Cem Anos Depois escrita por Adson Kamps


Capítulo 9
IX - A Oráculo


Notas iniciais do capítulo

NÃO SE ESQUEÇA DA ABERTURA:
https://youtu.be/FKJJm9NQ9rI



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/754337/chapter/9

ܔܢܜܔܢܜܔܔܢܜܔ♛ܔܢܜܔܢܜܔܔܢܜܔ

— É aqui – disse a mulher mantendo a face escondida pelo manto azul, o espelho em suas mãos sendo guardado em meio às dobras do vestido na esperança de que a pessoa que estivesse prestes a ameaçar não soubesse como fora encontrada. Fitou a pequena caverna a sua frente; apanhadores de sonho de todas as cores se mantinham pendurados na entrada decorando-a enquanto balançavam ao vento.

No topo, inscrito em uma pedra estava o símbolo da Estrela Negra, a representação naquele mundo de Einmal e seus seguidores.

Estava no local certo, ali era a entrada para o covil do Oráculo.

Adentrou a caverna e logo a sua percepção do espaço ao redor pareceu se diluir em um mar de águas escuras e, conforme avançava em direção às profundezas daquele lugar começou a perceber pequenos pontos brilhantes nas paredes como ínfimas estrelas que projetavam seus fachos de luz fracamente. Era um sinal de que algo ali estava errado.

Uma sombra tão negra quanto a escuridão que a cercava, girava no ar em espirais como tentáculos feitos de pura noite que incentivavam a mulher a continuar andando para perto de seu objetivo. Os apanhadores de sonhos pendurados em cada canto do covil pareciam algas se movimentado nas correntes marítimas, o que despertou um certo desconforto na moça.

— Francamente – murmurou para si mesma – Não é como se estivesse entrando na caverna de Úrsula – repreendeu à si mesma e continuou andando.

Quando finalmente atravessou o hall de entrada e chegou ao seu objetivo, encontrou uma garota loira caída no chão. Suas vestes estavam salpicadas com pequeninas manchas cor de musgo, a mesma cor do veneno que a mulher de pé um dia usara para envenenar uma maçã.

— Não... – murmurou se aproximando e segurando a mulher pelos ombros – Não! Sua traidora! Você foi avisada que não deveria ter contado nada para elas!

O Oráculo, ou melhor, Oráculo abriu os seus olhos que irradiavam agora uma fraca luz esverdeada, mas que foi o suficiente para afastar a moça que a segurava – Eu prefiro morrer como eu mesma a uma serva de Einmal – sua voz saia fraca e longa, como se mil cobras sibilassem uma sentença.

A loira abriu um pequeno sorriso e retirou a toca, mostrando os olhos verde-amendoados ficando roxos – Se esse é o seu desejo, que assim seja! – Com um gesto de mão o pescoço da Oráculo se quebrou com um estalo, liberando o espírito mágico que ali residia.

Retomando o controle que havia perdido, a mulher cobriu o rosto novamente com o capuz e se virou, indo em direção à saída enquanto sacava o espelho.

— Mostre-me o que aconteceu – o espelho brilhou em verde e a cena começou.

Sempre atentas a qualquer eventual criatura que pudesse aparecer, Cinderela e Aurora caminhavam pela floresta Ewige Nacht seguindo um dos últimos concelhos que Dorothea havia lhes dado: Procurar o Oráculo de Einmal, pois ele as diria por onde começar a busca pelos príncipes.

— Deveríamos mesmo confiar naquela bruxa? – Perguntou Aurora pela terceira vez desde que partiram – Nem mesmo a conhecemos e não temos como confirmar que ela é quem realmente diz ser.

— Aurora – Ella estava perdendo a paciência com a sua companheira de viagem. Parecia que a mais nova não entendia que nem todos estavam ali para lhe prejudicar e que sim, ainda havia pessoas no mundo em que podia confiar – Se Dorothea nos quisesse mortas, ela o teria feito durante essa noite. E estamos mortas? Da última vez em que olhei meu reflexo na água não percebi nenhuma faca no meu coração.

Com um suspiro, Aurora continuou seguindo a mais velha que ia à frente iluminando o caminho com a luz da varinha. De vez em quando olhava para a espada embainhada ao lado do corpo pensando se viria mesmo a usar algo dado por uma carpinteira com poderes mágicos.

— Mas e o Oráculo de Einmal? Ele é confiável? – Perguntou enquanto andava fitando o chão. Se não lhe falhava a memória do que suas tias lhe contavam, Einmal era uma das forças que haviam criado o universo ou algo do tipo, e que essa mesma entidade representava todo o mal no mundo. Sem perceber que Cinderela havia parado, Aurora acabou esbarrando nela – Ai! Por que parou?

— Porque estamos prestes a descobrir – disse apontando para uma caverna a sua frente.

As duas princesas se aproximaram do local cautelosamente, prontas para qualquer coisa que ousasse ataca-las. A entrada da caverna ficava em uma clareira a vista de qualquer um que passasse, o que seria um ótimo local para uma emboscada.

— Parece exatamente o tipo de lugar em que um Oráculo moraria – comentou Aurora olhando para o interior do buraco que se mantinha “obscurecido” por uma névoa negra – E esses Apanhadores de Sonhos? Será que o Oráculo tem pesadelos?

— Hunf – a mais velha revirou os olhos – Sendo um alguém que é servo de Einmal, logicamente não irá sonhar com uma princesa deitada em um campo de dentes-de-leão – se virou para a mais nova vendo que a mesma a encarava com raiva – Vamos.

Entraram nas profundezas da caverna e começaram a ter vertigens com o que estava ao seu redor. Era como se alguém tivesse passando um pincel molhado sobre uma pintura ainda fresca, causando uma confusão ao misturar as cores e troca-las de posição, modificando algo realístico para abstrato.

— Mas o que é isso? – Murmurou Aurora retirando a espada da bainha e colocando-a no chão para servir de apoio – Armadilha?

— Não – respondeu Ella acenando a varinha tentando em vão parar com qualquer coisa que estivesse ocorrendo – Einmal é a deusa da escuridão, não é de admirar que as cores fiquem mais confusas aqui dentro – parou – A junção de todas as cores provoca o branco quando se fala em luz, mas em questão de tinta seria o completo negro.

— Então devemos seguir aqueles tentáculos negros? – Perguntou a mais nova indicando as sombras negras que dançavam na frente delas. – Eles não parecem nada amigáveis.

— Vamos logo. Quanto mais cedo sairmos daqui, mais sã estaremos – disse Cinderela tomando a frente.

Andando pelo corredor de entrada, Aurora começou a notar que a teoria de Ella era verdadeira: as cores se misturavam entre si tornando tudo mais e mais negro conforme a o buraco ia se aprofundando, com exceção dos apanhadores de sonho, estes continuavam coloridos.

Chegaram no fundo da caverna onde uma parede se erguia, dividindo a mesma em “dois cômodos”. Uma pequena entrada sem porta interligava os dois lados por meio de uma cortina de fio dourados que se emaranhavam viscosamente como se fossem cabelos, balançando levemente em uma brisa inexistente.

— É aqui – disse Cinderela guardando a varinha e indicou Aurora para que guardasse a espada – Vamos...

Antes que pudessem dar mais um passo se quer, a cortina dourada se dividiu no meio, enrolando-se nos pilares posicionados em cada lado da passagem. Um sussurro reverberou por toda a caverna, chamando as duas assustadas princesas e incitando elas à seguir em frente. Sem opções, elas entraram. 

A princípio as garotas imaginaram que haviam adentrado em outra dimensão. Chão, paredes e teto eram feitos de pedras lisas tão escuras quanto às sombras de uma noite sem lua, pequenos cristais brilhavam sobre elas como ínfimas estrelas mudando de posição. Perceberam chocadas quando dois pequeninos se chocaram na parede, criando a ilusão de uma explosão colorida que seria até linda de se ver se não fosse o ar místico daquele salão.

Assustada, Ella quase sacou a varinha para defendê-las, mas notou que as pedrinhas escuras que saiam do centro da explosão eram como imagens animadas nas paredes, algo que não iria lhes machucar de verdade. Pura magia pensou, maravilhada.

Já Aurora notou algo estranho nas paredes ao seu redor. Parecia que a mesma cortina dourada que cobria a entrada daquele local percorria todo o cômodo, desde o chão até o teto partindo de trás do Oráculo.

— Aproximem-se – disse uma voz distorcida vinda do que parecia uma mulher coberta por um manto preto, sentada sobre uma almofada cor de sangue. Um tapete cinza que parecia feito de nuvens de tempestade surgiu sob os pés das garotas, como uma ponte indicando o caminho. Enquanto caminhavam sobre ele, um raio azulado reluziu no tecido grosso e se dividiu em dois, iluminando duas almofadas azuis-turquesa.

Sentaram-se nas almofadas indicadas, Cinderela à direita e Aurora à esquerda. Um silêncio pairou sobre as três mulheres.

— Bem... – Aurora engoliu em seco – Viemos aqui para...

— Eu sei por que vieram. Minhas constelações me mostraram. Agora algo que elas não me disseram é se vocês tem certeza do que querem – a mulher que permanecia com os olhos fechados os abriu, mostrando íris tomadas por uma luz esmeralda – Então?

As duas princesas se entreolharam – Sim, temos certeza – disse Cinderela.

— Muito bem – disse a mulher que abriu um sorriso – Se este é o seu desejo, que faça-se a sua magia! – Erguendo os braços, as “estrelas” ao redor das três se mostraram mais brilhantes, e a explosão colorida tornou-se rosa e logo após branca – A magia do Sol que me foi concedida; aos poderes da Noite que me foram impregnados; eu invoco-te! APAREÇA!

As luzes das pedrinhas preciosas começaram a ser sugadas para um globo de cristal entre as três mulheres, que ao tomar energia suficiente se abriu em pétalas douradas de uma flor que iluminou o salão inteiro.

Um som baixo, um assovio leve tomou conta do ambiente, preenchendo toda a sala como se o próprio ar cantasse para elas. Então algo inesperado – e pode se dizer impossível até para as princesas – aconteceu: O cabelo da Oráculo começou a se iluminar, dourado como a luz do sol, partindo da raiz coberta pelo manto até as pontas.

E como se não bastasse, o cabelo parecia nunca ter fim. A luz percorria os fios louros que davam voltas por todo o salão sobrepondo a luz dos diamantes. E para a conclusão de Aurora, as cortinas realmente davam a volta nas paredes e vinham de trás da mulher por que eram os cabelos dela!

— Pelos deuses – murmurou a princesa impressionada.

— Oh, lírio de Eswar! Oh, noite de Einmal! – Entoou a mulher – Mostre-as o que devem procurar!

Uma explosão iluminou-se sobre a flor e uma imagem surgiu projetada no ar: uma rosa vermelha, linda, como aquelas encontradas no canto mais oeste dos Reinos Encantados, porém, algo espiralava-se ao redor dela. No começo, as garotas pensaram que fosse uma serpente negra, mas logo depois mais uma começou a subir sobre o caule deixando claro o que eram na realidade: tentáculos.

A rosa passou de um vermelho sangue para um rosa bebê desbotado com uma única pétala sua tornando-se roxa e logo após verde, revelando quem a estava guardando.

— Esta é a Rosa que pertenceu ao príncipe Adam, perdida há muitos anos atrás. Se vocês conhecem a lenda sabem que ela foi encantada por uma Feiticeira que era seguidora de Eswar.

Aurora continuou encarando a flor e notou que pequenas bolhas de ar passavam em torno da imagem – Espere, ela está debaixo d’água?

— Exatamente – respondeu a seguidora de Einmal – Quando Belle conseguiu quebrar o feitiço a rosa se reconstituiu com seu poder pleno, mas antes que pudesse ser guardada em um lugar longe de quem a usasse para o mal, as irmãs Cecaelias usurparam em um dos dias que lhes é permitido andar sobre a Terra.

— Cecaelias? Teremos que lidar então com Úrsula e Morgana, as bruxas do mar?! – Cinderela perguntou alarmada.

— Sim, elas roubaram a flor e levaram para o fundo do mar onde a mantém escondida em águas onde nem os descendentes do rei Tritão se atreveria a ir – a Oráculo disse como se não fosse nada – Mas vocês tem um trunfo, as duas velhas irmãs não passam mais de cinco minutos sem brigar, se puderem usar isso ao seu favor é capaz de conseguirem a rosa.

Com isso dito e um aceno de mão, a luz dourada dos cabelos e do Lírio de Cristal se dissipou aos poucos, retornando para os cristais e os cabelos ficaram loiros comuns novamente – Agora o pagamento – ela estendeu a mão – Dê-me um dos frascos e pegue o outro. Decidam entre si quem o tomara.

Cinderela de queixo caído não conseguiu falar nada, e enquanto colocava os frascos no chão Aurora explodiu – O que?! Quer que uma de nós beba veneno?!

A Oráculo encarou profundamente a princesa de azul, esta por sua vez engoliu em seco temendo o efeito que as suas palavras poderiam ter causado.

— Apenas um desses frascos é de veneno, o outro aumenta qualquer atributo que tenham em beneficio a si própria. Mas vou ajudar vocês: se você – apontou para a menina de capa vermelha – Se você beber desse frasco, esquecerá de tudo de mal que lhe aconteceu no passado. Agora se você – apontou para Aurora – Se você tomar, todas as suas dúvidas sobre o passado de sua família se esclarecerá. – Olhou para as duas enquanto pegava um dos frascos no chão – Então, quem tomará?

Cinderela pegou o outro frasco e olhou para ele, pensando um pouco.

— Tudo que me aconteceu de mal no passado... – murmurou – Seria perfeito esquecer aquelas coisas horríveis. – Uma pausa para uma lágrima que escorreu – Mas foi esse passado que me faz ser quem sou, portanto, não aceito tomar – estendeu para Aurora e olhou nos olhos da princesa – Você merece saber as verdades.

Aurora pegou o frasco e sorriu para mais velha.

— Obrigada – murmurou. Destampou-o e olhou para a Oráculo – Pronta?

Com um suspiro e um meneio de cabeça ela concordou – Já! – as duas tomaram ao mesmo tempo.

Aurora curvou-se para frente vendo o mundo inteiro girar diante de seus olhos. O gosto pútrido daquele liquido lhe queimava a garganta como se fosse feito de lava, deixando sua visão anuviada como se uma densa neblina estivesse lhe cegando. Pensou ter tomado o frasco errado quando com um longo suspiro conseguiu recuperar o folego e tudo passou, enxergava tudo claramente agora.

— Devemos ir – disse Ella pegando a garota pelos braços e ajudando ela a se levantar. Aos pés da mais velha jazia o corpo da Oráculo em convulsão, se debatendo enquanto o veneno da Górgona lhe incendiava o interior de seu ser.

— Então essa desgraçada contou sobre a Rosa – sorriu de canto e olhou para frente – Veremos quem a encontrará primeiro.

Apontou o vidro do espelho para frente iluminando o chão em luz verde, deixando claro algumas pegadas. Pôs-se a segui-las na esperança de encontrar as duas princesas.

ܔܢܜܔܢܜܔܔܢܜܔ♛ܔܢܜܔܢܜܔܔܢܜܔ


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Cem Anos Depois" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.