The Weight escrita por ItsVPyo


Capítulo 1
You won't understand me


Notas iniciais do capítulo

Olá!
Resolvi postar a fic aqui, mas também posto no SocialSpirit e no Wattpad, então, sintam-se livres para escolher! (=



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“Não há exame de sangue ou qualquer outro teste biológico para determinar a presença ou a ausência de uma doença mental, como existe para a maioria das doenças corporais.”

 

Tenho que admitir que nunca fico entediada com o meu trabalho. Por quê? Bom, é simplesmente uma história mais fascinante do que a outra. A maioria das pessoas não entendem do que o meu trabalho se trata e acham que sou louca por cuidar de “loucos”. Mas elas estão completamente enganadas. Eu apenas escuto pessoas com alguma confusão mental, ou seja, pessoas doentes, e os ajudo a entender o que acontece dentro deles. Então, eles não são loucos, são apenas pessoas doentes que necessitam de uma ajuda extra para tentar viver uma vida normal, de uma válvula de escape.

E eu me certifico de dar a eles o que eles precisam.

Nunca atendi um caso extremo, apenas uns mais leves e moderados, mas com toda certeza adoraria entrar na mente de pessoas com um grau mais elevado da doença mental. Suas histórias são mais interessantes e instigantes sem sombra de dúvida, mesmo que muitas vezes inventadas, em sua maioria, o que só me faz ter uma fascinação maior ainda por eles pela capacidade de inventar coisas tão ricas em detalhes que te fazem ponderar o que é verdade e o que não é.

Mas nem todos enxergam esse ambiente como eu enxergo e pensam que esses doentes são consultados por psiquiatras e psicólogos para que eles os curem. Devo dizer que eu odeio quando ouço isso. Eu não curo ninguém, apenas os escuto. A cura vem deles próprios, eles se curam sozinhos. Eu poderia receitar milhares de remédios para um doente, mas de nada adiantaria se ele não se esforçasse para melhorar, se ele nem ao menos tentasse. Então, não acho justo eu levar todo o mérito.

Sim, eu sou uma psiquiatra e tenho muito orgulho disso. Sou uma das mais jovens no ramo, já que entrei na faculdade de medicina no primeiro ano do colegial por ser uma aluna prodígio, como eles costumavam me chamar. Pulei um ano de residência por receber ótimas recomendações dos chefes e logo comecei a exercer de verdade a profissão. Sou melhor do que muitos que já estão há anos nesse ramo e posso dizer isso com total confiança. Me baseio apenas em minha opinião para dizer isso? Não. Claro que ela conta, mas toda vez que eu passo pelo corredor de algum hospital e algum outro psiquiatra me olha de cara fechada, eu sei que sou a melhor.

Diferente deles, eu realmente amo o que eu faço.

Eu simplesmente amo sentar naquelas cadeiras de metal frias em uma sala patética ou até mesmo me sentar no quarto do paciente e ouvir suas histórias. Não histórias inventadas, criadas por autores para entreter as pessoas, mas histórias vividas por eles, coisas que aconteceram e continuam acontecendo em suas vidas, coisas que os destruíram e os fizeram crescer. Eu os faço falar até que consigam parar esse ciclo vicioso de tortura e descrença na melhora porque eu sou completamente fascinada por pessoas com histórias.

Infelizmente não é em todo caso que consigo fazer com que eles compreendam a si próprios. Nem sempre consigo fazer com que eles queiram se ajudar e ser ajudados. Como já disse, por mais que eu tente de todas as maneiras possíveis, de nada adianta realmente se no final de tudo eles mesmos não se ajudarem.    

Estava na minha moto a caminho de uma clínica psiquiátrica em Miami. Eu não tenho um consultório físico. Não por falta de dinheiro ou qualquer coisa assim, mas porque eu simplesmente não suportaria ficar trancada em uma sala todos os dias, tendo a mesma rotina sempre. Não seria bom para mim e certamente não seria bom para o paciente. Que bem faria a ele ficar trancado fisicamente dentro de uma sala quando já se sente preso em sua mente?

Alguns criticam meus métodos de trabalho e dizem que é errado e radical demais. Há ainda quem diga que estou passando tanto tempo com essas pessoas debilitadas mentalmente que estou me tornando uma delas. Admito que às vezes pego pesado, mas acredito que as pessoas têm que ser pressionadas até a ponta do fio para que consigam compreender o que acontece com elas, para se darem conta do que realmente está acontecendo dentro delas. Eu não faço eles esquecerem o que aconteceu ou ignorarem o que acontece, como alguns dizem que é o certo a se fazer. Eu faço eles enfrentarem eles mesmos. Posso estar errada na visão deles, mas o meu jeito tem funcionado bem para mim e para os meus pacientes até hoje.

Parei em frente ao portão da clínica e um homem barbudo colocou a cabeça para fora da pequena cabine. Levantei o vidro do capacete preguiçosamente e o homem esticou a mão, pedindo minha identidade. Revirei os olhos ao ouvi-lo resmungar qualquer coisa e entreguei a ele, que apenas olhou por uns dois segundos e me devolveu, abrindo o portão para mim logo em seguida. Forcei um sorriso falso para ele, que resmungou alguma coisa novamente enquanto voltava para dentro da cabine, e acelerei, estacionando em uma das vagas livres do estacionamento.

Assim que desci da moto, retirei o capacete que já estava abafando a minha cabeça, tamanho era o calor que fazia em Miami, e o pendurei no guidom. Olhei ao redor do lugar, respirei fundo e soltei um longo suspiro ao sentir aquele doce ar de sanatório que eu tanto amava. Imagino a tortura que deva ser para os pacientes serem internados em lugares como esse, mas eu simplesmente adorava.

Enorme seria apelido para descrever esse lugar. Ele era bastante simpático por fora, não parecia um hospital psiquiátrico, como se fosse para enganar os pacientes que vinham para ser internados aqui. Havia um enorme muro branco fechando as laterais da instituição enquanto a entrada era aberta, havendo apenas a cabine do segurança e um pequeno portão um pouco mais à frente para a identificação de visitantes e funcionários. O lugar havia acabado de ser reformado e estava com a aparência ótima que deveria ter, já que é um dos hospitais psiquiátricos mais caros de Miami.

Coloquei meus óculos escuros e caminhei pelo grande corredor aberto que antecedia a entrada da instituição despreocupadamente. As pessoas que passavam pela passarela em cima olhavam para baixo curiosas comigo, tanto pacientes quanto parentes e funcionários. Como era uma instituição cara, não era muito comum ter muitos pacientes entrando e saindo e os funcionários eram rigorosamente selecionados, então, eram sempre os mesmos.

Assim que entrei, uma mulher robusta, vestida com um jaleco branco grande que lembrava os jalecos de cientistas se aproximou de mim com uma carranca no lugar do rosto. Ah, como eu amava o doce humor desses funcionários. Era como se a situação dos pacientes os atingisse de alguma forma. Isso não deveria acontecer. Eles deveriam estar preparados para lidar com isso, já que sabiam o que os aguardava quando escolheram esse trabalho.

Ao contrário deles, eu nunca tive problemas com isso porque nunca me apeguei a nenhum paciente. Para mim, eles são como incríveis livros particulares. Uma vez que termino com um, sigo para o próximo. Não é como se eu criasse algum tipo de laço afetivo com eles a ponto de deixar que me afetem de alguma forma, afinal, nunca deixo que se aproximem demais de mim. Levo a ideia de relação médico-paciente a um nível estritamente profissional.

— Pois não? – a mulher perguntou com desdenho, parando na minha frente com uma expressão entediada.

— O Sr. Mcgonnel está esperando por mim.

— Você deve ser a Jauregui – ela praticamente resmungou enquanto ia para trás do balcão e pegava um grande livro marrom. – Você tem que assinar aqu---

— É Srta. Jauregui e não Jauregui – disse firme, me aproximando do balcão com o olhar fixo na mulher. – Apenas visitantes têm que assinar o livro e eu não estou aqui para visitar ninguém. Agora, mostre-me onde fica o escritório do Sr. Mcgonnel e nos poupe de ter que continuar essa conversa desagradável.

A mulher nada falou, apenas fechou o enorme livro de visitas e o guardou novamente, evitando qualquer contato visual comigo. Ela caminhou para fora do balcão e me guiou até o quinto e último andar com uma carranca ainda maior no rosto. Eu pouco me importava com seu mau humor, apenas a ignorava enquanto observava os pacientes por quem passava e o lugar, já que era a primeira vez que eu vinha nessa instituição.

Se eu já o achava enorme por fora, seu tamanho era quase imensurável por dentro. Para onde quer que você olhasse, os corredores não pareciam ter fim. Com toda certeza eu me perderia aqui se não tivesse essa mulher me guiando, apesar de achar que até mesmo ela poderia se perder nesse lugar. Apesar de ser perfeitamente organizado, o lugar era tão grande que parecia formar um labirinto com portas, corredores e escadas espalhadas por todos os lados. Mas isso era apenas uma tática dos hospitais psiquiátricos para confundir os pacientes que tentavam fugir. Principalmente nessa clínica, que era uma das únicas em Miami que eu conhecia que nenhum paciente jamais conseguiu fugir.

Por onde quer que a gente passasse, era sempre muito calmo e silencioso, diferente de qualquer outra clínica que eu já tivesse ido. Era sempre muito barulhento, agitado, cheio de pessoas correndo de um lado para o outro, gritando pelos pulmões. Mas aqui eu mal via alguém pelos corredores. Vez ou outra via alguns enfermeiros imobilizando pacientes para injetar o medicamento enquanto eles continuavam lutando para se soltar, soltando um grito gutural que chegava a doer os ouvidos. Alguns eu tinha até mesmo pena, pois eram agredidos pelos enfermeiros até ficarem inconscientes para que a medicação pudesse ser dada sem mais problemas. Eu não achava isso certo. Na verdade, achava que isso apenas piorava o estado clínico deles, mas esse deve ser o propósito da clínica, afinal, esses pacientes são sua fonte de renda.

Quando finalmente chegamos em uma porta grande no final do corredor, a mulher robusta fez um gesto para que eu parasse e foi falar com dois seguranças que estavam parados na frente da porta. Ela se virou para mim e eu me aproximei lentamente deles. Os seguranças abriram a porta e deram passagem para mim após me identificar. Caminhei firmemente para dentro do escritório e esperei até que eles fechassem a porta para me aproximar da mesa, onde o Sr. Mcgonnel estava. Ele não tinha nem mesmo notado a minha presença ali ainda, estava ocupado demais lendo uma enorme quantidade de papelada.

— Sr. Mcgonnel? – chamei sua atenção, me sentando na cadeira à sua frente.

O homem girou a cadeira, colocou a papelada em cima da mesa e ergueu o olhar para mim com um fraco sorriso de canto nos lábios. Ele já tinha uma certa idade, mas estava bastante conservado. Seus cabelos brancos eram como neve em cima de sua cabeça, perfeitamente penteados, assim como sua barba grisalha impecavelmente feita. Ele parecia aqueles avós de filmes infantis ou até mesmo de comerciais de margarina. Ao mesmo tempo em que tinha uma leveza no olhar, um ar de seriedade o cercava, me fazendo encara-lo com respeito. Com toda certeza ele não tinha cara de quem dirige um sanatório.

— Srta. Jauregui... – o homem disse sorridente. – É um grande prazer finalmente conhece-la.

— Igualmente, senhor.

Assenti com a cabeça e deixei meu olhar cair para as fotos em cima de sua mesa. Eram clínicas abandonadas e deixadas ao relento, completamente destruídas. Ele percebeu que eu encarava as fotos e soltou um suspiro pesado antes de se levantar e começar a caminhar pela sala, me dando tempo para analisar melhor as fotos.

Me inclinei um pouco para frente para tentar ver melhor e confirmei que os lugares estavam completamente destruídos, alguns até mesmo só restavam destroços. Esses antigos sanatórios pareciam cenários de filmes de terror no estado em que se encontravam. Era até mesmo possível de se visualizar as histórias se passando por dentre essas fotos. Isso era lamentável. Era revoltante que muitas pessoas doentes, necessitando de ajuda fossem mandadas para lugares como esses e poucas conseguissem tratamento em um lugar como essa clínica.

— Srta. Jauregui, lhe chamei aqui pois tem um paciente em especial que quero que a senhorita atenda – ele começou, se aproximando da cadeira que eu estava. – O nome dele é Trevor. Ele foi transferido para cá de Connecticut há uma semana e eu acho que a senhorita é a mais apropriada para lidar com ele. Eu pediria a um de meus funcionários, mas o garoto não disse uma única palavra até agora. Como as ótimas recomendações que a senhorita tem, pensei que talvez conseguisse ao menos fazê-lo falar.

— Nunca recuso um paciente, Sr. Mcgonnel.

— Eu sei disso – ele sorriu. – Como já está aqui, poderia começar hoje se estiver disponível.

— Mas é claro – concordei, me levantando. – Onde eu dev---

— Oh! Claro, claro... – ele dizia enquanto caminhava até o telefone em sua mesa. – Vou pedir para uma de minhas enfermeiras acompanhar a senhorita até o quarto do paciente.

Esperei pacientemente enquanto o Sr. Mcgonnel falava com alguém no telefone. Não demorou muito mais do que uns cinco minutos após ele ter desligado para que uma jovem ruiva aparecesse na porta com um sorriso encantador no rosto. Ela trajava um jaleco igual ao da mulher robusta que me atendeu quando cheguei aqui e tinha os cabelos presos em um coque alto. Sua pele era branquinha como a neve, ainda mais branca do que a minha. Sua postura hesitante mostrava que ela estava envergonhada, provavelmente por eu estar encarando-a sem nem ao menos me dar conta.

A enfermeira se apresentou como Kathryn e começou a me guiar pelos corredores. Ela parecia um pouco perdida com o caminho, o que me fez encara-la com o cenho franzido. Alguma coisa me dizia que ela não era muito familiarizada com a clínica e que ela não sabia muito bem para onde ir. Provavelmente ela era apenas uma enfermeira em treinamento e, a julgar pela forma como olhava para todos os lados e balbuciava sozinha, arriscaria que era o seu primeiro dia.

A garota notou que eu a encarava e engoliu em seco, tentando assumir uma pose mais séria, mas falhando miseravelmente. Ela mexia no coque a cada cinco minutos e falava sozinha, parecendo nervosa. Acabei sorrindo com aquilo. Eu adorava esse poder que eu tinha de intimidar as pessoas. Era algo natural e me dava uma sensação muito boa. Eu não precisava falar nada, apenas olhava para as pessoas e elas já se desesperavam, buscando desesperadamente desviar o olhar do meu.

Foi então que, de repente, uma loira passou correndo por nós, quase me derrubando no chão quando esbarrou com força em meu ombro. Olhei para trás para tentar acha-la, mas tudo o que eu encontrei foi um corredor vazio.

Antes que eu tivesse tempo de me virar novamente, a loira ressurgiu, passando por mim correndo outra vez e esbarrando em meu ombro, fazendo com que meu corpo tombasse para frente, quase caindo. Olhei para Kathryn numa tentativa de obter alguma explicação, mas ela parecia tão perdida quanto eu e até mesmo um pouco assustada. Rosnei irritada por lembrar que ela nova ali e olhei ao redor procurando pela garota, mas não encontrando nenhum sinal dela.

Por algum motivo, eu não conseguia sair do lugar. Kathryn estava na mesma situação, mas, diferente de mim, ela parecia apavorada. Estar em um sanatório não é o que se pode chamar de um calmo passeio ao parque. Se você não tiver um bom preparo psicológico, pode acabar ficando permanentemente. Tudo era sempre muito imprevisível. Qualquer coisa pode acontecer a qualquer momento, mesmo em clínicas sofisticadas como essa. Apesar de toda a organização e segurança, alguns pacientes ainda conseguiam fugir de seus quartos e saíam correndo pela instituição, seja fugindo de algo que suas mentes criavam, seja apenas pelo prazer de correr.

Eu já presenciei tanta coisa absurda e inimaginável nesses lugares que, se eu contasse, iriam achar que eu estava descrevendo algum filme ou algo do tipo. Por isso, posso dizer com todas as letras que é até mesmo perigoso estar em uma instituição para deficiente mentais, o que pode até parecer óbvio, mas só quem frequenta esses lugares sabe realmente como é.

A loira veio correndo na nossa direção novamente, mas, diferente das outras cinco vezes, ela simplesmente parou e ficou me encarando fixamente. Sua expressão parecia completamente perdida, mas estranhamente focada. Seus olhos distantes e serenos transbordando curiosidade. Ela tinha um largo sorriso em seus lábios e, por alguma razão, parecia bastante concentrada em meu rosto. A garota não parecia ter mais do que uns quinze ou dezesseis anos. O modo como ela estava em absoluto repouso na minha frente, se mover nenhum centímetro e nem nada, era assustador. Eu costumo lidar com pacientes que estão prontos para se comunicar ou medicados, mas nunca estive na presença de alguém como ela.

E isso era maravilhoso.

Kathryn se aproximou dela e colocou a mão em seu ombro, mas a garota continuou imóvel. A enfermeira então tentou virá-la, mas a loira parecia se esforçar para se manter na mesma posição, seus olhos atentos em mim e sua expressão sempre serena. O largo sorriso não saía de seu rosto, muito pelo contrário, parecia aumentar cada vez mais.

— Cassie, vamos lá! – Kathryn dizia enquanto tentava inutilmente virá-la. – Como você conseguiu sair do quarto?!

Por mais que tentasse, a enfermeira não conseguia tirar a Cassie dali. Normalmente o indicado é que você se mantenha em silêncio diante de pacientes que você não conhece, já que a maioria sabe reconhecer quando alguém ali é psiquiatra. Eles não gostam muito de nós, apesar de eu não entender o porquê disso. Mas eu sabia que se eu não fizesse nada, Kathryn não conseguiria tirar ela dali, já que a garota parecia decidida a se manter firme no lugar, me encarando.

— Cassie, certo? – perguntei cautelosamente e o sorriso da loira pareceu aumentar ainda mais. – Como você conseguiu sair do quarto? Será que poderia me dizer?

— Meus amigos me ajudaram...

Sua voz era completamente calma e arrastada, quase como se ela estivesse cantando cada palavra. Eu nunca tinha ouvido esse tom de voz antes e a sensação que eu tinha era de que ela estava sob efeito de muitos remédios. Era como se eu pudesse sair flutuando por aí com sua voz, que trazia uma estranha calma, mas também uma certa agonia.

Qual seria a doença dessa garota?

— Você se importa de voltar para o quarto? – perguntei calmamente.

Cassie apenas riu antes de lentamente se virar e começar a caminhar para longe. Mas a loira logo parou e virou na minha direção novamente, fazendo um gesto com a mão para que eu a acompanhasse. Kathryn apertou meu ombro, mas logo retirou a mão quando olhei para ela com as sobrancelhas arqueadas. Ignorei o olhar assustado da enfermeira e comecei a acompanhar Cassie de volta ao seu quarto, sendo guiada por Kathryn. Na verdade, não sei se quem estava me guiando era a enfermeira ou Cassie, mas estou mais inclinada a acreditar que era a jovem loira.

Quando finalmente chegamos no quarto 14D, Cassie entrou correndo e começou a pular na cama. Acabei sorrindo com aquilo. Ela parecia uma criancinha de cinco anos de idade tentando chamar a atenção de alguém. Sua alegria por estar ali pulando era tanta que acabava mudando a áurea negativa que o lugar tinha por si próprio, deixando-a mais serena. Ela tinha uma expressão maravilhada no rosto, como se estivesse vendo algo, o que fazia com que minha mente tentasse descobrir qual era a doença que ela tinha.

Apesar de ter a aparência um pouco avoada e o jeito meio infantil, Cassie tinha a feição de uma adolescente normal. Seu jeito meio agitado, desleixado e extremamente focado ao mesmo tempo não era tão incomum entre os jovens, por mais estranho que possa parecer a olhos céticos. Porém, se tem uma coisa que eu aprendi com todos os casos que já lidei é que os piores doentes são aqueles que não parecem ter nada.

— O q-quarto do Trevor é o 17D – Kathryn disse com uma expressão envergonhada e a voz meio tremula.

— Tudo bem, obrigada – assenti, voltando meu olhar para Cassie quando a enfermeira sorriu e desapareceu pelo corredor.

Acabei sorrindo ao ver que agora a garota estava sentada em cima da cama com as pernas cruzadas em estilo índio, olhando de forma divertida para os dedos dos seus pés. Me aproximei calmamente da cama, temendo sua reação, mas Cassie não desviou o olhar, focada do jeito que já notei que ela é.

— Você disse algo sobre amigos? – perguntei com cautela e ela finalmente ergueu o olhar para mim.

Sua expressão, que antes era divertida, se tornou séria. Desde que ela tinha parado na minha frente no corredor, essa era a primeira vez que eu a via com a expressão fechada, parecendo enfezada com alguma coisa. Franzi o cenho com aquilo e a garota apenas assentiu fracamente com a cabeça, seu cenho franzido e seu olhar fixo no meu, parecendo me analisar.

— Eu posso conhece-los? – sondei. – Quem são eles, Cassie?

— Você não vai mandar eles embora, vai? – ela perguntou séria.

— Não, claro que não! Eu só quero conhece-los. Será que eu posso?

A garota continuou me encarando por um minuto inteiro até que começou a engatinhar rapidamente na minha direção, ficando de joelhos quando parou na minha frente com o cenho ainda franzido. Foi então que ela desviou o olhar de mim e começou a encarar algo por cima do meu ombro. Seus olhos se arregalaram e sua respiração começou a ficar pesada com o que ela via. Mas antes que eu pudesse me virar para ver o que era, Cassie segurou a minha cabeça no lugar e só voltou as mãos para o seu colo quando viu que eu não iria tentar virar novamente.

— O que há de errad---

— Eles não gostam de você – a garota disse com a mesma voz arrastada de antes, mas com um tom mais sério. – Eles dizem que você não deveria estar aqui porque você quer levar eles embora. EU NÃO QUERO QUE ELES VÃO EMBORA!

Arregalei os olhos quando a loira começou a engatinhar para trás e pressionou a cabeça com as mãos. Ela se encolheu o máximo que podia enquanto balançava para frente e para trás, soltando um grito fino que me fez tapar os ouvidos. Eu tentava dizer que não ia fazer nada disso e tentei até mesmo fazer com que ela parasse de se debater, mas levei um soco no busco e me afastei, sabendo que eu não iria conseguir contê-la.

Mas, para a minha sorte, não demorou muito mais para que dois enfermeiros entrassem no quarto às pressas e segurassem a garota, impedindo que ela continuasse se debatendo. Cassie tentava se soltar dos enfermeiros a todo custo, seu grito ficando ainda mais alto e agudo, deixando a minha audição um pouco abafada. Ela continuou lutando para tentar se soltar até que um dos enfermeiros aplicou uma injeção em seu braço que imagino que fosse haldol, fazendo a garota ir perdendo as forças aos poucos e finalmente cair deitada na cama. Seus olhos se fechavam lentamente, sua respiração ficando mais calma e ritmada, mas, antes que apagasse por completo, ainda pude ouvi-la dizer algo em um fio de voz.

— Não sai... Sozinha... Daqui... Moça...

Comecei a caminhar cegamente para trás enquanto a garota fechava os olhos. Acabei esbarrando no enfermeiro, que perguntou se eu estava bem e se eu precisava de alguma coisa. Me limitei a apenas negar com a cabeça e saí do quarto, encostando na parede para tentar me recompor e assimilar aquilo tudo.

Eu nunca tinha lidado com uma situação como essa. Claro que alguns pacientes já se descontrolaram nas minhas consultas, uns mais do que outros, mas nunca nada do que eles disseram havia me deixado atordoada dessa maneira.

No momento em que ela falou aquilo, eu senti uma sensação estranha, como se algo realmente quisesse me afastar da garota. Não havia ninguém dentro daquele quarto a não ser por eu, Cassie e os dois enfermeiros. Sabia que essa sensação era por talvez a adrenalina ter explodido em meu corpo quando a garota surtou. É incrível como seus sentidos parecem apurar ainda mais quando a adrenalina começa a correr pelas suas veias em maior quantidade. E eles realmente apuram, o que é a explicação lógica para o estado em que eu fiquei.

Quando finalmente me recompus, soltei um longo suspiro antes de ir para o quarto 17D. Não era muito diferente do de Cassie. Havia apenas uma cama de ferro no canto com uma mesinha ao lado, assim como uma poltrona do lado oposto do quarto. Os móveis estavam bastante conservados e aquilo me surpreendeu, já que em outras instituições que já fui eles estavam caindo aos pedaços. Mas o que realmente estava me chamando a atenção era uma grande cadeira poltrona virada para a janela.

Como não havia ninguém a vista no quarto e os pacientes recém transferidos não têm permissão de sair de seus quartos antes de quarenta e oito horas, imaginei que Trevor estivesse naquela poltrona. Por isso, me aproximei a passos largos, pela primeira vez querendo acabar logo com aquilo e sair dali. Mas não foi preciso que eu me aproximasse muito, já que a poltrona girou lentamente, revelando o paciente.

Arregalei os olhos quando vi que Trevor, na verdade, era apenas uma criança de mais ou menos uns sete anos de idade.

Ele tinha a cabeça abaixada e as pernas dobradas na frente do corpo, seu dedo desenhando círculos na poltrona distraidamente. O garoto em nenhum momento olhou para mim ou disse qualquer coisa, apenas continuou na mesma posição em que estava. Eu apenas permaneci quieta, observando-o de longe.

Eu nunca gostei de trabalhar com crianças. Na verdade, eu nunca trabalhei com crianças. Essa era a minha única restrição e condição. Crianças são muito mais delicadas e complexas do que um adolescente ou um adulto. Apesar de mais inofensivas, essa é a fase mais decisiva da doença mental. É nessa fase em que, inconscientemente, ela decide se consegue ou não parar a evolução da doença. A partir desse ponto, a tendência é piorar cada vez mais até chegar em um nível em que é irreversível.

Engana-se quem pensa que há solução para todos os problemas psicológicos ou que quem sofre de tais transtornos é apenas fresco, está fazendo drama, querendo chamar atenção ou qualquer coisa do gênero. Isso é um assunto sério e delicado e as pessoas deveriam começar a se dar conta disso e prestar mais atenção, pois não é porque a doença é psicológica que não possa afetar em seu físico ou até mesmo levar à morte, o que é bastante comum, ao contrário do que pensam. Se parassem de trata-las como uma frescura, preveniria que evoluíssem tanto.

— Não falou comigo ou mexeu em mim nos dois minutos que está aqui, como toda enfermeira faz – ele disse, lentamente erguendo a cabeça. – Então, só pode ser minha nova psiquiatra.

Meu espanto foi ainda maior quando eu finalmente pude ver o seu rosto. Os cabelos morenos caíam desengonçadamente em sua testa, seus olhos, que eram de um castanho esverdeado bem claro, continham um intenso brilho inocente, ao passo que também continham um brilho caliginoso ainda mais intenso. Sardas cobriam parte da área de suas bochechas e seu nariz. Mas o que mais chamava atenção era a enorme cicatriz antiga de queimadura que vinha da fonte, passava pelo olho direito e chegava até a ponta de seu nariz. Por esse motivo, seu olho direito só ficava parcialmente aberto e sua pupila não se mexia. Se ele ainda enxerga com esse olho, tenho certeza de que é bem pouco.

— O Sr. Mcgonnel deve ter cometido um engano. Não trabalho com crianças. – disse, me virando e começando a caminhar até a porta.

— Gostou da minha cicatriz, não foi? – ele perguntou, me fazendo parar e olhar na sua direção. – Tenho muitas outras iguais a essa.

— Você tem?

Me aproximei do garoto novamente e me sentei na beirada da cama, minha curiosidade sendo maior do que o meu instinto de abandonar esse caso por ele ser uma criança. Ele virou a cadeira na minha direção, devolvendo o meu olhar na mesma intensidade. Seu olhar não parecia o de uma criança qualquer, parecia que eu estava olhando nos olhos de um adulto com demência avançada no estado psicótico. Eu podia ver a raiva e a dor em seus olhos, mas também conseguia ver lá no fundo um rastro de sua inocência infantil, apenas notada se você prestar bastante atenção.

O meu diferencial sempre foi conseguir ler perfeitamente bem as pessoas apenas pelos olhos. Mesmo que eles tentem me enganar, que tentem inventar histórias, eu vejo a verdade por trás daquelas esferas. Dizem que os olhos são o espelho da alma, mas eu não acredito nisso, pois acho que ninguém além de você mesmo consegue compreender ou ler sua alma. Você pode fingir um caráter ou até mesmo uma personalidade ou disfarçar um olhar, mas não pode fingir uma alma.

— Sim, tenho – o garoto respondeu sério. – Tenho muito orgulho delas.

— E por que diz isso?

— Porque eu criei elas. Não é óbvio? – ele disse simplesmente e um fraco sorriso até mesmo meio diabólico apareceu em seus lábios. – As pessoas fazem tatuagens, eu crio cicatrizes. São muito mais profundas, dolorosas e bonitas do que tatuagens. Você não entenderia, psiquiatra, mas é bom que saiba de uma coisa... Você não vai conseguir me entender porque eu não vou deixar.


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Notas finais do capítulo

So this is it.
O que acharam?
Como é uma fic nova, seria ótimo, maravilhoso, perfeito se vocês dessem feedback para eu saber o que vocês acharam e se devo realmente continuar postando :v Não, não sou aquele tipo de escritora que força os leitores a comentarem ou não continua postando, é apenas uma sugestão, não me entendam mal.
Camila já vai aparecer no próximo capítulo ;)
Espero que tenham gostado. Eu, honestamente, estou amando escrever essa fic!
Qualquer coisa chamem no tt: @badjerg



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