Em Um Dia De Chuva escrita por F Rover


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

História betada por Nat King, a quem eu agradeço imensamente.



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Não em nenhum absurdo afirma que, sempre quando é necessário, a vida dá um “empurrão” na direção certa que uma pessoa deve seguir. Não para Ivan Amaro, vinte e sete anos, solteiro, orfão, totalmente solitário e prestes a receber da vida essa ajuda.

Houve um tempo que Ivan desejou e procurou impetuosamente o amor, quando muito jovem e ingênuo, sonhou com um companheiro, alguém para dividir alegrias e tristezas e tudo que conseguiu foi provar a si mesmo que seu conceito de amor e companheirismo, não se encaixava nos padrões dos relacionamentos descartáveis atuais.

E justo agora, depois de desistir da procura, quando não esperava encontrá-lo mais, em um fim de tarde chuvoso, em que se encontrava sem guarda chuva e se escondia embaixo do abrigo de uma marquise, o amor se choca brutalmente com o rapaz e o atira para fora da calçada, em direção à poça de água suja próxima.

— Vamos, levante-se.
— O responsável por sua queda diz, estendendo a mão a um Ivan vergonhosamente estatelado no chão em um ângulo engraçado.

— Você se machucou? — Marcelo pergunta sorrindo com simpatia carregada de remorso. Prestativo, o auxilia a se por de pé e o traz rapidamente de volta ao abrigo da marquise.

— Apenas molhado e envergonhado. — Ivan responde, hipnotizado pela íris esverdeada do homem de pele morena a sua frente.

— Eu não costumo empurrar estupidamente as pessoas para fora da calçada direto em uma poça de água suja. — Ele se justifica enquanto tenta com leves tapas afastar a umidade das roupas de Ivan que se tornaram uma bagunça molhada.

— Eu também não costumo ser brutalmente atirado para fora da calçada direto em uma poça de água suja por brutamontes desatentos. — Ivan tenta devolver com humor e falha em razão das sensações estranhas que as mãos grandes dele provocavam em seu corpo.

— Marcelo Torres. Prazer. — ele diz e lhe estende a mão após dar por encerrada as tentativas de tornar melhor as roupas de Ivan.

— Ivan Amaro. — Se apresenta apertando a mão que lhe foi estendida, sem deixar de notar a diferença entre sua mão magra e o aperto forte do rapaz.

— Dia terrível, não, Ivan? —O rapaz moreno comenta casualmente em uma tentativa de puxar assunto e se pondo bem próximo a Ivan, seus ombros quase se tocando. — Eu estou saindo do trabalho, dias chuvosos me fazem sentir mal humorado e deprimido.

— Eu também estou saindo do trabalho. — Ivan começa, relutante em continuar a conversa com um completo desconhecido. — Esses dias de chuva são terríveis.

— Sim, são. — Marcelo concorda. — As pessoas parecem mais distantes e desastradas. Me desculpe. — pede sincero.

— Dias como esses não rendem e as pessoas se tornam irracionais e difíceis. — Ivan completa. — Você está desculpado.

— Nesses dias os nossos problemas se tornam maiores e os erros cometidos mais evidentes. — O outro dá prosseguimento. — Obrigado.

— Foi só um acidente. — Ivan o tranquiliza.

— Você é casado? Porque se for, alguém em casa irá esperá-lo por um bom tempo. — Marcelo diz, chamando a atenção do outro para a chuva que intensificou.

— Ninguém em casa me espera. — Ivan responde com tristeza e rapidamente muda o foco da conversa para o outro rapaz. — E você, alguém em casa? — Um homem atraente, perto dos trinta, com rosto e olhos marcantes, diferente do loiro magro e comum que era, com certeza teria alguém em casa o esperando.

— Não mais. — Marcelo responde com certo pesar e continua de forma despreocupada. — Eu sou completamente só, então essa chuva pode me manter o tempo que for fora de casa.

— A solidão não o incomoda? — Ivan pergunta curioso. — Eu também sou completamente só e detesto. — explica.

— Eu dificilmente me sentiria solitário. — Marcelo sorri se recordando de algo. — Eu tenho uma família grande com muitos primos e irmãos — revela. — Eles entram e saem à hora que bem querem da minha casa, não respeitando meu desejo de permanecer sozinho em alguns momentos.

Enquanto trocavam ideias, sem que os dois percebessem, a chuva se abrandou, tornando-se inexistente.

— A chuva parou. — Ivan constata surpreso pouco tempo depois. Esteve conversando com um completo desconhecido como se fossem velhos amigos. — Então adeus.

— Não vá ainda. — Marcelo o detém. — Eu gostei de você, Ivan, sinto que seremos bons amigos. — diz ele. — Vamos até aquela padaria ali na esquina tomar um cafezinho para aquecer da chuva.

O cafezinho que deveria durar uns poucos minutos se estendeu por uma hora inteira. Sentados na banqueta em frente ao balcão da padaria, conversavam sobre tudo sem se darem conta do tempo passado.

Ivan tinha a impressão de já conhecer os nomes da maior parte dos amigos e alguns familiares de Marcelo.
        — Quantos sobrinhos você tem? — pergunta surpreso quanto ao número que escutou.

— Quinze. — Marcelo afirma orgulhoso.

— Eu não acredito. — Ivan sorri e em suas bochechas duas covinhas se formam.

— Algo natural tendo seis irmãos. — explica colocando de lado a xícara vazia.

— Você quer outro café?

— Não dois já são o suficiente para me deixar acordado pelo resto da noite. — Marcelo diz encerrando o amigável cafezinho.

— Quais as idades de seus sobrinhos? — Curioso o rapaz pergunta antes que o outro se levante, pois a cerca de meia hora atrás já havia colocado de lado sua xícara vazia recusando um segundo café.

— Desde onze anos até um adorável bebê de três meses — responde coruja. — Em cortesia a sua companhia eu pago. — informa ao outro já se levantando, mesmo sem olhar no relógio sabia já ter passado muito da hora que os dois costumavam retornar as suas casas.

— Em um gesto de amizade, nós dividimos. — Ivan retruca, se erguendo também. Em acordo, os dois se dirigem ao caixa para dividirem a conta.

Na saída da padaria, os dois se veem atrapalhados quanto à despedida. Marcelo retardava sua partida pois queria manter contato com o rapaz, mas estava na dúvida se o outro poderia querer o mesmo.

Ivan sentia vontade de manter Marcelo por perto, não queria que ele sumisse para sempre de sua vida, mas inseguro relutava em agir. Permanecia calado em frente ao outro esperando pela despedida que não vinha.

Em um súbito atino de coragem, temeroso de que Marcelo finalmente se despeça, Ivan propõe em um folego só.

— Meu apartamento não é muito distante, você aceitaria jantar comigo?

— Você tem certeza? — Marcelo pergunta, verificando as horas em seu pulso, realmente perdera a noção do tempo na conversa da padaria. — Eu sou um completo estranho, você realmente me quer em sua casa?

— Eu gostei de você e sinto que seremos bons amigos. — Um pouco mais confiante, Ivan faz um gesto chamando o outro para segui-lo.

O apartamento do rapaz era realmente próximo, em minutos chegaram ao local, era o que se podia esperar da moradia de uma pessoa solteira: pequeno com uns poucos móveis funcionais, mas diferente da maioria, a limpeza e organização se impunha.

— Você não deveria ter medo de trazer um completo desconhecido para seu apartamento? — Marcelo já sentado na mesinha da minúscula cozinha de Ivan, questiona.

— Deveria. — Ivan admite. — Mas eu realmente senti que seremos grandes amigos.

— Nos dias atuais não dá para confiar em qualquer um. — Ele começa sério, e vê a pele muito clara do outro se cobrir de vermelho. — O esbarrão e ajuda que ofereci poderia fazer parte de um plano para ganhar sua confiança e facilmente o roubar ou provocar outro prejuízo qualquer. Nunca mais abra a guarda tão facilmente para um desconhecido. — Marcelo o adverte.

— Eu senti que podia confiar e confiei. — Ivan se justifica, sem interromper a tarefa de distribuir os pratos para refeição dos dois.

— Você tem sorte. — Marcelo fala. — Eu sou o tipo de amigo que você parece estar precisando.

— Esse tipo seria?

— Aquele que vai tentar colocar um pouco de bom senso em sua cabeça. — Ele diz abrindo um enorme sorriso depois do tenso momento de seriedade. — O que você vai fazer no final de semana? Eu e alguns amigos planejamos sair para beber, você nos acompanha?

O local escolhido para beberem foi um barzinho que Ivan conhecia. Frequentara-o algumas poucas vezes com colegas de trabalho, com mesinhas de madeira espalhadas do lado de fora pela calçada, o ambiente era tranquilo, limpo e o serviço eficiente.

O grupo ocupava uma mesa próxima à entrada do bar, Marcelo levanta-se assim que avista Ivan, o ultimo a chegar, se aproximando.

— Pessoal, esse é Ivan, o cara de quem falei. — Ele o apresenta aos três amigos sentados na mesa.

— Então esse é o sujeito que você “atropelou” dias atrás? — O primeiro pergunta em tom de zombaria. — Eu me chamo Ítalo — se apresenta. — No seu lugar eu teria processado esse cara, aí.

— Sente-se antes que Marcelo provoque outro acidente. Seu tamanho prejudica sua noção de espaço — convida o segundo rapaz, ao lado de Ítalo. —Me chamo Allan.

— E eu Ronaldo. — O ultimo do grupo se apresenta. — O que irá beber? — pergunta a Ivan assim que ele se acomoda na cadeira vazia ao lado da de Marcelo. — Beba à vontade por que hoje, em um pedido de desculpa, o nosso amigo desatento é quem vai pagar.

— Eu já me desculpei. — Marcelo retruca acenando para o garçom que atendia a mesa ao lado.

— Ele me pagou um café. — Ivan revela com timidez. O retraimento inicial diante de desconhecidos era uma característica de sua personalidade que detestava.

— Ivan, eu tenho a impressão de já o conhecer de algum lugar? — Ronaldo pergunta analisando, pensativo, o rapaz. — Onde você trabalha?

— Em um escritório de contabilidade no centro, no segundo andar do edifício América . — responde antes de fazer seu pedido ao garçom.

— Eu trabalho no mesmo edifício! — Ronaldo constata surpreso. — no escritório de engenharia no primeiro andar, provavelmente já nos encontramos por lá.

Ivan concorda com um gesto afirmativo. Logo que foi apresentado a Ronaldo teve a mesma sensação de reconhecimento.

— Marcelo, Ítalo e eu trabalhamos a uns cem metros de distância de vocês. — Allan diz a Ivan.

— Vocês são amigos, trabalham perto e se reúnem todo final de semana? — Ivan pergunta.

— Não nos reunimos. — Allan responde. — Não é sempre que Ronaldo consegue ludibriar sua esposa para sair ou que a namorada de Ítalo viaja.

— E não há uma garota em seu juízo perfeito que ature Allan por muito tempo. A ultima da vez caiu em si e o chutou. — Ronaldo devolve. — Para não deixá-lo curtindo sua dor de cotovelo sozinho, estamos aqui. — Ele faz um gesto amplo com os braços abrangendo o bar e as mesas.

— Você não tem ideia Ivan, dos sacrifícios que nós fazemos por nosso amigo. — Marcelo fala encenando um suspiro alto.

— Sim. Sacrifícios iguais os daquelas vezes que eu me deixei ser arrastado por você para aquela cafeteria recém-aberta na esquina da Avenida Sá Guedes, porque você estava paquerando um dos rapazes que foi atendente lá! — Allan acusa Marcelo. — Vir beber comigo é fichinha perto de ter que experimentar brownies, tortas, bolos, muffins, cupcakes, cheesecakes, aquele rapaz quase me deixou diabético com suas sugestões. — Allan termina soltando o mesmo suspiro encenado do amigo.

— Você não tinha que pedir tudo o que ele sugeria, no cardápio havia outras coisas. — Marcelo o lembra. — E você gostou tanto que acabou virando cliente fiel daquela cafeteria.

— Gostou tanto que acabou arrastando Ítalo e eu para lá. — Ronaldo diz, se juntando a Marcelo contra Allan.

— Aquela cafeteria serve o melhor expresso dessa cidade. — Ivan opina, entrando na conversa, não poderia deixar de ressaltar algo que merecia elogios.

— E também a melhor torta de limão. — Marcelo acrescenta.

— Eu frequento há anos aquela cafeteria somente por causa do expresso e da torta de limão. — Ivan confessa.

— Próximo da cafeteria tem um pequeno restaurante que você deveria um dia visitar. — recomenda ao perceber que ele e Ivan pareciam ter gostos parecidos.

— Dentro há espaço somente para poucas mesas, a comida é feita em pequenas porções e está sempre fresca. — enumera.

— Você já o conhece? — Marcelo se surpreende, e continua em um tom mais alto, pois nesse momento Allan e Ronaldo começam uma conversa paralela sobre alguma série que acompanham. — Eu almoço todos os dias nele.

—Eu também! — elevando um pouco a voz Ivan revela surpreso com mais essa coincidência e se envergonha do ato no minuto seguinte. acanhado e sem saber como proceder dali para frente ele se move na cadeira inquieto.

— Vocês trabalham perto, almoçam no mesmo restaurante, frequentam a mesma cafeteria e foram se conhecer somente no dia que um empurrou o outro por um espaço debaixo de uma marquise? — Ítalo pergunta sem acreditar. Há minutos vinha acompanhando com interesse o diálogo dos dois e viu o embaraço do rapaz por ter se expressado alto demais, solícito procura mudar a direção da conversa.

— Parece que temos horários diferentes. — Marcelo chega à conclusão.

Ronaldo e Allan, terminando suas observações sobre a tal série, retomam a interação com os demais.

Ao longo da noite descobriram novos gostos e lugares frequentados em comum. Trabalhando próximos, frequentando os mesmo lugares, foi uma incógnita os cincos não terem se encontrado e se tornado amigos antes.

Na sexta feira daquela semana, Ivan e Marcelo dividiam uma refeição no restaurante sobre o qual haviam comentado no sábado. Naquele dia, Marcelo adiantou a reunião que teria com um cliente na imobiliária onde trabalhava para encontrar-se com o rapaz no horário do almoço, para outra amigável conversa.

A conversa com Ivan era sinônimo de descontração e diversão, algo que facilmente se tornava um hábito para ele. Com Ivan podia conversar sobre qualquer coisa sem temer cair no silêncio constrangedor da falta de assunto de duas pessoas que começavam a se conhecer.

Conversavam sobre coisas importantes ou apenas amenidades, como as habilidades culinárias do chefe do restaurante.

— Como sempre, a comida está deliciosa. O responsável pela cozinha está de parabéns. — Ivan elogia, enquanto saboreia com prazer seu prato.

— Ele vai gostar de saber — Marcelo diz, com alegria estampada no rosto.

— Você o conhece? — pergunta, apreensivo. Seria outra paquera de Marcelo?

— Sim — ele responde com um grande sorriso. — Ele é meu irmão — explica. — Meu apartamento não é tão perto como o seu, mas vem jantar comigo um dia desses que eu os apresento.

—Vamos marcar o dia, mas fale mais desse seu irmão. — Ivan pede com interesse.

A conversa com Marcelo era sempre agradável e divertida, certos fatos sobre a família do outro o divertiam e deixavam até com uma certa inveja.

Ivan chegou ao apartamento de Marcelo para o jantar alguns minutos adiantados ao horário combinado. A porta foi aberta no primeiro toque da campainha. Após receber um breve cumprimento do amigo, foi convidado para entrar.

O apartamento, em tamanho era idêntico ao seu, a diferença estava nos móveis, acessórios e decoração primorosa.

— Nossa! — ele exclama surpreendido com tudo o que via. — É um lugar bem bonito!

— Tudo obra de minha mãe e irmãs. — Marcelo informa, cheio de orgulho. Sentia prazer em saber que Ivan gostou do lugar onde morava. Sozinho, jamais conseguiria escolher direito qualquer objeto, móvel ou quadro. Nesse momento, agradecia a insistência das mulheres em cuidar dessa parte.

— Elas têm bom gosto. — o elogio é feito com sinceridade.

— Venha, meu irmão está na cozinha. — O outro o chama, fazendo um gesto com as mãos indicando que deveria ser seguido.

— Você não precisava incomodar seu irmão para...

— Se ele soubesse que eu convidei um amigo para jantar e não o chamei para cozinhar, eu seria um homem morto. — Ele o interrompe, falando dramático. — É um habito meu irmão cozinhar toda vez que alguém na família recebe visita. Ele gosta de se exibir. — A última parte é sussurrada a Ivan, um pouco antes de entrarem na cozinha. — Antônio esse é o amigo de quem falei. — o rapaz é apresentado ao homem de avental em frente ao fogão.

Um pouco mais velho que Marcelo, pelos traços muito semelhantes percebia-se o parentesco.

— Boa noite. — Secando as mãos grandes no avental, ele o cumprimenta com um aperto firme. — Você é exatamente como Ítalo descreveu — diz.

— Você e Ítalo conversaram sobre Ivan? — Marcelo pergunta curioso sobre o motivo para seu irmão e seu amigo conversarem sobre seu amigo.

— Ítalo esteve no restaurante esses dias e no meio de uma conversa o assunto surgiu. — responde antes de se dirigir a Ivan. — Meu irmão me disse que você aprecia uma boa comida?

— Sim. — Ivan responde com timidez.

— Não seja tímido e venha aqui. — Antônio o chama destampado uma das panelas em cima do fogão, um cheiro simplesmente irresistível para Ivan se espalha pela cozinha. — Estou experimentando uma nova receita de molho e gostaria de saber sua opinião.

— Eu também quero... — Marcelo começa e é interrompido pelo som da campainha tocando.

Ele deixa a cozinha e retorna longos minutos depois, com a contrariedade estampada no rosto, acompanhado por uma mulher com os mesmos olhos esverdeados que pareciam ser um traço dominante nos Torres.

— Ivan, essa é Carmem. — apresenta com má vontade evidente, assim que entra no cômodo. — Minha irmã.

— Esse é o seu novo amigo? — ela pergunta se aproximando do rapaz e o surpreende com um abraço. — Ele é uma graça! — ela se volta ao irmão, ainda o segurando.

— Você... — Carmem começa e é interrompida por Marcelo.

— Você não tem que ir? — ele pergunta com pouca sutileza. — Você já entregou minhas roupas limpas que mamãe pediu, já foi apresentada ao meu amigo. Agora se apresse que Rubem a espera lá embaixo no carro. — Sem dar chance para mais conversa, Marcelo a tira de perto do amigo e a conduz para fora da cozinha.

— Rubem seria? — Ivan pergunta a Antônio, tentando entender o comportamento grosseiro de Marcelo com a irmã.

— Rubem é nosso irmão, gêmeo de Carmem. — Antônio responde com um sorriso. — Além de Ruben e Carmen, há as gêmeas Lídia e Cintia — continua. — Essa noite você deve conhecer uma delas, pois eu comentei com meus irmãos que Marcelo receberia uma visita hoje — ele fala, ocupado em abrir o armário e tirar de dentro algumas travessas.

Marcelo retorna a cozinha após, com certa dificuldade, conseguir fazer Carmem partir.

— Você não conseguiu manter a boca fechada, não? — acusa o irmão logo que entrar na cozinha. — Essa noite nós não teremos paz para jantar. — ele fala e geme alto quando a campainha volta a tocar instantes depois. — Deus, eles estão em fila do lado de fora da minha porta? — resmunga enquanto novamente sai para atender a porta.

Ivan olha de modo interrogativo para Antônio que parecia saber exatamente o que estava acontecendo.

— Deve ser Cintia ou Lídia, ou provavelmente as duas. — ele responde, ocupado em despejar o conteúdo das panelas nas travessas. Sua suposição se prova certa quando longos minutos depois o irmão retorna á cozinha acompanhado por uma versão mais nova de Carmem.

— Ivan essa é Cintia minha irmã.— Marcelo apresenta a irmã recém chegada e continua de forma descontente. — Cintia esse é o amigo que você insistiu em conhecer.

— É um prazer — ela fala, estendendo a mão para cumprimentar Ivan. — Você parece ser um bom rapaz e...

— Ele é. — Marcelo afirma cortando-a. — Agora que você já o conheceu, vamos?

— Mas eu ainda não...

— Você já devolveu a mala que lhe emprestei um ano atrás, conheceu Ivan, agora é hora de ir. — ele torna a cortá-la. — Lídia a espera lá embaixo, e Deus me livre você demorar e ela subir. — despeja em um folego só. Havia horas como aquela que sua família conseguia o deixar louco a ponto de ser pouco educado.

— Até mais, Ivan — ela se despede do rapaz antes de ser arrastada pelo irmão para fora da cozinha. — Marcelo deixa eu me despedir direito...

— Lídia é terrível. — Antônio fala em uma tentativa de justificar o comportamento estranho do irmão. — Se ela subir, em minutos você vai estar sendo interrogado e habilmente forçado a contar cada mínimo detalhe de toda sua existência — explica com um pouco de constrangimento. — Minha irmã às vezes pode ser um pouco manipuladora.

Dispensar Cinta foi muito mais trabalhoso e demorado que Carmem, teve que fazer promessas que se arrependeria mais tarde.

— Tudo isso é sua culpa. —Logo que retorna ele acusa novamente o irmão. — Você tinha que falar para eles sobre Ivan?

— Era apenas um jantar para um amigo. — Se livrando do avental, Antônio se defende. — Eu não poderia imaginar que sua amizade despertaria a curiosidade de nossos irmãos.

— Em nossa família qualquer detalhe, por menor que seja, desperta curiosidade — diz e entra em desespero quando a campainha torna a tocar.

— Relaxa, é Felipe que veio me buscar. — Antônio fala entregando a Ivan o pano de prato que usava. — Tudo está pronto. O resto fica por conta de vocês — informa, sua parte ali já estava concluída. — Espero que você goste da comida, Ivan.

— Obrigado. — Marcelo agradece ao irmão com sinceridade. Ele tinha o grande defeito de não saber quando se calar, mas era aquele tipo de irmão que se podia contar sempre. — Não vamos deixar Felipe esperando lá fora — diz e se dirige junto com o irmão para porta da cozinha.

— Venha conhecer o caçula da família. — Marcelo propõe a Ivan.

Felipe, a exemplo dos demais, cumprimentou Ivan com simpatia e certa curiosidade que foi cortada rapidamente por Marcelo.

Após se despedir dos irmãos, já de volta a cozinha, Marcelo começa a se explicar a Ivan.

— Lembra quando eu disse que meus irmãos entram e saem a hora que bem entendem do meu apartamento, sem respeitar minha vontade? — relembra. — Eu falava disso que acabou de acontecer, esse entra e sai — suspira. — Vamos colocar a comida na mesa e rezar para que meus primos não resolvam vir conhecê-lo, também.

— Eu gostei de conhecer seus irmãos. — Ivan assegura. — Foi até divertido — ele diz, ajudando a carregar as travessas para a mesa.

Lado a lado no balcão da cafeteria, esperando por seus pedidos, Marcelo e Ivan nos primeiros momentos em que se conheceram, há um pouco mais de três meses, jamais poderiam imaginar que se tornariam grandes amigos.

— O que vai fazer sábado à noite? — O rapaz pergunta a Ivan enquanto observa a atendente preparar seu pedido.

— Maratona de séries! — Ivan responde animado.

— Se arrume e me espere — Marcelo pede. — Nós vamos sair.

— Para onde vamos? — o outro pergunta, perdendo um pouco da animação.

— A namorada de Ítalo me chantageou para sair com eles sábado a noite e me fez prometer que você viria junto. — responde com desgosto evidente em seu rosto.

— Eu prefiro a maratona — Ivan afirma. Tinha planos para aquela noite.

— Você está disposto a aguentar aquela mulher o perturbando por um longo tempo porque você nunca aceitou um convite dela para sair?

— Droga. — pragueja, pegando seu pedido já pronto.

A última maratona feita em seu apartamento com a presença de Marcelo foi muito divertida, contrariado por ter que mudar seus planos para aquela noite Ivan se senta em uma das mesas da cafeteria e espera pelo amigo, ainda aguardando seu pedido ficar pronto.

Sentado na lounge da casa noturna, Ivan, acompanhado de Ítalo, observa os amigos se divertindo no andar de baixo na pista de dança. Desde que haviam chegado, cerca de quatro horas atrás, eles se revezavam entre a pista e a área de descanso.

Aproveitava o momento de descanso para observar Marcelo de uma distância segura. Sem que se desse conta, a amizade que sentia pelo outro sofreu uma transformação, há semanas vinha arduamente tentando trabalhar esse novo sentimento para não por a perder a amizade dos dois.

Era uma luta constante e desgastante, distante de Marcelo, mesmo que por apenas alguns minutos, podia relaxar e deixar esse sentimento fluir livremente.

Admirava os passos que o alvo de seus pensamentos executava na pista, quando dois rapazes muito bonitos se colocam a sua frente, bloqueando sua visão.

O mais atraente dos dois, um moreno de cabelos encaracolados, se aproxima de Ítalo sorrindo, enquanto o outro mantém uma certa distância.

— Ítalo! — ele fala alto para se fazer ouvir.

Por causa do som vindo da pista Ivan não consegue ouvir o nome que o amigo fala, antes de abraçar o desconhecido e os dois começarem uma conversa alta.

— Onde está Camila? — ele pergunta após minutos de bate papo.

— Na pista com Allan e Marcelo. — Ítalo responde.

— Marcelo está aqui? — ele pergunta abrindo novo sorriso, que o deixa mais atraente ainda.

Ítalo aponta na direção onde os três dançavam lá embaixo.

—Foi um prazer revê-lo. — ele se despede minutos depois e se vira para o homem que o esperava mais adiante. — Vamos até lá embaixo cumprimentar alguns amigos meus.

— Quem era? — Ivan pergunta, não contendo sua curiosidade.

— Desculpe, eu não os apresentei — Ítalo responde envergonhado por sua falha. — Era o ex-namorado de Marcelo. — esclarece enquanto disfarçadamente observa a reação do rapaz. — Eles eram os melhores amigos antes de começar a namorar. — percebendo o interesse de Ivan continua após alguns minutos de silêncio. — Tudo estava indo bem entre os dois até começarem os desentendimentos — Ele interrompe um segundo para olhar para o andar de baixo. — Eles terminaram e cortaram completamente qualquer contato, mas aos poucos começam a se reaproximar — finaliza gesticulando em direção aos dois que, após um abraço e uma breve conversa, começaram a dançar próximos.

Ao termino da explicação toda curiosidade de Ivan evapora-se, inquieto observa a reunião na pista de dança, jamais poderia imaginar que sua noite poderia se torna mais tensa ainda.

— Vamos descer. — curioso quanto ao efeito provocado por sua revelação Ítalo pede com excessiva animação.

Ivan o acompanha a contra gosto, evidente em sua postura rígida. O resto da noite foi uma terrível tormenta para ele. Foi apresentado ao ex-namorado e seu acompanhante, os dois foram convidados a se unir ao grupo e aceitaram.

Se anteriormente a luta contra seu novo sentimento era difícil, conter o ciúme que sentia ao ver Marcelo e o ex-namorado dançando e conversando tão perto um do outro, era tarefa quase impossível, que exigiu alguns copos de bebida.

A certa altura da noite, quando já havia perdido a noção das horas e estava preste a atingir seu limite de tolerância ao álcool, Marcelo o chama para se despedir dos amigos que permaneceriam um pouco mais.

No trajeto de volta para seu apartamento, apesar das tentativas de conversa do outro, Ivan pouco fala. Ao ser deixado em frente a sua porta, no calor do momento, ousa roubar o beijo que tanto havia desejado ao longo de toda essa noite.

— Não Ivan. — Marcelo o afasta. — Você está bêbado e amanhã não se lembrará de nada — o repreende.

Desde o início sua noite foi estranha, com sentimentos intensos em relação a Ivan, a última coisa que queria era estragar a amizade dos dois com desejos que não deveria sentir pelo amigo.

— Eu não estou bêbado — o rapaz discorda. — Eu estou apaixonado por você e não bêbado — confessa, sentindo um grande alívio por finalmente por isso para fora.

— Nós somos amigos e o melhor é continuar assim — Marcelo fala, destruindo toda esperança do rapaz. — Eu posso imaginar tudo que está se passando em sua cabeça e a resposta é não. O que seremos daqui para frente? Amigos que transam? Namorados? — pergunta. — Eu já passei por tudo isso e sei que não vai dar certo — finaliza, tentando convencer mais a si próprio do que o outro.

— Eu não quero uma amizade com benefícios — Ivan afirma.

— Eu também não. Por isso nós continuaremos como antes: bons amigos — Marcelo determina. — Agora entre que eu preciso ir — diz virando as costas sem verificar se o outro entrou ou não.

Após a confissão e desentendimento em frente a sua porta, Ivan evitou o contato com Marcelo. Não frequentou mais os lugares onde poderiam se encontrar e ignorou suas ligações.

Nos primeiros três dias não houve nenhum movimento de aproximação por parte do outro, as ligações começaram no quarto dia de afastamento e terminaram no sétimo com a campainha de seu apartamento tocando insistente.

— Por que você não atende minhas ligações? — Marcelo dispara com raiva por estar sendo ignorado a alguns dias, assim que a porta é aberta por um Ivan surpreso com a visita.

Havia aproveitado os primeiros dias de distanciamento para por os pensamentos em ordem. Com sentimentos e pensamentos mais claros, a resolução da situação em que se encontravam esbarrou na recusa do outro rapaz em atende-lo. Decidido deixou as ligações de lado e foi resolver pessoalmente o desentendimento.

— Em nosso último encontro, pareceu ter ficado claro que o que eu sinto por você o desagrada. — responde retraído. — E também pensei que você poderia estar ocupando seu tempo com seu ex-namorado. — Ivan revela seu ciúme em um só folego.

— Por que eu estaria ocupando meu tempo com meu ex-namorado? — ele pergunta sem entender o sentido das palavras do outro. — No momento a única coisa que ocupa meu tempo e a nossa situação — afirma e pede — Posso entrar?

O rapaz se afasta, dando-lhe passagem.

— Eu senti muito a sua falta — Marcelo confessa, já dentro do apartamento.

— Eu também senti a sua — Ivan admite em um suspiro.

— Esses últimos dias de distância me deu tempo para pensar. — começa com insegurança. — Há semanas que o sentimento de amizade que sinto por você não é mais o mesmo — confessa. .— Nós praticamente gostamos das mesmas coisas, curtimos os mesmo lugares, nossas conversas são sempre divertidas e descontraídas e eu tenho medo de no futuro perder tudo isso —continua. — Eu sei que uma ótima amizade não é garantia para um bom relacionamento, mas que se dane. Eu não consigo deixar de querer isso. — Ele termina se aproximando de Ivan e o puxando para um abraço.

O beijo que se seguiu jamais saiu da memoria de nenhum dos dois, o primeiro dos muitos que viriam nos minutos, dias, meses e anos seguintes.

Por longos minutos permaneceram perdidos no sabor um do outro, no calor dos corpos colados até que, com a respiração fora do ritmo Ivan se afasta para recuperar o folego.

— Somos ótimos amigos e teremos um relacionamento melhor ainda. —Marcelo afirma tentando demostrar a confiança recém adquirida nesse novo relacionamento. Confiante no futuro retoma os beijos enquanto os guia em direção ao quarto.

Na manhã seguinte, ainda abraçados na pequena cama de solteiro, surpreendido por um ataque de ansiedade ele pergunta.

— Você quer continuar, mesmo sabendo da possibilidade de que no futuro podemos estragar nossa amizade?

— Minha amizade por você jamais irá mudar, seja por qual motivo for. —Ivan responde um pouco mais confiante, resultado das palavras ouvidas na noite anterior. — Antes de parceiros, somos amigos.

— Isso é uma promessa? — Marcelo pergunta estreitando mais o abraço

— Sim. — Ivan responde selando sua promessa com um beijo.

O afeto, a consideração e o respeito do inicio foi a base da relação do casal. Transformaram-se em amigos-namorados e não namorados-amigos, e isso fez toda diferença.

Quatro anos após aquele dia de chuva, um de namoro e três dividindo seu pequeno apartamento com Ivan, Marcelo ajeita os móveis na nova casa que dividirá com o parceiro.

— Me agradeça — pede, abraçando Ivan, concentrado na missão de encontrar a posição correta para um móvel na sala.

— Por ter encontrado uma casa perfeita? — pergunta, distraído com o que fazia.

— Por há quatro anos o estar mantendo dentro do bom senso.

— É pra já. — Ivan diz, abandonando o móvel na posição que estava e puxando Marcelo em direção ao novo quarto do casal. Eles ainda teriam algum tempo antes dos familiares começarem a chegar.


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