Colorado escrita por LizAAguiar


Capítulo 3
Capítulo 02




Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/755581/chapter/3

O sol já estava alto quando Piper despertou no dia seguinte.

— Acredita que tem uma sala com um sofá tão grande que nem sei se consigo chamar ele assim? — Nico estava animado, sentado em um dos bancos da cozinha e completamente desperto mesmo com a missão esquisita e tensa que estavam desempenhando, alheio a seu olhar preguiçoso e desinteressado para a xícara de café.

"Acho que a cama dele também deve ser boa."

Gostaria de ficar na sua o dia todo.

Bebericou do líquido escuro fitando a sala de jantar disfarçadamente a procura de sua crise de covardia.

— A Reyna já acordou? — Estavam ali para vigia-la afinal.

— Quando vim comer ela já tinha terminado. — O grego deu de ombros com banalidade, Piper trocou de posição no banco, sentando em cima de uma das pernas em uma tentativa de reter mais calor. — Foi checar se estava tudo bem na floresta. — Estreitou os olhos para o arco na parede do outro cômodo sem que notasse.

"Maravilha."

Nico realmente não parecia ver problema em uma situação tão grave.

— Qual a chance de um monstro nos encontrar aqui? — Eram três semideuses, um filho dos três grandes e outra dos doze olimpianos, sua preocupação não era de mais.

— Não muitas. — Voltou seus olhos para o escuro dos dele, descrente com a resposta sincera. — Aqui é uma base das Amazonas, tem algum tipo de proteção pela névoa, nem os mortais sabem desse lugar.

— A Reyna sabe disso? — Considerando todo o apreço que demonstrara pela irmã.

"Se não tem monstros, para que checar a floresta?"

— Sabe. — Rolou os olhos, aquilo não fazia sentido. — Ela é muito cuidadosa. — O grego encolheu os ombros, pegando do suco de laranja na caixa.

O silêncio que caiu sobre o local foi bem-vindo para que ordenasse seus pensamentos.

Fitou as árvores centenárias salpicadas de branco da neve que caiu na noite anterior, o chalé se encontrava mínimos níveis acima do pé da montanha, porém o declínio do solo era suficiente para que visse a imagem pura de beleza por quilômetros sem que o impacto gelado fosse um problema, — o sistema de aquecimento daquele lugar era ótimo, embora Piper ainda sentisse vontade de acender a lareira, — o ambiente era calmo, acolhedor e preguiçoso.

Será que no acampamento o clima era o mesmo?

"Você sabe que não."

Talvez um pouco mais frio que os dias amenos da primavera, porém nada parecido com o que seus olhos observavam, aliás, até seu humor seria diferente, em um fim de mundo qualquer no Colorado não teria que aguentar os olhares curiosos e os cochichos de fofoca, tão pouco Jason lhe cobrando se aquilo era sério ou não.

"Como vou responder o que nem eu sei?"

Estava consciente apenas que aquele namoro se tornara insatisfatório e irritante, mesmo que não soubesse exatamente o porquê.

Talvez seu reconhecimento como filha de Afrodite fosse apenas uma piada provinda do tédio de Afrodite.

— O que é aquele arco na parede? — Indagou com uma real curiosidade sobre o caso, usando o fato como forma de escapar de seus pensamentos conflitantes, Nico acompanhou seu olhar, virando-se no banco giratório.

— É o arco de Órion. — A expressão dele dizia claramente que a lembrança não era boa. — Ele está remendado no meio, viu? — Por mais que Piper estivesse observando o objeto com curiosidade, não se atentou ao que parecia uma fita isolante no meio da haste. — Muitas caçadoras e amazonas morreram para ele estar pendurado ali.

Engoliu em seco, o clima leve se tornou mais denso e pesado do que poderia imaginar.

"Que droga, Piper."

— É estranho que isso esteja aqui, não no hall de entrada no prédio central em Seattle. — Suspirou de alívio, da mesma forma que a antiga aura negra e assustadora do filho de Hades voltou, foi-se sem terminar de aterrorizá-la como fazia no Argos II.

Talvez a melhor atitude fosse garantir que a cena não pudesse se repetir.

— Têm planos do que vamos fazer o dia todo? — O sinal da TV parecia funcionar mesmo com a neve, o sofá era convidativo, mas a sensação de estar no meio do nada com alguém mentalmente instável tirava sua capacidade de relaxar.

"Um roteiro de filme de terror."

Deuses, por que?!

— Quer terminar de conhecer o restante da casa? — Balançou a cabeça em afirmativa antes de terminar o café.

— Seria uma boa. — Ao menos assim saberia onde se esconder caso algo desse errado.

"Coragem, garota!"

Levantou-se junto ao filho de Hades, passando pela sala de jantar ainda com o sono no corpo, pelo vidro fumê próximo a porta de entrada seus olhos captaram os cães que fizeram seu estômago gelar no dia anterior.

Aurum e Argentum não pareciam se incomodar com o frio, rolavam pela neve fofa como se estivessem no Central Park em um dia ensolarado de verão, a visão de uma garota com uma blusa e botas pretas a fez caminhar um pouco mais devagar. A pretora se encontrava recostada no capô do Mustang, encarando seus bichinhos mordendo um ao outro enquanto jogava uma bolinha azul para cima, levou dois dedos a boca, assoviando para chamar a atenção dos animais de metal, ambos deixaram a diversão de lado e entraram em modo de alerta, trotando até ela e sentando-se a sua frente como cães treinados por algum policial durão, a filha de Afrodite poderia jurar que se fosse possível teriam batido continência.

Reyna jogou a bolinha para cima uma última vez antes de se virar para a floresta e joga-la com força, Aurum e Argentum saíram em disparada, espalhando neve por onde corriam, em seu último vislumbre ao subir as escadas pode vê-la andando em direção aos pinheiros enormes.

Respirou fundo, tentando decidir se tê-la a sua frente a deixava mais calma ou nervosa.

— Essa casa é bem diferente da que vi na missão. — Nico comentou enquanto subia as escadas. — Não sinto nenhuma passagem secreta, só um porão normal. — Seu tom parecia surpreso e um tanto descrente, como se a ideia fosse absurda.

— Talvez esteja disfarçado. — Piper também não se importava com o negócio das Amazonas, pelo que Percy, Frank e Hazel comentaram sobre a visita à sede em Seattle: elas não eram muito fãs de estranhos.

"Que não tenham esquecido nada aqui."

O filho de Hades soou animado, — em demasia para alguém como ele, — ao lhe mostrar o restante da casa, o porão estava entulhado de todos os tipos de coisas: espadas de ossos, armas de fogo, livros em grego antigo, espanhol, inglês e latim nas estantes de metal, uma mesa de hóquei de mão sem as pernas, — muito estranho, — em uma mesa empoeirada haviam vários sacos plásticos com blusas de moletom pretas e brancas onde se encontrava escrita a frase amazonas detonam.

Teria tido prazer em continuar a explorar e talvez achar algo mais bizarro, — tinha uma foto do rosto de Apolo cheia de dardos pregada na parede, — porém todo o pó estava irritando seu nariz e olhos.

A segunda parada se mostrou mais surpreendente que a primeira, Piper não procurou por banheiros pois seu quarto oferecia aquele conforto, porém olhar para a banheira enorme de hidromassagem a fez repensar o significado da palavra conforto.

"As amazonas realmente têm dinheiro para gastar com qualquer coisa."

A Amazon era um império moderno no final das contas.

Ao lado do banheiro Jacuzzi no térreo, — talvez devesse aprender a dar apelidos com Leo, — se encontrava uma sala de jogos absolutamente normal, — o que era um fato estranho, — por estar no centro a filha de Afrodite imaginou que a mesa de sinuca era mais requisitada que a de totó, jogada a um canto qualquer, a mesa de poker parecia gasta e tinha lascas saindo dos pés, sua intuição lhe dizia que o podre móvel fora chutado muitas vezes.

"Um pedacinho de Las Vegas no Colorado."

O último espaço fora o indicado por Nico no início da manhã, no quarto havia apenas uma TV acoplada a parede, um PlayStation logo abaixo em um suporte, quase todo o resto era coberto pelo tal sofá, que aliás se parecia mais com um amontoado de puffs quadrados e bem encaixados.

Será que toda a base tinha aquelas regalias?

"Onde é que elas trabalham?"

Seu guia parecia saber a resposta quando por fim parou em uma porta no final do corredor do segundo andar: três cadeados grossos de aço davam muito bem o recado que de não eram bem-vindos.

— Nem notei isso ontem. — Ele comentou de forma distante, Piper apenas balançou a cabeça em afirmativa.

— Acho que estávamos cansados demais para olhar direito. — Ou isso ou eram cegos.

O que será que toda a segurança escondia?

"Que não seja uma sala de tortura."

Não queria ser obrigada a arrombar a porta e se deparar com cadáveres.

— É um bom lugar. — Os pensamentos de Nico provavelmente eram mais agradáveis que os seus. — Tranquilo e espaçoso.

"Um chalé luxuoso nas montanhas e isolado onde três amigos se encontram para passar alguns dias."

Será que já lera aquela sinopse na Netflix?

"Estou começando a odiar filmes de terror."

— Não se parece com uma base. — Outro pensamento alto e Piper já começava a reavaliar a conversa que parecia não ter sentido.

Cansada de examinar o lugar, — e de ficar olhando para os cadeados nada convidativos, — deu meia-volta para descer as escadas.

— Parece mais uma casa normal. — Ao menos a parte visível, os passos de Nico ecoavam com mais força que os seu enquanto ele falava. — Um lugar para ficar nas férias, tipo aqueles chalés de Aspen. — Que aliás, não era tão longe assim.

Talvez devesse ter pensado em trazer a prancha de snowbord.

"Como se eu soubesse para onde iríamos."

— Isso é meio estranho. — Sem entender ao certo o porquê a forma distante com que ele insistia em falar a estava irritando, fitou a sala de jantar em busca da vilã do filme que começava a se montar em sua cabeça.

Ou será que era o simples fato de que Nico havia lhe enganado descaradamente?

— O que é estranho? — A voz suave, imponente e duvidosa de forma sincera a fez tropeçar nos próprios pés no último degrau da escada, agarrou-se ao corrimão com força para evitar a queda, como um gatinho assustado. — Você está bem, Piper?

Respirou fundo por alguns momentos sem se mexer, tentando se recuperar do susto, seu coração estava martelando com vigor e as mãos se negavam a exercer movimentos. Sentiu o olhar assustando de Nico às suas costas a fez ter certeza de que estava abraçada a madeira por tempo demais.

— Estou. — Suspirou a resposta enquanto dava uma atenção fingida a sala de jantar. — Foi só um susto.

— Um baita susto. — A risada contida na voz do filho de Hades fez um bico pairar em sua expressão.

"Não me provoque, seu emo, ou faço você vestir rosa da cabeça aos pés."

Ele desceu o restante das escadas e se dirigiu a sala, local onde a pretora provavelmente estava.

"Me enganou direitinho, maldito."

— Achou algo suspeito na floresta? — Respirou fundo mais uma vez e desgrudou do corrimão a tempo de ver Nico se jogando no sofá ao lado de Reyna.

— Não, só havia árvores e neve, provavelmente não teremos problemas. — Ela estava sentada de pernas cruzadas bem no meio do sofá, a jaqueta preta não estava mais consigo, revelando um suéter vermelho, mas o que a deixou assustada, outra vez, fora o cabelo solto.

Não se lembrava de um dia ter visto aquela imagem na vida.

— Achei alguns esquilos e uma lebre, tem um lago perto daqui, o gelo está firme o bastante para patinar. — O tom animado e um tanto infantil quase a fazia se esquecer da quantidade de sangue que Reyna tirara do motoqueiro na noite anterior.

Quase.

"Você é um dois de paus por acaso? Faz alguma coisa!"

— Que bom, lutar no frio é horrível. — Comentou com banalidade enquanto andava até a ponta do sofá, o filho de Hades estava passando os canais da TV mais rápido do que Piper poderia ver o conteúdo, Reyna levou os olhos até os seus.

Vermelhos, eles continuavam vermelhos.

— Quione? — Indagou com suavidade, embora a descendente de Afrodite tivesse sua atenção chamada pelos cães de metal deitados no tapete junto a ela.

— É. — Respondeu sem notar o que dissera, Aurum olhou para ela sem erguer a cabeça, Piper sentia em sua pele que o galgo desconfiava dela.

"Que ótimo."

— Vou arrumar minhas coisas. — Murmurou de forma embolada antes de sair da sala com certa pressa.

Nico estava tranquilo e relaxado, Reyna era cotada para a psicopata daquele roteiro de filme de terror, além de ter dois cães com um detector de mentiras e dentes afiados.

Deveria ter escrito um bilhete de despedida para Tristan.

"Pai, se eu não voltar, saiba que eu te amo."

 

***

 

Piper apertou o robe no corpo se amaldiçoando por descartar as pantufas.

Desceu as escadas com a ponta dos pés em menor velocidade do que gostaria, a casa já estava escura e todos pareciam já ter se recolhido, não queria ser encontrada desmaiada no último degrau por sua pressa de fugir do frio.

Com sorte o céu sem nuvens deixava que a luz da lua a ajudasse a encontrar o caminho para a cozinha, o uivo do vento parecia mais forte na sala. Deu uma espiada na janela: o Mustang se encontrava pincelado com flocos de neve, os galhos dos pinheiros centenários batiam uns nos outros com força moderada, tudo quieto e tranquilo como as noites de inverno na montanha deveriam ser.

"Como nos filmes de terror."

Alisou seus braços arrepiados de frio enquanto se punha em direção a cozinha, Piper só queria um lanchinho antes de dormir, seu dia correndo da pretora a deixara com fome.

Mas era lógico que jamais seria fácil.

Notou o som da chaleira junto a luz na fresta da porta da cozinha, andou com cuidado o restante do percurso com uma tensão irritante nos ombros, tinha cinquenta por cento de chance de dar de cara com Nico, cem por cento de não encontrar ninguém caso desse meia-volta, assim como também ficaria com o estômago roncando.

"Eu só queria um sanduíche!"

Respirou fundo e rezou para Jason, Chuck e Freddy Krueger que a protegessem de ser uma protagonista. Levou os dedos a tocarem o metal frio apertando-o com firmeza para que desistir não fosse uma opção.

"Estou com raiva, mas que seja você, Nico."

A chaleira parou.

O som esganiçado e incômodo da madeira arranhou seus ouvidos, destruindo as chances de uma entrada sutil, colocou a cabeça para dentro do recinto, — o que foi bem idiota, entretanto as protagonistas sempre eram assim, — seus olhos alcançaram a metade da cozinha, inspirou fundo ao notar o corpo esguio de costas para si apoiado na ilha.

"Você é tão azarada."

Entrou no recinto como um todo e fechou a porta com rapidez, nunca deixando de fitar seus movimentos.

No final das contas a missão era justamente vigia-la.

Reyna fingiu não notar sua entrada, — a não ser que tivesse ficado surda, — bebericou da caneca fumegante que tinha em mãos sem se abalar, soprando a fumaça logo em seguida. Piper decidiu entrar no jogo, foi até o armário ao lado, rezando para que fosse ali que guardassem os talheres.

"Continue fingindo que não me viu...Continue fingindo que não me viu!"

A primeira gaveta só tinha panos de prato.

"Que mer..."

— O que está procurando? — Os músculos tensionaram, movendo-se sozinhos fazendo-a virar para encara-la, a pele de suas costas coladas no armário frio arrepiou.

Tudo isso feito por uma voz baixa e neutra.

Meneou a cabeça de forma negativa, como uma estúpida protagonista de filme ruim, Reyna apenas a indagou com o olhar enquanto dispunha a caneca na ilha.

"Se mexe, sua idiota!"

— Talheres, vim fazer um lanche. — A frase saiu rápida, a voz hesitante e um tanto rouca, se a garota a sua frente desconfiava do nervosismo acabara por comprova-lo, a pretora concordou com um aceno enquanto brincava com a borda da caneca, a pergunta muda ainda estava lá.

Era impressão sua ou o ambiente estava carregado?

— O que você vai comer? — Pela forma leve e curiosa que fora posta a indagação, era provável que apenas ela visse o clima como denso.

Isso não sendo uma surpresa.

— Sanduíche de pasta de amendoim e geleia. — Murmurou em dúvida ao vê-la se virar para os armários as suas costas.

Reyna deixou de lhe dar atenção, pegou duas facas sem ponta em uma gaveta e um pranto dos armários, dispondo os objetos na ilha.

Piper ainda mantinha o cérebro tão congelado quando a montanha pés acima de suas cabeças.

— Morango ou uva? — Em um piscar de olhos a manteiga de amendoim estava junto aos utensílios e sua possível assassina com dois potes de geleia em mãos.

— Uva. — Reyna estava fazendo o que achava que estava fazendo?

A romana guardou um dos potes e dispôs o outro na ilha, pondo-se a pegar duas fatias de pães de forma no saco.

— Reyna. — Chamou, atônica com o fato da pretora do Acampamento Júpiter estar lhe fazendo um sanduíche.

Quíron teria sido menos bizarro, ou quem sabe o Senhor D.

— Desculpe por isso. — Foi a vez de ela murmurar, embora a voz estivesse mil vezes mais certa que a sua. — Eu não sabia que você não sabia. — Em uma das fatias de pão no prato ela passava uma camada de pasta de amendoim. — Sobre o que viemos fazer aqui, no carro você parecia tão cansada. — Apenas continuou a observar o preparo de sua refeição em movimentos limpos e precisos que deixariam um chef irritado.

— Não sabia? — Era deveras estranho que o motivo de todo o alvoroço não soubesse, um bico pairou sobre a geleia, Reyna deu de ombros.

— Nico acha que eu não estou bem para ser pretora só porque fui contaminada por um veneno mágico. — Ela balançou a faca para enfatizar a fala irritada, mergulhou o talher na geleia e passou no pão. — Eu não viria, mas não ele é teimoso e estava preocupado, o bastante para trazer você junto aparentemente. — Juntou os dois pães no prato, cortando o sanduíche em diagonal logo em seguida, Reyna empurrou o prato até Piper para pôr fim encará-la. — Também sinto muito por ter assustado você na escada. — Além do lanche um sorriso amistoso fora lhe oferecido, o que acabou por fazê-la se sentir estúpida.

"Deixe de frescura, Piper McLean."

— Não é sua culpa, o Nico consegue ser bem persuasivo quando quer. — A expressão de dúvida da pretora quase a fez rir, ao vê-la voltar a atenção para a caneca deixou um sorriso divertido escapar. — Por que ainda está acordada? — Era quase meia-noite quando deixou o quarto.

— Meu estômago está meio embrulhado. — Disse dando os ombros, tomou um gole do conteúdo da caneca antes de continuar. — Chá de gengibre ajuda bastante. — Concordou com um aceno e voltou-se para o sanduíche, mastigando-o devagar enquanto se estapeava mentalmente.

O filho de Hades dera uma de esperto para cima de ambas, — embora Piper soubesse que grande parte fora culpa de sua impulsividade, — Reyna fora gentil, atenciosa e estava mal por sua causa.

E aquele sanduiche de pasta de amendoim e geleia estava ótimo.

Continuou a comer enquanto procurava alguma coragem para pedir desculpas e tentar consertar as coisas antes que estragassem de vez.

Em algum momento os passos de Reyna a fizeram levantar o olhar por pura curiosidade, sentir o aperto em seu braço e um puxão fez seu sangue gelar.

— O que está fazendo? — Indagou em um fio de voz, paralisada o suficiente para se deixar levar as escadas.

— Quero assistir alguma coisa. — O tom banal a fez engolir a voz que certamente sairia falhada.

Tinha que se acalmar e usar a habilidade que a colocara em situação tão bizarra.

"Maldito charme!"

— Você tem certeza? — Um sussurro? Sim, mas ao menos não gaguejou, a pretora abriu a porta que talvez a levasse para morte. — Está tarde, deve estar cansada. — Sua captora parou abruptamente e a encarou, Piper não se mexeu, sequer respirou, foram segundos de um silêncio horrível até notar a expressão de dúvida no rosto de Reyna.

— É por isso que quero ver alguma coisa. — Era impressão sua ou o tom parecia inocente?

Sem lhe dar chance de tentar convencê-la a usarem a TV da sala, puxou-a para dentro do quarto e fechou a porta.

Como ela sabia onde tudo estava com os poucos feixes de luz que vinham pelas janelas?

Reyna sentou-se no canto do sofá-puff-cama dentro do local, concentrada na TV. Respirou fundo e tateou até a outra ponta, sentando-se também. Deuses!

Se sua mãe lhe negasse ajuda naquele momento nunca mais falaria com ela.

Ok, o cenário que mais temia se concretizou: estava sozinha com a pretora do Acampamento Júpiter, — que matou um titã sozinha, — e que poderia fazer o que quisesse sem qualquer lógica ou culpa, — como matar uma certa semideusa grega.

Mas não era tão ruim.

"É só não deixa-la irritada!"

O que significava que sair era impossível.

"Nico, você é um filho da..."

— Tem tanta opção na Netflix que as vezes fica difícil de escolher. — Reyna continuava a olhar a TV, passando por séries, filmes e documentários sem muito interesse. Mordeu levemente o lábio inferior para tentar conter a agitação.

Se ela demorasse muito talvez desistisse!

— É irritante. — A romana murmurou para si mesma, o que novamente cessou os batimentos do coração de Piper.

— Esse aí! — Apontou para a TV sem se preocupar em parecer escandalosa, sentir o olhar de Reyna em seu rosto estava fazendo mal para sua saúde, o ar ficou preso em seus pulmões enquanto olhava para o que tinha escolhido sem querer.

— Nossa. — Disse com espanto e admiração. — Não sabia que você gostava de filmes de terror.

Sexta-Feira 13.

Deuses...

Deitou-se de lado e se cobriu até o pescoço.

"Mãe: um dia você vai me pagar por isso!"

 

***

 

Piper acordou com a sensação de que algo estava errado.

Ainda sobre os efeitos do sono e de olhos fechados, empurrou levemente o rosto contra o objeto estranho a sua frente, não era macio o bastante para ser uma almofada ou travesseiro, tão pouco duro o suficiente para ser a parede.

Era quente.

Tinha um cheiro, não exatamente de amaciante de roupas e de cama, embora estivesse cercada por ele, idem para um perfume, sendo suave demais para tal, entretanto senti-lo a fazia se lembrar de coisas limpas...

Aquilo era shampoo?

Se afastou alguns centímetros devagar, esfregou suavemente os olhos antes de abri-los, a princípio situar-se foi difícil, olhou ao redor: a TV enorme, — que não era do seu quarto, — estava ligada, a Netflix exibia a propaganda de uma série qualquer, como se alguém tivesse acabado de assistir algo e esquecido de desligar.

Buscou nas memórias o que poderia ter acontecido ainda olhando para a TV, fora comer algo, se encontrou com Reyna e...

Engoliu em seco, juntando coragem para olhar a sua esquerda.

De costas para si, a garota que se tornara motivo de suas preocupações dormia calmamente, sem se ligar no quanto a situação era estranha e constrangedora.

Aproximou-se os milímetros que seu bom senso permitia e aspirou minimamente e com cuidado para não fazer barulho, aquele cheiro era do cabelo dela!

Mordeu o lábio inferior, se perguntado quando naquela noite se permitira dormir naquela posição. Piper suspirou baixo ao sentar-se, teria sido muito mais esquisito se a pretora não estivesse de costas de qualquer forma.

O chão frio em contato com os pés a fez cerrar os dentes e engolir o susto, silenciosamente procurou pelo controle remoto e desligou a TV. Fitou a porta, indecisa sobre o que fazer, a atitude mais racional seria sair e voltar para o próprio quarto, curtir o resto das horas da noite que lhe restava.

Olhou para sua outra opção, a cama era confortável, o cobertor ainda se encontrava quente, sua vontade de tatear as paredes, — frias, — até seu quarto, — frio, — era bem próxima a zero.

Pôs-se novamente sob as cobertas, deu uma última olhada para as costas da romana na penumbra, se Reyna não tentou mata-la em uma oportunidade tão incrível quanto aquela, nunca o faria.

Voltou a posição inicial em que acordou, poderia dormir mais um pouco antes que o dia de fato começasse.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Colorado" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.