Meu último texto escrita por Ariel F H


Capítulo 1
Meu último texto




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Eu ainda lembro de minha irmã falando que eu nunca conseguiria "amar do jeito certo". Justo ela que com certeza ouviu muito ao longo da vida sobre como seria o certo de amar. Justo ela.

A lembrança ficou gravada em minha memória, assim como tantas outras lembranças fortes e aleatórias.

— Você nunca vai amar do jeito certo, sabe? — a voz dela se arrastou no certo. Segurava uma cenoura na mão. Estava namorando uma garota vegana na época. Minha irmã gostava de sair com garotas muito diferentes dela própria, por isso as vezes estava ouvindo hard rock. "Experimentando coisas novas" dizia.

— ‎E como é amar errado? — perguntei. — Existe um amor do jeito certo?

— ‎Você não me entendeu. — disse, mesmo sem saber o que é que eu tinha entendido. — Você nunca vai conseguir amar do jeito certo porque daí não tem sobre o que escrever seus textos tristes.

Argumentei que meus contos e crônicas não eram apenas sobre amor. Ela riu.

Naquela noite, reli meus escritos. Todos sobre amores fracassados.       

Me senti estúpido. Eu não queria ser só mais um escritor que só fala sobre relacionamentos. Mas não tinha problema, não realmente. Eu só não queria. Quem sabe não era por isso que nenhuma editora aceitava publicar minha antologia? Talvez eu devesse viver uma vida boêmia, escrever oito mil contos e me matar com um tiro no peito aos vinte e sete anos. Quem sabe aí eu teria fama. O público gosta de um drama. A crítica ama.

Decidi escrever sobre outras coisas. Política, talvez? Movimentos sociais? Sei lá, essa coisa toda de militância. Era a vibe do momento.

Então, tentei.

Comecei a escrever sobre um político corrupto que é pastor. A ideia era falar sobre alguns podres da igreja. Só que, lá pelo meio da história, ele se revelou um homofóbico de primeira que...

Que secretamente contrata garotos de programa e se apaixona por um deles.

Não fugia totalmente do foco inicial, mas tudo o que eu conseguia escrever era sobre amar alguém que você nunca vai poder ter.

Desisti desse.

Depois, decidi escrever sobre as heranças da escravidão na atualidade. Um ótimo tema. Racismo está sempre em pauta.

Não lembro de todo o enredo. Era algo sobre uma mulher negra trabalhar fazendo exatamente a mesma coisa que seu colega branco fazia, mas recebendo menos. Lembro que ela decidiu lutar para ir em busca de equidade, mas daí, na terceira página, ela percebe que aquele colega branco é um ex—namorado e os dois saem para conversar. Ela estava apaixonada por ele. Há um conflito interno se ela deve mesmo assim ir conversar com o chefe sobre a questão do salário. Afinal nenhum homem gosta de receber menos ou o mesmo que sua parceira. Os dois começam a namorar, mas lá pelo terceiro mês de namoro ela perde o emprego e ele não. Ela se muda para a casa dele, por necessidade. Ele estupra ela várias vezes, mas ela não pode fazer nada porque depende dele. E ainda o ama.

Parei ai.

Que porra eu estava escrevendo?

O que era sobre racismo se transformou em amar alguém que te machuca tanto que você nem ao menos percebe como isso te faz mal.

Sequer salvei o rascunho dessa história.

A partir daí, descobri que sou um fracasso.

Escrevo sobre minhas derrotas amorosas, de forma implícita ou explícita.

Reli tudo o que eu havia escrito.

Escrevi sobre aquela garota que conheci no verão de 2015 e nunca mais a encontrei. Lembro dela cantando "você não me ensinou a te esquecer" e rio da ironia. O calor do braços dela ainda me causa arrepios.

Escrevi sobre aquela ruiva com quem fui secretamente apaixonado por anos no colegial. Ela cometeu suicídio. A memória dela ainda alimenta as minhas frases sobre arrependimento de coisas não feitas e perda precoce.

Merda, eu escrevi até sobre as mulheres com quem passei uma noite apenas. Sobre aquelas que me rejeitaram. Sobre aquelas que queriam só sexo quando eu queria bancar o chato e ficar conversado sobre mapa astral e amor líquido.

Sempre havia algo para falar de cada mulher. Um sentimento que ela me trouxa, alguma característica ou personalidade própria dela. Algo que aprendi em sua companhia. Algo que perdi.

Então, me dei conta de que todos os meus fracassos amorosos deram errados por minha culpa.

Eu me entregava cedo demais. Chorava no ombro de quem eu conhecia há duas horas. Pensava que qualquer uma gostaria de me ouvir falando horas sobre poesia concreta ou que qualquer uma gostaria de ler alguns de meus poemas.

Acontece que não. Eu estava enganado.

Comecei a tentar amar do jeito certo, mesmo sem entender muito bem o que significava.

Experiências novas, como minha irmã dizia.

Tentei de tudo. Namorei por meses sem ler um de meus escritos para ela. Saí com duas ao mesmo tempo. Saí com homens. Testei aplicativos. Redecorei meu quarto. Decidi não chorar em público. Falhei em tudo. No fim eu sempre acabava com um maço de cigarros e uma mensagem de "Você é legal, mas a gente não vai far certo" ou derivados.

O que queriam dizer a é: você é exagerado e horrível.

Decidi nunca mais escrever. Não até encontrar alguém que eu ame. Do jeito certo.

Esse é meu último texto.

Palavras não ajudam a amar, ajudam a destruir.

Acho que obedeci demais aquele velho bêbado quando ele disse para encontrar o que eu amo e deixar isso me matar.


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