Escrito na Areia escrita por Isabella Moore


Capítulo 1
Capítulo 1 - Recordações




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Voltar a Londres! Sorri para não desmaiar dos nervos que sentia naquele momento. O meu estômago estava ás voltas e os meus olhos reviravam-se cada vez que ouvia o nome da cidade. Ver ingleses a beber chá parecia uma ideia maravilhosa para a minha família, menos para mim. Eu nem sei se eles ainda bebem chá ás cinco, disse-lhe. Mas ela continuou a insistir.

"Vamos, avó. Sem ti não vai ser divertido", a voz aguda entoava como um altifalante do outro lado. Eu devia ser franca, responder negativamente de imediato, mas o meu coração de manteiga não resistiu (como sempre) e acabei por aceitar o convite da minha querida neta.

— O casamento é dia vinte e um. – ouvi-a rir. – Não esqueças. Ah e é para todos usarem uma rosa vermelha. Eu adoro rosas.

— Eu sei disso, querida. – revirei os olhos, novamente. Ao mesmo tempo que ela falava eu ia organizando a minha agenda para o mês de Dezembro, obviamente com o casamento havia muitos eventos a cancelar. – Já entendi, já entendi.

— Mesmo? – suspirei enquanto ela insistia em fazer a mesma pergunta cem vezes. – Já sabes, rosa vermelha, vestido claro e nada de levar ténis. Ok?

— Ok, eu já entendi. – levantei-me do sofá e dirigi-me á cozinha, recordei-me que deixara um bolo a aquecer no micro-ondas e este já tinha tocado á quase dois minutos. – Elena, onde vai ser o casamento?

O silêncio apareceu. Do outro lado ninguém me respondia. Eu odiava que me deixassem no vácuo do universo, não admitia que mo fizessem nem por mensagem, quanto mais chamada telefónica. Chamei por ela. E nada. Nada. Só falta desligar-me o telefone na cara, queres ver.

— Avó? – sussurrou. – Estás aí?

— Sim, á mais de meio século. – refilei.

— Desculpa, surgiu um conflito com o James. – respondeu-me gaguejando. – Bem, depois ligo-te.

— Elena. – suspirei. – Diz-me onde raio é o casamento, por favor.

Escutei uns sons curtos e baixos. Telefone desligado. Telefone. Desligado. Na. Minha. Cara. E agora, aproveito os nervos de alguém desligar-me uma chamada na cara para erradicar o mal da minha vida. É aquele momento em que eu saiu a rua e destruo a minha maior inimiga - Carla Witt – a maldita vizinha da frente que esta a espreitar pela janela.

Aquela rabisca loira e anorética não me chega aos calcanhares e isso deixa-a cheia de inveja, eu sei. Sempre deixou. Já desde que estávamos no último ano do ensino obrigatório que ela me provocava e invejava. Lembro-me de quando conheci o Richard, ela estava comigo, deitou-lhe logos os olhinhos. Azar. Não foi dela. E nem meu, na verdade. Tristezas á parte.

Que inútil com tanta conversa esqueci-me da porcaria do bolo. Caminho em linha reta, sem mexer a cabeça, já com os olhos semicerrados e abro a janela da cozinha. Sorriu para Carla que, imediatamente, esconde-se atrás da cortina. Fecho a janela e puxo a cortina azul-clara. Tiro finalmente o bolo do micro-ondas – o queijo derretido a escorrer dos cantos deixa-me com água na boca -. Mordo, os meus olhos fecham de prazer, mastigo. Isto era tão bom quanto sexo. Comida é tão boa quanto sexo, pelo menos para quem não o pratica á muito.

— Rose. Rose. – ouço uma voz a chamar-me. Uma voz grave e alta. É a Alicia, aposto. Aposto um milhão que é ela.

— Sim. Já vou. – pouso o meu bolo em cima da mesa da cozinha, e corro até a porta. Antes mesmo de abrir a porta, ela bate fortemente. – Calma!

— Rose. – entra sem pedir. – Não imaginas a nova.

— Sim? – murmuro. – Pelo menos pedias para entrar não?

— Rose, Rose. – salta excitada.

— Eu sei o meu nome. – fecho a porta. – Diz.

— A Carla tem um marido novo. – sorriu. – E já sei quem é.

— Oh não. – murmuro. – Mexericos de novo! Não quero saber.

Sim, Alicia. O Correio da Manhã do bairro. Ela sabia de tudo e quando digo de tudo, refiro-me a tudo mesmo. Ela consegue até saber quantas vezes o casal de jovens que chegou ao nosso bairro faz amor. O que nem é muito para quem esta recém-casado (só três vezes por semana).

— Está com o Charles. O do Banco. – atira-se para o sofá. – Charles Macdonald.

— O das Hambúrgueres? – ri.

— Não, otária! O do Banco, já disse. Com certeza vai comprar novas joias. – ligou a TV. – Sabes como ela é, só quer dinheiro.

— Não sei de nada. Só sei de mim. – disse-lhe. Voltei a cozinha. – Nem de mim, ás vezes.

— Calma aí! – gritou e veio atrás de mim. – Claro que sabes. És a vizinha dela. Não reparaste que agora ela só desliga as luzes do quarto de madrugada. Porque será?

— Oh Meu Deus, não. Claro que não, vamos parar de discutir este assunto. – coloquei o bolo no frigorífico.

— Podemos falar do Evento das irmãs Hallie. – riu-se. – Detestei a decoração....

— Para. – agarrei-lhe os braços. – Vamos falar de coisas sérias.

— Do casamento da tua neta? – arqueou a sobrancelha. – Já soube.

— Sim, é dia vinte e um. Está quase. Tenho de fazer as malas. – suspirei.

— O que? – ficou boquiaberta. – Vais ao casamento?

— Claro. – revirei os olhos. – É a minha neta.

— Pensei que tinhas traumas de casamentos desde que o Richard te abandonou. – tocou-me no rosto. Olhei-a de lado. – Desculpa, não queria dizer isto assim.

Um dos maiores defeitos da Alicia era dizer tudo que devia e não devia. Ás vezes dava-me vontade de gritar-lhe e mandá-la sair da minha casa. Que raiva. Ajeitei a minha camisola e empurrei-a contra a mesa.

— Chega.

— Desculpa, a sério. – continuou. – Sei que foi difícil para ti. Mas também para nós. Todas o adorávamos.

— Ele não me abandonou. – abri a torneira, fiquei por segundos ver a agua a correr, recordava-me a praia onde marcamos o nosso território. O nosso amor.

— Pronto. – murmurou sentando-se na mesa. – Vá lá, admite. Ele desandou de ti.

— Nem vou discutir. – passei o prato por água.

— Não? Então porque estas a lavar um prato que nem foi usado? – riu-se e fez caretas. – Ok, eu vou parar.

Doía-me, admito. Ouvir falar nele custava-me imenso mesmo que já tenham passado quase cinquenta anos, ainda dói. Ele foi o homem que mais amei na minha vida, o único a quem confidenciei os meus medos, único que eu entreguei o meu corpo, foi ele quem eu marquei no meu coração. E ele marcou-me a mim. Fizemos um pacto naquela praia, um dia antes do nosso suposto casamento. Escrevemos os nossos nomes nas rochas e em uma concha. Uma metade ficava comigo e a outra com ele. Nunca mais o vi, nunca mais o beijei nem senti o cheiro a baunilha do seu perfume, nunca mais toquei o peito dele. Cada vez que me recordo do nosso pacto, arrepio-me toda, não sei porque. É como se houvesse algo naquela praia.

— Rosalie? – Alicia chamou-me

— Estava a pensar. – respirei fundo. – A sério, vai embora.

— Queres que vá embora? O que se passa?

— Apenas vai. – virei-a ao contrario, em direção a porta da frente. – Estou sem paciência.

— Como? – questionou boquiaberta. – Nunca me tinhas feito isto...,mas tudo bem, até logo.

— Até logo. – saiu completamente arrasada e a olhar para trás. – Nunca mais voltes.

Encostei-me á porta, deslizei até ao chão. Encolhi-me toda e meti a cabeça entre as pernas. Era incrível como em menos de meia-hora uma pessoa passava de um estagio feliz e vivo para outro, mais depressivo e doloroso. O meu peito doía, sentia um ardor na garganta, a minha respiração ficou lenta e o meu coração parecia tremer. Aquele foi o momento em que tudo veio á tona. Em que as ondas do mar trouxeram o que eu mais odiava ter acontecido na minha vida.

O dia dezanove de Agosto de 1945 revirou-se dentro de mim. Recordei-o perfeitamente.

— Para que o nosso amor saia glorioso e seja sempre lembrado. – ele escreveu o meu nome na pequena concha. E sorriu. Os olhos verdes dele brilharam á luz da lua cheia.

— Para que ninguém interrompa o que construímos. – escrevi o nome dele na outra parte da concha. E beijei-o. O meu corpo seminu suava.

— Eu amo-te. – aproximou-se de mim. O corpo dele encostou-se ao meio. Era tão bom sentir aquele calor humano. – Para sempre, juro.

— Obrigado por teres aparecido na minha vida. – agradeci em lágrimas. Ele apertou-me com mais força. Os nossos corpos colados, os nossos rostos cruzados e a respiração ofegante, deixaram-me excitada. – Se tu quiseres.

— Não, deixa estar. – beijou-me o pescoço.

— Eu sei que queres, é normal. És homem. – ri.

— E tu não queres? – perguntou-me piscando o olho esquerdo.

— Quero. – desapertei os botões da minha túnica. – Agora.

— Eu também quero, mas não é só isso. – empurrou-me. Fiquei tensa. – Casa comigo.

— Como? – fiquei sem palavras, engoli em seco. Era como se tivesse acabado de ser engolida por um tubarão. – Isso é uma pergunta?

— O quê que tu achas? – riu-se. – Sim ou não?

— É claro que sim. – abracei-o. Naquela noite os nossos corpos uniram-se pela primeira vez, nus e quentes.

As memorias desfaziam-se na minha mente.

O telefone tocou. Pensei se me levantaria para atender ou não. Acabei por recompor-me e atende-lo, podia ser algo urgente ou uma cliente. Mas não, era apenas a um número desconhecido. Mal pousei-o ligaram novamente. Atendi.

— Sra. Rosalie?

— Sim, quem é? – perguntei ainda em lágrimas.

— Temos novidades do caso. – disse-me.

— Que caso? – passei a mão pelo nariz, tinha uma comichão terrível.

— Do seu marido. Richard Belford.

O telefone escorregou da minha mão. Naquele momento eu entrei num filme dos anos vinte, tudo estava a movimento lento, o mundo pareceu parar. E a voz do policia chamava-me repetidamente.

 


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