Felix Culpa escrita por Akemihime, RPNara


Capítulo 1
San Junipero — 1/2


Notas iniciais do capítulo

» Palavras chaves escolhidas: café, assustado, acreditar.
» Betagem feita pela KL ♥

Os dois primeiros capítulos da fic se passam no universo do episódio 4 da 3ª temporada da série "Black Mirror", intitulado "San Junipero". Nós modificamos e acrescentamos algumas informações do universo, conforme foi necessário pro andamento da nossa história.
Se você não assistiu o episódio ou a série no geral, tudo o que precisa saber é que San Junipero é um programa para onde as consciências das pessoas são enviadas depois da morte, uma espécie de cidade que se passa em vários anos diferentes.



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/755202/chapter/1

Shikamaru percebeu seus sentidos voltarem, como se acordasse de um longo sono. No entanto, apesar de estar despertando, decidiu não abrir os olhos ainda, pensando que era bom não ter alguém o importunando naquele momento.

Afinal ultimamente aquela era a única coisa em que pensava: não ser importunado.

Com os olhos fechados, ele focou em seu olfato, sentindo o familiar aroma de café— seu preferido – o fazendo ter vontade de levantar e correr a procura de uma xícara para tomar. Só não o fez por sua preguiça ser maior, esta que parecia ter só se intensificado ao longo dos anos.

Ele conteve um suspiro, tornando a se concentrar naquele aroma que tanto apreciava, até que percebeu outro cheiro que o deixou um tanto curioso e confuso.

Maresia.

O estranho de sentir aquilo se devia ao fato de Shikamaru não se lembrar de ter ido à praia. Aliás, para falar a verdade, sua mente parecia nebulosa quando se esforçava para se lembrar do que acontecera em sua vida nos últimos dias.

E então, antes que gastasse mais tempo em devaneios sobre isso, ele logo escutou uma voz conhecida próxima de si:

— Shikamaru, eu sei que está acordado, seu preguiçoso! Hoje o seu dia será cheio! — Esta era Ino, sua sócia e amiga de infância sempre problemática e animada. Era o tipo de garota que poderia deixá-lo irritado e também melhorar seu dia apenas com algumas palavras e um sorriso gentil (quando ela estava bem disposta para tal). Era por sua beleza e simpatia nos momentos certos que Ino foi designada a ser o rosto daquela poderosa empresa que comandavam juntos.

— Ino, só mais cinco minutos! — Ele murmurou, mal humorado — Tenho certeza que não tenho remédios para tomar de manhã, e muito menos nenhum compromisso na empresa, caso contrário minha secretária eletrônica já teria anunciado... — Falava de forma arrastada, ainda nem se dando ao trabalho de abrir os olhos. Não queria despertar por completo ainda. — Aliás, como conseguiu a chave da minha casa?

— Bem vindo à San Junipero, Sr. Nara. — A voz simpática de Ino anunciou de repente quase o interrompendo, e dessa vez Shikamaru abriu os olhos, assustado e completamente desperto.

Como assim estava em San Junipero?

Olhou tudo à sua volta e viu que nem havia amanhecido o dia ainda. Ele se encontrava em um bangalô bem similar com a decoração que havia em seu apartamento, a diferença é que a enorme sacada que deveria ter vista para os outros prédios, agora dava vista com saída para praia.

Bem, isso explicava o cheiro de maresia.

— Ino, estamos testando alguma atualização nova? Achei que tínhamos uma somente no final do ano. — Indagou para o holograma da amiga enquanto se levantava da cama, ainda bastante confuso.

— Shikamaru... você não se lembra mesmo? — O olhar de Ino, ainda que fosse em um holograma, era de tristeza. E Shikamaru, que a conhecia muito bem, imediatamente percebeu que havia algo errado em sua estadia em San Junipero daquela vez.

— Ino... o que está acontecendo? Por qual motivo estou aqui? — Era perceptível a angústia em sua voz, já pensando em várias coisas que poderiam ter ocorrido.

Ele ainda não conseguia se lembrar de nada.

— Chouji te encontrou desacordado em seu apartamento... Por que você fez aquilo com você mesmo? — Ela mordeu os lábios, parecendo segurar as lágrimas. — Você está há cinco dias completamente inconsciente no hospital, então não tivemos escolha a não ser te transportar para o San Junipero.

Shikamaru nem ao menos conseguiu esconder a expressão de surpresa.

Ele ainda sentia aquele vazio em seu peito e tinha consciência de que já esteve perto de fazer uma loucura várias vezes, mas nunca pensou que de fato teria coragem para...

— Eu conversei com um psicólogo de confiança, assim como um psiquiatra, e decidimos que, por hora, seria melhor te manter no San Junipero até você despertar. Quem sabe assim você acorda melhor, eu não sei. — Ino falava, parecendo mais cansada e triste do que nunca. Não devia estar sendo fácil para ela. E ver a amiga naquele estado, fez Shikamaru se sentir extremamente culpado.

Ele se sentou na cama, com a cabeça baixa, encarando seus pés.

— Me desculpe, Ino, eu não queria te dar trabalho assim, eu nunca quis...

A loira se aproximou dele, sentando-se ao seu lado.

— Só me prometa que vai tentar melhorar. Me prometa que nunca mais me dará um susto desse. Nem a mim e nem ao Chouji. Você não pode desistir de nós, e principalmente de você.

Ele suspirou, finalmente erguendo a cabeça e a encarando.

Não era comum Ino dizer aquelas coisas, se abrir para os amigos daquela forma, e isso só mostrava o quanto ela se importava com ele.

Shikamaru imaginou que Chouji, aonde quer que estivesse no mundo real, deveria estar naquela mesma situação.

— Eu prometo que vou tentar. — Ele finalmente falou, mais chocado com o que havia acontecido do que exatamente determinado — Peça desculpas ao Chouji por mim.

— Não precisa se desculpar, você sabe disso. — Ela sorriu, se levantando e tentando parecer mais descontraída — Certo, vamos começar?

Shikamaru se levantou também, não tão sorridente quanto ela, mas já era alguma coisa.

— Se você quiser, só temos que configurar você! Vem, você vai amar isso aqui! — Ino falava, parecendo animada, levando o amigo até o painel de controle.

— Você sabe que eu sei tudo sobre isso aqui, certo? — Shikamaru falou, achando graça da tentativa dela de ensiná-lo como tudo funcionava.

— Cale a boca e coloque sua digital aqui — Ela falou girando os olhos, mas ainda sem perder o sorriso do rosto.

— É assim que você tem recepcionado as pessoas por aqui? — Shikamaru comentou, baixinho, e para sua sorte a Yamanaka não pareceu dar ouvidos.

— Agora você escolhe o ano em que quer começar. Veja, temos de 1980 até o ano passado, 2039! E então é com você!

— Você não vem? — Shikamaru olhou desconfiado para a amiga, sabia que ela passava algum tempo junto com as pessoas no San Junipero, para adaptá-las e observar o funcionamento das coisas por lá.

— Hoje não, Shika. Aliás, isso é somente um holograma, passarei nossa conversa à Ino mais tarde. Vamos acompanhar sua estadia, e torcer para que ela seja bem breve!

— E o que a Ino de verdade está fazendo então? — Ele não pode deixar de perguntar, estranhando que ela não havia se projetado diretamente para o San Junipero e sim apenas enviado um holograma seu.

— Ela anda sobrecarregada com o trabalho e ainda por cima tem um encontro daqui a pouco. Ah, mas não conta pra ela que te falei isso!

Shikamaru revirou os olhos, vendo como até mesmo no holograma dava para ver como ela estava apaixonada.

Ele sabia que, apesar das brincadeiras, ela iria aparecer sempre que possível para ver como ele estava e se havia melhorado, relatando tudo para o psicólogo que iria acompanhar a situação dele dali em diante.

Shikamaru ia ajustando para onde deveria ir no pequeno painel na parede a sua frente, enquanto o holograma de Ino atrás dele espiava, curiosa.

— 1995? — Ela indagou, sem entender — O que tem de especial nesse ano? — Geralmente as pessoas costumavam ir para a década de 80 ou algum ano próximo do presente na vida real. A década de 90 não era tão usada pela maioria dos habitantes de San Junipero.

— A última atualização que fiz foi lá. Me pareceu um ano bom — Shikamaru nem se deu ao trabalho de se virar para olhá-la, dando de ombros. — Além disso, não foi você que me disse naquele discurso todo para aproveitar minha estadia? Não deveria estar questionando minha escolha. — Concluiu em tom de brincadeira e mesmo sem ver Ino, já sabia que ela estava revirando os olhos.

— Bem, que seja. Eu tenho que te dar as últimas orientações — Ela ignorou o resmungo de Shikamaru de que já sabia de tudo e prosseguiu calmamente — Como você ajudou a criar isso aqui, achei melhor quebrar o protocolo de regras padrões e deixá-lo aproveitar mais a estadia no San Junipero. Configurei para um período de 6 horas para hoje, mas não pense que serei boazinha assim sempre. Assim que acabar seu tempo, sua consciência retornará ao corpo e tudo será salvo em seu cookie. Para voltar ou se desligar antes do tempo, volte ao bangalô e insira sua digital na luz vermelha do painel. E finalmente, ao sair por aquela porta, você já estará no ano escolhido.

— 6 horas? Finalmente estou vendo privilégios em ser o dono... — Shikamaru comentou amargamente. Não era exatamente uma vantagem grande aquilo, levando em conta a circunstância que o fez parar ali daquela vez.

— Agora, Shikamaru... — Ino o fez erguer os olhos para encará-la. Ela o olhava com ternura e ele se pegou impressionado com o próprio trabalho de criar um holograma perfeito, toda e qualquer emoção da verdadeira Yamanaka Ino estava ali naquele holograma. Ela continuou: — Aproveite a sua estadia aqui, é sério. Não fique preso no quarto, tente sair, interaja com alguém. Você ajudou a criar esse universo, é hora de tirar algum proveito disso, por pior que seja a situação.

Shikamaru balançou a cabeça, um pouco desconcertado.

— Certo, obrigado, eu acho.

A loira esboçou um sorriso, parecendo satisfeita e com ar de trabalho cumprido.

— Bem, agora se me der licença, tenho que ir. A companhia “YamaNarAki” deseja a você uma boa estadia. — Ela fez o cumprimento padrão, acenando para Shikamaru enquanto finalmente desaparecia, deixando-o completamente sozinho.

Ele observou o ponto em que ela havia sumido, com um ar pensativo. Era verdade que estava um pouco relutante de sair daquele quarto e encarar de verdade San Junipero (como um habitante e não como alguém que iria somente para fazer reparos), mas Shikamaru sabia que não tinha muita escolha.

Suspirou fundo, por fim se levantando e levando a mão à maçaneta, abrindo a porta.

O clarão que veio a seguir quase o cegou e demorou alguns segundos até seus olhos se acostumarem com a quantidade de luz do dia.

O dia já havia nascido há algum tempo, concluiu Shikamaru ao dar olhada em seu relógio de pulso que marcava duas da tarde. Além do horário atual, o relógio havia uma contagem regressiva que estava em 5 horas e 50 minutos, com os segundos correndo – aquele era o tempo que lhe restava do dia para estar no San Junipero.

Shikamaru bocejou preguiçosamente enquanto finalmente andava pelas ruas do lugar.

Ele estava vestido com uma roupa simples, camiseta xadrez, calça jeans e um tênis all star preto e surrado. Shikamaru achava engraçado como o estilo de roupa não havia mudado muito desde aquela época, ao menos era o que pensava, já que nunca prestou muita atenção nesse tipo de coisa.

Conforme andava, ele não podia deixar de se sentir um pouco tentado a voltar para o mesmo lugar que veio, mas sabia que Ino descobriria caso fizesse isso, e depois seria ainda pior. Shikamaru já havia ouvido muito dela por um só dia, não precisava de mais. E foi por isso que continuou seguindo em frente um pouco sem rumo, passando por uma rua larga onde se localizavam alguns cafés e sorveterias. Não estavam tão cheias, mas isso já era esperado daquela década. Talvez fosse por isso que havia escolhido ir para lá.

Ele olhou para os letreiros de boates, todas fechadas por conta do horário.

E foi somente quando seus olhos pararam em outro letreiro que os pés de Shikamaru pararam também.

"Tucker's"

Ele olhou para as letras enormes indicando o famoso bar que havia em qualquer época do San Junipero.

Bem, ficar andando por horas não fazia o estilo de Shikamaru, então ele supôs que não faria mal algum em entrar e quem sabe beber um pouco.

Ao entrar, pode notar que o lugar também não parecia muito cheio, mas estava visivelmente com mais pessoas do que as sorveterias e cafés pelos quais ele havia passado em frente mais cedo.

Shikamaru se sentou em um banco alto em frente ao balcão, olhando para o menu no alto da parede, sem realmente prestar muita atenção, pensativo com os últimos acontecimentos em sua vida.

A verdade é que o Nara ainda parecia processar tudo aquilo que havia acontecido. Ele não sabia se deveria se sentir culpado ou surpreso por ter tentado tirar a própria vida e deixar todos a sua volta preocupados. Talvez estivesse sentindo um pouco dos dois no fim das contas.

Ele olhou para o bar movimentado a sua volta, com as pessoas conversando, a maioria rindo e parecendo feliz por estar ali.

Shikamaru odiava a morte e nunca soube lidar muito bem com isso, foi por esse motivo que havia criado o San Junipero. Para pessoas que não queriam que a vida tivesse um fim.

Era um pouco contraditório de acreditar nesse tipo de coisa e também tentar acabar com a própria vida. E quanto mais pensava nisso e uma resposta para suas contradições, Shikamaru sentia ainda mais preguiça e mais cansaço.

Talvez ele só não gostasse da morte dos outros, não aceitava o fato de perder alguém próximo.

E talvez isso não tivesse relação nenhuma com as manchetes que falavam por aí do San Junipero e de seu criador, que ele “prezava a vida mais do que tudo”. Isso não era mais nada do que uma mentira. A verdade é que Shikamaru era egoísta o suficiente para se importar somente em não perder aqueles próximos a ele, mas não se importava com a vida, principalmente com a própria vida.

E o pior é que refletir sobre isso o fazia ainda mais culpado. Não deveria ter esse tipo de pensamento, seu pai ficaria desapontado se soubesse… onde quer que ele estivesse naquele momento.

Mas o que Shikamaru poderia fazer?

Ele não sabia como mudar aquela rota de pensamentos negativos e autodepreciativos.

— Olá...? Eu quero saber se você deseja alguma coisa. — Uma voz feminina o tirou de seus pensamentos e Shikamaru finalmente percebeu a mulher por trás do balcão esperando por seu pedido.

Ela tinha olhos de um verde intenso e um ar impaciente, fazendo Shikamaru se perguntar há quanto tempo ela estava ali esperando por sua resposta.

— Só uma água — Falou em meio a um suspiro. Shikamaru nunca foi muito de beber (principalmente por conta dos medicamentos que tomava para depressão), mas aquele simples pedido pareceu aborrecer mais a atendente, que revirou os olhos, resmungando como havia ficado aquele tempo todo esperando simplesmente por uma água.

Mulheres, afinal... Problemáticas em todo lugar, em San Junipero obviamente não seria uma exceção.

A moça já se retirava para pegar seu pedido, e enquanto isso Shikamaru continuava a observar aquele lugar. O bar era simples, com ambiente com uma iluminação mais clara e mesas dispostas um pouco afastadas de onde ele estava. Havia também um pequeno palco ao fundo e uma parte ao seu lado direito reservada exclusivamente para fliperamas de variados tipos.

Shikamaru sorriu, olhando para os jogos. Fliperama foi ideia dele, apesar de ser fortemente rejeitada (por Ino principalmente) quando sugeriu a ideia à princípio. Mas de qualquer forma acabou realizando sua vontade, lembrando-se com uma pontada de tristeza o quanto gostava de jogar com seu velho pai quando era mais novo.

— Oi, acorda, sua água — A mulher que o atendera antes parecia ainda mais impaciente por vê-lo tão distraído.

Shikamaru agradeceu polidamente e antes que ela se afastasse, perguntou:

— Er... Moça... — Ele falou, sem saber como chamá-la sem que a deixasse ainda mais irritada — Quem vai tocar aqui hoje?

Ela olhou para o palco por uma fração de segundos e depois se voltou para ele, suspirando.

— É uma banda chamada Akatsuki. Você saberia se olhasse em sua programação, todas as informações estão lá. Além disso... — Tocou o pequeno broche, escrito "Temari", que estava preso em sua roupa. — Me chamo "Temari", não "moça".

E dito isso, se virou para atender a outros clientes, resmungando algo sobre como não ter muita paciência para iniciantes naquele lugar.

Shikamaru sorriu de lado, bebendo sua água. Se Temari soubesse que ele quase a chamou por "problemática" ao invés de "moça", talvez ela não tivesse ficado tão irritada... Aliás, aquela mulher, pelos poucos minutos que a havia conhecido, já estava facilmente entre as mulheres mais problemáticas que já tinham cruzado seu caminho (disputando o primeiro lugar apenas com sua mãe e Ino).

Ele suspirou, tomando um gole de sua água.

Queria a todo custo evitar pensar em porque estava ali, evitar pensar no que havia feito e o que o futuro o reservava.

Ainda estava surpreso o suficiente com sua situação atual para ficar deprimido pelo que havia causado.

E em uma tentativa de não pensar nisso, ele continuou a olhar ao redor, procurando algo que pudesse despertar o seu interesse e tirar a vontade enorme que estava de voltar para sua cama.

E Shikamaru não queria, mas com o tédio em que estava, sua atenção acabou de forma inconsciente se voltando para a mulher que continuava a trabalhar por trás do balcão.

Temari, o nome dela. Ela tinha uma personalidade forte e talvez por isso o tenha chamado atenção – tirando, é claro, o fato dela ser bastante atraente aos seus olhos, ainda que Shikamaru nunca tenha sido o tipo de homem a realmente ficar prestando atenção às mulheres a sua volta.

Em algum ponto Temari pareceu finalmente se dar conta de que estava sendo observada, visto que se virou para Shikamaru, encontrando seus olhos nela. Ela fechou a cara, fuzilando-o com o olhar, antes de se virar e voltar as suas atividades.

Mas Shikamaru podia jurar que, ao se virar de costas para ele, o rosto dela estava um pouco avermelhado.

Se era de raiva ou vergonha, isso ele já não sabia dizer. E nem gastou muito tempo refletindo nisso, se concentrando então na banda que subia no palco.

Shikamaru então percebeu que já estava há um bom tempo ali dentro. Ele nem havia sentido o tempo passar, será que era sempre assim para aqueles que frequentavam o San Junipero?

A banda em questão que estava tocando naquela noite era intitulada Akatsuki, como Temari havia o informado mais cedo. Shikamaru obviamente não conhecia nenhum deles, mas logo percebeu que eram bons, apesar de estranhos.

O vocalista cantava suavemente e parecia ter a capacidade de atrair a atenção de todos os presentes, especialmente as mulheres que suspiravam para ele.

"Se Ino estivesse aqui, certamente iria amá-lo" Shikamaru pensou, rindo consigo mesmo.

Um pequeno tumulto que se formava tirou a sua concentração, assim como de algumas pessoas ao redor, da banda que tocava. Haviam dois homens discutindo fervorosamente. Apesar de Shikamaru estar um pouco curioso, ele não conseguia ouvir uma palavra do que diziam, devido ao som alto que estava no ambiente, conforme a banda continuava tocando, ignorando a movimentação que acontecia.

Shikamaru até pensou em fazer algo para ajudar, se levantando do banco, no entanto um vulto passou por ele rapidamente, indo em direção a briga.

Ele piscou os olhos duas vezes para ter certeza que via aquela problemática que o estava servindo há poucos instantes antes, se enfiar no meio dos dois homens bem maiores que ela, não parecendo ter nenhum medo do que aconteceria. Na verdade, ela parecia mais com raiva do que qualquer outra coisa.

No entanto, ao ver sua movimentação fez com que o Nara se mexesse de seu lugar, se aproximando preocupado. À medida que cortava a distância, ele começou a entender o motivo daquilo tudo conforme escutava mais da briga.

— Você sabe que isso é injusto! — Um homem empurrava o outro para trás, parecendo nervoso — Nem doente está e tem tantas horas assim aqui?!

— Ei! — Temari, a mulher que Shikamaru conhecera, estava no meio dos dois, olhando para o homem que berrava inconformado — Se vocês querem brigar, vão fazer isso em outro lugar ou outro horário, mas no meu turno não!

— Eu paguei pelo meu tempo como todo mundo aqui! — O outro retrucou, mas não se aproximou, mantendo a distância um pouco mais cauteloso, vendo como a loira a sua frente parecia estar nervosa com a situação — E é claro que estou doente, pessoas em plena saúde não entram aqui!

— Eu realmente não acredito que vocês estão brigando por isso. — Temari suspirou, parecendo buscar manter a paciência que já estava curta — Olha, eu também não concordo com a cota temporal, mas isso não me faz socar qualquer um no meio do bar! Agora vocês saiam daqui agora antes que eu acione a central e retire o restante das horas dos dois!

Ainda havia certa tensão entre os homens quando saíram do bar de cabeça baixa, inconformados. Temari respirou aliviada e voltou ao se lugar atrás do balcão, sendo seguida por um Shikamaru bastante surpreso.

Ele não ficara apenas surpreso por vê-la controlando toda a situação sem nem precisar de sua ajuda, mas principalmente pela conversa que acabara de ouvir.

E pensando nisso foi que resolveu arriscar puxar conversa com ela novamente.

— Eu acabei escutando a discussão... Por que vocês são contra o sistema oferecido aqui? — Ele perguntou genuinamente curioso. Era a primeira vez que ouvia algo do tipo.

Por um momento a loira ficou surpresa com sua pergunta, encarando-o atônita.

Ela havia percebido o rapaz ali a noite inteira, calado e pensativo, as vezes a observando discretamente, mas tudo o que pode pensar é que ele deveria ser um novato e estava absorvendo as novidades que San Junipero e sua atual situação ofereciam. Ela não costumava ter paciência com novatos assim, mas por algum motivo aquele homem ainda parecia diferente.

— Cada um tem seus motivos, ninguém é completamente satisfeito... — Ela suspirou, parando de limpar um copo e colocando o pano por cima do balcão, fitando Shikamaru seriamente. — Se quer minha opinião... Sim, eu acho injusto o sistema. Pessoas que morrem podem viver aqui permanentemente, mas tem pessoas que estão em uma situação de quase morte, como estado vegetativo, coma profundo... e se limitam a apenas poucas horas por dia.

— Mas pessoas em estado grave podem receber suporte vitalício, que é o equivalente a pessoas que já morreram. — Shikamaru apontou.

Temari assentiu.

— Sim, claro. O problema é que para receber esse tipo de suporte as pessoas precisam entrar na fila. Não é tão simples e nem tão efetivo assim, visto que há várias pessoas que estão esperando pelo suporte vitalício há bastante tempo.

Shikamaru não soube exatamente o que falar diante daquilo. Ele sabia como o suporte vitalício funcionava, mas a verdade é que seu trabalho no San Junipero se limitava apenas ao funcionamento e operação do lugar, ele nunca parou para se preocupar com aquele tipo de coisa, pois não era encarregado de nada daquilo. E, bem, agora que ouvia o relato da mulher, não pode deixar de se sentir frustrado por ter sido tão negligente com o resto da empresa. Ainda que não fosse inteiramente sua, deveria ao menos estar por dentro de como tudo funcionava, e se possível, oferecer auxílio para melhorar situações como aquela.

— Eu... não sabia. — Murmurou, coçando a cabeça.

— Bem, agora sabe. — Ela esboçou um triste sorriso, voltando a limpar os copos — E é por isso que trabalho aqui. Trabalhar significa conseguir horas extras no San Junipero, e enquanto não ganho o suporte vitalício, isso é tudo o que posso fazer.

— Sinto muito. — Shikamaru falou, realmente sentindo muito por não poder fazer nada para ajudá-la.

— Não se preocupe comigo. Como eu disse, esse é um problema geral. Tenho certeza que há pessoas piores do que eu sofrendo com isso. E é por isso que as vezes eles perdem a cabeça e brigam daquele jeito. — Disse, se referindo à pequena confusão que havia interrompido mais cedo.

Shikamaru suspirou. Ele havia julgado mal aquela mulher no começo, e era obrigado a admitir, percebendo que sim, ela era problemática, mas a visão que demonstrava ao se preocupar com o sistema e com todos os prejudicados... realmente havia chamado sua atenção, deixando-o bastante surpreso.

Shikamaru estava pronto para dizer mais algumas palavras, tentando de alguma forma amenizar aquele clima ruim que ficara, mas ele logo ouviu um alarme irritante soar em seu pulso.

Ergueu o braço, olhando para o pequeno relógio que cronometrava seu tempo ali.

— É melhor se preparar para voltar. Seu tempo está acabando. — Temari comentou, sem nem ao menos olhá-lo, parecendo pensativa.

Shikamaru suspirou, se levantando e se preparando para voltar ao bangalô que estava quando acordara mais cedo naquele lugar.

Ele se virou para a loira antes de se afastar demais.

— Me desculpe. Eu prometo que vou te ajudar com isso. — Falou, deixando-a um tanto surpresa e confusa. — Posso te encontrar neste mesmo ano aqui depois?

— Ah... Eu não escolho o ano e amanhã estarei de folga — Temari disse ainda com um ar confuso — Mas... é, geralmente estou por aqui.

— Tudo bem. — Ele deu um sorriso triste — Posso demorar, mas logo estarei de volta. Eu vou dar um jeito nisso.

Ela o olhou novamente, agora com um ar desconfiado, se perguntando se ele realmente era apenas um novato naquele sistema.

Infelizmente não conseguiram conversar nem mais um instante, pois logo o relógio no pulso de Shikamaru apitou novamente, avisando que restava apenas um minuto de seu tempo ali.

Era hora de ir.

§

Era difícil até mesmo explicar em palavras o quão estranho parecia para Shikamaru ir dormir no San Junipero e acordar em uma cama de hospital.

Ele não sabia quanto tempo havia se passado desde que se desligara de San Junipero, não sabia quanto tempo esteve desacordado ao certo.

Mas ele só soube que aquela era a vida real ao sentir seu corpo extremamente fraco e debilitado.

O teto, as paredes e tudo ao seu redor era branco, e ele podia sentir um tubo conectado ao seu nariz, enviando o oxigênio necessário que ele precisava.

Shikamaru tentou se mover e tirar aquilo de seu rosto, mas desistiu no meio do caminho, com sua mão erguida no ar, sentindo a fraqueza lhe atingir com mais força.

Talvez fosse melhor deixar como estava por enquanto.

— Shikamaru! Está acordado! — Uma voz familiar preencheu seus ouvidos, e logo uma cabeleira rosada se fez presente no seu campo de visão.

"Sakura..." ele pensou, vendo a velha amiga começar a examiná-lo com cuidado.

Shikamaru começou a sentir sua consciência se esvaindo enquanto a médica continuava com seu trabalho.

E logo ele dormiu.

Dessa vez não visitou o San Junipero, e Shikamaru calculou, quando finalmente despertou pela segunda vez, que tinha fechado os olhos por apenas alguns minutos ou talvez uma hora.

Agora, ao abrir os olhos, ele parecia um pouco mais disposto. Virou a cabeça devagar, encontrando Chouji ao seu lado, olhando-o com uma expressão triste.

— E aí... — Shikamaru falou com a voz um pouco fraca e baixa, mas o suficiente para o amigo ouvir.

Ele estava sem jeito. E Shikamaru nunca havia se sentido assim perto de Chouji. Estava deslocado e principalmente envergonhado de sua atitude tão egoísta, envergonhado por preocupá-lo daquela forma.

Chouji demorou um pouco para respondê-lo, suspirando e pegando algo que estava em seu colo.

— Está com fome? Hoje eu te deixo até mesmo comer a última batatinha do pacote... — Chouji de alguma forma sempre parecia entendê-lo. Ele podia ver que Shikamaru não queria falar sobre nada do que havia acontecido. E ele estava disposto a respeitar isso, apenas agradecendo por ver o melhor amigo vivo.

Shikamaru riu nasalado diante do comentário dele.

— Não acho que Sakura me deixaria comer isso...

— Eu não conto se você não contar. — Chouji sorriu, ajudando-o a se sentar, já que o Nara parecia fraco demais para conseguir fazer isso por conta própria.

Então eles comeram. Shikamaru mastigava devagar, com medo daquilo de alguma forma acabar prejudicando sua saúde, mas se deliciando até demais com o gosto das simples batatinhas para ser capaz de recusar.

— E como foi o San Junipero pra você dessa vez? Foi a primeira vez que visitou o lugar sem ser à trabalho... — Chouji perguntou em algum momento, tendo cuidado para não mencionar nada sobre a situação que havia feito Shikamaru parar lá, e ele percebeu isso, agradecendo mentalmente o amigo por evitar aquela conversa com ele.

E então Shikamaru se pôs a contar para ele de forma rápida, sem demonstrar muito interesse.

Ele se lembrava de tudo, naturalmente, mas como vivia indo para aquele lugar para trabalhar nas manutenções, nada ali foi de muita surpresa para Shikamaru.

Exceto pelas pessoas que encontrou...

A imagem dela veio a sua mente pela milésima vez naquele dia desde que acordara.

Shikamaru tinha tentado ignorar a imagem de Temari desde a hora que acordou, mas ela parecia simplesmente surgir em seus pensamentos a cada vez que piscava os olhos.

E ele não conseguia entender por que a tinha achado tão interessante assim, já que ele abominava mulheres problemáticas como ela.

— Enfim, não teve nada demais... — Concluiu por fim, sem mencioná-la, suspirando e decidindo mudar de assunto.

Eles então continuaram a conversar, ainda sem saber muito o que dizer um para o outro, então Chouji decidiu atualizar o homem sobre o que ele perdeu enquanto esteve "fora".

— Então quer dizer que Ino está namorando mesmo? — Shikamaru perguntou, fazendo uma careta. E não, não era por conta da dor. — Boa sorte para o pobre coitado que está conseguindo aturar ela...

Chouji riu.

— Ele não parece ser tão mal... E parece realmente gostar dela, já que atura ela reclamando por aí sempre.

— Ele merece um troféu então — Shikamaru resmungou, embora estivesse curioso para conhecer o homem.

A conversa se desenrolou um pouco mais em torno de Ino e o suposto novo namorado dela, com ambos os amigos fazendo piadinhas pelas costas da pobre loira.

Sakura os interrompeu em dado momento, repreendendo tanto Chouji quanto Shikamaru ao ver seu paciente se alimentando com "porcaria". Depois disso o Akimichi saiu, deixando-o a sós com Sakura que estava ali para cuidar dele.

Ela realizou mais alguns exames no Nara, dizendo que a situação dele estava melhorando rápido, visto que os remédios que ele havia ingerido pareciam estar saindo completamente de seu organismo.

— Ainda quero ver se não resultou em alguma sequela grave. Vou realizar mais alguns exames e te deixar de observação aqui por pelo menos dois dias. Se tudo correr bem, logo poderá voltar para casa. E Shikamaru... — Ela mordeu o lábio inferior, querendo dizer mais algumas coisas, mas parecendo procurar as palavras certas para isso — Se cuide, está bem? Não estou dizendo que foi culpa sua tudo isso acontecer, mas procure ajuda e tente melhorar de verdade. Eu não quero ver nenhum amigo meu aqui novamente em estado crítico assim.

Shikamaru concordou, prometendo que já estava vendo com Ino um bom tratamento para iniciar e se dedicaria a isso até estar completamente recuperado. Ele agradeceu Sakura pelo trabalho, se sentindo novamente bastante culpado por preocupar e dar tanto trabalho assim para seus amigos.

E ele não mentiu ao dizer que estava disposto a melhorar e procurar tratamento. Embora não soubesse se tudo aquilo faria algum efeito ou o ajudaria a se recuperar completamente.

Quando Sakura finalmente saiu de seu quarto, Shikamaru se sentia cansado. Não só fisicamente, mas também mentalmente. Foi um longo dia e o leve sedativo que Sakura lhe aplicou antes de sair finalmente parecia estar fazendo efeito.

Shikamaru foi cedendo ao sono, sem saber onde acordaria a seguir. San Junipero ou sua vida real problemática?

Ele não fazia ideia.

Mas tudo o que Shikamaru sabia é que até aquele momento ele não conseguia tirar aquela certa loira de olhos verdes de sua cabeça.


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!


Notas finais do capítulo

Notas da RPNara: Primeiramente eu estava doida para escrever alguma coisa tem um tempinho, mas não tive coragem até que surgiu a oportunidade do desafio e a Gabi que se disponibilizou de tempo e paciência para dar corda as minhas ideias apesar dela escrever muito mais que eu, então quero agradecer desde já a todos que estão apoiando nossa fic (leitores, garotas do grupo STBR, meus amigos que mesmo não lendo cederam parte da minha atenção sempre que surgia uma ideia e eu deixava todos no vácuo para escrever), muito obrigada queridos!

Notas da Akemihime: Eu estava doida pra participar desse desafio, mas morrendo de medo de não dar conta (ainda to com medo, pra ser sincera uhauha), mas quando a Ray contou da ideia dela sobre Black Mirror no grupo, eu não resisti e perguntei se podíamos fazer uma parceria! Confesso que não tenho muitas parcerias em escrita, então é sempre uma experiência nova e muito prazerosa escrever com outra pessoa. E a Ray é uma caixinha de ideias! Ela é muito criativa, então estou realmente animada de participar e trazer essa fic pra vocês ♥ Espero que tenham gostado desse começo, que é realmente só o comecinho de muita coisa que estamos planejando pra essa fic! E até mês que vem com o próximo capítulo~



Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Felix Culpa" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.