Reunião do A.A. escrita por Mestre do Universo dos Vermes


Capítulo 1
Seja bem vindo.




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— Oh, olá! Você é novo aqui? Prazer, eu sou a Dona Flor e sou encarregada-chefe do Grupo ABA, Apoio à Baixa Autoestima. Fique à vontade, entre, puxe uma cadeira... O quê? Sala errada? Ah não, não existe essa coisa de sala errada... Algo há de ter te trazido aqui, seja o destino, a curiosidade, a pressão de terceiros, o desejo próprio... Todos tem seu motivo para estar nessa reunião e, seja lá qual for o seu, é meio tarde para desistir agora, não? Então deixe de timidez e junte-se a nós, eu juro que tentaremos te acolher e te deixar à vontade. Certo? Ótimo. Sente-se onde quiser e tente relaxar, sim?

Triiiiiimmm

— Ouviu isso? É o alarme, ele indica o início e fim de cada sessão. Muito bem, pessoal, eu declaro essa sessão oficialmente aberta! Quem gostaria de começar?

— Uh... Eu gostaria, pra ser sincero.

— Excelente, Ricardo! É tão bom ouvir isso! Mas hoje temos uma pessoa nova, então, se puder se apresentar e fazer uma introdução, seria muito útil. Temos que ser acolhedores, certo?

— Ah, sim, claro. Desculpe, Dona Flor. Então... Boa noite, pessoal, como vocês devem ter percebido, eu sou o Ricardo e-

— Boa noite, Ricardo.

—... E eu quero dividir com vocês uma conquista minha. Quando eu entrei para o ABA, Grupo de Apoio a Baixa Autoestima, eu tinha grandes problemas em reconhecer meus pontos fortes. Eu sabia citar mais de dez defeitos, mas nenhuma mísera qualidade. Bem... Semana passada eu tive uma entrevista de emprego e, quando me perguntaram minhas qualidades, eu soube citar duas! Eu sei que é uma conquista pequena, mas queria dividir...

— Ora, não existem conquistas pequenas, Ricardo. Parabéns, estamos todos muito orgulhosos de você. Uma salva de palmas para o Ricardo, sim, pessoal?

Clap clap clap clap

  — Muito bem. Então... Quem quer ser o próximo? .... Sem voluntários? Hm... Que tal você, Gabi? Se importa em dividir um pouco da sua história com a gente?

— Claro, Dona Flor... Então... Boa noite, meu nome é Gabriela-

— Boa noite, Gabriela.

— E... Pra ser sincera, eu não tenho muito a contar...

— Vamos lá, Gabi, não se acanhe. Tenho certeza que tem algo a dividir. Não se preocupe, leve seu tempo, ninguém aqui vai te julgar.

— Ok... Então... Eu entrei no ABA há menos de um mês e esta é minha segunda sessão no A.A. Procurei ajuda porque meu namoro está com sérios problemas... Eu sou muito ciumenta, sabem? É que eu sou extremamente insegura e essa insegurança me deixa paranoica. O ABA me recomendou sessões no Autodepreciadores Anônimos porque eu tenho muitos pensamentos negativos sobre mim mesma, o que piora minha baixa autoestima e minha insegurança. Uma voz na minha cabeça diz que meu namorado achou alguém melhor que eu, porque todo mundo é melhor que eu, e que só está comigo por pena. Que eu não sou o bastante pra ele. E isso me deixa muito ciumenta e nosso namoro quase acabou porque eu ficava grudada nele sempre que ele falava com outra garota.

— Sim, deve ter sido muito difícil pra você, Gabi. Obrigado por compartilhar sua história. Então, desde a nossa primeira sessão, você viu alguma melhora?

— Bem, Dona Flor... Não realmente. Eu ainda piro sempre que ele atende o celular em outro cômodo ou não responde minhas mensagens instantaneamente. Mas eu já expliquei pra ele o motivo e ele me garantiu que eu sou a mulher mais bonita, esperta e especial desse mundo todo... Não que eu acredite.

— Entendo... Bom, querida, não exija tanto de si mesma. Comunicação é um excelente começo. Lembre-se: é impossível construir autoestima da noite pro dia. Mas vir a essas reuniões já é um passo na direção certa.

— É, acho que sim.

— Uma salva de palmas para essa mulher corajosa. Parabéns, Gabi, você merece.

Clap clap clap clap

— Alguém gostaria de acrescentar algo?

— Ah... Dona Flor, já que a Gabriela comentou essa coisa de relacionamentos e ciúmes, acho que eu quero falar um pouco também...

— Mas é claro, Viviane. Fique à vontade, querida.

— Então... Boa noite, pessoal, eu sou a Viviane.

— Boa noite, Viviane.

— E, vejam bem... Acho que eu posso dizer que também estou aqui por causa do meu namorado. Ou melhor, meu ex. Namoramos por dois anos e ele sempre pareceu um amor de pessoa, mas, com o tempo, começou a fazer comentários negativos sobre mim. Regular o que eu vestia, com quem saía, até o que eu comia. Eu já tinha muitas dúvidas sobre mim mesma e, depois disso, fiquei ainda mais neurótica. Eu via problemas com meu peso, com meu rosto, achava que meus amigos eram todos falsos e que a única pessoa sincera comigo era meu namorado, porque ele me dizia a verdade, mesmo que doesse. Depois eu percebi que ele só queria me controlar pela baixa autoestima, mas, mesmo assim, fiquei com ele, porque achei que não conseguiria nada melhor. Depois que entrei para o ABA e para o A.A., tive coragem de terminar com ele. Mas ele ficou me ligando e se desculpando e, uma semana depois voltamos. Mas ele não mudou de verdade e, quando voltou a me fazer sentir horrível, eu terminei com ele de novo por mensagem. Estou há três dias sem atender as ligações dele.

—Muito bem, Vivi. Tenho certeza que foi difícil pra você e estamos todos orgulhosos. Leve seu tempo e, quando se sentir pronta, tente se reunir com ele pessoalmente e terminar tudo de vez, sim? Vai ser difícil, mas vocês tem que deixar tudo claro antes de poder seguir em frente.

— Sim, Dona Flor... Eu vou, um dia...

— É só o que peço, querida. Muito bem, pessoal, palmas para a Viviane!

Clap clap clap

Mais alguém gostaria de dividir algo?

— Ah... Acho que eu gostaria, Dona Flor.

— Excelente, Maria! Vá em frente, querida.

— Então... Meu nome é Maria.

— Boa noite, Maria.

— E... Eu entrei no A.A. por causa de piadas, na verdade. Eu sempre tive muita dificuldade em me enturmar, me achava feia, burra, inútil... Então eu comecei a fazer piadas com isso. Eu fazia piada de mim mesma antes que outra pessoa tivesse a chance e comecei a ficar até que popular. Todo mundo ria das minhas piadas. O problema é que riam à minha custa e isso me machucava. Minhas próprias piadas me machucam, ridículo, não?

— Não é ridículo, Maria. Estamos aqui pra te apoiar.

— Obrigada, Dona Flor... Então, eu estou há doze horas sem fazer uma única piada autodepreciativa e sem me isolar dos meus amigos. É um recorde pessoal.

— Meus parabéns, Maria. Estamos orgulhosos de você! Não é pessoal?

Clap clap clap clap

— E lembrem-se, nem sempre rir de si mesmo é bom, às vezes é um grito por ajuda. Mais alguém gostaria de falar? Que tal você, Jonathan?

— Uh... Claro, Dona Rosa. Então, pessoal... Eu sou o Jonathan-

— Boa noite, Jonathan.

—... Boa noite. Bem, eu já estou há cinco sessões no Autodepreciadores Anônimos e, hm, acho que isso fez alguma diferença. Eu já consigo controlar melhor minhas crises de autoestima. Eu tinha um grande problema com automutilação, o que fez meus pais me obrigarem a frequentar esse grupo quando descobriram, mas só depois de três sessões eu comecei a realmente querer estar aqui. Acho que foi por causa do que a Dona Flor disse: eu não posso ser ajudado se não quiser ajuda. Enfim, desde então eu ainda tenho minhas crises e meus momentos ruins, mas tento extravasar de outras formas. Quando eu me sinto inútil, impotente, horrível ou penso que não faço diferença alguma no mundo, em vez de me aliviar com uma lâmina, eu aprendo uma música. Estou aprendendo a tocar violão e isso me ajuda muito. Não abro um novo corte há nove dias, o que é bem impressionante, já que eu sou horrível em autocontrole e um lixo em controlar minhas emoções e... Essa não, estou fazendo de novo, não é?

 Calma, querido, tudo bem. Um passo de cada vez, todo mundo tem suas recaídas. Gostaria de ir lavar o rosto no banheiro ou quer continuar aqui?

—... Acho que eu aguento ficar aqui, obrigado, Dona Flor.

— Sem problemas, querido. E meus parabéns, você é muito corajoso em expôr sua situação assim tão abertamente. Estou orgulhosa. Palmas para o Jonathan!

Clap clap clap.

 Muito bem, pessoal. Ainda temos tempo para um último relato. Algum voluntário?

— Hm... Talvez eu, Dona Flor?...

Ora, claro que sim, Marcos. Fique à vontade.

— Eu sou o Marcos-

— Boa noite, Marcos.

— Boa noite, pessoal. Bem... Eu tinha muitos problemas em dizer "não" para as pessoas. Eu não sabia negar nada a ninguém, meu chefe, meus amigos, meus parentes... Foi minha esposa quem me indicou esse grupo porque achou que me ajudaria a me impôr mais. Já frequento o ABA à uns sete meses e comecei no A.A. há uns três. As reuniões me ajudaram a perceber que dizer sempre "sim" para agradar todo mundo é um erro, porque nossos amigos de verdade não se importam se receberem um "não" e, se alguém reclamar por isso, não é seu amigo de verdade. Eu tinha muito medo de que não gostassem de mim se eu negasse um mísero pedido, mas, há duas semanas, consegui. Meu amigo do trabalho perguntou se eu podia cobrir o turno dele porque ele tinha ganhado ingressos para um jogo e queria muito ir. Normalmente, eu teria feito mesmo já estando atolado no meu próprio trabalho. Mas, dessa vez, eu disse não e expliquei que ficaria sobrecarregado. E, sabem o quê? Ele disse que tudo bem, que era só um jogo e agradeceu a honestidade. Depois disso, eu fiquei bem mais confiante em não me forçar a fazer tudo por todos.

 Uau, muito bem, Marcos, de verdade! Estamos muito orgulhosos de você. Tudo o que você disse com certeza é verdade e eu espero que você acredite mesmo nisso. É importe perceber que temos tanto valor quanto qualquer outra pessoa. Ninguém ali é menos importante.

— Obrigado, Dona Flor.

Clap clap clap

 Muito bem, pessoal, só temos mais alguns minutos, então é hora das palavras de encerramento. Primeiramente, eu queria parabenizar todos vocês, os que tiveram coragem de dividir suas histórias, medos e conquistas e os que, mesmo não tendo, se dispuseram a vir aqui. É preciso muita coragem e vocês com certeza tem isso. Baixa autoestima e autodepreciação é um problema sério e vir aqui já é um ótimo começo. Juntos somos mais fortes. E, lembrem-se, mesmo que às vezes não possamos controlar nossos pensamentos, não podemos deixar que eles nos controlem. E, quando tudo parecer perdido, pensem "eu sou importante", porque vocês são, meus queridos, todos vocês. Reconhecer o problema é o primeiro passo para resolvê-lo.

Triiiiiiiim

 Muito bem, queridos, vocês estão liberados. Espero ver todos aqui semana que vem e se cuidem, viu?

— Tchau, Dona Flor!

—  Tchau, Dona Flor.

 Boa noite, Dona Flor.

— Até a próxima, Dona Flor.

 Tchau, queridos... Ei, meu bem, pode esperar um pouco? Então, eu sei que o horário já acabou e tudo o mais, mas eu queria falar com você. Relaxe, não vou te pedir para voltar semana que vem ou algo assim, a ABA tem uma política de não interferir no livre arbítrio de ninguém. Claro que adoraria te ter aqui de novo, mas não é disso que quero falar. É só que, bem, por mais que você não tenha dito nada, o que até é bem comum entre os novatos, eu tenho certeza que você tem uma história a compartilhar e gostaria que o fizesse conosco um dia. E, sinceramente, tenho só uma pergunta pra você: você realmente entrou na sala errada?


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