Avatar: A lenda de Mira - Livro 4 - Fogo escrita por Sah


Capítulo 32
Alianças frágeis




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Mira

 Aos poucos todo aquele fogo aumentava, tanto que a única coisa na minha visão era ele.

— Você é o espírito do fogo? -- Eu perguntei o óbvio.

Uma sensação calorosa invadiu o meu peito. Era um calor confortável, como uma lareira quentinha em um dia frio.

O espírito me encarava com os seus olhos flamejantes. Ele não parecia ameaçador, como o espírito que já encontrei antes. Na verdade, ele parecia meio acuado, como um animal enjaulado.

Eu o encarei por um tempo, tentando entender o motivo dele aparecer para mim. Eu sabia que tinha haver com a minha luta com Haru. Mas, suas intenções verdadeiras eram um mistério. Aos poucos a imagem do dragão tremulou, e pouco a pouco sua grandiosidade foi diminuindo, até um formato de uma pessoa. A pessoa começou a ganhar formas e detalhes, e logo eu pude reconhecer a aparência de quem estava a minha frente. Os cabelos compridos e castanhos a muito tempo esquecidos, mas que me lembrei há alguns dias surgia a minha frente. Seus olhos castanhos, cor de madeira avermelhada, eram estranhamente familiares. Eu sabia de quem era aquela aparência, e ver na minha frente me fez ter memórias do passado. Porém eu não me animei ou emocionei em ver minha mãe. Claro, não era ela. O espírito havia tomado sua aparência por algum motivo.

— Assim posso falar com você. -- O espírito disse com uma voz que eu nunca tinha escutado antes.

— Algum motivo para se parecer como ela? -- Eu perguntei.

— Essa casca? Bem, achei que você ficaria mais confortável em ver alguém conhecido.

A mesma frieza de todos os espíritos. O do fogo não era diferente de nenhum outro.

Eu respirei fundo. Não adianta ficar brava ou furiosa nesse momento. Só preciso saber o que ele quer.

— Podemos ir direto ao ponto? Eu não tenho tanto tempo assim. -- Eu falei contendo a raiva.

O espírito andou como uma pessoa, de um lado para o outro, até parecia alguém de verdade.

— Queria que não fosse tão complicado. Os humanos são difíceis, mas você, o avatar que transita entre meu mundo e o deles consegue ser o pior.

O espírito começa a divagar.

— Você, ele. Nós não conseguimos ver vocês como duas existências separadas. -- Ele parece querer se justificar. Mas, ouvir isso de um espirito parece que fez tudo ficar pior.

— Os outros, estão com ele. E em breve talvez, eu estarei. Quando isso acontecer, o mundo dos espíritos irá ruir. -- Ele fala sem transparecer nenhuma emoção.

— Não era necessário vir aqui só para me dizer isso. No fundo eu sei, não só o mundo dos espíritos, mas todo o resto...

— Não. É muito pior do que você imagina. Sem os espíritos, não há como nada disso continuar. Sabe, normalmente não me importo do que acontece ou deixa de acontecer com o seu mundo. Mas quando você roubou a dobra de fogo pela primeira vez...

Eu não conseguia entender tudo o que ele dizia. Mas, das histórias que eu ouvi sobre todos os outros Avatares, sei que ele falava sobre uma outra vida.

— Você iniciou tudo isso, e só você pode terminar. No futuro se tudo der certo, os humanos irão perder os privilégios que proporcionamos a eles. Eles não precisam mais do nosso poder. Mas, se Haru, você, Haru? -- Ele parecia confuso ao falar.

— Sabe, tudo o que você diz parece importante, porém, não me ajuda em nada.

O espírito parou de andar de um lado ao outro.

— Ajuda. Sim, eu vim aqui para ajudar.

O espírito se aproximou de mim. E mesmo com a familiaridade do seu corpo, eu tentei me afastar.

— Calma, criança. -- Ele falou agora com uma voz conhecida. -- Isso ajudara. Pelo menos com a dobra de fogo. O seu treinamento foi árduo, mas muito rápido. Seu corpo tem o poder, só precisa de um pouco de habilidade.

Os dedos do espírito se desfizeram na frente dos meus olhos, uma fumaça branca começou a invadir o meu corpo, e da mesma forma que ele apareceu, desapareceu. Fiquei sem ar e cai sem fôlego.

 

— Mira, Mira? -- eu ouvi alguém me chamar.

— Meelo? -- Eu o chamei sem fôlego.

— Você está bem? O que aconteceu?

Quanto mais eu pensava no que havia acontecido, mas distante ficava essa memória.

— Eu não sei bem. Era o espírito do fogo eu acho. Mas, - Eu balancei a cabeça de um lado para o outro. -- O que ele me disse, o que aconteceu. Eu não tenho certeza.

Meelo ficou pensativo. Parecia querer dizer algo. Mas, sei que ele estava lutando contra o próprio corpo. Assim, ele apenas continuou a meditar.

 

Haru

 

Eu estive sozinho em vários momentos da minha vida. Porém por algum motivo sinto mais solidão do que nunca. É um sentimento estranho, do qual eu já devia estar acostumado. Desde criança, desde antes, desde agora. Mas, também tenho esperança. Uma sensação de que se tudo der certo amanhã. Eu conseguirei afastar esse sentimento triste. Eu suspiro. Eu só tenho que aguentar mais um pouco. Só mais um pouco.

As vezes vejo Vaatu pelo canto dos olhos. Como se fosse uma sombra a me perseguir. Mesmo estando dentro de mim, ele ainda parece querer tomar conta de tudo a minha volta.

 O sol se pôs entre as nuvens de fumaça. A pouca claridade que restava deu lugar a um breu quase insuportável. Tento me estabilizar e me manter o mesmo. Nesse país eu só tenho ligação com duas pessoas. E uma delas a ligação está por um fio. Por isso resolvo cortar. Primeiro Kieran. Agora mesmo distante ainda existe uma ligação com alguns dobradores de Republic City. E as corto também. Finalmente apenas uma ligação. Suni. E é a única que pretendo manter. Ela ainda é uma excelente refém. A coloco para descansar. Preciso de toda a energia possível, e como ela tento descansar também.

 

Kieran

 

Eu ainda não sei por que permaneço aqui. Trouxe Meelo quase como um sinal de desculpas, e ainda ninguém me expulsou. De repente sinto um silêncio que eu ainda não havia percebido. Meu coração desacelera, e tudo parece ficar devagar. Uma porção de sentimentos estranhos vão embora, e assim eu sei que nossa ligação acabou. Tudo fica mais leve aos poucos, e o estranho zumbido que sempre pareceu normal termina. Mesmo que esse elo tenha ficado mais fraco conforme o tempo, ele sempre esteve ali. Senti seus sentimentos e vontades martelando o tempo inteiro a minha cabeça, mas só quando ela foi rompida é que percebi. E com isso, sinto o peso dos meus próprio sentimentos.

Me sento no chão tentando processar tudo o que aconteceu, e parece que o peso da culpa ficou ainda mais pesado. Aperto o meu peito e tento recuperar um pouco de ar. É como se estivesse preso em um daqueles treinamentos rigorosos do clã do metal, lutando para respirar, lutando para sobreviver. Respiro mais um pouco e tento fazer uma contagem para me acalmar. Mas a ansiedade parece persistir, envolvendo-me em um abraço sufocante. Tento permanecer sentado, mas a náusea começa a se insinuar, uma consequência do peso esmagador das mortes e das escolhas que fiz para apoiar Haru. A culpa sempre me acompanhou, mas agora eu não tinha Haru para abafá-la.

— Você está bem? -- Ouço alguém dizer. Olho para cima, minha vista está embaçada.

— Sina? -- eu pergunto.

— Achei que você já tinha ido embora. Cumprido o seu propósito.

Meu coração ainda parecia sair do peito.

— Bem, acho que eu não estou em condições de ir embora no momento.

Ele se abaixa, olha dentro dos meus olhos.

— É você não parece bem...

— Foi a ligação. Haru a rompeu, e com isso. Tudo veio de uma vez...

Meu corpo tremia involuntariamente enquanto Sina se abaixava para ficar ao meu lado, seu olhar preocupado penetrando o meu. Sentia-me fraco e vulnerável diante dele, incapaz de esconder a angústia que me consumia.

 

— Eu cheguei a orientar alguns dobradores com crises de ansiedade. Bem o Riku é um exemplo propriamente dito. Apesar de ele negar, ele é bem ansioso. Acho que tem a ver com a vida que ele teve. Demos remédios bem fortes para ele. Mas, no final das contas não foi isso que resolveu...

 

— O que foi então?

 

— Ele sempre esteve sozinho a vida toda, sem um propósito... Mira trouxe alguma luz na vida dele, e com isso um objetivo a cumprir. Ele pegou todos esses sentimentos ruins e os direcionou. Mesmo sendo o mesmo garoto explosivo, pelo menos ele sabe pelo que lutar agora.

 

Eu tento recuperar um pouco de fôlego.

— Eu perdi o meu propósito desde que fui levado para o clã do metal. Perdi minha família, perdi meus amigos, e o primeiro que me ofereceu liberdade, eu agarrei com tanta força, que não medi as consequências.

 

Sina aos meus olhos, parecia o mesmo garoto de sempre. As pessoas sempre diziam que ele era frio e carrancudo, que não sorria, ou não demostrava empatia a ninguém. Mas, ele foi o único que me ajudou quando me descobri dobrador de metal.

 

— Sabe, foi por você que me tornei um orientador de dobradores do governo. Quando você foi levado e eu não pude fazer nada, aquilo acendeu algo dentro de mim. Me deu um propósito. -- Isso me deixa surpreso. — Viu você não está completamente sozinho. -- Ele sorri.

Um sorriso que eu mesmo vi poucas vezes.

Conversar com ele faz meu enjoo ir embora, e minha respiração normalizar.

 

Ele se levanta parece escutar alguém chegar.

— Se tudo der certo, você ainda vai se sentir culpado por tudo isso. Só que vai ter que encontrar uma maneira de se perdoar e ser perdoado. -- Ele diz antes de ir até a pessoa que havia chegado.

E eu fico ali pensando e repensando as palavras dele.

 

 

 

 

 

Venon Varrick

 

Se eu tivesse no meu próprio país, eu subiria essa estrada em um do meus motorallys. Um veículo de duas rodas, projetado pelo meu pai há mais de 20 anos. Um sucesso de vendas exportado para todas as nações do mundo. Bem quase todas. Estou exatamente no único país que não tem nenhuma dessas. Toda a economia daqui gira em torno do poder militar, assim tudo que beneficiaria os civis é deixado em segundo plano, ou terceiro, não sei bem... Assim eu tento recuperar o meu folego a cada dois minutos.

Conforme eu subo, a temperatura aumenta. Vou tirando os casacos que eu estou usando. E finalmente quando eu vejo o topo, eu estou praticamente só de roupa de baixo. Um pouco humilhante para um Varrick. O suor pinga pela minha testa, chegando até os meus olhos. Tento secá-lo. Mas ouço uma voz.

— Parado. -- Eu ouço alguém dizer. Ouço também uma arma sendo engatilhada.

Levanto as mãos e aos poucos consigo ver.

— Sina. Meu querido amigo.

Ele está diferente. Seu cabelo foi cortado, e suas roupas estão surradas e em frangalhos. Muito diferente do burocrata que eu encontrei poucas vezes.

Ele não parece nem um pouco feliz em me ver. Claro, estamos em lados opostos. Mas... Sei que de todos, ele é o que mais pensa como eu.

— O que você quer? -- Ele pergunta.

— A única coisa que um Varrick faz... Negociar.

— Ele que te mandou aqui? -- Sei que ele se refere a Haru.

— Não. -- Eu baixo minha cabeça. -- Dessa vez sou só eu.

Ele parece pensar. Pelo menos ele abaixou a arma.

— Venha. -- ele simplesmente disse.

Sou levado até uma cabana velha. O cheiro de enxofre é quase insuportável.

— Esse país fede, mas, aqui está muito pior. -- Eu simplesmente digo tampando o nariz.

Ao entrar eu vejo alguns rostos bem familiares. E sorrio.

O garoto que eu não lembro o nome vem rápido em minha direção, e apesar de ser mais baixo que eu ele me empurra contra a parede, e me ergue pela fina blusa que eu ainda uso.

— O que esse merda está fazendo aqui? -- Ele grita.

Ele começa a machucar o meu pescoço, e eu começo a ficar sem ar. Procuro Sina com os olhos. Ele parece ponderar o que está acontecendo.

— Eu preciso está inteiro para negociar... -- eu digo entre um fôlego e outro.

— Solte ele. -- Sina diz.

O garoto se vira indignado. Mas, não me solta.

— Você sabe que tudo isso é culpa dele, não sabe? Se não fosse por ele nunca teríamos ido aquele pais, e nem despertado aquele cara...

— Minha culpa? Se não fosse pelos pais dos seus amigos, Haru não teria acabado daquele jeito em primeiro lugar. -- Eu vejo o filho do Meelo pela fresta de uma das portas.

— Solte ele. -- Agora é ele quem diz.

Como Sina, Meelo, está bem diferente. Eu não vi o que Haru fez com ele, mas digo que foi bem feio. Suas feridas foram cauterizadas de alguma maneira, mas as cicatrizes são horríveis.

— O que você quer? - Ele pergunta com raiva.

— Não quero ficar repetindo a mesma coisa. -- Assim o garoto finalmente me solta.

Fico tossindo um pouco enquanto vejo seus olhares para mim.

— Como eu disse ao Sina. Vim para negociar.

— Negociar? -- Uma voz feminina finalmente se fez presente.

Diferente dos outros, ela parecia bem. Suas roupas, seu cabelo, tudo parecia certo. Quase podia ver uma aura brilhante em volta dela. Uma sensação parecida com a que eu tinha com o Haru.

— Sim, minha vida. Sei que independente de quem vencer, eu estarei condenado. Por isso, vim para o lado que ainda possui um pouco de empatia pelos outros.

Meelo era o que parecia mais inquieto.

— A filha do Mansur, não tenho muitas informações. Quando eu sai de lá, ela ainda estava na mesma.

Seu olhar ficou cabisbaixo.

— Sabe, Haru, ele, não parece querer ninguém ao seu lado. Sabe por muito tempo eu achei que podia ajudá-lo de alguma forma. Me senti culpado pelo que fizeram com ele. Eu o admirei, eu o idolatrei, e de certa forma ele me fez ser o que eu sou hoje.

Mira me olhava com atenção. Espero que ela consiga me compreender.

— Eu patrocinei a UCG como uma forma de protesto, eu tinha as minhas razões egoístas para fazer isso, mas eu sempre pensei em estar fazendo a coisa certa. Acho que de todas as pessoas do mundo, vocês sabem como Republic City estava podre. Principalmente você Mira.

— Mas, você não queria mudar as coisas para as pessoas. Mas, sim por você mesmo. -- Eu ouço Meelo dizer.

— É eu nunca disse que era uma pessoa boa. Eu sou a favor das mudanças, principalmente aquelas que me favorecem. E para mim isso é o certo. -- Eu simplesmente falo.

— E é por isso que você está mudando de lado... -- Sina constata o óbvio.

— Mudar de lado, é uma expressão muito forte. Sei que vocês nunca me aceitariam ao lado de vocês. Mas, eu também sei que precisam de toda a informação possível.

— Você só pode estar de brincadeira. -- O garoto de cabelo claro diz.

— Não mesmo. Por isso vim aqui negociar.


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