Truque de Ladrões escrita por Westfall


Capítulo 3
02. O trabalho precisava ser feito


Notas iniciais do capítulo

Primeiramente devo me desculpar pela demora das postagens e também das respostas aos comentários. O capítulo estava pronto fazia algum tempo, mas admito que após enfrentar muitos problemas pessoais eu desanimei um pouco com a escrita. Quando resolvi reler o que já havia desenvolvido para essa trama novamente senti a "chama" que experimentei quando a publiquei, incentivada por meio de cada comentário (e ainda mais o primeiro acompanhamento!) e todo o amor que sinto por esses personagens, retornei a escrevê-la.
Eu havia dito que faria uma página com as informações da trama e seus personagens e apesar de não ter conseguido cumprir essa promessa agora, creio que no futuro (não tão distante como esse da narrativa) pretendo disponibiliza-la a vocês!

Agradeço muito aos leitores fiéis "Chrono" e "Snober" que desde o começo acompanham a história, e também a talentosíssima "Sandsphinx" que chegou a pouco por aqui, mas já deixou o seu acompanhamento e comentário. Para os novos leitores eu os saúdo com o mesmo amor e gratidão! Sejam bem vindos ♥

[Desta vez deixei o glossário com os termos para as Notas Finais, já que essa introdução ficou grande demais... Nos vemos nos comentários!]



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A trava de segurança que separava a cabine da sala de controle emitiu o familiar clique de um mecanismo sendo destrancado, revelando o corredor estreito do dirigível abarrotado de bugigangas mecânicas e aparelhos eletrônicos. Dependuradas nas paredes, armas dos mais variados tamanhos e utilidades complementavam a bagunça do ambiente junto a bizarros protótipos rabiscados em folhas de papel.

Ocupando o centro da desordem, um rapaz baixinho acomodava-se de maneira peculiar em uma cadeira de couro alta, escrevendo distraidamente enquanto resmungava impaciente. Os dedos dos pés descalços sacudiam despreocupados apoiados nos braços do estofado, tão inerte em seus próprios devaneios que sequer esboçara reação ao barulho característico da chegada de Volts em meio aquele turbilhão de engrenagens e metais, chutando tudo que ousasse atrapalhar sua passagem.

Abrindo caminho entre o labirinto, o ruivo procurou por espaço para acomodar a sua Prancha, um instrumento movido a jatos e uma vela dobrável de impulsão que Tesla insistia em batizar de SK8.

— Não ouse depositar os projetos aéreos na prateleira dos terrestres. –Refreou o baixinho sem se virar para Volts, exalando desprezo. Os tufos emaranhados de seus cabelos despontavam do apertado capacete de aviador que usava, concedendo-lhe a aparência de um estereotipado cientista lunático.

— Vá à merda. –Respondeu o maior, descartando os pesados acessórios de voo junto a Prancha. – Como se separar terra de ar fosse ajudar a diminuir essa zona.

Pela primeira vez Tesla girou-se na cadeira para encara-lo, exibindo visível insatisfação por Volts bulir em seus protótipos sem autorização. As sobrancelhas grossas levantadas por baixo dos óculos redondos e sujos não combinavam com seu rosto jovial e particularmente feminino.

— Porra Tesla! O que custa dar uma organizada nisso aqui? Está pior que o lixão dos *Curtumes! –O ruivo levantou o braço exasperado. Não compreendia como o menor conseguia trabalhar em meio a tanta bagunça, imaginando o exercício infernal de ter que procurar um lápis perdido dentro daquele mar mecânico. Começou a entender a razão pelo qual o rapaz sempre escondia uma *esferográfica atrás da orelha.

— Mesmo se explicasse você não entenderia a complexidade do raciocínio, o que me renderia o apelido de esquisito pela milionésima vez, então por hora saber que desorganização é minha organização basta. –O moreno desviou a atenção para o painel a sua frente, acionando botões aleatórios que iam além da capacidade de compreensão de Volts. A prontidão com que fazia isso soava como as ações de um autômato.  Ao terminar, levantou-se em um solavanco, diminuindo a distância entre o ruivo.

— Acho que nenhuma inteligência é capaz de esclarecer o nível de sua bizarrice, Tesla. –Sorriu Volts reparando nos resmungos do garoto quando este pisava em algumas engrenagens soltas com seus pés descalços. –Mas, pelo amor que você deve ter aos *Nove, porque não veste um sapato? A borracha não pode isolar a sua suposta genialidade como faz com a eletricidade.

— Calçados são pesados demais e não me permitem sentir o chão... Uma sensação importante para alguém que passa a maior parte do tempo em um dirigível.

— Você quis dizer sentado em um dirigível.

— Creio que está se referindo ao fato de que PILOTO um. –Destacou o menor levantando o dedo indicador. Apesar das visíveis provocações exibia divertimento. –A propósito, o que achou das modificações que fiz em seu traje e no SK8? Se soubesse que sobreviveria teria assentado uma solda frouxa nos jatos propulsores e cortado às velas.

— Suspeitei que fosse fazer isso desde o princípio, mas aparentemente não é tão inteligente para tal artimanha... Esclarecendo sua dúvida estão bem melhores do que antes, e creio que me acostumarei com as asas no devido tempo. –Volts lançou lhe uma piscadela e Tesla enxotou-a como se fosse uma mosca em pleno ar. Gostava de como o moreno pouco parecia se importar com a aparência exótica dos irmãos Volts e Watts, característica capaz de fazer com que metade da população de Karp sussurrasse sobre as madeixas ruivas naturalmente arrepiadas, os olhos claros, e as sardas avermelhadas. Tamanha peculiaridade não era vantajosa em sua profissão, atraindo atenção desnecessária. Em situações de furtividade desejava ser como Klaos que praticamente nascera invisível.

Embora não admitisse, estava impressionado com as mudanças que Tesla fizera em seu equipamento, melhorando a turbulência dos jatos e a maleabilidade das velas, acrescentando inúmeros mecanismos ocultos em suas vestes que acionavam uma espécie de asa para que ele flutuasse caso perdesse o controle da Prancha, além de aumentar os cabos proteção. Graças a esse progresso pôde saltar tranquilamente do pequeno veículo voador que encontrara Klaos e despistar os guardas para embrenhar-se até o dirigível camuflado do grupo.

— Onde está Watts? –Perguntou por fim, procurando entre a bagunça a caixa que abrigava boa parte de seus acessórios. Volts e Watts eram gêmeos, sendo ele o mais velho da dupla. Se não fosse pelo sexo e os olhos, seriam idênticos.

— Posicionada como planejado, logo abrirei o porão de carga para que ela aterrisse no andar superior de Petrov. –Respondeu Tesla apontando algo às costas do ruivo. –Se está esperando uma declaração de despedida da parte dela, é melhor se sentar. Suas tralhas estão atrás de você, aliás.

Ao localizar o familiar caixote de metal pintado em amarelo pelo aviso “Perigo, alta Voltagem”, o maior abrira um sorriso ansioso.

Todas as vezes que estava prestes a executar um plano como aquele, os nervos de Volts pinicavam seus sentidos. Não era medo, mas sim, coragem. Desde criança ele e a irmã foram obrigados a abandonar o país de origem por receio dos conflitos territoriais, e quando chegou a Karp o temor não cessara devido ao ódio contra imigrantes. Suas vidas foram movidas pelo medo, mas depois de conhecer Klaos soube que tudo mudara. Viu no líder a coragem que lhe faltava.

Se existia alguém capaz de mudar os rumos da Nação este alguém era Kriger, e Volts prometera a si mesmo que jamais o decepcionaria.

Seu uniforme saudou-o quando abrira a tampa metálica, revelando o costumeiro equipamento de reconhecimento aéreo; as luvas munidas de lâminas ocultas; à jaqueta negra rasgada e decorada pelo símbolo da gangue, além das peças principais de seu figurino: A máscara de águia que servia como binóculo e a cartola negra elegante. Pôs-se a trajar todos com agitação, exceto a máscara, por enquanto.

Tesla o observava com indiferença, apontando para a fileira de armas presas as paredes, Volts apanhou Olho da Rainha sem hesitação, um rifle aprimorado com mira a laser. Sua primeira e possivelmente única arma de fogo. Apesar do tempo, continuava impecável sobre os cuidados do ruivo, com o gatilho encrustado exibindo o nome do fuzil em uma língua antiga: Sniper.

— Tanto trabalho para criar algo digno de fazer o maior estrago, e você sempre escolhe essa geringonça velha. –Bufou o menor, balançando a cabeça em desaprovação. –Vá encontra-la antes que suba aqui vermelha como os próprios cabelos, deixe que eu abasteça o SK8.

— Está sugerindo isso apenas para que eu o deixe apreciar os últimos minutos com a sua criação, não é, seu engenheiro lunático?

O inventor deu de ombros sem negar a afirmação, porém abriu um longo sorriso ao oferecer as mãos cerradas em punho para o maior.

Chapéus roubados. Almas embutidas.—Começou o ruivo, batendo nos punhos de Tesla.

Viva as mentiras da mídia.—Completou o menor em despedida.

Ao descer da sala de controle e encaminhar-se aos porões de carga, Volts tomou a direção oposta ao qual entrara no dirigível, percorrendo estreitos corredores e descendo minúsculos lances de escada que faziam suas botas pesadas ecoar. Cada passagem abrigava vestígios de outros trabalhos realizados com o grupo, desde fotografias e jornais até equipamentos danificados. O inventor considerava a nostalgia algo inspirador para suas ideias.

Quando enfim chegara a seu destino deparou-se com Watts treinando sozinha entre os caixotes e sacolas. Seus cabelos rubros jaziam presos em uma trança alinhada, e assim como ele trajava o uniforme da gangue com exceção à cartola. Volts notou que pelo ar denso do porão lutava havia horas.

— Vim garantir as minhas últimas palavras antes de nos despedirmos, já que a senhorita não se dá ao luxo de fazer isso. –Iniciou o maior ressoando entre o ambiente.

Watts abandonou a postura defensiva para encarar seu reflexo masculino, limpando as gotículas de suor que escorriam a testa.

— Não me despeço porque não há necessidade. Não vamos falhar. –Respondeu com convicção, tão ereta quanto uma delicada bailarina.

— Essa certeza toda assusta mais do que a incerteza.

A garota encolheu os ombros em falsa preocupação. Se Volts era o fogo, Watts era um vulcão.

— Nunca falhamos antes apesar das complicações, não há motivo para algo dar errado hoje.

— Acha isso por causa da imprevisibilidade do Kriger? Aquele filho da puta sempre tem um truque na manga. –Questionou o mais velho, recostando-se em uma sacola de grãos contrabandeados com a irmã em seu encalço copiando o gesto.

— Creio porque confio no que somos capazes de fazer. Klaos é apenas um bastardo que vê o mundo como um jogo de xadrez.

A frieza realista da menor contradizia o idealismo otimista de Volts, obrigando-o a permanecer firme mesmo quando suas emoções borbulhavam, contudo, não conseguia ignorar o desconforto que sentia quando a garota se dirigia com tamanho desprezo a alguém que os ajudara tanto.

— Pois eu acho que devemos acreditar essencialmente nele. –Proclamou. –A responsabilidade de líder não deve ser fácil, e imagino o que ele sentirá se algo acontecer com todos nós.

As palavras assemelharam-se a tapas na cara de Watts, fazendo com que seu semblante perplexo exibisse a mais profunda indignação quando encarou o irmão.

— Quer saber o que Klaos Kriger sentirá se morrermos? –Perguntou mantendo a voz inalterada. –Ele irá chorar por não obter a merda de seu precioso estoque de *Óleo Negro, culpando suas inúteis marionetes por não conseguirem realizar o trabalho! –Fez uma pausa, buscando as mãos do maior. –O que a guerra nos ensinou, Volts? Que temos apenas um ao outro e nunca devemos parar de lutar.

A veracidade que pronunciava arremessava facas à teia de esperança construída diariamente através dos sucessos e prestígios divididos entre o grupo. Volts provara do medo e desconfiança assim como a irmã, mas tentava abandonar os resquícios do passado por meio da convivência; enxergando na gangue uma família e não apenas comparsas criminosos, já Watts ainda insistia na cautela e reclusão. Em situações como essa, sem nem mesmo perceber, ela acabava descartando uma folha dos sonhos do mais velho.

Distraído, pegou-se relembrando nos corredores nostálgicos ao qual passara poucos minutos atrás, perguntando-se tristemente até quando aquela estabilidade ilusória duraria.

— Me desculpe... –A ruiva pediu ao notar o visível desânimo do irmão, baixando os olhos. –Deveria deixar esse assunto para depois que o roubo terminasse.

— Uma ressaca de realidade às vezes pode ajudar na embriaguez idealista.

Watts riu, descansando a cabeça nos ombros do mais velho. Ficaram nessa posição durante alguns minutos, com os olhos claros distantes vivenciando os terrores que passaram e retornam. Só então que Volts compreendera o significado das palavras da irmã quando dissera que não falhariam naquele trabalho.

O que a mais nova dissera nas entrelinhas era que haviam sobrevivido a acontecimentos piores do que simples roubos. De fato, não tinham motivos para fracassar.

Uma luz vermelha iluminara o porão abafado, dissipando os pensamentos dos gêmeos. O alerta de Tesla avisava-os de que as comportas abririam a qualquer momento e Watts deveria se preparar. Possivelmente o dirigível já se posicionara em uma altura considerável para que a mulher pousasse entre os telhados de Petrov.

Um ao outro.—Sussurrou a mais nova, levantando-se e arrumando os pertences junto aos armamentos.

Nunca parar de lutar. –Completou o mais velho, se encaminhando para as escadas e lançando olhadelas por cima do ombro.

O último vestígio que vira antes de retornar à sala de controle fora a trança rubra da irmã voando como um pássaro de fogo entre as nuvens nebulosas de Karp.

O trabalho precisava ser feito.


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Notas finais do capítulo

GLOSSÁRIO:
*Curtumes = Distrito baixo onde se localizam os grandes lixões e as gangues do território;
*Esferográfica = Palavra utilizada na Nação para designar Caneta;
*Nove = Referência a milenar guerra nuclear envolvendo os nove países que trouxeram o mundo à devastação. Pela religião ter se perdido com a catástrofe e com a falta de informações, a maioria da população considera o acontecimento uma divindade;
*Óleo Negro = Petróleo;

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