Perdido em outro mundo escrita por Lilian T


Capítulo 5
Nações e guerras


Notas iniciais do capítulo

Olá meus jovens! Tranquilos?
Sem perder tempo, apresento o capítulo seguinte da fanfic.
Boa leitura.

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Multiverso é um termo para descrever um hipotético grupo de universos possíveis. A realidade em que vivemos pode ser apenas mais uma entre um infinito de variações.

Existem um número imensurável de versões de nós mesmos, algumas fazendo exatamente a mesma coisa que fazemos agora. Outras, vivem vidas completamente diferentes.

O que alguém pode encontrar quando atravessa a barreira entre os universos?

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Harry Potter estava sentado na cozinha da casa dos Parker, diante de um prato de sopa vazio, o Mapa do Maroto em branco, sua varinha e a brilhante esfera de cristal que o colocara naquela enrascada.

Tiago Parker o encarava com uma expressão tensa.

— Você precisa ter documentos que provem que nasceu nesse país — disse ele. — Se for pego sem um número de registro e autentificação de identidade você pode ser preso e, acredite em mim, vai não querer uma coisa dessas.

— Não pode ser tão ruim, pode?

O Sr. Parker fez uma careta.

Harry sentiu a mão de Lílian Parker pousar em seu braço. Notou que ela estava séria e sua voz soou aflita:

— Não ter documentos de identificação é um crime muito grave. Os agentes do governo podem prendê-lo a qualquer hora, em qualquer lugar. E a maioria das pessoas não volta da prisão.

— Eles vão sumir com você, entende? — afirmou Tiago gravemente. — Irão levá-lo embora e desaparecer com você.

— Entendo...

O garoto mirou o prato vazio a sua frente. Aquilo era péssimo.

Estava a menos de doze horas naquele mundo estranho e já podia ser considerado um foragido da justiça. Como ele podia procurar um modo de voltar para Hogwarts se não devia sair andando por aí? E mesmo se decide ignorar aquele aviso, para onde a polícia o levaria? Veio-lhe a mente um porão escuro sem janelas...

 — Precisamos arrumar uma identificação para ele, Tiago — falou a Sra. Parker. — Não podemos simplesmente deixá-lo ser pego.

— Não, não podemos. Deus sabe o que fariam com ele — respondeu o marido, agora muito mais preocupado com o bem estar do garoto. — Mas será muito difícil. Precisamos de uma documentos falsos, fotos dele e uma boa história para contar no Ministério.

— Bem... Temos as fotos antigas do Henry.

— Podemos usá-las. Mas os números do registro dele estão fora de cogitação. Henry tem um atestado de óbito e um túmulo em Londres, e eles podem averiguar isso. Precisamos de uma identidade nova.

— Você... você conhece alguém que possa... hã, dar um jeitinho nessa papelada?

— Sim, Lils. Eu conheço um bom falsificador.

A Sra. Parker fez sinal para que ele abaixasse a voz.

— Droga, Tiago! Nem fale uma coisa dessas! E se alguém escutar?

Eles estavam dentro de casa, com as janelas e portas fechadas, e ainda assim, os Parker começaram a falar com vozes sussurrantes. Era como se tivesse uma pessoa de ouvidos atentos do outro lado da sala.

— Vou procurar meu contato amanhã de manhã. Precisamos resolver isso depressa — disse o Sr. Parker à esposa antes de se voltar para Harry. — Você terá de ficar aqui, sem poder sair de casa, por enquanto.

— Mas eu preciso tentar voltar para o lugar de onde vim!

— Pois vai ter de esperar — falou Tiago Parker, taxativamente. — Não podemos arriscar. Lembre-se que Lílian e eu podemos ser presos também por não entregá-lo à polícia.

O ânimo do garoto despencou

— Certo. Ficarei aqui. Não quero causar problemas.

— Ótimo.

 O Sr. Parker saiu da cozinha com passos firmes.

Harry ficou sozinho com a Sra. Parker, que lhe lançou um sorriso amável.

— Não se preocupe. Tiago vai dar um jeito em tudo, ele sempre dá. Mas você deve estar cansado — acrescentou ela, observando-o com atenção. — Pode dormir no quarto de hospedes. Venha, comigo.

Harry se levantou, apanhou seus pertences e seguiu Lílian Parker pelas escadas até o andar de cima, passando por um corredor até a última porta à direita. Ela a abriu, revelando um quanto simples com uma cama de solteiro e um guarda roupas pequeno. Havia um criado mudo ao lado da cama e cortinas na janela.

Ela apanhou cobertores no guarda roupas e deixou a cama pronta para ser usada. Eles estava tirando os sapatos para dormir quando ela lhe trouxe um pijama limpo, que Tiago não usava à tempos.

Harry agradeceu.

— Tem uma coisa que gostaria de perguntar, se não se importar — disse Lílian antes de sair do quarto.

— Pode perguntar.

— Essa cicatriz... Nunca vi nada assim. Como você a conseguiu?

Involuntariamente, Harry levou a mão a testa e passou o dedo pela cicatriz em forma de raio.

— Eu a ganhei na noite em que meus pais morreram.

— Oh, sinto muito... — comentou a Sra. Parker, constrangida.

— Não se preocupe. Está tudo bem.

Lílian Parker sorriu.

— É melhor deixá-lo descansar.

Ela saiu do quarto desejando-lhe boa noite e fechou a porta. Harry trocou o pijama, apanhou a varinha que estava a um canto e deitou-se na cama.

— Lumus! — ordenou.

A ponta da varinha devia acender, só que nada aconteceu. Ele apontou então para os próprios sapatos no chão e ordenou:

— Engorgio!

Os sapatos, que deveriam ter duplicado de tamanho, não tiveram qualquer mudança.

Os feitiços não estavam funcionando e sua varinha sequer emitira uma única fagulha desde que aparecera na floresta. O que era apenas uma suspeita, parecia ter se concretizado: não era possível realizar magia naquele mundo.

Um receio horrível se apossou de Harry.

Se ele não conseguia produzir magia, como faria a Pedra Elisiana funcionar e transportá-lo de volta para casa?

Ele estava preso naquele lugar e sequer tinha esperanças de que Dumbledore, Rony ou Hermione pudessem ajudá-lo, onde quer que estivessem. Afinal, ele estava com a única pedra magia daquele tipo de que se tinha notícias.

Harry tirou os óculos e colocou-os no criado-mudo junto com a varinha.

Pelo menos conseguira alguma ajuda, ainda mais de pessoas que lhe eram familiares.

Estava quase feliz de ter encontrado aquelas versões de Lílian e Tiago. Os Parker eram idênticos aos seus pais e pareciam ter o mesmo caráter — até onde Harry sabia, os Potter foram pessoas boas.

Todavia, ele não podia deixar de pensar que aquele não era seu lugar e que precisava ir embora em breve.

O garoto achou que não conseguiria dormir de tão preocupado que estava, mas quando fechou os olhos, foi invadido por um cansaço descomunal e apagou quase que instantaneamente.

***

Na manhã seguinte, Harry despertou assustado quando não reconheceu o quarto onde estava. Precisou de alguns segundos para se lembrar do que acontecera. Quando conseguiu, deixou escapar um suspiro cheio de ansiedade.

Não era um sonho.

Ele se levantou, trocou o pijama de Tiago e vestiu suas roupas de Hogwarts. Foi somente naquele momento que se deu conta que eram veste de bruxo — Os Parker deveriam ter ficado muito transtornados com sua aparência para não terem falado nada de suas roupas.

O garoto saiu do quarto e desceu as escadas para o térreo.

Encontrou Lílian Parker na cozinha preparando o café da manhã, ou pelo menos o que parecia ser o café. Havia leite, ovos fritos e uma maça.

— Desculpe, mas é o que temos — esclareceu ela, surpreendendo o olhar de Harry. — Estamos em guerra e tudo é racionado, mesmo para nós que cuidamos de uma mercearia. O comércio não vai tão bem quanto devia.

— Oh, está ótimo. Gosto de ovos pela manhã e leite está muito bom.

Ela sorriu como quem pedia desculpas e se voltou para a louça na pia. Quando tornou a falar, seu tom era baixo.

— Tiago foi conversar com um velho conhecido dele, para resolver sua situação. Não precisa se preocupar, vai dar tudo certo. Pode ficar aqui o quanto precisar, e pode me fazer companhia.

— Isso seria muito bom — ele disse, arrancando outro sorriso de Lílian, agora muito mais feliz. Harry olhou para o prato e perguntou: — Eu gostaria de saber que guerra é essa de que tanto falam? A senhora disse antes que estamos na Bretanha, que está em guerra com quem?

— Com a Germânia e a Balcânia, os países vizinhos — explicou ela, virando-se para o garoto. — A Normândia é nossa aliada.

— A Normandia? — Harry pensou que ela falava daquela região da França, invadida pelos aliados no Dia "D".

— Não. A Normândia. Tem um acento no "A".

— Mas eu não entendo. Estão em guerra por quê?

— Sempre estivemos em guerra. É a mesma guerra sempre. Olhe...

A Sra. Parker foi a sala e voltou folheando um livro. Ao encontrar o que procurava, colocou-o na mesa diante do garoto. Era um livro de geografia.

Assim que Harry pôs seus olhos nele, soube que algo muito esquisito acontecera com aquele mundo.

A página continha um mapa da Europa, mas a configuração geopolítica era totalmente diferente da que o garoto conhecia.

Grã Bretanha, Islândia, Noruega, Suécia e metade da Finlândia formavam um único país chamado no livro de Bretanha. Mais ao sul, no continente, a tal Normândia era composta pela França, Bélgica, Espanha, Portugal e metade da Suíça. Ao lado, o mapa indicava a Germânia, que era uma junção da Holanda, Polônia, Lituânia, Alemanha, Áustria, Hungria e metade da Ucrânia. Itália e os demais países mais ao sul, incluindo toda a Turquia compunham um país chamado Balcânia.

— Como isso aconteceu? — indagou Harry, pasmo.

— Ora, foram vários conflitos durante séculos. Teve por exemplo, a Guerra dos Águias que durou 1003 dias e...

Lílian começou a contar sobre um monte de fatos históricos que Harry jamais tinha ouvido antes. Na verdade, de alguns ele até tinha conhecimento, mas os resultados finais eram diferentes. Na Inglaterra, por exemplo, a Guerra das Duas Rosas não terminou com a união das casas e a ascensão dos Tudor, mas com a vitória da casa York, cujos descendentes tornaram-se, com os séculos, monarcas incompetentes e cruéis, causando uma revolução em 1834.

Batalhas entre outros lugares também terminaram de formas estranhas, fazendo com que vários países vizinhos se unissem ou simplesmente fossem anexados pelos mais fortes. Ali, a Primeira Guerra não aconteceu em 1914, mas sim em 1922, e durou dois anos a mais. A Segunda Guerra aconteceu apenas em 1947, com oito anos de atraso e uma década de destruição, sem nenhum resultado positivo e uma amargura profunda entre os países.

— Essa guerra em que estamos agora — Sra. Parker contou. — É a mesma desde 1947. Mesmo que os tratados tenham sido assinados ela nunca acabou realmente. Vem e vai de tempos em tempos. O conflito atual começou em 1990, por causa de um navio afundado no Atlântico ou algum atrito na Ásia, ou coisa assim... Eu já nem sei mais...

— Mas isso é horrível. E por que não param?

— Há muita raiva e rancor. É uma briga de nações, não de pessoas. Os povos simplesmente se odeiam a muito tempo.

— Seu filho morreu por causa da guerra? — Harry não conseguiu refrear a pergunta e se arrependeu de tê-la feito ao ver a tristeza no olhar de Lílian.

— Nos morávamos em Londres na época e os bombardeios estavam em seu auge — disse ela maquinalmente. — Era noite e as sirenes tocaram para que fossemos para o abrigo anti bombas. Mas Henry tinha esquecido seu aeromodelo favorito no quarto e voltou para pegá-lo. Tiago foi atrás dele. A bomba caiu quando eles estavam saindo. Tiago perdeu a perna esquerda e Henry se foi.

— Eu lamento muito...

— Você é muito gentil — disse Lílian, levando a mão aos olhos. Harry pensou ter visto uma lágrima.

A porta da frente se abriu.

— Cheguei!

Tiago Parker entrou na cozinha, onde encontrou sua esposa, Lílian, e Harry Potter sentados à mesa.

Ele mancou até uma cadeira, colocou a bengala de um lado e se sentou, com um brilho de êxito nos olhos.

— Consegui falar com Andy — disse, em voz baixa. — Ele sabe quem pode arranjar documentos falsos.

— Acha que Russell é confiável para um trabalho assim? — perguntou Lílian incerta.

— Claro. Somos velhos amigos e confio nele. É a única pessoa que conheço capaz de conseguir os papeis. Só precisamos providenciar algumas fotos, algumas antigas do Henry servirão. Eles podem adulterá-las, duplicar o menino para que pareça que são gêmeos.

— Por que é preciso alterar as fotos? — indagou Harry. — Pensei que fosse necessário somente alguns documentos.

— Não é tão simples. Podemos conseguir um novo número de registro e carteira de autentificação, mas não é possível reproduzir o carimbo oficial do Ministério. Depois que estivermos com todos os papeis, teremos de ir à sede do governo para que sejam carimbados.

— Mas eles não irão perguntar porquê meus documentos não tinham sido carimbados antes? Quer dizer, se pertenço à este país, eu não deveria ter esses papeis desde que nasci?

— Por isso a necessidade de duplicar as fotos — respondeu o Sr. Parker. — Temos de provar que você sempre esteve aqui. Diremos que é nosso filho, irmão do Henry.

Harry arqueou as sobrancelhas.

— Isso seria... Não é um transtorno para vocês?

A Sra. Parker balançou negativamente a cabeça.

— Está tudo bem — falou ela.

— É a melhor argumento que podemos dar — afirmou Tiago. — De que outra forma explicaríamos a semelhança entre você e eu, e o fato de ter os olhos iguais aos de Lílian? E devo dizer que isso vai nos ajudar muito — ele continuou, refletindo consigo. — Eles tem meios para provar que toda essa história é falsa, mas assim que virem você não terão motivos para ficar desconfiados.

— Se não fosse tão parecido — comentou Lílian — nunca daria certo.

Harry olhou de um para outro. Os Parker pareciam cansados, mas resolutos.

— Eu agradeço muito o que estão fazendo. Nem sei se um dia poderei pagar — de repente, Harry percebeu uma coisa: — O falsificador deve estar cobrando alguma coisa, não é?

Tiago desviou o rosto e Lílian desconversou:

— Não vamos falar disto. Quer um pouco mais de leite?

Harry ficou encarando o casal. Pela reação deles, os tais documentos deviam estar custando uma fortuna. Ele se sentiu culpado.

— Ei, nós quisemos fazer isso, está bem? — disse Lílian, percebendo o que ele sentia. — A decisão foi nossa, então não fique pensando que nos deve alguma coisa, entendeu?

— Certo — respondeu o garoto, ainda envergonhado.

Tomou um gole de leite.

Era engraçado como Lílian conseguia saber o que ele estava pensando. Sendo uma trouxa, ela não poderia saber Legilimência e, ainda assim, podia ler seus sentimentos como um livro aberto. Harry achou que era pelo fato de ser mãe.

"Mas ela não é sua mãe. Você não é filho dela. Você não faz parte dessa família."

Uma vozinha perversa no fundo da cabeça de Harry martelava cruelmente aquelas palavras em sua mente. Fazia-o se sentir muito infeliz e deslocado.

Esse sentimento apenas se intensificou nos dias que se seguiriam.

Harry permaneceu confinado na casa dos Parker, sem poder circular pelas ruas da cidadezinha, que ele descobriu se chamar Windshill. Sequer podia chegar muito perto da janela.

Tiago voltou para seu trabalho na mercearia normalmente, mas disse a todos que perguntavam, que Lílian estava de repouso devido a um forte resfriado. Isso justificava o sumiço repentino da esposa que passava os dias na companhia de Harry.

A Sra. Parker usou esse tempo para repassar alguns eventos históricos que ainda deixavam o menino confuso e que poderiam acabar com o disfarce que estavam tentando criar. Harry, por sua vez, gastava suas energias ajudando a Sra. Parker a cuidar da casa, dobrar roupas e, às vezes, cozinhar.

Mesmo com o racionamento de alimentos, Lílian se mostrou uma boa cozinheira. Enquanto o garoto estava preso ali, a Sra. Potter superou a dificuldade de conseguir ingredientes e fez purê de batata, frango empanado e uma torta de maça.

— Quando era criança — comentou ela em uma manhã — minha sobremesa preferida era torta de chocolate. Infelizmente, faz anos que não como um pedaço, desde que o chocolate ficou escasso.

— A minha sobremesa favorita também é torta, mas de caramelo.

— É mesmo? Eu nunca provei uma dessas...

Naquela mesma tarde que Lílian começou a ajustar algumas roupas de Tiago para Harry, já que o garoto só tinha consigo as vestes de Hogwarts.

— É só dar uma apertadinha — a Sra. Parker repetia. — Você é quase do tamanho do Tiago.

Ela dizia aquilo com ternura e, certa hora acrescentou:

— Não tem nada de parecido com meu sobrinho, Ben. Ele puxou ao pai dele, que lembra uma morsa — ela não pode conter o riso. — É, a Petúnia nunca teve bom gosto. Às vezes me manda uns enxovais cheios de franjas...

Os dois se divertiram com as histórias de família da Sra. Parker e só pararam quando Tiago chegou à noite, fazendo uma cara emburrada para Harry. Seu humor só melhorou ao descobrir que a esposa prepara estrogonofe usando pedaços que sobraram do último frango.

Eles tiveram um jantar tranquilo e comeram alguns cookies de um pacotinho que Tiago desfalcara do estoque.

Quando já estavam quase se recolhendo para dormir, houve um apagão e eles ficaram no escuro.

— Essa não! Assim os congelados vão estragar! — exclamou o Sr. Parker. Virou-se então para Lílian: — Vou até ao armazém ligar o gerador reserva. Tranque a porta quando eu sair.

— Está muito escuro lá fora. Pegue a lanterna na gaveta e leve Harry com você.

— Para quê?

— É noite, está escuro e você vai ter parar para abrir a porta. Pode haver alguém a espreita. Ficarei mais tranquila se levá-lo como companhia.

— Certo... Vamos lá, Potter — disse, impaciente, apanhando a lanterna na gaveta enquanto sua esposa acendia velas pela casa.

Harry pegou um casaco e acompanhou o Sr. Parker para fora.

Depararam-se com uma rua completamente escura. Harry levantou a gola do blusão e seguiu Tiago, que apesar da prótese na perna, andava com passos rápidos sobre a calçada cheia de gelo.

A mercearia não era muito longe e depois percorrerem algumas esquinas, pararam diante do pequeno estabelecimento comercial envolto inteiramente no breu. Tudo o que Harry teve de fazer foi vigiar enquanto Tiago destrancava a porta dos fundos.

Assim que ouviram a fechadura destravando, entraram depressa.

Mesmo com a lanterna não se via quase nada na sala. Tiago caminhou para dentro da loja com o menino em seu encalço e logo encontrou o grande gerador movido a gasolina. Harry segurou a lanterna enquanto o outro remexia na maquina que, após um momento, começou a funcionar.

O Sr. Parker foi até o interruptor e acendeu a luz, que iluminou o cômodo.

— Pronto — disse ele. — Comprar essa coisa foi um ótimo negócio.

— São muito comuns esses apagões? — perguntou Harry.

Tiago deu os ombros.

— Mais do que deviam. Às vezes os bombardeios inimigos atingem a rede elétrica e a transmissão é interrompida. Na maioria das vezes é por falha do setor de energia mesmo. O governo gasta tanto com a guerra que mal faz a manutenção dos postes e usinas.

— Manter uma guerra por tanto tempo deve ser bem despendicioso.

— E você nem viu os hospitais — comentou o Sr. Parker. — Lílian lhe contou que é enfermeira?

— Não — respondeu Harry, surpreso.

— Pois ela é — ele contou — Trabalhava em um hospital em Londres e era um martírio. Muito serviço e péssimas condições. Mas ela sempre gostou de cuidar dos outros e amava o que fazia, por isso não reclamava.

— Deixou a profissão, no entanto...

— Para me ajudar — a voz de Tiago assumiu um tom amargurado. — Ela largou o emprego por minha causa e fomos embora de Londres. Eu não conseguia ficar mais lá... Ela disse o que aconteceu?

— Vocês perderam seu filho naquela cidade.

— Eu dei aquele avião à ele — Tiago Parker falou aquilo como se tivesse conversando consigo mesmo. — Eu trabalhava como engenheiro aeronáutico, projetando aviões. Fiz um aeromodelo só para o Henry. Ele adorava aviões e tinha vários deles, mas aquele era exclusivo. Quando as sirenes tocaram naquela noite, saímos às depressa, e no meio do caminho, Henry percebeu que o aeromodelo tinha ficado na casa.

O Sr. Parker olhou para a parede vazia. Harry soube que ele estava revendo a cena.

— Aquela droga de presente! Por que dei aquela porcaria à ele? — continuou Tiago. — Henry voltou para pegá-lo apenas por que fui eu quem o construiu. Eu podia ter feito outros dez iguais. Aquela coisa não valia nada!

Os olhos de Tiago brilharam.

— Eu devia tê-lo segurado, só que ele foi mais rápido. Entrei na casa atrás dele e o alcancei no quarto. Descemos as escadas correndo... estávamos quase na porta a bomba caiu.

A voz dele falhou.

— Morreu segurando o avião... O avião que eu tinha dado à ele... Sei que Lílian me culpa, mesmo que jamais tenha dito em voz alta, mas eu sei...

— Ela nunca pensaria uma coisa dessas! — exclamou Harry, chocado.

O Sr. Potter fitou-o com uma expressão abatida.

— Nem sei porquê estou contando essas coisas. Já passou  — disse ele. — O que me preocupa agora é o que acontecerá daqui para frente.

O garoto sentiu o peso do olhar de desaprovação de Tiago sobre ele. Todavia, quando falou, não havia raiva na sua voz:

— Deve achar que não gosto de você, não é? A verdade é que apenas não o quero muito tempo aqui.

Harry engoliu em seco. Tiago se explicou:

— Não me leve a mal. O que acontece é que sei que vai embora, e será de forma tão repentina quanto seu aparecimento. — deu um suspirou fadigado. — Já deve ter reparado que Lílian gosta de você. Tem ideia do quanto ela sofrerá quando você partir? Não quero que isso aconteça...

— Também não quero que ela sofra — afirmou Harry.

— Eu sei. Percebi que gosta dela. Entretanto, acabara voltando para o lugar onde veio uma hora ou outra — ele pigarreou. — Estou tentando não me apegar a você, entende?

Um vazio inexplicável preencheu Harry.

— Sei o que quer dizer.

O Sr. Parker não disse nada. O garoto teve a sensação de que ele sentia a mesma coisa naquele momento.

Eles apagaram as luzes e deixaram o gerador ligado para manter o refrigerador funcionando durante a noite. O Sr. Parker trancou novamente a mercearia e eles seguiram de volta para casa em silencio.

Quando atingiram mais ou menos a metade do caminho, Tiago fez uma observação:

— As coisas as vezes não saem como planejamos. Tem sentimentos que são inevitáveis.

Nenhum dos dois olhou para o rosto do outro, mas Harry sentiu a garganta arder subitamente quando a mão de Tiago Parker pousou sobre seu ombro, com um aperto carinhoso.


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Notas finais do capítulo

Ah, são tantas emoções.
Espero que tenham curtido o capítulo.
Deixem seus comentários se gostaram do capitulo. Criticas e observações são sempre bem vindas.
Obrigada por lerem até aqui.
Bye!

Fanfic disponível no Spirit:
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