A Linguagem das Flores escrita por plath


Capítulo 1
Capítulo Único




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Somando todas

 as coisas, é claro, nossa pequena agonia é

 estúpida

 e fútil

 Mas sinto que os nossos

 sonhos não

 são

[...]

Era verão.

Sehun lia uma revista de quadrinhos como de costume, isolado no intervalo de aulas. Tinha treze anos. O tema da revista era viagem no tempo e Sehun se perguntava se aquele tipo de coisa existia na vida real. Não entendia direito o conceito de tempo, mas sabia que quando era mais novo as horas pareciam longas e espaçosas. O pequeno Sehun morava em cada uma delas. Quanto mais crescia, mais consciente sentia-se da passagem dos minutos. Aquilo deixava-o meio triste.

Sehun reconhecia que era mais tristonho e quieto do que a maior parte das crianças na sua idade, mas não se abalava. Quando um colega de classe fazia alguma piada a seu respeito, fingia não ouvir e procurava se distrair lembrando das palavras de sua avó: ela sempre falava que as pessoas são difíceis, bem difíceis, e tem vezes em que elas falam coisas maldosas. Mas ela também falava que o que realmente importa é o que você pensa de si mesmo, o que as pessoas que te amam falam e o que Deus acha de você.

Seus pais não iam a igreja e não tinham nenhuma fé declarada, mas Sehun havia aprendido sobre o cristianismo com sua avó. Apesar disso, quando ninguém estava olhando, Sehun chorava baixinho e perguntava a Deus o motivo de tê-la levado embora de um jeito tão bruto, numa condição tão terrível. Nada nem ninguém dava resposta.

Seu refúgio nos intervalos ensolarados era um canto arborizado da escola, repleto de flores quando a estação era certa, o que era o caso do verão. Quem mais passava por lá eram funcionários, sempre estampando seus rostos com um sorriso solidário, os olhares transbordando com pena. Pena da criança que passava os intervalos sozinha. Pena, pena, pena.

Foi então que Sehun escutou passos ritmados e pouco discretos na grama vindo em sua direção. Levantou o olhar com pouco interesse e viu um menino. O menino era pequeno, mas não muito, e trazia consigo um semblante feliz e uma aura elétrica. Tinha cabelos castanhos e olhos escuros. Sehun o encarou com uma curiosidade infantil, o que fez o menino sorrir e tombar a cabeça para o lado, perguntando o que ele fazia ali sozinho. Sehun deu de ombros e o garoto sorriu de novo. 

O garoto parecia meio fora de contexto, já que estavam na escola. Quem ficava feliz daquele jeito durante o período de aulas?

Quando pegava sua bicicleta naquele dia, viu aquele mesmo menino indo embora em passos leves e relaxados. Foi então que, quase como se sentisse os olhos de Sehun sobre si, atentos e curiosos, o mais baixo olhou pra trás. Acenou animado e sorridente, e tudo em que Sehun conseguia pensar era que o jeito com que ele o olhava era diferente. Não eram os olhares de pena ou de indiferença com os quais estava acostumado. Era um olhar puro.

Sonhou com ele naquela noite.

Com o passar dos dias a cena se repetia: o garoto novo sempre ia ao seu encontro nos intervalos. Sehun aprendeu várias coisas sobre ele: seu nome era Baekhyun, ele era alguns meses mais velho e gostava de tocar piano. Também gostava muito de cantar e desenhar, parecia ser talentoso. Sua família tinha acabado de chegar da capital e a mãe havia comprado uma floricultura no centro.

Também havia as coisas que Sehun havia aprendido sem Baekhyun falar: o menino era alguém de sorriso fácil e conversas descontraídas. Seu cabelo parecia ser macio e suas mãos eram bonitas, com dedos finos e longos. Ele tinha algumas manias engraçadas e Sehun gostava de fazer piadas com elas. Baekhyun fingia ficar ofendido e ambos gargalhavam.

E ele cheirava bem. Cheirava a flores.

O garoto parecia ser persistente, Sehun havia notado. Persistente quando insistia em ficar com Sehun naquele lugarzinho florido, persistente quando tentava fazer Sehun falar mais. Persistente quando deitava-se na grama com os olhos meio fechados por conta do sol e performava seus monólogos.

Sehun decidiu que gostava da voz dele. Definitivamente. E gradativamente soltava-se, roubando sorrisos surpresos de Baekhyun quando dava respostas mais elaboradas, quase como se estivesse fascinado. Talvez estivesse.

Não demorou muito para que dali florescesse uma amizade genuína, expondo o laço que os dois sentiam que, de algum jeito, sempre havia estado existido. E foi bem assim que começou: com cheiro de flores e um brilho solar manso.

Era inverno.

Quando Baekhyun revelou que nunca havia aprendido a andar de bicicleta, Sehun ficou surpreso. Não esperava por aquilo. Esperava que Baekhyun soubesse fazer tudo, até porque era o que parecia, principalmente quando falava sobre pianistas que morreram há muito tempo atrás e reproduzia as músicas deles com naturalidade, sem pedantismo nenhum, ou quando falava algo sobre as estrelas.

Mas, afinal, não sabia de tudo, e Sehun aprendeu com o tempo que ninguém sabe de tudo, nem mesmo quem sabe um monte de coisas. Essa noção o tranquilizava sobre a vida no geral. Ninguém sabe direito o que está acontecendo e o que vai acontecer, não de verdade, e isso fazia ele sentir-se melhor em ser meio perdido.

O importante era que Sehun havia passado tardes e mais tardes depois da aula ensinando Baekhyun a andar de bicicleta e quase sempre terminava em quedas e risadas. Sorrisos largos e risos altos.

Sehun aprendeu também que fracassar era normal, até porque levou um bom tempo para que Baekhyun andasse sem cair. Quando o mais velho parecia frustrado por conta disso, Sehun levava-o para uma cafeteria onde eles dividiam um pedaço grande de bolo e bebiam xícaras enormes de bebidas quentes. 

O frio passava rapidinho, mas Sehun não tinha certeza se era pelo café descendo pela sua garganta ou pelo sorriso satisfeito que Baekhyun dava depois de experimentar mais um pedaço do bolo de chocolate.

Sehun esquecia das roupas de frio pesadas que usava, de como iria ser difícil levar sua bicicleta até em casa com a neve cobrindo as ruas, das economias que estava gastando e do ranger do aquecedor daquele lugar. Só focava na sensação quentinha que consumia seu coração e em mais alguns detalhes abstratos, todos se relacionando a Baekhyun e o que a presença dele o causava.

Era tudo muito puro, e o inverno passou assim: de um jeitinho puro.

Os dias daquele verão, inverno e das estações seguintes foram cheios, cheios de coisas. Aquela sensação de confusão típica do começo da adolescência, as pequenas e grandes melancolias infundadas. Andar de bicicleta pela cidade tornou-se comum, assim como corridas pelas ruas cheias de flores. Jogavam jogos, assistiam filmes e comiam besteira. Passavam mais tempo juntos do que sozinhos. Visitas na casa alheia haviam tornado-se um hábito.

Era uma tarde de céu rosado quando Sehun testemunhou, pela primeira vez e aos catorze anos, o pai de Baekhyun sendo agressivo com a mulher. A mãe de Baekhyun levava consigo um ar sábio e paciente e trajava a mesma armadura de bondade que o filho, o que deixava suas reações relativamente submissas. Sem contar que era mulher, e não bastasse o mundo ser malvado no geral, era especialmente malvado com as mulheres.

Baekhyun começou a tremer e Sehun segurou sua mão. Os dedos se entrelaçaram. Sehun fazia carinhos circulares. Mesmo quando subiam para o quarto e fechavam a porta, era frequente o barulho de algo quebrando. O menor chorava, chorava, chorava. Sehun jurava, toda vez, que aquela era a visão mais triste do mundo.

Talvez fosse porque Baekhyun era bom, bom demais pra chorar, bom demais pra ele, bom demais pro mundo. Naqueles momentos ele abraçava-o e ambos ficavam imersos num silêncio absoluto, apenas com a respiração pesada de Baekhyun como trilha sonora.

Sehun aprendeu ali que algumas pessoas podem ser muito ruins, o que machuca profundamente as que não são, e que todo mundo sofre com alguma coisa. Perguntou-se, por alguns momentos, se um mundo assim fazia sentido.

Era terrível. Todas as coisas ruins pelas quais as pessoas passam.

Todas as conversas que eles não estavam tendo encheram o quarto. E assim passaram-se horas.

Era o aniversário de quinze anos de Sehun. Seus pais estavam falantes, o que era comum. Às vezes Sehun achava que possuía seu jeito introvertido e silencioso porque os pais falavam demais. O tempo inteiro. Nunca sobre coisas importantes, nunca sobre coisas interessantes. Falavam mal de várias pessoas e sobre o clima como se aquele casamento dependesse daquilo. Das repetidas conversas vazias pra preencher o silêncio.

Sehun achava aquilo muito triste, por isso desde pequeno adotou um jeito mais calado. Achava que, assim, quando falasse, suas palavras teriam mais significado. Descobriu, a medida que foi crescendo, que não era bem assim que funcionava, mas tudo bem.

Baekhyun foi o primeiro a chegar na casa cheia de balões coloridos e com cheiro de fritura, trazendo seu cheiro e seu sorriso. Deu um abraço forte no mais alto, o parabenizando. Sehun sentiu seu mundo parar por alguns segundos porque Baekhyun era tão, tão cheio de amor, mas logo se recompôs.

Sehun soube ali que poucas coisas o faziam mais feliz do que os abraços de Baekhyun.

Estava calor.

Tinham o hábito de banhar-se em um rio que ficava na estrada que era caminho para a cidade. Mergulhavam corajosos e faziam brincadeiras bobas. Depois eles ligavam o pequeno rádio que Baekhyun pegava de seu pai sem permissão e uma música em italiano que nenhum dos dois conhecia tocava. As peles eram queimadas pelo sol e os corpos de ambos ficavam cansados e doloridos no fim do dia, mas era por uma boa causa.

A luz do sol penetrando a água, as árvores rodeando a paisagem, a água cristalina, Sehun e Baekhyun. Tudo estava bem.

Tudo continuava bem quando eles voltavam para a cidade exaustos, naqueles fins de tarde preguiçosos e melancólicos. Restos de sorvete e flores espalhados pelas calçadas, ruas vazias. Cidade pequena, meninos felizes, dia nostálgico.

Sehun não desejava ser mais ninguém quando estava com Baekhyun. Não preferiria ser alguém com mais dinheiro, sabedoria, carisma ou beleza. Não queria estar em outro lugar. Queria continuar aonde estava, na hora que estava e do jeito que estava, contanto que fosse com o mais velho.

Era uma sensação nova. Sehun gostava. Gostava de finalmente apreciar existir, ser, estar. Gostava.

Era uma manhã ensolarada de primavera. Estavam na praia. A mãe de Sehun havia os trazido.

Sehun percebeu que talvez estivesse apaixonado. Tinha quinze anos e Baekhyun também. Percebeu que talvez estivesse apaixonado porque tudo parecia tão real e bonito quando estava perto do outro. Podia não saber muita coisa sobre paixão, mas sabia que gostava da voz de Baekhyun mais do que deveria, sabia que davam as mãos mais do que deveriam, sabia que o encarava mais do que deveria e sabia também que o frio em sua barriga quando Baekhyun falava seu nome não era o mesmo de quando sua mãe chamava-o para jantar.

Uma voz esperançosa em sua cabeça dizia que Baekhyun o encarava na mesma quantidade e iniciava o dobro de contato que ele, mas ele reprimia qualquer pensamento que beirasse a ilusão. Ainda era uma criança e, além do mais, quem seria capaz de gostar dele?

Se perguntou se era normal um menino gostar de outro menino, e concluiu que talvez não fosse, porque todos os casais na cidade e na televisão eram de homem e mulher. Sehun não entendia o porquê daquilo, não sabia se gostar mais de Baekhyun do que deveria significava que havia algo de errado com ele.

“Não consigo conter”, pensava Sehun, frustrado. “Não consigo conter nada na minha vida”.

O problema era que tudo em Baekhyun lembrava Sehun de algo que ele gostava e isso o incomodava. Ele não compreendia. Não sabia se estava pregando peças em si mesmo ou se havia mesmo a possibilidade de que alguém daquele jeito existisse. Resolveu ignorar aquelas sensações confusas por um tempo e voltou a olhar para as ondas, refletindo sobre como elas também são difíceis de conter.

Baekhyun o observava.

A mãe de Sehun estava deitada no sofá assisitindo a um dorama. Era uma das noites boas em casa, seus pais estavam quietos. Esperou o pai subir e aproximou-se da mãe cautelosamente. Suava frio, nervoso.

Tentou contá-la com cuidado sobre o que achava que sentia por Baekhyun. Perguntou-a se precisava se tratar ou se Deus iria parar de gostar dele. Congelou ao ver a surpresa que rodopiava pelos olhos da mãe enquanto ela esfregava as palmas das mãos no rosto e respirava fundo. Foi quando estava quase certo de que tudo estava perdido que, para sua surpresa, o rosto da mulher adotou uma expressão suave e compreensiva. Sorriu pequeno e acariciou o rosto do filho com os dedos macios e carinhosos. Dedos de mãe. Sehun soltou a respiração que não sabia que estava segurando. 

“Ah, Sehun... Se amor fosse o maior problema do mundo, tudo seria melhor”.

Alguns anos depois Sehun percebeu sua velha ingenuidade e como sua mãe havia sido uma pessoa extraordinária. Apesar das tentativas de manter um casamento quebrado, apesar dos falatórios ocos, apesar de tudo. Seus pais tinham vários defeitos, tinham sim. Mas todo mundo têm. E não tem problema.

A mãe de Sehun foi internada pela primeira vez quando Baekhyun tinha dezesseis anos e Sehun ainda quinze. Sehun nunca havia se sentido tão mal. Baekhyun o acompanhava pelo hospital e tentava conversar com o mais alto, mas de nada adiantava. Conformou-se com a ideia de que o melhor consolo que poderia oferecer naquele momento eram carinhos no cabelo e repetir que tudo ia ficar bem.

Mais tarde, no corredor vazio e incolor do hospital, Baekhyun fez a coisa mais confusa que Sehun já o tinha visto fazer até aquele momento. Encostou dois dedos em sua própria boca e repousou-os na boca de Sehun logo em seguida.

Seu olhar era cheio de amor. Um amor fraterno. Um amor muito maior que Sehun, um amor que ele não entendia e não tinha certeza se queria entender.

Baekhyun tocava uma melodia suave no piano de sua casa. Sehun estava deitado no sofá com as pernas esticadas e os olhos fechados. Atreveu-se a abri-los e não sabia ao certo se estava arrependido. O outro não apenas produzia sons que de alguma maneira tocavam sua alma, mas também proporcionava uma visão mágica.

A visão dos cabelos castanhos de Baekhyun iluminados pelos raios de sol que entravam pela janela na tarde preguiçosa, seus dedos se movendo com delicadeza e elegância, seu rosto sereno. Tudo colaborava para Sehun querer explodir.

Era tão difícil lidar com o que sentia, tão difícil administrar, tão difícil compreender. Sehun era tão perdido, e sentia-se indo mais e mais fundo em coisas que não entendia por inteiro. Ele sabia que no fundo gostava, sabia que Baekhyun o fazia bem, mesmo que aquele sentimento o fizesse se sentir confuso e até mesmo com raiva.

Sehun lembrou daquela frase que tinha ouvido na aula uma vez, aquela de um poeta moderno americano com fama de rabugento, e aquilo nunca havia feito mais sentido antes: “O amor quebra os meus ossos e eu rio”.

Sehun não entendia bem o que era amor e compreendia muito menos a si mesmo, mas fazia certo sentido. Sentido até demais.

Sentiu que ia morrer quando Baekhyun começou a cantar baixinho, acompanhando a música que despendia do instrumento.

Uma chuva fraca caía. Estavam num parque da cidade. Flores faziam parte do cenário, como sempre.

Foi no aniversário de dezesseis anos de Sehun que o primeiro beijo aconteceu. Baekhyun tomou a iniciativa e mostrou-se assustado e arrependido logo depois. Começou a sussurrar pedidos de desculpa sôfregos e parecia que iria chorar a qualquer momento, o que fez com que Sehun tomasse uma iniciativa pela primeira vez: beijou-o. O mais baixo pareceu chocado por alguns segundos, mas logo retornou o gesto desajeitado. A partir daí não houve apenas o terceiro e quarto beijo, mas também o quinto e mais alguns.

Foi macio e confuso. Tinha um gosto e trazia uma sensação que nenhum dos dois conhecia até então. Saber que as vontades eram recíprocas foi um momento importante ambos e acima de tudo os aliviou.

Um pouco mais tarde, deitados na grama e observando o céu, com estrelas refletindo nos olhos de ambos, eles podiam jurar que nunca haviam se sentido tão completos. O momento trazia uma estranheza boa. Parecia certo. Sabiam que era certo.

Era outono quando Sehun e Baekhyun resolveram acampar perto da cidade em que moravam. O vale era vasto e bonito. Montaram a barraca e organizaram suas coisas.

Observaram o pôr-do-sol daquela perspectiva surreal, contemplando a imensidão do céu e de todas as coisas por alguns instantes. A imensidão do que sentiam quando se olhavam. Baekhyun apoiou sua cabeça do ombro de Sehun, logo depois virando-a para que seu rosto se afundasse no pescoço do mais novo. Respirou fundo.

Após algumas horas regadas de conversas, toques e sorrisos, Sehun tirou da mochila algumas garrafas que havia roubado do estoque do pai. Bebidas alcoólicas. Baekhyun achou graça, principalmente ao notar o brilho travesso que cintilava nos olhos do mais alto.

Logo estavam sentados ao lado da fogueira que haviam preparado arduamente, garrafas os rodeando. O celular de Sehun tocava uma música antiga.

Baekhyun sugeriu que começassem pelas bebidas que tinham fama de serem mais leves e Sehun concordou. Não esperavam que depois de meia garrafa já fossem ficar um pouco alterados, mas não se importaram muito. Beberam mais e mais das outras bebidas. Baekhyun riu escandaloso ao ver a expressão de Sehun bebendo seu primeiro gole de vodca e Sehun gargalhou alto ao ver Baekhyun falando besteiras e dançando engraçado.

Riram, riram e riram, riram sons que ecoaram na floresta naquela noite estrelada, muito parecida com a noite em que eles haviam se beijado pela primeira vez. Tudo parecia poético por alguns segundos. Talvez fosse o efeito da bebida, mas poderia também ser efeito do que a presença de um causava no outro. Tinham dezessete anos, mas se sentiam a plenitude e experiência de trezentos quando estavam juntos.

Rodopiavam bêbados ao som da música brega. Sehun sentia-se completo. Imaginava que não ia sentir-se tão completo pela manhã, quando acordasse com uma primeira ressaca cruel, mas relevou. Estava feliz por ter tido outra primeira vez com Baekhyun.

Baekhyun desenvolvia mais e mais coragem para tocar Sehun. O mais alto era quem mais ficava nervoso,  às vezes se enrolava no meio de beijos inexperientes e mãos emaranhadas, fazendo Baekhyun rir alto. Rolavam fazendo cócegas um no outro, brincalhões. Inegavelmente felizes.

Eram felizes quando Baekhyun depositava carinhos por todo o rosto de Sehun e eram felizes quando o mais alto engolia a timidez, tirava a blusa de Baekhyun e trilhava um caminho de beijos desde o umbigo de Baekhyun até seu pescoço.

Pra eles, naquelas horas, não existia nada de errado no mundo. Tudo que havia eram as sensações e cheiros, os pequenos e sôfregos sons que emitiam, mãos em pele e pele em mãos, apertos, saliva, às vezes se esbarrando e rindo logo em seguida. Em alguns dias o que invadia o quarto eram raios de sol através das cortinas, em outros era o barulho da chuva, em outros os tons da neve.

Eram felizes quando se abraçavam e quando gargalhavam juntos. Eram felizes quando apenas se olhavam, sonhadores. Eram felizes quando as pernas se entrelaçavam debaixo dos cobertores nos dias frios.

Eram felizes, felizes, felizes, e cada pedaço desses momentos viveria pra sempre com os dois. Tudo que é bom, apesar de passar, nunca nos deixa. Não de verdade. Se torna parte de cada um de nós, e Sehun e Baekhyun tinham certeza quando reparavam o quanto do outro tinham em si mesmos. Sempre estaria neles, não importava as circunstâncias.

Era verdadeiro demais para ir embora.

Ainda faziam, e com frequência, a maior parte das coisas que faziam quando eram menores. Banhavam-se no rio, visitavam pequenas padarias e sorveterias, assistiam filmes aleatórios excessivamente, sonhavam sobre tudo que fariam quando fossem pra faculdade na capital, brincavam com os gatos e cachorros no abrigo da cidade, pesquisavam sobre viagens e cruzeiros possíveis num futuro distante, comiam as comidas de suas mães e iam à praia com a de Sehun, frequentavam a tediosa rotina escolar, liam livros num silêncio mútuo e ajudavam a família de Baekhyun a catalogar as flores em sua velha floricultura.

Nada havia mudado. Ainda eram os mesmos Sehun e Baekhyun de antes, o que os fazia pensar que, talvez, sempre se amaram do mesmo jeitinho que se amavam naquele momento. Que era desde sempre e pra todo, todo sempre. Algo intrínseco, inevitável. Do destino, mesmo que isso fizesse Sehun franzir a testa por não gostar de orações irredutíveis.

Gargalhavam de pequenas coisas e andavam com as mãos entrelaçadas. Se alguém os olhava com curiosidade ou desconforto, nunca perceberam.

Nevava.

Às vezes Sehun ficava triste. Irreversivelmente triste. Baekhyun tentava animá-lo com seu charme usual, mas sabia antes mesmo de tentar que não iria dar certo. Também sabia que sequer poder ficar perto de Sehun nesses momentos é mais do que poderia pedir, sabia que era a única pessoa que o mais novo suportava por perto nesses momentos, mas tudo em que conseguia pensar era em como tiraria toda e qualquer dor de Sehun e tomaria para si se pudesse. Sem hesitação.

Aprendeu com Sehun naquele dia que há feridas em cada um de nós que nem mesmo nossas mãos favoritas são capazes de alcançar.

“Ela vai ficar bem”, Baekhyun sussurrava, mas Sehun sabia que não era verdade. Sabia que o estado de sua mãe não era tratável e que iria enfrentar o luto em breve.

De fato enfrentou.

O enterro, uma semana depois, foi silencioso. Não havia padre. Sua mãe não era religiosa e, pela primeira vez, isso não chateou-o. Pela primeira vez ele aceitou que talvez Deus não fosse tão real como sua avó dizia. Que algumas pessoas se apegam a histórias que envolvem seres místicos porque parecem ser uma versão mais romântica e esperançosa da realidade, porque respondem às perguntas complicadas, porque dão sentido às coisas. As pessoas são desesperadas, querem acreditar em alguma coisa, querem depender de algo. Sehun entendia, realmente entendia, e até mesmo admirava quem era capaz de confiar cegamente num suposto senso de justiça, mas decidiu a partir daquele dia que não acreditava.

Estava sentindo-se fora de seu próprio corpo, mas a mão do mais velho apertando a sua e seu olhar preocupado, singelo e fixo no rosto de Sehun ancoraram o mais alto naquela tarde nublada. O trouxeram de volta à realidade.

 Sehun tentou respirar fundo e percebeu que estava soluçando. Ninguém além dele soluçava, poucas pessoas sequer choravam, mas as lágrimas sofridas derramando pelas bochechas de Baekhyun o impediam de se sentir sozinho.

Sehun se perguntava como alguém podia ser tão surreal a ponto de nunca tê-lo feito sentir-se sozinho.

Baekhyun, o garoto que, naquele momento, queria tocá-lo e acalmá-lo. Dizer-lhe que mesmo se todo mundo fosse embora, se todo mundo abandonasse todo mundo, ele não abandonaria Sehun.

Optou pelo silêncio.

Era outono.

Baekhyun foi o orador da classe na formatura. Mesmo que passasse tempo demais com Sehun, havia cultivado amizades com outras pessoas, além de falar bem e sempre ter se mostrado carismático.

Sehun observou Baekhyun discursar com um sorriso gigantesco em seu rosto e orgulho. Era um típico discurso sobre como as aulas, professores e vida escolar deixariam saudades, tudo soando muito mais especial vindo da boca de Baekhyun. Sehun não esperava que fosse ser mencionado em momento algum, e de fato não foi, até porque um garoto com outro garoto não seria visto com bons olhos por ninguém dali, mas Baekhyun finalizou seu discurso de modo certeiro:

“Eu te amo”,  foi o que ele disse, não tão audível quanto o restante de suas palavras até aquele momento, mas o bastante para que Sehun lesse seus lábios com clareza e sentisse seu coração derreter enquanto o mais baixo olhava-o diretamente. Olhando com aquele olhar tão cheio de um amor que Sehun sabia que não merecia, e sabia também que era algo maior que eles dois. Sublime.

Queria chorar. Baekhyun o sobrecarregava com tantos sentimentos que ele sentia que ia explodir, e sua mãe não estava mais ali, seu pai havia pegado no sono nas cadeiras do fundo da cerimônia, sua avó havia morrido há seis anos, todos sempre pareceram ter pena dele e era tudo muito difícil. A vida era difícil. Mesmo com tudo isso, Baekhyun conseguia fazê-lo se sentir a pessoa mais importante que existia.

Quando o outro enxergou suas lágrimas sutis e que rolavam meio mornas, deu um sorriso sem mostrar os dentes. Baekhyun raramente sorria assim, seus sorrisos tendiam a ser abertos, fáceis, de dentes alinhados e bondade. Aquele era um sorriso especial. Era um sorriso sério, um sorriso definitivo, um sorriso que dizia que ele estava ali e que não iria embora.

Eram momentos como aquele que faziam Sehun sentir que talvez fosse realmente especial. Pelo menos um pouquinho, pelo menos pra alguém, e era isso que importava, mesmo diante da imensidão dos países, das pessoas, dos planetas, das galáxias e de todas as coisas mais.

Sehun havia lido uma vez que nenhum final é realmente feliz, porque sempre vem algo depois do fim de cada história. As coisas pioram ou melhoram e daí você morre. É como as coisas funcionam. Não sabia como havia encontrado seu final incerto de um jeito tão milagroso, não sabia o que tinha feito de tão maravilhoso em vidas passadas pra achar alguém que constantemente o salvasse e vice-versa. Mas havia acontecido.

Faria qualquer coisa por ele. Desde o dia em que se conheceram.

Talvez esse sempre tenha sido seu maior defeito.

Não sabia ao certo se foram as horas na floricultura dos Byun, o refúgio na escola, as comidas divididas, os silêncios partilhados, os jardins coloridos tão comuns naquela cidade, as brincadeiras, os passeios de bicicleta, o rádio velho, o piano, os dias cheios de flores, os beijos sinceros e ingênuos, o toque atrapalhado e quente das peles, os sorrisos ou o aroma floral que eternamente pairava sobre os dois, mas Sehun tinha certeza que, com Baekhyun, havia aprendido que a linguagem das flores era universal, e que também era a melhor coisa que alguém já havia o ensinado.

 


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