavras do jardineiro, sempre estava por perto para refrescar o ambiente, como “garota vento” que era.

De fato, ainda que divididos entre a universidade, seus empregos e suas vidas de super heróis, os jovens passavam um tempo com o velho jardineiro sempre que podiam (o que não era pouco, se Marinette fosse levar a sério a ameaça de seus pais de despachar suas coisa de vez para a residência dele), o que resultou na construção de ótimas memórias. 

E num vazio doloroso em seus dias desde que ele partira.

— É realmente difícil olhar para ela e não me sentir nostálgica — despertando de seus pensamentos, Marinette comentou, colocando o porta-retratos de volta sobre a lareira.

— Eu não consegui colocá-la na caixa — Adrien admitiu, fitando a fotografia novamente.

— Acho que não há problema se ficarmos com ela — a jovem sugeriu. — É só imprimirmos outra cópia e enviarmos para o museu no lugar. Como é uma foto mais recente, certamente não notarão a diferença.

Adrien ponderou por alguns instantes e decidiu que a namorada estava certa. Com a morte de Sr. Chevalier, o Jardin d’Eau ganhara não apenas uma estátua de seu guardião, mas também uma pequena galeria para ser usada como museu memorial. A administração do município havia solicitado a doação de fotografias que contassem a história do velho jardineiro e de algumas de suas esculturas, e Adrien e Marinette não viram problemas a princípio, já que providenciaram cópias digitais de todas as fotos da casa anos antes. 

Eles só não contavam que seria tão difícil esvaziar o lugar em que construíram lembranças tão boas.

— Vamos ficar com ela, então — concordou o loiro, pegando o porta-retrato das mãos da namorada e colocando-o cuidadosamente em outra caixa, com os itens que iriam para o novo apartamento, onde já estavam o tabuleiro de xadrez de pedra sabão esculpido pelo Sr. Chevalier e a primeira estatueta de Ladybug e Chat Noir feita por ele.

— Tem certeza de que está bem com isso? — a garota tornou a perguntar, e Adrien expirou, levemente irritado.

— Eu já disse que vou ajudar a empacotar as coisas! Eu ‘tô bem, é sério! — garantiu.

— Não, eu me referia a deixar a casa — a garota explicou. — Você sabe que não precisa sair se não quiser — acrescentou.

— Nós também já conversamos sobre isso — lembrou ele.

Claro que eles haviam protelado por um tempo, mas realmente conversaram sobre o assunto.

Algumas semanas após a morte de Sr. Chevalier, Adrien e Marinette foram surpreendidos com uma intimação para que participassem da solenidade de abertura do testamento dele. No local, reencontraram Maurice, que assim como fizera para o funeral, desmarcou alguns concertos da turnê de piano que fazia pela Europa para comparecer ao ato. Naquele dia, descobriram as últimas vontades do velho, que deixou registrado não apenas o desejo que suas cinzas fossem espalhadas pelo jardim, mas também a destinação de seu patrimônio, que deveria ser dividido entre Maurice, Adrien e Marinette, uma vez que ele não tinha parentes vivos como herdeiros.

Em suas disposições finais, o velho jardineiro expressou que gostaria que os três usassem a herança para perseguirem seus sonhos, fossem eles quais fossem.

Mas a casa foi uma exceção.

A casa ele deixou apenas para Adrien e Marinette, e Maurice pareceu aceitar o fato muito bem, revelando após a abertura do testamento que o velho já havia conversado com ele sobre o assunto. Afinal, não era segredo que o bairro também trazia lembranças dolorosas a Maurice, por isso ninguém estranhou realmente quando ele se mudou assim que ascendeu como pianista de carreira internacional. Claro, ele aparecia sempre que possível para visitar Sr. Chevalier e conversar com os garotos, e ocasionalmente perguntava — simulando despretensão, mas com nítido saudosismo — pela Srta. Bustier.

Uma vez cientes dos desejos do velho, os três resgataram suas cinzas no columbário e as espalharam pelo jardim, assim como desejara.

Adrien e Marinette poderiam dizer, com certeza, que aquele foi um dos dias mais dolorosos do período de luto. De certa forma, foi a última vez que foram ao Jardin d’Eau acompanhado do Sr. Chevalier. E enquanto as cinzas escorriam por seus dedos para se unir à terra de diversas plantas e à água do lago, os dois constataram que o velho realmente ficaria ali para sempre.

Um período de negação seguiu ao episódio, em que Adrien alugou um apartamento minúsculo para que não tivesse que voltar para a casa vazia. Mesmo Marinette decidiu se afastar, não retornando ao jardim até decidir que havia chegado a hora de conversarem sobre o destino da casa.

— Eu realmente gosto daqui, mas acho que tomamos a melhor decisão. Não é prático para nós dois viver em um lugar tão grande e afastado dos pontos principais de Paris, quando estamos apenas começando a morar juntos —  emergindo de seus pensamentos, argumentou. — E quando precisamos correr para atender os desastres causados por supervilões literalmente a qualquer hora do dia e da noite — emendou.

— Realmente — Marinette concordou. — Eu só não quero que sinta que temos que fazer isso porque eu sugeri alugá-la — esclareceu.

— Eu já disse que estava pensando a mesma coisa — Adrien recordou. — Além disso, a vantagem de alugar é que, além da renda extra, não precisa ser um adeus definitivo. A casa não atende nossas necessidades atualmente, mas quem sabe no futuro — ponderou.

A jovem de cabelos negro-azulados assentiu com empolgação.

— Seria adorável criarmos nossos filhos aqui — disparou, percebendo tarde demais o que havia dito.

O loiro endireitou-se, antes de reagir, com um sorriso divertido:

— Filhos?

O rosto da jovem estilista explodiu em vermelho.

— Isto é, daqui a muito tempo, depois que nós casarmos — continuou, cobrindo o rosto com as mãos imediatamente após se dar conta que as palavras que saiam da sua boca ficavam cada vez pior.

— Está me pedindo em casamento, My lady? — o rapaz provocou, abrindo um sorriso presunçoso, repentinamente muito mais consciente do peso da caixa de veludo em seu bolso.

Marinette o recompensou com um tabefe no ombro.

— Não aja como se nunca tivéssemos falado sobre isso! — reclamou ela, prestes a atingi-lo novamente, quando teve seu pulso segurado e sua boca tomada em um beijo faminto.

Marinette resistiu no começo, mas logo se sentiu derreter e entregou-se ao momento, movendo os próprios lábios contra os do namorado com paixão, enquanto enlaçava-o pelo pescoço e o trazia para mais perto.

Quando se separaram, no entanto, não puderam ignorar a pontada de tristeza presente nos olhos um do outro, que foi seguida por sorrisos resignados.

— É estranho fazer isso aqui sem a expectativa que ele possa entrar a qualquer momento… — Adrien começou.

— E dizer “não quero jovens agindo de forma indecorosa embaixo do meu teto” — Marinette interrompeu,  engrossando a  voz em imitação. Os dois caíram na risada.

Claro que Sr. Chevalier tinha seus momentos de ataque com as demonstrações de afeto dos mais jovens, mas fazia vista grossa para a maior parte das coisas que eles faziam naquela residência. Bem, Adrien morava ali, e por mais respeitoso que tivesse sido com o velho que o acolheu, não se orgulhava em admitir que a carne era muito, muito fraca. O primeiro momento íntimo deles como casal, havia acontecido naquela casa, assim como muitos outros que se seguiram. Com o tempo, perceberam que Sr. Chevalier não se importava tanto assim, desde que mantivessem as situações inapropriadas longe de seus olhos e o tom de suas vozes baixo durante a noite.

— Ok, acabei de chegar e preciso de uma pausa — decidiu Marinette, secando os olhos para conter as lágrimas que nem o riso foi capaz de impedir, e Adrien assentiu em concordância.

Quase que automaticamente, os dois uniram suas mãos e deixaram a velha casa em direção ao jardim do outro lado da rua, os kwamis seguros em seus lugares de viagem. Nove anos depois da primeira visita deles ao local, agora podiam andar por caminhos de ladrilho inteiramente restaurados, enquanto passavam por famílias, jovens praticando esportes, crianças brincando no parquinho construído ali e pelos jardineiros há muito tempo contratados pela prefeitura para ajudar na manutenção.

A explosão de cores da vegetação local, mesmo no final da primavera, ainda era impressionante e uma visão da qual nunca se cansariam.

Não puderam evitar de sorrir quando passaram pela escultura em tamanho real de Ladybug e Chat Noir construída pelo Sr. Chevalier para a reinauguração do Jardim após a sua restauração, e de sentirem os corações pesarem com a outra estátua, mais recente, que representava o velho contemplando, com serenidade, o lugar do qual fora guardião nas últimas décadas.

Em silêncio, passaram por um caminho de glicínias até chegarem à orla do bosque, onde adentraram, tomando o cuidado de conferirem ao redor para ver se alguma criança os observava e imitava. Afinal, o bosque era seguro, mas uma pessoa não acostumada ao ambiente poderia facilmente se perder nele. 

Não muito depois, alcançaram o lago, os Tikki e Plagg flutuando para longe, aproveitando o ambiente isolado, enquanto seus portadores permaneceram na margem,  observando o local em silêncio. Até que Adrien apontou alegremente as flores rosáceas e azuladas que emergiam da superfície da água, cuja espécie conheciam tão bem.

— As lótus floresceram de novo — comentou.

— Sr. Chevalier dizia que não precisava dar muita atenção a elas para que florescessem — lembrou a garota. 

— Ele me ensinou algumas coisas também  — Adrien gabou-se. — Sabia que as sementes da Flor-de-Lótus podem ficar até cinco mil anos sem água para esperar as condições adequadas de germinação? — indagou, fazendo com que a menina arqueasse as sobrancelhas.

— É mesmo? — perguntou e ele assentiu, antes de continuar, em tom didático:

— A lótus atrai a atenção tanto pela resiliência quanto pela capacidade de atravessar a lama para florescer. Por isso que os orientais a associam à pureza espiritual.

— Alguém se dedicou bastante para aprender — Marinette comentou, soltando uma risadinha.

— O que posso fazer? É minha flor favorita — o rapaz deu de ombros.

— Ah, sério, botão de ouro? — provocou, fazendo com que o outro suspirasse contrariado.

— Você tinha que lembrar disso? — reclamou.

— O quê? Pensei que estávamos falando das nossas flores favoritas — a garota retrucou, com falsa inocência.

— Essa nem é sua flor favorita — apontou ele. 

— Tem razão, mas eu gosto muito do “Príncipe Botão de Ouro”, se é que você me entende — comentou, balançando as sobrancelhas de forma sugestiva.

— Devo ficar preocupado? — zombou o rapaz, enlaçando a namorada pela cintura mais uma vez.

— Quem sabe — respondeu, dando de ombros. — Sabe, alguns anos atrás, num festival, ele prometeu casar comigo, então talvez queira fazer algo a respeito — brincou, abraçando-o de volta.

Adrien arqueou as sobrancelhas, em curiosidade. Não era estranho eles comentarem sobre o futuro como ela enfatizara mais cedo, mas era a segunda vez só naquele dia que a garota trazia o assunto à tona de maneira sugestiva, e o fato havia ocorrido outras vezes nos últimos dias, agora que parava para pensar.

Claro que ele não era indiferente à ideia, afinal estava com o anel de noivado no bolso. Ele apenas estava confuso quanto ao momento de seguir em frente com a ideia, sem querer ser inadequado em razão da superação do luto, e também quanto a maneira que pediria a ela.

Foi então que as coisas clicaram em sua mente. 

— Talvez eu faça — declarou, reunindo coragem para o que estava prestes a fazer, o que ficou relativamente mais fácil ao perceber que estavam no exato local onde haviam se beijado pela primeira vez, que tinha tudo a ver com o anel que havia escolhido.

Adrien afastou-se um pouco, sem perder o olhar ansioso que a namorada lhe lançou quando ele enfiou a mão no bolso da calça. 

Torcendo para que fosse uma ansiedade boa e para que não tivesse interpretado de maneira errada as dicas da garota, puxou a caixa de veludo e a exibiu para ela, não recebendo olhos arregalados em resposta como imaginou que aconteceria, mas um murmúrio aliviado de “finalmente”.

O rapaz encarou-a com indignação enquanto ela ria, mas permitiu-se abrir seu típico sorriso convencido de “Chat Noir” ao perceber que o jogo havia virado quando ele abriu a caixa e ela emudeceu em choque ao contemplar o designer do anel e seu significado.


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