Tempos de Escuridão escrita por Ananda_Simon


Capítulo 4
Ninguém Lhe disse Sobre o Fogo




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"A minha consciência tem milhares de vozes,

E cada voz traz-me milhares de histórias,

E de cada história sou o vilão condenado. "

 

William Shakespeare

 

 

 

Fechei o livro, ciente de tudo a minha volta. A biblioteca estava fechada a horas, e eu tinha terminado de ler o segundo livro da noite. Paris é uma festa, de Ernest Hemingway e Sonho de uma noite de Verão, de William Shakespeare.

A blibioteca era enorme, muito maior que minha casa. Ou antiga casa. Ela tinha lustres enormes, escadas enormes, portas e janelas enormes, estantes enormes, pilares enormes, salas de estudo e vídeo enomes. Acredito que isso faz da biblioteca uma imensidão de palavras sem fim que, quando juntas, tem um siginificado para cada um. Então, uma biblioteca é somente um lugar onde se guardam livros e os expõe para serem lidos ou um ponto de encontro dos paixonados pelas letras?

Encontrei um livro onde dizia que se um escritor se perdesse em um país diferente do seu, onde até o idioma fosse diferente, e esse escritor não soubesse falar tal idioma, ele provavelmente encontraria uma biblioteca, antes de tudo. O autor do livro não disse o porque.

Será que as palavras o chamavam? Talvez... Ou talvez porque, na maioria das vezes, a biblioteca fica no centro da cidade.

Música são palavras com um ritmo, poema (ou poesia) são palavras com ritmo. Porque são tão diferentes? Eu sei que não faz sentido mudar tão rápido de assunto, mas era nisso que eu pensava. Talvez porque quando estamos confusos pensamos em coisas confusas. Por exemplo, o que aquela pessoa estava pensando quando bateu uma pedra na outra e fez o fogo? Ela provavelmente estava com raiva e simplesmente bateu as pedras porque estava frustrado e tinha que descontar em algo. Ninguém disse a ele que o fogo desencadearia uma sequência de acontecimentos e hoje andamos em maquinas voadoras (avião?). Ele simplesmente bateu as pedras.

Ninguém me disse que se eu teimasse um pouco contra a idéia de me casar, eu não teria morrido. Mas se alguém tivesse me dito, hoje eu não estaria vivo. Sem sentido, eu sei, mas o que tem sentido hoje?

Me levantei e fui até a janela mais próxima. Toquei o vidro gelado e olhei para fora. Dois ou três carros pasavam na avenida e as ondas quebravam no mar. Eu queria poder ter pedras para poder jogar na cabeça de Maria. Quero dizer, já que o fogo já existe, para quê perder meu tempo em ficar batendo pedras. Jogá-las é mais divertido.

No horizonte não existia nem sinal do Sol e nem da Lua. Era Lua Nova, provavelmente, e eram duas horas da manhã ainda, sem Sol nem Lua neste dia.

 

 

 

 

Eu estava andando pelas ruas, mas estava com a cabeça nas nuvens. Você deve estar achando que eu estava pensando em Suzannah, mas não. Eu estava pensando em mim. Em como minha vida foi. Eu lembrava de quando eu me machucava e minha mãe beijava meu joelho esfolado. Bons tempos, bons tempos... Estou parecendo um velho contando histórias para seus netos, não estou?

Agora, eu estava nos rochedos, perto da praia. Não tinha ninguém por perto. Eu agarrava tudo o que via pela frente e jogava no mar, fazendo as coisas quicarem algumas vezes e afudarem, se perdendo nas águas.

Eu já tinha enjoado do mar. Queria poder ver um pouco do deserto, que era tão mal usado em histórias e tão mal descrito. Ver o ártico não seria nada mal, também. Ou simplesmente deixar de ver o mar um pouco.

-Olá, Jesse.

-Mamãe. - A comprimentei sem me virar para trás, eu continuava a jogar algumas coisas no mar.

-Vejo que está se divertindo. - Ela disse depois de um minuto de silêncio.

-Tanto quanto um fantasma poderia. - Respondi.

-Não brinque, Jesse.

-Não estou.

Mais um minuto de silêncio. Me agachei para pegar mais umas pedras do chão.

-Como tem ido? - Ela perguntou.

-Um tanto morto, sabe. E a senhora?

-Bem. - Ela ignorou meu comentário. - Maria, ela voltou a te incomodar?

-Teve algum dia em que ela não o vez? - Zombei. - Se está perguntando se a vi depois daquela tragica cena, a resposta é não. Nossa, graças a Dío que não.

-É só ignorá-la quando ela voltar.

-Simples, não? Somente ignorar... - Me virei para ela. - O quê te faz pensar que ela vai voltar?

-Ela sempre volta, não? E Suzannah, como vai?

-Viva como nunca. - Afasto meu olhar para o mar. - Ela está bem. - Pego mais algumas pedras e as jogo na água, uma de cada vez e cada uma quicando quase seis vezes, mesmo com a ondas. - Por que quer saber?

-Porque me preocupo, ora.

-E por que se preocupa? - Minha voz estava cética.

-Jesse, sem mais perguntas. - Ela se aproximou e pegou algumas pedras da minha mão, começou a jogá-las também. - Por que está de mal-humor?

-Não foi a senhora que disse "sem mais perguntas"? - Imitei sua voz.

Ela riu. Um som doce e confortável.

-Penso que uma converça não flui sem perguntas... - Pegou mais pedras. - E você, o quê pensa?

-Penso que sem perguntas ficaremos em silêncio agora.

-Está certo.

Atirei as duas últimas e me sentei em uma rocha. Mamãe se sentou ao meu lado. O vento assoprava forte, choveria no dia seguinte. Ou não, o clima em Carmel é meio inprevisível.

Minutos e minutos se passaram, e nós ficamos em silêncio absoluto. Às vezes jogando pedras no mar, às vezes observando sem nem ao mesmo enxergar e às vezes simplesmente pensando em nada de extrema importância. Somente ficamos lá acalmando um ao outro com sua presença , não precisavámos de mais. Para quê mais? Paz é sempre o suficiente.

-Não aguento mais ficar em silêncio. - Ela disse depois de quase uma hora.

-A senhora nunca conseguiu realmente.

Ela ri.

-Seu pai odiava isso. -Ela ri novamente. - Você se lembra de quando ele reclamava do quanto eu falava?

-Talvez eu me lembre. - Eu lembrava, só não queria contiuar com aquele assunto.

-Mercedes está com saudades. - Ela disse.

Me virei, de repente, largando todas as pedras no chão.

-Quem? - Sabia de quem ela falava, mas eu queria que ela repetisse.

-Mercedes. Sua irmã? - Ela pareceu desapontada. - Realmente, Jesse, não se lembra?

-É claro que me lembro! - Rugi. Me aproximei, ficando a poucos metros de mamãe. - Onde ela está? Quero vê-la, onde ela está?!

-Você não pode vê-la.

-O quê? Por que?

-Você realmente acha que ela vai querer vê-lo neste estado? Neste estado de se sentir pena, acresento. Mercedes é a garota mais doce e feliz do mundo, Jesse, não a entristeça com suas emoções obscuras.

-Ou, pelo menos, era.

-Seu corpo pode estar morto, mas a alma está mais viva do que nunca, Jesse! -Ela gritou. - Nunca pense que sua irmã vai deixar de ser o que um dia já foi. - Agora sua voz estava mais baixa, quase como se sentisse medo que a ouvissem. - O que aconteceu com você?

-Morri jovem demais.

-Pare de se lamentar, siga em frente. Como você sempre fez. Esse é o Jesse que eu conheço. Onde ele está?

-Ele vai tentar voltar. - Respondi.

-Promete?

-Sim.

Ela me abraça.

-Eu te amo, Jesse.

-Eu também, Mãe.

Ótimo, maravilhoso. Agora até Mamãe acha que sou um ser digno de pena. Tem como ficar mais perfeito?

 


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