As Crônicas do Mundo Bruxo: Cinzas do Passado escrita por Ícaro L Nunes


Capítulo 5
Bênçãos do Ideal




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Dante tornou-se Auror meses depois de deixar Hogwarts. Em sua época acadêmica ele pertenceu a Grifinória, sendo reconhecido durante o período de sete anos como um exímio duelista, com um talento natural e ligeiramente brutal para o combate. Seu auge veio no 7° Ano, quando representou a sua instituição mágica em um Torneio Tribruxo. Apesar de ter ficado em segundo lugar, as historietas sobre os seus feitos no evento ainda permeavam o mundo mágico.

Enquanto caminhava entre as árvores do bosque da propriedade Mortensen, o Auror questionava-se se ainda possuía a determinação e o fulgor de anos passados. Mantinha-se na ativa, em uma constante busca por casos a serem resolvidos, a justiça tinha um gosto doce na boca de Dante. Porém, a calmaria havia se espalhado pela a Europa, pouquíssimas eram as situações em que ele se via diante de um combate sério, algo que lhe ameaçasse a vida.

Obviamente isto o alegrava, mas mesmo assim uma pequenina parte do homem ansiava por um momento de adrenalina para que pudesse provar a si de que ainda ostentava as virtudes da juventude.

Os seus passos ecoavam junto com o quebrar de galhos, praticamente imperceptíveis. A varinha pendia de sua destra, atenta para quaisquer surpresas que pudessem romper da noite. A densidade de troncos e arbustos maculava a visão do Auror, que conseguia situar-se em meio a relva devido os feixes lunares que insistiam em atravessar as folhagens acima.

 O feitiço Lumus poderia vir a calhar na situação, mas Dante sabia que o mínimo descuido poderia significar a falha de sua missão e até mesmo a morte. Se suas suspeitas estivessem corretas, Pietros estava na propriedade de seu velho mentor. Louis não chegara nem perto de engana-lo, a recepção calorosa da neta e sua postura de idoso eram apenas uma fachada, detrás da cortina jaziam crimes inimagináveis. E uma displicência vergonhosa por parte do Ministério em punir a nobreza bruxa.

Em seu interior o Auror ostentava uma revolta corrosiva contra os companheiros de seu dia-a-dia, que agiam normalmente como se ainda não existissem criminosos livres. Alguns chegavam a ocupar cargos dentro do próprio governo que deveria caça-los.

A politica bruxa era deveras familiar com a mundana. Por ser um mestiço Dante sempre se viu diante deste paralelo, percebendo que mesmo aqueles que possuíam o dom da magia também carregavam a macula da ignorância. O mundo poderia dar inúmeras voltas, mas os humanos sempre parariam no mesmo lugar. Perante dilemas de índole e a busca pela a noção de certo e errado.

Aos poucos a mata densa se dispersava pelo o bosque, os troncos retorcidos distanciavam-se abrindo brechas para a visão antes maculada do Auror. O sobretudo que ele trajava já se encontrava tomado por folhas e seus coturnos estavam imersos em lama. A umidade do local também aumentava à medida que ele perambulava, aparentemente sem rumo definido.

Os feixes lunares que lhe guiavam também passaram a adentrar com mais facilidade pela proteção de folhagens, revelando ao homem uma espécie de trilha que terminava no extremo leste do bosque. O caminho lhe pareceu um tanto peculiar, roseiras espalhavam-se distraidamente pelos extremos da mata, ligeiramente ocultas pelas raízes das árvores. As suas pétalas ostentavam cores que divergiam entre rosa e lilás.

Dante ajoelhou-se diante da relva e recolheu uma lasca do mar de rosas, as pétalas da tal cintilaram perante o seu toque. Com a sobrancelha arqueada ele a guardou no bolso de seu casaco, notando que sua luminosidade atravessava a camada de tecido da vestimenta.

Em silêncio e com os orbes inquietos ele prosseguiu pela a trilha florida, ora ou outra olhando para os arredores em busca de alguma movimentação estranha. Apenas as criaturas da noite o acompanhavam na jornada, ocultas entre os galhos e troncos retorcidos.

Os fios castanhos que despencavam na face do Auror ostentavam a umidade do ambiente e algumas gotículas de suor que escorriam pelas suas bochechas. Dante lembrava-se das ocasiões em que brincara com sua filha pelo o quintal de casa, perseguindo-a como se fosse um lobisomem. A garotinha adorava tais brincadeiras, rolava pelo o chão lamacento tal como o pai. Ao fim de toda tarde eles estavam tomados pela a sujeira e suados como se tivessem corrido 10 maratonas. Cabendo a sua adorável e temida esposa dar-lhes um banho com sua varinha. Os métodos da mulher eram um tanto quando brutais.

Um sorriso escapou dos lábios do homem, as lembranças de casa eram tão doces quanto cruéis. Poucos eram os dias que ele conseguia manter-se na quietude de sua poltrona, aproveitando apenas a companhia das donas de seu coração e a leitura prazerosa de um livro qualquer.

Após a bendita missão Dante prometia a si mesmo de que tiraria um período de férias, precisava apenas encerrar esse capitulo do passado para que pudesse aproveitar o presente que era desenhado diante de si.

A trilha acabara aproximando-se de seu fim, as roseiras antes ocultas revelavam-se sem vergonha para a noite. Uma cortina de folhagens jazia diante do homem de mechas castanhas, despertando a estranheza em seu olhar. Com a varinha em mãos ele tocou os fios esverdeados e instantaneamente sentiu um aperto em seu peito à altura da rosa que colhera. Ignorando a sensação como um simplório nervosismo Dante prosseguiu e atravessou a proteção do bosque, deparando-se no outro lado com uma cena que traria calafrios aos sonhos do próprio Ministro da Magia.

Uma clareira estendia-se naturalmente e no centro desta uma lagoa repousava, sua forma era perfeitamente circular. As roseiras que haviam guiado o Auror ao local se arrastavam pelo o solo lamacento até a água, circulando-a pela a margem como uma serpente. De inicio Dante não percebera, mas as rosas – agora celestes - desenhavam uma cobra ao redor do lago. E a mesma estava a morder o próprio rabo.

 O detalhe ampliaria o temor do Auror, mas seus orbes estavam fixados em outra coisa, ou melhor, em outra pessoa. A neta de Louis encontrava-se dentro da lagoa, a pele completamente exposta aos feixes lunares cintilava como se ela fosse uma miragem da noite. A jovem mantinha os olhos fechados, mirados em um ponto distante do bosque.

Com passadas tremulas Dante aproximou-se da garota, esforçando-se para não contemplar as curvas que se espalhavam pela a existência da mesma. Ela era bela e extremamente atrativa, como uma flor venenosa em um vasto campo.

— Finalmente – disse uma voz misteriosa atrás de Dante, levando-o a virar-se – Estávamos a sua espera.

Ele já havia visto a face do homem diante de si em arquivos do Ministério, os feitos do mesmo ocupavam pilhas e pilhas em sua mesa no gabinete dos Aurores. Desde que os rumores de seu retorno surgiram, Dante dedicara seu dia-a-dia a conhecer Pietros em seus mínimos detalhes. E agora ali estava ele, parado perante a passagem esverdeada como se pertencesse a aquele ambiente. Alexander possuía madeixas douradas, orbes sombrios e opacos. Para ocasião ele trajava uma camisa lilás e uma calça social azulada, em seu peito um broche da família Mortensen era evidente.

Dante engoliu em seco e sentiu novamente o aperto latejar em seu peito, mas a calmaria que lhe era característica surgiu como uma proteção a possível intimidação de Pietros. A diferença de idade entre eles era pequenina, poderiam ter pertencido à mesma escola se Alexander não tivesse escolhido passar os dias de sua adolescência torturando Trouxas e Mestiços.

— Que surpresa, Louis realmente é um péssimo mentiroso – rebateu o homem de mechas castanhas, abaixando a varinha até a cintura – Você deveria estar morto.

A frase pairou por breves segundos na clareira, um sorriso de canto surgiu dos lábios de Pietros. Ele desferiu um passo em direção a Dante e ao fazer isso uma terceira latejada percorreu a existência do Auror. Ele havia se colocado em uma situação de extremo perigo, a imprudência guiada pela a sua revolta pelos Puros poderia marcar o fim de sua vida.

Os rostos de Joanne e Coerence surgiram em sua mente como um afago de um possível desfecho. Elas compartilhavam do mesmo tom de madeixas e as sardas também se replicavam na primogênita. Ela deveria estar em Hogwarts, na quietude de seu dormitório ou escapando pelas vielas da escola como Dante costumava fazer durante a juventude.

— Já me falaram isso – Pietros desferiu outro passo e atrás do Auror a morena abriu os orbes, eles ostentavam uma coloração sobrenaturalmente celeste – Mas eu tenho uma tendência a contrariar os destinos que me são impostos.

Dante era um exímio duelista, rápido e preciso, poucas foram as ocasiões em que ele não conseguira sacar a varinha e desarmar o seu adversário. Porém naquele instante o pequenino pedaço de madeira tornou-se pesado, um fardo com todas as ações de seu passado e o temor de um futuro não realizado. Os olhos estralados buscaram a destra imóvel, que espantosamente ostentava linhas lilases e ardentes.

— Dói, não é mesmo? – Pietros sorria como se as engrenagens do destino cumprissem o esperado – Eu mesmo me espantei quando presenciei as habilidades de Lila pela a primeira vez, ela é uma bruxa formidável. Uma verdadeira “benção” do Ideal.

A voz do Auror estagnou-se na garganta em um gole seco, as palavras perdiam-se em seu interior, estavam presas em uma cúpula incolor impedindo Dante de manter o foco necessário.

— Ben-benção? – Dante expeliu as palavras com um tremendo esforço, caindo em seguida com os joelhos na relva multicolorida.

 A varinha desvencilhou de seus dedos e rolou sobrenaturalmente até Pietros, que delicadamente pegou o objeto, levando-o ao rosto em uma análise silenciosa.

— Vocês, Aurores, se julgam os justiceiros da sociedade. Porém não passam de instrumentos de um governo que vem sendo corrompido há eras, cachorros presos por coleiras de mentiras e ilusões.

O seu tom era eloquente e as frases eram declamadas como uma poesia. Nos documentos do Ministério o charme de Pietros ocupava algumas páginas, mas Dante julgara o detalhe na época como um adorno de uma lenda do passado. Porém seus olhos focavam apenas nele, nos movimentos de suas mãos enquanto discursava e nos passos que ele desferia até o lago, fugindo do seu campo de visão.

As linhas lilases se alastraram da destra de Dante até a sua nuca, envolvendo o pescoço como as raízes de um carvalho. Ao virar-se para acompanhar Alexander uma quarta badalada de dor rompeu e desta vez um urro de dor despencou de sua boca. O antagônico esboçava um sorriso de canto, limitando-se a olhar sobre o ombro para o Auror abatido. Ele estava parado diante da lagoa, ajoelhado com a varinha de Dante entre os dedos.

A jovem Lila encontrava-se praticamente submersa na lagoa, os orbes abertos continuavam expostos à noite. O homem de madeixas douradas deslizou cautelosamente a varinha do Auror na água, deixando que o objeto boiasse. Lentamente fios celestes se arrastaram pela a superfície aquática e abraçaram a varinha, puxando-a para o fundo. Simultaneamente ao ato Lila proferiu uma murmuro inaudível, desencadeando uma risada contida de Pietros.

— “A morte é apenas a passagem para outro mundo, e logo iremos toma-lo”. Ele era lunático, um sonhador.  A loucura de sua mente era algo tão formidável quanto danoso, creio que foi isto que acabou resultando em sua queda. Mas também deve ter sido esta mesa loucura que o vez conquistar o “outro mundo”.

A voz do homem varria os arredores da clareira, e mesmo estando próximo Dante não conseguia ouvi-lo com clareza. A dor gritava mais alto, ela arranhava os seus nervos e lhe salpicava a pele com uma coceira incompreensível. Ele ainda não conseguia entender a origem de seu tormento, nada naquele maldito bosque fazia sentido.

— Jô... – o nome deslizou da boca do Auror como um chamado de socorro. Era inútil, mas o rosto da jovem era a única coisa que o mantinha consciente na batalha que se alastrava pelas duas veias. E lá estavam suas mechas e o sorriso desdentado, era a imagem de uma Joanne no florescer da infância.

Pietros que até então ignorava os devaneios de Dante voltou-se ao mesmo com um ar de descaso. Ajoelhando-se enquanto tomava o rosto do homem em sua destra e encaminhava a canhota ao interior do bolso de seu sobretudo, retirando uma flor que o Auror colhera minutos atrás.

— Algumas pessoas nos últimos anos foram abençoadas com a presença de uma força inexplicável, um sentimento que corrompe os mais puros e íntegros do nosso mundo. E junto desta macula vem o poder, a capacidade de criar o impossível e mudar as regras do jogo – os olhos de Pietros antes opacos, agora brilhavam em um tom absurdamente celeste – Cabe a nós seguir as ordens desta força e propagar a sua mensagem. Afinal, somos suas Bênçãos, a prova de que uma nova revolução ira devorar a pacata ordem mundial que retarda o nosso mundo.

Gotas despencaram contra a face de Dante, chovia. As palavras lhe abandonaram a existência tal como a razão. Com a face presa a mão de Pietros ele permitiu-se fechar os orbes e contemplar uma última vez o sorriso de Jô. Passos ressoaram na clareira e imerso na escuridão de seu consciente o Auror escutou a voz de Lila, o seu tom era autoritário e os dizeres beiravam a um comando.

— Deixe-o ir.

O semblante de Pietros moldou-se em confusão, uma resposta percorreu os seus lábios, mas antes que ele pudesse liberta-la a jovem seguiu com a fala.

— Temos que deixa-lo ir, não se preocupe. Ele não se lembrará de nada e tampouco conseguira acordar com facilidade. Deixe-o próximo de seu hotel, talvez uma criatura lupina possa ataca-lo no percurso. Não é mesmo? – Lila sorria, as madeixas molhadas moldavam-lhe o rosto esguio.

— Sim, é claro – concordou o homem de madeixas douradas, deixando que a chuva levasse a consciência de Dante e suas memorias.


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