Memento escrita por Jafs


Capítulo 6
As duas constelações




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Quanto tempo já se passou? Quanto tempo passará...

Com um lençol sobre si, Homura estava sentada na cama, enquanto mais uma manhã havia chegado. Ela olhava para o nada, seus pensamentos tão perdidos quanto o seu espírito.

Madoka, o que você está fazendo?

Bater de asas e sombras surgiram no quarto vazio, vindo da janela. Ela abriu a cortina e viu pássaros negros no parapeito, com suas toucas costuradas em suas cabeças cobrindo os olhos.

“Xô!” Ela bateu na janela para fazê-los irem embora, no entanto eles bicaram no vidro em resposta. “Eu já tenho o suficiente para lidar...”

O som da maçaneta.

Ela rapidamente fechou a cortina e se pôs na frente da janela. Mesmo se Chiharu não seria capaz de ver, era melhor não se arriscar.

A porta abriu-se de uma vez e um rapaz alegre entrou, anunciando, “Vamos acordar! Hoje é um grande dia!”

Homura arregalou os olhos. “Por que está aqui?”

“Ohohohoho!” Udo pôs as mãos atrás cabeça. “Minha irmã falou comigo! Acho que vou ficar emocionado...”

Ela pulou para fora da cama e disse, tentando manter uma compostura, “Saia do meu quarto.”

“Mas você não perguntou por que estou aqui?” Ele sorriu. “Eu tenho uma ótima notícia! Hoje vamos andar por Tóquio.”

Homura não mudou sua expressão.

Udo sorriu mais.

Ela só tinha uma coisa a dizer, “Saia.”

Ele ficou confuso. “Ué? Você não combinou isso com ela?”

“Ela?” Homura olhou para a entrada atrás dele.

Madoka estava no corredor junto com Ichiro, os dois olhando para ela.

O choque foi tamanho que Homura percebeu tardiamente que Udo havia ficado ao seu lado, abraçando-a com um braço.

Ele pôs a face mais perto e cochichou, “Ela quer uma boa história para contar para mãe dela, mas para isso ela vai precisar de umas fotos.”

Madoka lentamente mostrou um sorriso.

O corpo ficou completamente tenso, Homura se esforçou muito para esconder o ranger de seus dentes, com dúvidas se aquela calma face não era maliciosa.

Quanto a de Udo era uma certeza. “E dessa vez não haverá desculpas.”

Ela fechou os olhos e suspirou antes de proferir, “Eu irei...”

“Isso!” Udo comemorou. “Nós temos agradecer nosso irmãozão por ter arranjado isso. Ele é o único que a Chiharu-san dá ouvidos.”

“E com razão.” Ichiro saiu. “Se apressem, nós estaremos saindo depois do café da manhã.”

/人 ‿‿ 人\

“Hmmm...” Madoka se olhava no espelho. Uma blusa cor salmão com babados e um short de cor clara, tudo muito simples. Afinal de contas, haveria muitos lugares para visitar e andar, o que requeria um tênis confortável também. O clima estava bom, sendo possível ver o cume congelado do monte Fuji.

Ela saiu e foi direto para o quarto da Homura. Ela encontrou a garota com óculos e tranças já no corredor, aguardando. Ela vestia um suéter preto de gola alta, uma saia lilás abaixo do joelho e meia calça também preta, com um sapato de salto baixo. A sua pele lisa e pálida, pouco exposta, ficava ainda mais com aspecto de cera.

Homura notou a curiosidade da outra garota.

“Você parece mais madura com essas roupas,” Madoka comentou.

“Então isso deve servir...” Homura se dirigiu para a escadaria.

Após descerem, as duas encontraram Ichiro. Se não fosse pelos tons mais coloridos de sua camisa social, parecia que o homem iria para o trabalho.

“Eu já sabia,” ele sorriu para as garotas, “meu irmão seria o último a terminar de se arrumar. Espero que ele não coloque maquiagem demais.”

Madoka viu que Chiharu estava em uma das entradas do hall, o olhar verde profundo da mulher fixo nela.

Não tinha sido somente que ela que havia notado a presença. “Ah, Chiharu-san, quer vir conosco?” Ichiro convidou.

A governanta olhou para ele, dizendo em uma voz monótona, “Eu só quero que você cuide bem da sua irmã.”

Ele ficou mais sério e assentiu.

Ela então olhou para Homura. “Não vai precisar dos remédios?”

A garota respondeu sem demora, “Eu estou levando na minha bolsa.”

“Ela me parece pequena para isso,” comentou Chiharu.

O olhar de Homura se manteve firme. “Eu não irei precisar de todos.”

“Isso me deixa mais tranqüila.” Ela olhou para Madoka. “Tomem cuidado e se divirtam...”

Todos viram Chiharu se virar e sair, um tanto lentamente. Ichiro então comentou, “Qualquer coisa, Tóquio tem um bom número de hospitais por onde iremos andar.”

“Não se preocupe,” Homura respondeu.

“Olha quem chegou chegando!” Fazendo muito barulho ao descer as escadarias correndo, Udo apareceu vestindo jaqueta e calça brancas, com uma camisa rosa por baixo. Ele também usava um chapéu rosa, deixando à mostra apenas as pontas descoloridas, e um par de sapatos branco lustrado, com sola preta. Confirmando os temores de seu irmão, ele havia delineado os olhos em preto e pintando os lábios com uma cor ‘natural’.

“De onde veio essa inspiração?” Ichiro escondeu a sua face com a vergonha alheia.

Ele pulou o último degrau e deu um rodopio. “O nome desse visual é...” Então ele abaixou a aba do chapéu para a garota rosa. “... M’doka.”

“Ha... hahaaa...” Madoka franziu o cenho.

“Estou brincando!” Udo examinou o que ela estava vestindo. “Porém nossas roupas meio que combinam, né?”

Ela franziu mais. “Que coincidência...”

Ele prestou atenção na sua irmã. “Oooh, o que temos aqui?” Ele se aproximou, andando envolta dela. “Esse visual dark fica bem em você.”

Homura o seguiu pelo olhar.

“E essa cara fria e má...” Udo virou o chapéu enquanto dava um sorrisinho. “Você perdeu algo importante, eu sei.”

Apenas os lábios dela se moveram. “Você não tem idéia do que está falando.”

“Todos nós perdemos algum dia.” Ele abriu mais a jaqueta. “Essa foi a sua vez, não finja que não saiba disso. Admita.” Então seu ombro foi puxado.

Ichiro disse para ele, “Nós todos sabemos o quanto você está excitado com esse passeio, não precisa continuar com isso, certo?”

Udo via através do sorriso irmão o quanto ele estava sendo sério.

Homura relaxou o seu corpo, sentindo o quão duro ele estava, e olhou para Madoka, descobrindo que ela estava observando aquela reação.

O rapaz deu de ombros. “É... A mensagem foi dada. Vamos lá pessoal, Tóquio nos espera.”

Saindo pela entrada da frente, eles se dirigiram para um SUV preto com película escura nas janelas. Ichiro era o motorista, enquanto Udo ficou com o outro assento.

Foi ele que perguntou enquanto as garotas sentavam no assento de trás. “Por que não mandou eles trazerem o conversível?”

Ichiro checou se todos haviam colocado o cinto antes de dar a partida. “Eu só pretendo chegar até a estação de metrô mais próxima. É a semana de ouro, não vai ter estacionamento vago próximo dos lugares importantes.”

O veículo passou pelo portão e seguiu pelo caminho que, graças a luz do dia, podia-se ver as rachaduras e os musgos no asfalto velho. A cobertura das árvores próximas dava uma sensação a mais de discrição até eles chegarem à estrada principal.

[Madoka.]

Achando aquilo estranho, ela atendeu ao chamado da Homura sem olhar para ela. [Sim?]

[Você viu as minhas... minhas...]

[Bonecas?] Houve uma pausa, Madoka esperou.

[Sim... Você as viu?]

[Você não tinha deixado elas no seu quarto?] Em um olhar de relance, ela viu a mão de Homura agarrar-se ao assento.

[O quê?! Você não sabe onde elas estão?]

[Eu contava com sua ajuda para ficar de olho nelas.]

[Tudo bem.] Homura pressionou os lábios e olhou para a janela da porta. [Elas devem ter ido embo-]

Através do vidro havia um grande sorriso de cera.

Ela teve um sobressalto enquanto a sua criança escalava para o topo do carro.

Madoka viu em outras janelas a mesma coisa. As bonecas estavam com os seus corpos grudados ao vidro, algumas haviam deitado sobre o pára-brisa, bloqueando a visão.

“Estranho...” Ichiro disse.

“O quê?” Udo perguntou.

“Acho que tem algo errado com a suspensão, o veículo parece pesado no volante.”

O rapaz levantou a frente do chapéu para ver melhor. “Quando foi última vez que foi feita a revisão?”

“Está em dia.”

Ele sorriu. “É isso que dá ficar só pilotando de helicóptero.”

Ichiro balançou a cabeça. “Idiota...”

“Pelo menos nos leva até lá inteiros, okay? Eu confio em ti, irmão.” Udo olhou para o banco de trás. “Por falar nisso, Madoka, está vendo aquele porto ali? É onde eu moro, Yokohama, mais para o horizonte fica o nosso destino.”

Para Madoka não havia nada para se ver além de uma pilha de bonecas. “Ah sim... é muito interessante...”

“Incrível, né?” Ele mostrou os dentes em um grande sorriso.

“Eu já visitei Mitakihara. É uma cidade grande e moderna,” Ichiro afirmou, “você não devia tratar Kaname-san como se ela fosse uma caipira.”

“Ha!” Udo não escondeu o seu descrédito ao seu irmão. “Mitakihara não é nem um décimo de Tóquio.”

“Certo...” Ichiro olhou pelo retrovisor. “Kaname-san, tem algum lugar em especial que gostaria de visitar primeiro?”

“Hum... Para mim tanto faz. Eu deixarei isso para vocês.”

Udo ergueu os braços. “VAMOS PARA A DISNEYLÂNDIA!”

“Não e nem teria como. Semana de ouro, esqueceu? Somente com reservas.” Ichiro olhou de relance para o irmão. “Se bem que no seu caso talvez fosse possível. Alguém poderia acabar confundido você com uma das atrações do parque.”

Ele tirou o chapéu. “Esse seria o meu sonho.”

“Wehihi...”

De braços cruzados, Homura observava o trio quando ouviu os passos de uma de suas crianças no teto do carro e notou uma saliência se formar. Sem fazer alarde, ela usou uma mão fortalecida magicamente para por a lataria no lugar.

Os morros foram deixados para trás enquanto eles entravam na zona urbana. No primeiro cruzamento, Ichiro virou para direita e logo passaram em frente a uma estação.

Eles entraram em um estacionamento pago próximo. Quando o veículo parou, Homura saiu e viu suas crianças, em um conjunto organizando, já a aguardando. Os sorrisos delas só faziam a garota ficar mais incomodada.

Madoka decidiu sair pela mesma porta. Ela deu uma piscadela e fez um gesto de silêncio para as bonecas. “Shhh...”

“Eu já decidi,” Ichiro disse ao acionar o alarme do veículo, “nós vamos ao palácio imperial.”

“O que vamos fazer lá?” Udo perguntou, “a aparição pública do imperador foi dias atrás.”

“O jardim, é claro.”

O rapaz revirou os olhos.

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Na estação, as bonecas saltaram ou passaram engatinhando pelas catracas, enquanto Ichiro comprava tíquetes. “Com esses nós poderemos usar o metrô pelo resto do dia.”

Por sorte, havia um trem para embarque na plataforma. Por azar, mesmo sendo um feriado, ele ficou lotado.

Homura ficara tensa, pois não podia enxergar as suas crianças em meio às pessoas, só podia contar com o reconhecido fato de que elas ficavam mais comportadas quando Madoka estava por perto.

Manuke estava observando uma mãe sentada com o seu bebê dormindo no colo.

Então a criança abriu os olhos.

A boneca sorriu para ela e acenou.

Quase no mesmo instante a criança começou chorar, para a preocupação da mãe. “Oh... O que houve? Teve um pesadelo?”

Já havia passado trinta minutos de viagem quando Ichiro avisou, “estação de Tóquio, é nessa.”

Eles desembarcaram em uma plataforma com um grande movimento de pessoas. Eles subiram as escadas e caminharam por corredores familiares, com muitas lojas. Quando deixaram a construção vermelha de arquitetura gótica, Madoka e Homura se encontraram no mesmo largo pátio cercado por arranha-céus de dias atrás.

Udo tirou o chapéu e se curvou. “Ah... É bom estar de volta.”

“Vamos, tem muito a se ver.” Ichiro guiou eles, indo em linha reta, atravessando as avenidas movimentadas. Era possível ver que, mais além das altas construções de aço e vidro, havia uma ilha verdejante cercada por uma grossa muralha de pedra e um fosso.

Udo se virou para as garotas, todo feliz. “Isso Mitakihara não tem, não é, Madoka?”

Ela sorriu. “Não... Nada similar.”

Na ponte havia guaritas e guardas vigiando, mas nenhum deles pôde notar as bonecas saltando sem esforço sobre o fosso e se equilibrando pela beirada da muralha.

Ichiro apontou. “O jardim leste do palácio já abriu para o público.”

“Ah, mas eu queria tirar uma foto aqui com a Homura,” disse Madoka.

“Hã?” Homura estava prestando atenção nas suas crianças quando foi puxada gentilmente pela outra garota até próximo do fosso.

Udo se empolgou. “Legal, deixa que eu-”

Ichiro recebeu o smartphone da Madoka.

“Ei! Eu pedi primeiro.”

“Ela deu para mim.” Ichiro usou o braço para fazer o irmão se distanciar. “Certo, não esqueçam de sorrir.”

Madoka e Homura ficaram uma ao lado da outra. Com Madoka olhando para ela, Homura mostrou um sorriso educado.

Após tirar algumas fotos, eles foram ao portão que dava acesso ao jardim. Havia um grande número de pessoas entrando e saindo, mas o caminho era largo o bastante.

Como era de se esperar, o jardim era ornamentado por plantas e árvores vistosas, mas também haviam construções de arquitetura antiga, do qual se mesclavam muito bem com o cenário.

“Ali é uma guarnição.” Udo apontava, falando para Madoka. “E ali uma casa de chá.”

Também havia lagos com carpas, dos quais as bonecas tomaram o tempo delas para assustá-los. O som da água, dos pássaros e insetos formavam uma sinfonia relaxante.

Eles subiram por um caminho pavimentado, passando entre as altas muralhas e chegando a uma planície rodeada por árvores. A grama baixa era como um carpete verde onde algumas pessoas sentavam ou deitavam nele.

“É um lugar de muita paz, não é Homura?” Madoka perguntou.

A garota de óculos assentiu. “Mas sempre há os arranha-céus os cercando para lembrá-los de onde eles estão.”

Eles se aproximaram de estrutura que havia na planície, uma grande plataforma composta por blocos de pedras gigantes.

Udo abriu um sorriso maroto para Madoka. “Sabia que ali era um altar onde se fazia sacrifícios humanos?”

Ela ergueu as sobrancelhas. “Ali é onde ficava a torre principal do castelo Edo. Com cinco andares, era a mais alta de todo Japão, mas foi destruído em um grande incêndio e nunca mais foi reconstruído.”

E o sorriso dele se foi. “É... Você está certa.”

Para a diversão de Ichiro. “Ainda tentando impressionar ela com o seu vasto conhecimento?”

Udo voltou a sorrir. “Ah, eu só estava tentando assustá-la um pouco.”

“Uhum...”

“É sério!”

Eles subiram por uma rampa até o topo da plataforma, onde oferecia uma boa visão da extensão da planície, mas não era o suficiente para a dimensão de todo o jardim.

Sem as árvores para oferecer proteção, o vento ali era mais forte. As longas tranças da Homura balançavam quando ela notou Madoka apontando a lente da câmera para ela. “O que é isso?”

“Estou tirando fotos do jardim,” a outra garota respondeu, em tom de que aquilo era óbvio.

“Por que está me incluindo?”

Madoka franziu a testa e sorriu. “Porque você está linda.”

Homura desviou olhar. “Ah sim...”

Udo estufou o peito com ar fresco. “Ah... Okay, podemos ir agora? É minha vez de escolher o lugar.”

Ichiro fez uma careta. “Quando que nós decidimos que seria assim?”

Madoka disse, “Eu estou curiosa para saber onde ele quer nos levar.”

“Viu?” Udo disse ao irmão enquanto ajeitava o chapéu. “O passado tem o seu charme, mas eu quero mostrar a Tóquio de hoje.”

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Após mais uma viagem de metrô, eles deixaram a estação e chegaram a um calçamento fervilhado de pessoas, com prédios envolta cobertos com painéis com propaganda, perfeito para as bonecas escalarem.

Udo pulava e erguia os braços para aquele cenário. “Shibuya!”

“Ele está bem alegre,” Madoka comentou.

Ichiro assentiu. “Essa é a verdadeira casa dele.” Então ele apontou. “Veja.”

Era a estátua de bronze de um cachorro sentado. Udo se apressou até ela, falando, “Esse é o querido Hachikou. Ele vinha a essa estação todos os dias e esperava pelo seu dono. Um dia o dono morreu, mas ele continuou vindo até a estação para esperar pela chegada dele,” ele começou a falar pausadamente, colocando mais ênfase, “todos os dias, por anos, até a sua morte.”

“Uhum.” Madoka sorriu.

Mas não era exatamente a expressão que ele estava esperando. “Ehhh... Você já sabia disso.”

“Todo mundo sabe do Hachikou,” disse Ichiro.

“É uma bela história de devoção,” Madoka olhou para Homura.

“Ao ponto de ser lembrado e ganhar uma estátua,” a outra garota complementou, “mas há alguém que possa assegurar de que no final ele reencontrou o seu dono?”

A expressão de Madoka quase não mudou, apenas um leve levantar das sobrancelhas.

“Ahn, Você vai querer tirar uma foto?” Ichiro perguntou.

“Ah. Sim... Sim...” Madoka ofereceu o seu smartphone para ele.

No entanto, Udo foi mais rápido. “Minha vez!” Ele pegou o dispositivo e se afastou. “Garotas, façam uma pose legal.”

Sem idéia do que seria uma ‘pose legal’, Madoka e Homura apenas ficaram lado a lado próximo à estátua.

“Assim está bom.” Udo ficou um tempo apontando a câmera para elas. “Só mais um pouco. Mais um pouco... Pronto! A foto está ótima.”

“Que bom.” Madoka foi de encontro a ele.

Ichiro chegou primeiro e agressivamente tirou o smartphone da posse do irmão.

Para a perplexidade da garota, mas não muito de Udo.

“Certo.” Ichiro o entregou para Madoka. “Eu tirei o número dele da sua lista de contatos.”

Ela ficou ainda mais surpresa. “O número dele?”

“Sim.” Ele olhou para o irmão mais novo. “Ele É sorrateiro assim.”

“É mais prático do que colocar em um papelzinho.” Udo apontou para o norte, já mudando de assunto. “Vamos para lá, tem muita coisa boa para mostrar.”

Para chegar até lá eles teriam que atravessar um imenso cruzamento. Mais de uma centena de pessoas viam os carros passarem, aguardando o momento oportuno.

E ele veio.

Como exércitos prestes a se chocarem no campo de batalha, as pessoas de ambos os lados da rua caminhavam pela larga faixa de pedestre. Todos estavam em um ritmo rápido, alguns até corriam, mas sem acidentes.

Observando a multidão, Homura notou outra coisa, algo que já havia visto no jardim. Comparado a Mitakihara, havia muito mais estrangeiros. De fato, Tóquio era uma cidade do mundo.

Seu olhar cresceu.

Entre o emaranhado de calças e saias, sapatos e tênis, havia um conjunto de quatro patas brancas e uma cauda felpuda.

Seu braço foi puxado, era Udo. “Olha por onde anda, você quase deu de-WHOA!”

Ela puxou o braço com tamanha força que quase o derruba. Infelizmente, a distração fora o suficiente para perder aquela criatura de vista.

Ichiro olhou para trás. “O que foi Udo?”

“Hmmm... Nada não...” O rapaz checou se ele ainda tinha todos os dedos da mão.

O homem trocou olhares com Madoka, suspirando.

Ela deu de ombros.

Eles chegaram ao outro lado e continuaram pela calçada. Homura estava muito mais tensa e alerta, olhando para as árvores, postes e os topos dos prédios. Suas crianças estavam muito distraídas, copiando a coreografia de um grupo de garotas em um painel de propaganda, para serem úteis na procura.

Ela não encontrou o que queria, mas os seus olhos se encontraram com uma garota no outro lado da rua. Ela se vestia com a pompa de uma princesa européia, em tons pastéis de rosa e verde, e carregava consigo um elaborado guarda sol. Usava maquiagem pesada e vários acessórios, mas o que mais se destacava era o pingente com uma gema púrpura na forma de um coração estilizado. Após a breve troca, a garota retornou ao seu passeio, olhando para as vitrines calmamente.

Homura cerrou seu punho esquerdo.

“Aqui em Harajuku tem de tudo.” Udo entrou em um brechó. “A imaginação é o limite!”

Os outros o seguiram. O lugar era uma série de corredores estreitos, com muitas roupas à venda, além de penduricalhos e outras pequenas bugigangas. Os temas eram variados, indo do mundano ao bizarro.

No fundo de um dos corredores veio uma mulher de meia idade, seu cabelo e olhos eram cor de abóbora, com as bochechas cobertas por glíter em forma de estrelinhas. Usava roupas da mesa cor, que lembravam um pijama, e usava pantufas com sola plataforma.

Udo não conteve a alegria ao vê-la. “Moniii-chaaan!”

“Udo-kunnn~!” a mulher exclamou com uma voz exageradamente fofa, enquanto batia palmas e dava pulinhos.

“Hoje eu trouxe a minha família para conhecer a sua magnífica loja.”

A vendedora se curvou para eles. “Por favor, sintam-se à vontade. Se estão procurando por algo específico, perguntem a mim.”

“Obrigado...” Ichiro assentiu com certo embaraço.

Sorrindo, Madoka também assentiu.

Já Homura estava prestando atenção na rua, sua mente ocupada. [Tóquio devia ter uma grande concentração de garotas mágicas, mas não senti nenhuma presença...] Ela se virou para a outra garota para perguntar. [Madoka, você enviou alguém da Lei dos Cic-]

Madoka estava experimentando um par de óculos de armação laranja com lentes roxas, era tão grande que cobria até a testa. [Hã? Desculpe, eu não estava prestando atenção.]

Homura desviou o olhar.

De repente, Madoka sentiu algo sendo posto em sua cabeça.

“Ah, esse chapéu ficou muito bom! Preto com rosa chama muita atenção.” Udo estava satisfeito. “Vamos apelidar esse visual de H’mura.”

“Wehihi...” Madoka tentou ajeitar os óculos para que aba do chapéu não ficasse batendo nele.

Ele olhou para o irmão. “E quanto a você?”

“O quê?” Ichiro franziu as sobrancelhas. “Você não acha que tem algo aqui para mim?”

“Hmmm...” Udo gesticulou para que a mulher chegasse mais perto. “Ei Moni-chan, por favor, não me diga que ele é um caso perdido.”

“Definitivamente não,” ela afirmou, sorrindo, “com alguém tão bonito como ele, é difícil cometer erros.”

“Eh...” Ichiro pressionou os lábios. “Obrigado.”

Ela continuou, “felizmente, a camisa dele tem um boa mistura cores, se ele ao menos desabotoasse a gola e as mangas...”

“Ah sim...” Udo assentiu para o irmão. “Seria bom.”

“Certo.” Ichiro seguiu as instruções.

A mulher então pegou um conjunto de argolas com diferentes tamanhos e cores vivas. “Coloque esses em seus pulsos e pescoço. Sua juventude irá aflorar.”

“Aflorar, hmmm...” Ele colocou algumas argolas nos pulsos e, relutante, no pescoço. “Então, como estou?”

“Uns dois anos mais novo.” Udo bagunçou o cabelo do irmão. “Agora três.”

“Você parece mais alegre agora,” Madoka comentou.

“Eu pareço?” Ichiro se olhou em um espelho, tocando as argolas em seu pescoço. “Eu não estou acostumado com isso, me sinto desconfortável.”

Homura não opinou, se reservando a assistir aquela cena banal a certa distância, no entanto a vendedora começou a se aproximar. A garota logo disse, “Eu não estou interessada.”

“Eu não tenho muito que sugerir,” a mulher respondeu, “você passa a mensagem muito bem.”

“O que disse?”

“Suas mãos estão rígidas, como se não houvesse carne nelas.” Ela continuava com uma voz doce e baixa, contrastando com impacto das palavras que dizia. “Sua postura está fechada e suas roupas são pesadas... Você tenta esconder um conflito dentro de si, suas mãos revelam esse esforço, é a forma que você encontrou para clamar por ajuda.”

Homura pressionou os lábios e baixou o olhar.

“Eu não a conheço, eu sei que não posso ajudá-la. No entanto, se quiser continuar assim...” A mulher pegou um pequeno cachecol vermelho colocou envolta da gola da garota.

Homura viu que uma das pontas do cachecol ficou suspenso na altura de seu coração.

“Isso vai trazer vida a toda essa escuridão.”

“Oooohhhh...”

Homura então viu Madoka com mão na boca, maravilhada.

“Ficou bom em você,” ela disse.

A vendedora fechou os olhos, assentindo.

“Obrigada...” disse a garota de cabelos escuros.

“Moni-chan! Moni-chan!” Udo chamou, “você pode tirar uma foto da gente?”

“Claro!” Ela recebeu o smartphone da Madoka e se posicionou.

Udo instruía, “Vamos ficar mais perto pessoal.”

Para surpresa de Homura e Madoka, as bonecas apareceram correndo para fazer parte do grupo, disputando o pouco espaço que havia.

“Não empurra,” Ichiro reclamou para o irmão.

“Eu não estou.”

Depois de algumas fotos tiradas, a mulher devolveu o dispositivo.

“Elas ficaram excelentes,” Madoka disse, “obrigada.”

Udo estava olhando para elas. “Você tem que compartilhar conosco.”

“Não, eu não quero que ninguém mais veja isso.” Ichiro removeu as argolas.

Para a indignação de seu irmão. “O que está fazendo?!”

“Isso é demais para mim, mas eu vou manter minha gola e mangas desabotoadas, é um feriado afinal de contas.”

Madoka tirou os óculos e o chapéu para devolver.

Udo a impediu. “Não o chapéu! Esse meu presente, eu irei pagar por ele.”

“Mas...”

“Madoka, eu quero que se lembre desse dia.” Ele deu um peteleco na aba do chapéu dele. “Mas fotos são apenas imagens. Nossas memórias são compostas por todos os nossos sentidos. Então quero algo que você possa tocar, cheirar, colocar na boca se for louca. Haha!”

“Hihi...” Ela disse educadamente, “Então eu irei aceitar esse presente.”

Vendo aquilo, Homura voltou sua atenção para o cachecol que estava usando, para as crianças e para a vendedora.

A mulher sorriu e assentiu.

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“Realmente ficou bom em ti.” Agora usando um chapéu preto, uma adição questionável ao seu visual, Madoka elogiava a outra garota e o seu cachecol.

Eles estavam de voltas às ruas de Harajuku, procurando por um lugar para almoçar.

“Minha irmã parece uma artista refinada agora,” Udo comentou, “bem, ela quis ser uma.”

Homura manteve sua impassividade.

“Vamos aqui.” Ichiro apontou para um restaurante.

Udo fez uma careta. “Eww... Comida comum? Por que não uma hamburgueria?”

“Você se esqueceu da saúde da nossa irmã?”

O lugar era pequeno, claustrofóbico, mas bem iluminado e com música ambiente. Não havia garçom ou um atendente, mas duas máquinas de venda, uma de bebidas e outra para pratos feitos. Depois de escolherem e colocarem o dinheiro no local indicado, eles não precisaram esperar muito para que as refeições embaladas com plástico surgissem em uma abertura que ligava o lugar à cozinha.

“A gente podia pagar por algo mais caro, hein?” Udo reclamou.

E Ichiro retrucou, “Minha fome diz que isso vale mais que o preço, isso é negócio.”

Homura interrompeu a discussão. “Com licença, eu irei ao banheiro para tomar os meus remédios.”

“Eu vou contigo!” Madoka se prontificou.

Para o tamanho do restaurante, o banheiro era espaçoso. Homura colocou sua bolsinha sobre o balcão da pia e começou a tirar a caixas de remédios.

“Você realmente trouxe,” Madoka disse.

“Chiharu-san irá checar.” Homura olhou para ela pelo reflexo do espelho e ficou assim. Por um tempo a única coisa que era ouvida era som dos compridos sendo estourados para fora de suas cartelas, então ela perguntou, “você está satisfeita agora?”

Madoka ficou mais séria. “Isso não é sobre mim.”

Homura jogou os comprimidos na lata de lixo.

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Depois do almoço e uma curta viagem de metro, eles chegaram a outra parte da cidade com grandes arranha-céus.

“Aqui estamos, Shinjuku...” Udo ajeitou o chapéu. “Vai querer mostrar a companhia do nosso papai?”

Ichiro respondeu, “Eu quero mostrar para Kaname-san algo que ela já deve ter visto muitas vezes na TV.”

Eles caminharam por uma rua com um intenso tráfego de veículos, passando por baixo de passarelas e viadutos, então apareceu um prédio que se destacava em relação aos demais, com duas torres com duzentos metros de altura.

“Ah, essa é a prefeitura,” Madoka disse.

“Isso mesmo.” Ichiro apontou. “nós podemos ir à torre sul e ter uma boa visão da cidade.”

Udo apontou também. “Madoka, está vendo aquele prédio distante?”

Ela viu um arranha-céu de sessenta andares.

“É ali que meu irmão vai trabalhar pelo resto da vida.”

Ichiro foi rápido nas palavras. “Você também irá.”

“Eu ainda tenho um tempo”, Udo falou, convencido, “e no caso de eu ir, você vai me conseguir uma posição no setor de comunicação, certo?”

“Eu comentei com o pai, mas você tem uma idéia equivocada de como é. Lá também terá que preencher relatórios e andar de terno e gravata.”

“Eu vou mudar essa política.”

“Quem disse que você será o chefe?”

Udo puxou para baixo a aba do chapéu, cobrindo a face. “N-Não me faça perder as esperanças!”

Enquanto ouvia a conversa deles, Homura suspirou.

Eu não pertenço a esse lugar.

Ela olhou para trás e viu suas bonecas acenando, sorridentes, em meio as multidão que passava por elas sem notar.

Eu não pertenço a lugar algum.

Ela percebeu que Madoka estava olhando para ela, novamente séria.

Isso mudou quando o smartphone da Madoka vibrou. Ela sorriu. “Deve ser a minha mãe, eu enviei a foto que tiramos juntos em Harajuku.” Assim que leu a mensagem, ela franziu a testa. “Oh...” Ela leu várias para ter certeza.

“O que foi?” Udo pulou para o lado dela para ver a tela.

Surpresa, Madoka pressionou o dispositivo contra o peito para esconder aquilo.

Era tarde, Udo ficou boquiaberto e sorriu. “Ohhhh! Eu já gosto da sua mãe!”

Ichiro ficou curioso. “O que aconteceu?”

O rapaz respondeu, “Ela comentou a foto, dizendo ‘Quem é o namorado de quem?’.”

“Ah...” Ichiro ponderou. “Então ela não sabe que somos irmãos da Homura. Ela não contou. Nós temos que resolver isso.”

“Que nada!” Udo abraçou Madoka. “Escreve para ela que nós somos um casal.”

Ela arregalou os olhos. “Isso é errado...”

“É só uma pequena brincaaaAAAHH!” O braço de Udo foi segurado por Homura e puxado para longe de Madoka. “Está tentando quebrar a minha mão de novo?”

“De novo?” Ichiro ergueu as sobrancelhas.

“Haha, não é nada...” Ele moveu seu pulso dolorido. “Mas nossa irmã até que está forte para alguém que fez uma cirurgia no coração.”

Homura permaneceu calada.

Madoka começou a escrever uma mensagem. “Eu irei explicar para ela.”

Enquanto isso, Udo veio com uma sugestão. “Ow, se vocês realmente querem uma boa vista da cidade, nós temos que ir à Skytree.”

Skytree? Em um feriado?” Ichiro sorriu, incrédulo. “Só iremos conseguir tickets para entrar a noite.”

“Melhor ainda!” Udo retornou em direção à estação. “Mas temos que ir agora!”

Ichiro esperou ele ficar um pouco distante para se aproximar de Madoka e sussurrar, “Kaname-san.”

“Hã?”

“Peço desculpas pelo meu irmão ser tão inapropriado. Se for demais, me chame.”

“Não...” Madoka olhou de relance para Homura.

Ela estava tensa, acompanhando Udo pelo olhar.

Madoka sorriu. “Não precisa.”

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Eles deixaram outra estação. A Skytree, uma torre de metal com mais de seiscentos metros de altura, era facilmente visível daquele ponto, mas ainda estava distante.

Algo que incomodou Udo. “Por que a estação Asakusa? Poderíamos ter chegado lá direto.”

“Ainda deve ter bastantes tickets para comprar,” Ichiro respondeu, “e há um lugar muito especial próximo daqui.”

Eles chegaram a um grande portão, onde se destacava uma imensa lanterna de papel vermelha que ficava suspensa na entrada. Duas estátuas de deuses, uma em cada lado do portão, vigiavam uma multidão sem fim.

Udo não estava com muita vontade de encarar aquilo. “É claro que isso aqui estaria assim em um feriado...”

Mas eles continuaram, lentamente encontrando um caminho entre as pessoas. Eles passaram por debaixo da lanterna, vendo que em sua base havia uma belíssima gravura de um dragão.

Mais adiante havia outro portão, para chegar até lá eles teriam que continuar por um longo percurso onde em cada lado havia muitas lojas. Lembrancinhas, tradicionais quimonos e leques, artesanato e guloseimas típicas, eram vendidas ali.

“Madoka, vai querer algo?” Udo perguntou.

“Podemos ver isso na volta,” Ichiro disse enquanto liderava o grupo.

Os primeiros monges foram avistados e também pessoas usando quimonos. Nos cruzamentos, riquixás passavam, normalmente com turistas dentro.

Madoka tirava fotos de tudo o que via.

Quando passaram pelo segundo portão eles chegaram a um grande pátio. Ali havia uma torre de cinco andares, cada um com um beiral, e um longo pináculo de metal em seu topo. Tanto o pináculo quanto os beirais continham sinos que faziam barulho com o sabor do vento.

Continuando o caminho, havia um queimador de incenso, onde as pessoas se purificavam com a fumaça. Depois daquilo era o templo, a construção principal, predominantemente vermelha, com branco, verde e adornos dourados.

“Senjouji,” disse Ichiro, “o templo da Kannon.”

“Deusa da piedade.” O semblante de Madoka era de júbilo. “Ela tomou para si os pecados do mundo, até mesmo do carrasco que a matou, e por isso ela foi enviada para o inferno. Contudo, quando ela pisou no solo condenado, o inferno inteiro se tornou um paraíso. Ela podia ascender, mas quando ouviu o choro vindo do mundo dos mortais, ela decidiu voltar, pois sua missão não havia acabado.”

“História legal...” Udo bocejou. “Pessoal, o templo tá cheio de gente, eu acho que não vai dar para entrar.”

“Podemos esperar um pouco,” Ichiro respondeu.

Homura sentiu uma presença atrás dela. Eram as suas crianças, cada boneca com um leque escondendo a boca, exceto Noroma, que já havia mastigado o dela.

Enquanto esperavam, Udo retornou para as lojas e trouxe bolinhos no palito. “Uns dangos para adoçar a boca.”

Finalmente, conseguiram subir as escadarias do templo e chegar à entrada do salão principal. Havia um grande altar de ouro, rico em detalhes, cercado por arranjos de flores e lâmpadas.

Não que Madoka pudesse ver, com tantas pessoas mais altas na frente dela.

“Quer que eu tire algumas fotos?” Ichiro ofereceu.

“Eu gostaria.”

Enquanto ele recebia o smartphone dela, Ichiro notou o seu irmão olhando para o lado de fora, mais especificamente para a torre Skytree. “Depois disso, nós já vamos ou pode ficar muito tarde.”

Deixando o templo, foi uma caminhada de meia hora até a Skytree. Era possível chegar mais rápido de metrô, mas a experiência de se dar conta do tamanho daquele colosso passo a passo valia a pena.

A torre fazia parte de um complexo de lojas e restaurantes.

Ichiro falou, “Antes de subirmos lá, podemos comer.”

“Eu já vou avisando!” Udo deu um sorrisinho enquanto ajeitava a sua jaqueta. “Não importa aonde vocês forem, eu vou comer um hamburguer beeeem grande e suculento!”

Na base da torre havia um pavimento onde pessoas tiravam fotos, mas a maioria estava em uma longa fila.

Para desespero de Udo, “Droga...”

“Essas pessoas querem ver o pôr do sol,” Ichiro disse, “tenho certeza que ainda há tickets para noite.”

As bonecas não esperaram. Elas pularam e começaram a escalar a grande estrutura metálica, acenando para que sua mestra a acompanhassem. No entanto, Homura manteve seus pés firmes no chão.

Madoka tirava mais fotos, tentando focalizar o zênite da torre.

“Você vai acabar quebrando o pescoço assim ou, pior, deixar o seu chapéu cair.” Udo se aproximou. “Por que não deita no chão?”

Ela olhou para ele.

E Udo sentiu que ela estava desconfiada. “É sério. Veja, há outras pessoas fazendo isso também.” Ele tirou o seu chapéu e deitou ao lado dela.

Madoka então fez o mesmo.

“Ah, isso não está bom.” Os dedos dele agilmente tocavam na tela do dispositivo. “Você não devia usar tanto zoom, a sua lente não permite isso. Ao invés disso, use o efeito de olho de peixe.”

Ela ergueu as sobrancelhas. “A imagem ficou distorcida, mas agora eu consigo colocar a torre inteira na foto.”

“Sim e você vai estar valorizando o tamanho dela, fica legal.”

Homura observava o casal rindo e conversando, suas pálpebras estavam pesadas.

“Ele conseguiu impressionar ela um pouco no fim das contas,” Ichiro comentou e olhou de relance para sua irmã.

A garota não esboçava movimento algum.

“Bem, eu vou ir comprar os tickets.” Ichiro saiu.

“Eu vou contigo.”

Não deu tempo para ele se virar, Homura passou em passos firmes em direção a fila.

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O sol tinha ido embora quando o grupo pôde entrar no elevador. Rápido, em menos de um minuto eles haviam alcançado a altura de trezentos e cinqüenta metros.

A porta se abriu para um deck com grandes janelas panorâmicas. Ali também havia uma lanchonete e lembrancinhas à venda. Como Ichiro previu, havia um menor número de pessoas nesse horário.

“Dá pra ver a Disneylândia daqui.” Udo estava excitado. “Só preciso encontrar onde.”

“Por que não usa isso?” Ichiro apontou para uma tela interativa com informações dos lugares mais importantes para se ver.

“Eu não sou turista!”

Madoka começou a tirar fotos, quando reconheceu. “Aquilo ali é... a Torre de Tóquio?”

“É, a velha torre...” Udo brincou com a perspectiva. “Veja, consigo segurá-la entre os meus dedos!”

“Wehihi.” Ela tirou outra foto.

Com os braços cruzados, Homura olhava para cidade à noite. Daquele ponto a vista era muito familiar, não muito diferente de Mitakihara.

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Ela afirmou, “Eu não pedi a sua opinião.”

“O que disse?” Ichiro franziu a testa.

Ela trocou olhares com ele, mas logo desviou o olhar. “Eu... Eu estava pensando alto.” E se afastou.

Eles andaram pelo deck, até um ponto onde o chão era de vidro e podia-se ver a base da torre, oferecendo uma maior noção da altura que estavam.

Udo começou a pular e pisar contra o vidro.

Ichiro segurou ele. “Ei...”

“O que foi irmão? Tem medo altura? Alguém que pilota helicóptero.”

“Eu tenho medo da sua estupidez.”

“Haha, isso aqui não quebra.” Udo olhou para Madoka. “Veja, ela não está com medo.”

Ela sorriu. “Estou mais preocupada contigo do que medo. Eu não sei quanto a...” Quando ela virou a outra garota não estava ali.

Homura segurava firme o seu cachecol vermelho em um canto escuro e distante deles.

Vendo aquilo, ela se virou para os outros dois e forçou um sorriso maior. “Talvez ela esteja sim.”

“Hmmm...” Ichiro também olhava para Homura.

“É.” Udo deu de ombros e saiu. “Vamos subir mais pessoal.”

Depois de pagarem pela entrada, eles usaram um elevador menor. Ele subia por dentro da torre e havia janelas que permitiam ver a estrutura metálica. No caso de Homura e Madoka era mais que isso.

As bonecas estavam sentadas nas treliças, cumprimentando as recém-chegadas.

Eles alcançaram outro deck observacional, menor que o anterior. Era na verdade uma rampa que subia, fazendo uma espiral envolta da torre.

“Nossa...” Udo olhava para as estrelas através dos painéis de vidro. “E nem é o ponto mais alto, é uma pena que não podemos ir até lá.”

“Sim,” Ichiro ponderou, “mesmo que eu já tenha visto isso tantas vezes de helicóptero, ainda fascina. Essa sensação do grande ser tão pequeno.”

Homura foi ficando para trás em relação ao grupo quando ouviu o que seria uma revoada de pássaros. Ela parou e viu suas crianças, de mãos dadas e pés descalços, despencando da torre. Logo ela notou que Madoka havia parado também, olhando para ela com serenidade. Era tempo de explicar. [Nada de errado, elas apenas estão brincando.]

Carregando a mesma expressão, Madoka voltou a andar, parecia satisfeita.

Não era uma certeza para Homura, nunca mais fora. Não era primeira vez e, desde então, ficava cada vez mais difícil de decifrá-la.

A rampa terminava em uma sala circular, no ponto mais alto que eles poderiam alcançar.

“Quatrocentos e cinqüenta metros...” Udo chegou o mais perto possível da janela e abriu os braços. “Estou voando!”

A sala continha um pequeno hall, onde jogo de espelhos e luzes formavam padrões incríveis. Fora isso, apenas a oportunidade de tirar fotos únicas.

Ichiro viu uma atendente olhar para o seu relógio de pulso. “Eu acho que o nosso tempo está se esgotando.”

As pessoas começaram a se dirigir ao elevador. Homura caminhava juntamente com a multidão, tinha pressa, já que Udo estava justamente atrás.

“Ow, está tentando fugir, irmã?”

Ela rangeu os dentes, mas eles iriam voltar para casa depois disso. Era só agüentar um pouco mais...

Quando entrou no elevador, Homura notou que já estava muito cheio.

“Parece que os outros dois vão esperar.”

Com o comentário de Udo, ela rapidamente se virou.

Parado no lado de fora, ao lado de Ichiro, Madoka lentamente abriu um sorriso.

Homura arregalou os olhos, era o mesmo sentimento de quando a viu pela primeira nessa manhã. Era tarde demais, a porta se fechou.

Com o elevador descendo, Ichiro comentou para Madoka, “Nós temos tempo para uma última espiadinha.”

“Sim.”

Eles foram até a janela mais próxima, o silêncio trazia uma sensação maior da imensidão do mundo.

A cidade e a noite, dois céus estrelados que se encontravam no horizonte.

“Espero que Udo não tente algo bobo com a nossa irmã,” Ichiro disse.

Madoka respondeu, “Você se preocupa bastante. Eu vi isso hoje, você é bom para ela.”

Ele prestou atenção em seu próprio reflexo no vidro. “Está enganada, eu não fui um bom irmão.”

Ela abaixou olhar.

“Eu fiz coisas... de que eu sinto vergonha. Com nosso pai ausente, eu como irmão mais velho deveria ter sido exemplar, mas usei essa posição contra ela. Agora, quando vejo Homura assim, eu sei que foi devido a mim.”

“E você não pediu perdão?”

“Quando me dei conta do que tinha feito, foi a primeira coisa que eu fiz e ela aceitou. No entanto, eram palavras e atos vazios. Ela nem me reconhece como do mesmo sangue. Não tenho como compensar o dano que foi feito, não tenho como mudar isso...”

“Eu convivi com Homura por um bom tempo, eu posso lhe assegurar...” Madoka olhou para ele. “Você está cometendo um engano.”

A voz suave dela trouxe uma afirmação dura, Ichiro hesitou em perguntar, “O que quer dizer?”

“Você deixou de ser o que era e nunca considerou isso? Pois eu digo, Homura mudou. Vocês dois agora têm bastante experiência para saber o quanto representa esse passado para as suas vidas de agora em diante. Eu acredito no coração dela, você deveria também.”

Uma estrela cadente. O coração de Ichiro acelerou, sendo preenchido por uma vontade, uma esperança.

Essa mulher...

Surpreso, ele olhou para ela. Havia apenas uma adolescente, usando um estúpido chapéu preto, mas com uma expressão firme e tranqüila. Ele se sentia pequeno, como estivesse diante de sua mãe.

E como era, ele não precisava de mais palavras para entender. “Você quer que eu ajude ela.”

Madoka juntou as mãos e assentiu lentamente.

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Dizem que a viajem de volta é mais curta que a de ida. Foi a sensação que eles tiveram quando o carro estacionou na frente da mansão.

Udo falou enquanto todos deixavam o veículo, “E ainda há muitos lugares que a gente não visitou.”

Ichiro concordou, “Odaiba, Ginza e seu subterrâneo, a ponte arco-íris...”

“Disneylândia.”

“Pode parar com isso?”

“Tssss...” Udo sorriu para Madoka. “E aí? Gostou?”

“Foi muito bom,” ela respondeu, olhando para Homura, “né?”

Ela deu uma resposta rápida, “Foi...”

Por um instante, Ichiro pressionou os lábios.

Algo que não escapou de Homura.

Enquanto isso, Madoka mantinha um sorriso gentil.

Udo se abraçou. “Uhhh... Pessoal, é sempre um tanto frio aqui fora durante a noite, vamos entrando.”

Quando a porta abriu, as primeiras que entraram no hall foram as bonecas, correndo.

Depois foi Udo. “Ah... De volta ao mausoléu.”

Ichiro avisou, “Se Chiharu-san ouvir isso...”

“Todos já devem estar dormindo.”

De repente, uma melodia forte veio de um corredor.

“Ou não...” O irmão mais velho lamentou. “O nosso pai vai passar a noite na biblioteca.”

Udo tirou o chapéu e coçou a cabeça. “Ele e aquela geringonça velha.”

“Com licença.”

Eles viram Homura se apressar em direção a escada.

Enquanto ouviam ela subir, Udo comentou, “E lá vai a nossa irmã se trancafiar no quarto de novo.”

Ichiro suspirou.

Já Madoka levou a mão ao peito. Ela ergueu a cabeça e fechou os olhos, para absorver melhor cada nota. Uma velha alegria, mas ela não sorriu, pois seu charme inebriante era os grilhões de uma alma.


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Notas finais do capítulo

Próximo capítulo: Capitulação



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