Under Stars escrita por Pirate Queen


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Olá, bem vindo ao primeiro e último capítulo da minha fanfic.
Espero que goste :)



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A bola de basquete quicava agressivamente no chão do ginásio. O garoto corria como se driblasse jogadores invisíveis. Seus olhos queimavam determinados, seus membros concentrados em passar a bola agilmente de uma mão para outra. Se preparou para a cesta de três pontos, seus pés fincaram-se no chão para em seguida impulsionarem seu corpo com toda força em um pulo. Esticou os braços e...

— DRAGNELL! – Uma voz gritou, assustando o jovem. No momento em que a bola deixava seus dedos, sentiu seu corpo retesar-se, fazendo-a seguir uma trajetória torta, atingindo agressivamente a trave da cesta. Receoso, virou-se, já reconhecendo a voz que o chamara. Gildarts estava parado no lado oposto da quadra, encarando-o irritadiço. – Por acaso sabe que horas são?

— Sei, eu s- Natsu tentou responder, mas foi imediatamente cortado.

— Já são 18:30, Dragnell, 18:32 para ser preciso. Caso não tenha percebido todo o seu time foi embora há meia hora atrás. Eu me pergunto o que esse seu cabelo ridículo ainda está fazendo no meu ginásio? – Gildarts caminhava em sua direção, expressando um sorriso sarcástico. Natsu bufou.

— Eu queria treinar um pouco mais hoje. – Respondeu, passando a mão por seus fios de cabelo rosados.

— É uma pena, moleque, eu quero ir para casa. Mete o pé. – Disse, apontando para a saída atrás de si com seu braço direito. O olhar de Natsu desceu para a lateral do corpo do treinador. Ele usava um casaco azul marinho, mas uma de suas mangas balançava sem vida com seus movimentos, dada a ausência de seu braço esquerdo.

— Eu só vou ficar mais meia hora. – Pediu, voltando a olhar o rosto de Gildarts. Não queria voltar para casa, não ainda.

— Você conhece as regras. Time dispensado: mais ninguém fica na quadra. Até amanhã. – Falou, dando meia volta e seguindo de onde tinha vindo.

— Por favor. – O garoto pediu, e o treinador interrompeu seu percurso, surpreso. Não era de seu fetio pedir educadamente por qualquer coisa. Virou-se, analisando-o. Gildarts conhecia Natsu desde que o garoto sequer alcançava sua cintura. O conhecia há tempo o suficiente para notar algo de diferente em sua face. Havia algo de errado, e ele já podia imaginar o que era.

— Igneel? – Perguntou, e o rosto do menino tornou-se sério, mostrando que havia acertado. Quando o garoto parecia incomodado com algo, quase sempre era o velho assunto que perturbava sua mente.

— Por favor. – Natsu insistiu e Gildarts sabia que ele não iria lhe contar nenhum detalhe. Suspirou, preocupado, alcançando um molho de chaves em seu bolso e arremessando-o para o garoto.

— Meia hora apenas. Guarde e tranque tudo quando sair. Se amanhã eu chegar e algum material estiver faltando, você vai passar uma semana sem pisar nessa quadra. – Disse em um tom subitamente rígido.

— Sim, senhor. – Natsu respondeu e seu semblante sério fez Gildarts conter um sorriso. Eram em ocasiões raras que o moleque exibia um comportamento inflexível daqueles, o que destoava de sua personalidade.

— Se cuida. – Ele disse, deixando o ginásio.

Natsu permaneceu em pé onde estava por longos segundos até se mover para alcançar uma das várias bolas que estavam espalhadas pelo chão lustroso. Normalmente todos arrumavam juntos o espaço antes de irem embora. Contudo seus companheiros perceberam que ele estava particularmente quieto e concentrado naquela tarde, e acharam melhor apenas deixar o garoto imerso em seus pensamentos.

Fez um arremesso, que formou uma parábola perfeita até a cesta. E depois outro. E outro. Pensou em Gildarts, o homem que, mesmo não tendo um dos braços, ele nunca nem chegou perto de derrotar no basquete. Deu um sorriso, lembrando de quando era apenas uma criança e desafiava-o para partidas, não se intimidando pelo fato dele ser um jogador profissional. Seu sorriso morreu. Ou costumava ser, até o dia em que um acidente de carro o obrigou a encerrar sua carreira. Mas mesmo tendo seu braço amputado, Gildarts em momento algum deixou de ser forte, mantendo-se inabalável mesmo naquela situação extrema. Por esse e outros motivos ele era alguém pelo qual Natsu cultivava muito respeito.

Ele sentiu que sua mente estava voltando a pensar em assuntos que ele mais queria era esquecer naquele momento. Começou a quicar uma bola furiosamente e simplesmente começou a correr. Corria porque não queria pensar em Igneel. Corria porque não conseguia não pensar em Igneel, quem, apesar de não compartilhar do mesmo sangue, era o único que fez parte de sua vida que ele podia chamar de pai.

Parou subitamente, sentindo seu suor pingando. Respirando pesado, encarou o relógio pendurado em uma das paredes do ginásio, vendo que já eram quase sete horas. Suspirou e decidiu juntar as coisas para ir embora, pois já tinha percebido que treinar sozinho não o distrairia tão facilmente quanto pensava. Empurrou o carrinho para o centro da quadra, arremessando as bolas que estavam espalhadas para dentro dele, como costumavam fazer para dinamizar o processo de organização. Em seguida pegou um esfregão e, correndo, deslizou-o por toda a superfície do chão. Não caprichou muito, afinal não era dos melhores no quesito limpeza.

Depois de guardar todo o material e fechar a despensa, ele rapidamente secou seu corpo com uma toalha que trazia em sua mochila. Trocou de roupa ali mesmo, o que ele sempre achava mais prático, mas Gildarts puxava sua orelha para que usasse o vestiário como todos os outros. Digamos que semancol não era algo que Natsu tinha de sobra. Vestiu seu uniforme e enrolou seu querido cachecol no pescoço. Aproximou o tecido do nariz e sentiu cheiro de queimado, lembrando novamente de Igneel. Apertou-o com força e caminhou para a saída, por pouco não esquecendo de desligar os interruptores, inundando o local com escuridão.

Ele seguiu pelo caminho ladeado de arbustos que dava em encontro com a área restante da escola até que parou. Encostada nas plantas havia uma bola de basquete. Ele sentiu o sangue subir na sua cabeça. Aquilo acontecia com certa frequência, durante os treinos uma bola ou outra ia parar do lado de fora. Alguém sempre verificava antes que eles guardassem tudo, mas ele se esqueceu daquele detalhe. Pegou a bola e bufou. Olhou por cima do ombro para o ginásio escuro e foi dominado pela preguiça. Se sentindo muito esperto, ele decidiu levar a bola consigo e devolver amanhã. Apenas porque não queria voltar para onde estava e guardá-la em seu devido lugar. Assim, ele prosseguiu caminhando rapidamente, quicando a bola no chão.

Andando mais um pouco ele alcançou o pátio da escola, uma área no centro de um prédio de dois andares em formato de U. Parou, esticando seus ombros rígidos e olhou para cima. Sua cidade, Magnólia, era pequena, só possuindo prédios pequenos, suficientes para comportarem sua também pequena população. A ausência das intensas luzes da cidade permitiam que o céu se exibisse sempre estrelado. Mas ele estava particularmente bonito naquela noite, a lua estava cheia e emanava um brilho intenso o suficiente para iluminar o pátio sem a necessidade de lâmpadas.

Aquilo o irritou profundamente. Aquele era um dia fatídico que apenas despertava suas memórias mais conflituosas. Queria que tudo fosse cinza para combinar com seus sentimentos, mas ao invés disso a noite era esplendorosa, sentia como se os astros estivessem tirando com a sua cara. Ele rosnou e, bruscamente, atirou a bola para cima com todas as suas forças,  mirando no centro da lua. Sim, ele tentou dar uma bolada na lua.

Seu corpo cambaleou, dada a força que colocou no movimento, mas ele rapidamente se ajeitou, esticando os braços para apanhar a bola. Mas ela não veio. Na verdade, ele ouviu um ruído estridente vindo do telhado do prédio. Demorou dois segundos para entender que ele não só tinha isolado a bola, mas que aparentemente tinha quebrado algo no processo.

Deu um grito frustrado, sentindo a urgência de socar alguma coisa. O seu instinto extremamente despreocupado lhe faria ignorar sua bagunça como se nada tivesse acontecido para muito provavelmente arcar com as consequências mais tarde. Mas o seu cérebro ecoou a ameaça de Gildarts:  ”Se amanhã eu chegar e algum material estiver faltando, você vai passar uma semana sem pisar nessa quadra". Ele estremeceu ao pensar na possibilidade, Natsu era viciado no esporte, ser suspenso dos treinos seria tortura. E se descobrissem ainda que ele tivesse quebrado qualquer artefato da escola, talvez essa suspensão pudesse se agravar.

Resmungando para si mesmo ele se dirigiu para o prédio, se sentindo um grande idiota por não ter guardado a bola no ginásio onde ela pertencia. Marchou pelos corredores desertos e subiu vários lotes de escadas até o terraço. A porta sempre permanecia fechada, mas Natsu se surpreendeu ao encontrá-la encostada, com as chaves na fechadura. Abriu-a, sentindo uma brisa agitar seu cabelo. Já tinha ido ali algumas vezes, de vez em quando os professores deixavam os alunos almoçarem ali ou passarem os intervalos. Era um espaço amplo de concreto com alguns bancos, também de concreto, com um parapeito metálico cercando sua beirada.

Mas o cenário estava um pouco diferente do que ele se lembrava. Havia ali uma mesa cheia de papéis e em cima de uma cadeira diversos livros estavam empilhados. Uma segunda cadeira se encontrava no chão, os livros que deviam estar em cima dela se encontravam espalhados no chão. Ao lado da bagunça uma garota se encontrava ajoelhada, juntando nervosamente papéis que quase saiam voando. Ao notar sua bola de basquete encostada em uma enciclopédia, Natsu engoliu em seco ao entender que provavelmente aquela bagunça era culpa dele.

 Ele ficou parado desconfortável por alguns segundos até pigarrear, chamando a atenção da moça. Ela deu um pulo, se assustando, e se virou. Nesse momento ele a reconheceu, cabelos loiros e grandes olhos castanhos. Lucy Heartfilia. Era a garota da turma 3C que todos falavam. Era bonita mas parecia sempre se manter nas sombras, provavelmente por conta dos boatos sobre sua família que circulavam nas redondezas. Na Magnólia as notícias corriam rápido e era impossível não ouvir quando algo estourava, mas Natsu não podia ligar menos para fofocas, uma vez que ele próprio já foi alvo delas por muito tempo. Ele detestava mentiras e sabia que as histórias que passavam pelos corredores da escola não tinham fontes nada confiáveis, muitas vezes sendo manipuladas por pessoas maldosas.

Natsu se assustou quando o rosto da garota passou de doce para irritado em meio segundo:

— Foi você, né? - Ela acusou em um tom um tanto ácido. Ele piscou, confuso. Quando abriu a boca ela se levantou e arremessou a bola na direção do outro. A sorte foi que o menino estava mais do que acostumado com aquele tipo de passe, porque ela jogou com uma firmeza que o deixou surpreso. - Uma bola de basquete apareceu como um meteoro. É claro, quem mais podia ter sido o responsável? - Disse, irônica. Ele abriu a boca, sentindo a cabeça esquentar com o tom de voz da garota, mas a fechou logo em seguida ao se dar conta que quem tinha feito besteira tinha sido ele.

— Desculpe, foi um acidente. - Disse a contragosto. Mesmo quando sabia que a culpa era dele, Natsu era alguém que tinha dificuldades em se desculpar. Os olhos dela se espremeram, desconfiados, mas ela suspirou, deixando de lado sua postura autoritária.

Ela conhecia Natsu. Afinal, todos da escola o conheciam. Nos colégios da Magnólia, a forma de se destacar e ganhar certa popularidade era através dos esportes, de forma que aquele rapaz não podia ficar de fora dos holofotes. Era a estrela do basquete, havia levado o time da Fairy Tail para a vitória no torneio interescolar do ano passado, e as apostas para que ganhassem novamente naquele ano eram altas. A escola desde sempre incentivou as atividades de seus alunos nos clubes, principalmente as esportivas. Por isso, muitos jovens ingressavam pensando nos times fortes que o colégio havia construído com o passar dos anos. Dessa forma, o lugar pipocava com alunos talentosos que faturavam medalhas e mais medalhas em nome da Fairy Tail.

Natsu costumava andar com Gray Fullbuster e Erza Scarlet, que também eram atletas prodígio. Gray se destacava na natação e todos já estavam acostumados em vê-lo desfilando pelos corredores apenas de sunga. A própria escola tinha desistido de chamar a atenção do garoto, que caminhava por aí descontraído, como se não estivesse semi nu. Erza foi a primeira mulher que precisou ser transferida para o time masculino de judô, por derrotar com facilidade todas as garotas do feminino. Apesar de que diziam que a mudança foi desnecessária, uma vez que ela continuava uma fera impossível de derrotar independente do gênero do adversário.

Lucy não era da mesma turma que Natsu, mas o rapaz tinha fama por seu comportamento explosivo e imprevisível. Ela tinha presenciado diversas brigas dele com Gray nos corredores. Mas, apesar de suas discussões diárias, eles pareciam ser grandes amigos, o que a garota não conseguia entender muito bem. Talvez fosse graças à Erza, que aparecia para puxar a orelha de cada um e colocá-los em seus devidos lugares. Era rotina que eles acabassem quebrando uma janela ou perseguindo um ao outro jogando cadeiras. Mas mesmo com essa personalidade impulsiva Lucy sabia que ele não teria jogado uma bola para bagunçar suas coisas propositalmente.

— Tudo bem. Você não fez de propósito. - Ela disse e continuou olhando para o garoto, esperando que ele desse meia volta e fosse embora, mas ele continuou ali, parado no mesmo lugar. Por mais estúpido que pareça, aquilo acalmou Natsu. Não eram em muitos momentos do seu cotidiano que as pessoas eram compreensivas com ele. Ele esperava que ela continuasse irritada e não aceitasse suas desculpas, acusando-o de ser desleixado. No geral, todos estavam sempre esperando que ele fizesse alguma merda para agirem de forma impaciente, com punições já a postos. Mas, no final das contas, às vezes a melhor forma de lidar com alguém muito agitado é da forma mais calma possível.  

Ele caminhou em sua direção, com a bola de basquete debaixo do braço:

— Deixa que eu te ajudo a arrumar isso. - Natsu disse e, sem esperar uma resposta, levantou a cadeira que estava caída e começou a colocar os livros em cima dela. Lucy ficou tão surpresa com a atitude que ficou em pé estupidamente ao lado do garoto agachado.

— Ah, não precisa. - Ela balbuciou, também de abaixando.

— Eu que derrubei tudo, o mínimo que eu posso fazer é catar. - Respondeu, encarando-a e abrindo um grande sorriso. Lucy sentiu seu rosto ficar vermelho. Como ele conseguia olhá-la nos olhos daquele jeito sem nenhum pudor? Não pôde deixar de desviar o olhar nervosamente. Ela apenas assentiu e continuou a juntar os papéis que juntava antes. O silêncio era um desconforto para ela, mas pensava que puxar algum assunto talvez fosse ainda pior. Por sorte, ou azar, Natsu era do tipo que falava sobre qualquer coisa, então ele logo perguntou. - Mas então, Lucy, o que você faz na escola tarde assim?

— Ah, eu vou observar o eclipse. - Respondeu, surpresa por ele saber seu nome.

— Eclipse? - Perguntou, interrompendo sua organização.

— Sim, vai ser um eclipse lunar. Quando forma uma sombra na lua, sabe? - Respondeu e ele assentiu.

— É, acho que eu já vi algo assim quando era pequeno. - Comentou, pensativo.

— É possível, eclipses lunares são comuns de certa forma. - Concordou.

— Mas o velhote te deixa ter acesso ao terraço tarde da noite assim? - Indagou, lembrando que o lugar se encontrava trancado com exceção de quando algum professor os permitia subirem. Ela imaginou que ao dizer "velhote" ele se referia ao Makarov, diretor da escola.

— O clube de astronomia tem as chaves do terraço para fazer observações. E, em ocasiões mais especiais, como hoje, Makarov nos deixa ficar na escola até mais tarde. - Ela explicou, alinhando as folhas que tinha em mãos.

— Uau, não sabia que nós tínhamos clube de astrologia. Vocês conversam sobre signos e esse tipo de coisa? - Ele perguntou e ela deu uma risada, já acostumada com aquele tipo de confusão.

— Astronomia, não astrologia. Nós estudamos os astros. Tipo planetas e estrelas. Essas coisas lá de cima. - Simplificou.

— Ahhhhh, então você é uma nerd? - Natsu perguntou inocentemente, sem perceber a conotação ofensiva de sua pergunta.  Ela sentiu seu rosto corar violentamente, e abriu a boca, pronta para negar, mas a fechou em seguida.

— Bem, sim. Sou sim, algum problema? - Respondeu, com orgulho. Quando era criança tinha oprimido seu fascínio pelo céu por ter sido alvo de chacota. Mas enquanto foi crescendo, percebeu que não tinha do que se envergonhar, até porque toda pessoa tem interesse em algum assunto.

— Nenhum, acho super maneiro. - Disse, fazendo com que o rosto da garota ficasse ainda mais vermelho. Ele terminou de empilhar o último livro e notou que todos eles tinham a ver com corpos celestes ou fenômenos do espaço. - Mas só tem você no clube? Pensei que quando isso acontecia o clube era fechado.

— Na verdade não. É que as outras garotas não puderam vir hoje. - Explicou.

— Aquela baixinha de cabelo azul que anda com você faz parte do clube? - Perguntou e ela de novo se surpreendeu. Nunca imaginava que Natsu sequer soubesse quem ela era, muito menos que a notaria ao ponto de saber da sua melhor amiga.

— Sim, na verdade somos só eu e ela, a Levy. Normalmente eu não ficaria até tarde assim sozinha, mas como eu não queria perder o eclipse eu preferi ficar de qualquer jeito. - Lucy disse e ele assentiu. O clube de astronomia esteve prestes a acabar, mas Levy saiu do clube de leitura apenas para que a atividade tão querida de sua melhor amiga não se extinguisse. De tanto ouvir sobre constelações, ela própria começou a ter interesse pelo assunto, de forma que sair do clube de leitura acabou não sendo um sacrifício.

— Entendi. Mas agora você não está mais sozinha. - Ele sorriu e ela retribui com um sorriso tímido.

—  Você não tem porque ficar. Já me ajudou a arrumar tudo, viu? Não precisa se preocupar, o eclipse é rápido. Depois eu vou embora.

— Ah, mas eu quero ficar. Eu quero ver esse tal de eclipse. Não queria ir para casa, eu só saí do treino porque o Gildarts não deixou que eu ficasse muito mais. - Disse, e logo se corrigiu. - A menos que você prefira ficar sozinha, eu não quero me intrometer nesses seus assuntos de alienígenas.

— Ah, não! Você pode ficar! - Lucy exclamou e enrubesceu ao notar que falou alto demais. - Q-quer dizer, eu não me imp- Ia se corrigindo mas ele a interrompeu, sem se importar com a súbita exclamação dela.

— Ah, beleza, vamos ficar juntos então! - Afirmou sorridente e ela não pôde deixar de sorrir também. Ele se virou para a pilha de livros. - Eu não estraguei nada, certo? Porque se eu tiver rasgado alguma coisa eu posso dar algum dinheiro para você ajeitar.

— Não, não. Por um momento eu pensei que a bola tivesse quebrado o meu telescópio, mas assim que ele caiu eu corri para levantá-lo. Eu verifiquei e ele não está desregulado nem na-

— Telescópio? - Ele interrompeu, sem entender do que ela falava. Lucy piscou.

— Sim, oras. O telescópio. - Ela apontou e só naquele momento ele notou o telescópio prateado que estava próximo do parapeito, apontando para o céu. Ele deu um grito maravilhado.

— Uaaaaaaaaau, que irado! - Ele exclamou, correndo para o telescópio e imediatamente colocando o olho no buscador. Lucy se admirou, ele realmente parecia uma criança. Natsu subitamente recuou, voltando seus olhos para ela. - Pera, minha bola estragou ele?

— Não, relaxa, foi só um susto. Ela veio voando do nada e bateu no telescópio e depois derrubou todos os livros. Mas como eu ia dizendo eu verifiquei e está tudo em ordem. - Ela explicou, dando um joinha.

— Ah, que bom. - Falou, aliviado. - O eclipse vai demorar muito para começar?

— Bem, não tem um horário muito preciso, mas não deve demorar. - Lucy respondeu, olhando o relógio em seu pulso.

— Eu não sabia que essas coisas tinham data, pensei que elas só "puff" acontecessem. - Natsu disse e ela sorriu. O jeito de se expressar dele era meio singular. Seu tom de voz era um tanto alto e ele não parecia se preocupar em pensar muito antes de falar qualquer coisa. Além dessa espontaneidade, cada uma de suas sentenças vinha com uma alta dose de empolgação, Lucy não podia parar de compará-lo com uma criança.

— Na verdade esses fenômenos podem ser calculados com anos de antecedência. Dá pra prever a data e também a região terrestre em que ele vai acontecer.

— Wah, você realmente é uma nerdzona, Lucy. - Ele disse, abismado, mas dessa vez ao invés de sentir raiva ela riu. Lucy entendeu que qualquer frase que falasse, por mais básica que fosse, desde que contivesse conhecimentos de astronomia, impressionaria o garoto. Vendo o interesse de Natsu, ela continuou a explicar.

— Às vezes os eclipses acontecem do outro lado do planeta. No ano passado aconteceu um que foi visível das Américas, Europa e África. Por acaso um caiou de acontecer no Japão, no dia 07/07. - Ela falou animada e subitamente o sorriso de Natsu se esvaiu. Os olhos dele ficaram escuros e Lucy percebeu dor dentro deles. Ela reconheceu porque seus olhos tinham tido aquele aspecto por muito tempo. - Eu disse algo de errado? - Perguntou, preocupada. Ele fechou os olhos e massageou a própria nuca, se movimentando, inquieto.

—  Não, a culpa não foi sua. Eu só lembrei de uma coisa. - Ele respondeu, seu tom de voz se reduzindo pela metade. Lucy sentiu um aperto no coração, vê-lo daquele jeito era como ver a chama de uma vela apagando. Ela o observou por alguns instantes e, de repente, tudo se encaixou. Natsu sozinho na escola até um horário excessivamente tarde, ele dizendo que não queria voltar para casa. Sete de julho.

— Seu pai. - Ela disse e cobriu a própria boca em seguida. A expressão dolorida no rosto dele sugeriu que era exatamente aquilo. - Me desculpe, eu não quis dizer isso, não sei o que estava pensando... - Natsu olhou seus olhos. Eram castanhos e acolhedores, não eram olhos de pena, e sim de empatia. Ele sentiu que era daquilo que precisava.

— Tudo bem, Lucy. Já estou acostumado com todo mundo sabendo do meu passado. - Ele falou, e era verdade, todos conheciam a trágica história. Lucy era apenas uma criança quando aconteceu, mas ela se lembrava da fumaça preta que contaminou o céu da Magnólia naquele entardecer. Se lembrava de passar em frente à uma casa carbonizada e de ouvir a história do homem que sacrificou a própria vida para que seu filho sobrevivesse ao incêndio. Várias vezes tinham apontado para ela o cachecol que Natsu usava, contando que seu pai o tinha utilizado para que não sufocasse com a fumaça tóxica no dia do acidente. Ela olhou o rapaz que ele havia se tornado e percebeu que por dentro daquela personalidade infantil e um pouco problemática havia uma fragilidade disfarçada.    

— Eu sei como você se sente. - Lucy disse e estava sendo sincera. Natsu conseguia ver que ela estava sendo honesta e isso apenas incitou sua curiosidade. Tantos eram os boatos sobre aquela garota que ele não fazia ideia do que era verídico. E ele se deu conta que a melhor forma de descobrir era perguntando, não para seus amigos, mas para a vítima das fofocas que estava parada na sua frente. Apoiou os braços no parapeito e olhou direto em seus olhos.

— O que exatamente aconteceu com a sua mãe, afinal? - Perguntou na lata e Lucy não pareceu se surpreender nada com a questão. Pelo contrário, ela abriu um pequeno sorriso.

Ela achava graça de como adolescentes eram criativos. Após uma década do falecimento de sua mãe as pessoas da escola continuavam a se indagar o que havia acontecido com Layla Heartfilia. Partiam do princípio de que se uma família magnata como a de Lucy tivesse mantido a morte de sua mãe tão discreta era porque tinham algo a esconder.  E Lucy já tinha ouvido as sugestões mais bizarras: sua mãe foi sequestrada e a assassinada quando seu pai se recusou a pagar a quantidade exorbitante de dinheiro, ou que Jude Heartfilia tinha pirado na batatinha e agrediu Layla de forma fatal, ou até mesmo que ela tinha cometido suicídio e seu pai a desprezava por isso. É claro que por muito tempo Lucy se sentia profundamente ofendida com essas teorias, mas percebeu que provavelmente sua mãe acharia graça delas. Assim, passou a rir dos boatos ridículos.

— Os pulmões dela começaram a falhar e ela morreu. - Respondeu simplesmente, se aproximando do garoto no parapeito.

Normalmente Lucy não teria contado. É claro que com esse grande mistério acerca de sua mãe, dezenas de pessoas já tinham perguntado para ela o que tinha acontecido. Primeiro seu pai a proibiu estritamente de falar detalhes do assunto na escola e, é claro, por vários anos a menção de Layla trazia imensa dor, sendo fácil manter seu silêncio. Mas, com o passar do tempo, ela superou sua perda e a insistência das pessoas começou a ser apenas um estorvo. Assim, ela iniciou um novo método: sempre que faziam a maldita pergunta ela dava uma resposta diferente. Foi apenas quando cinco pessoas a perguntaram e voltaram com respostas completamente distintas (leucemia, atropelamento, cirrose, alzheimer e parada cardíaca) que os alunos da Fairy Tail perceberam que ela estava tirando com a cara deles. Lucy ficou muito satisfeita quando a deixaram em paz.

Contudo, ela percebeu que Natsu estava tentando se conectar com ela de alguma forma. Era como se estivesse testando se podia confiar nela. E, por alguma razão, ela queria que ele confiasse, ao ponto de contar sem nem pestanejar um segredo que tinha partilhado apenas com Levy por dez anos.  

— É mesmo? Sinto muito. -Ele disse sinceramente, sem duvidar da veracidade da resposta. - Do jeito que as pessoas falam eu pensava que seu pai fosse o responsável. - Comentou, sem pensar duas vezes se iria incomodar a garota com suas indagações. Ela suspirou.

— Bem, ele não foi. Por muitos anos após a minha mãe ter morrido ele se tornou outra pessoa. Quando ela ainda estava aqui ele era extremamente carinhoso, bondoso até. - Natsu percebeu pelo pesar de sua expressão que era mais difícil falar sobre seu pai que estava vivo do que de sua mãe que já tinha partido. - Depois ele se tornou frio, muito frio. Ele me odiou por muito tempo, acho que por eu ser muito parecida com a minha mãe ou sei lá. Mas ele vem tentado se redimir. Não sei o que exatamente, mas algo o fez perceber que ele estava sendo um monstro e está tentando se aproximar novamente. Não me sinto muito confortável ainda, mas acho que a minha mãe ficaria feliz. Então estou tentando. - Ela disse, com o olhar distante. De repente Lucy sentiu seu corpo ser inundado de vergonha. - Desculpe, e-eu falei demais.

— Tenho certeza de que a sua mãe está feliz. - Ouviu ele dizer, e se virou para ele. A escuridão de seus olhos tinha desaparecido, agora suas orbes escuras brilhavam para ela.

— Obrigada. - Ela disse. - Também tenho certeza de que o seu pai está feliz. Não só feliz, ele deve estar orgulhoso de você, afinal você é a estrela do basquete na Fairy Tail. - Ele fechou os olhos.

— Acho que ele ficaria mais orgulhoso se ele estivesse aqui para me ver. - Ele respondeu, fazendo esforço para que sua voz não embargasse. Lucy sentiu seu coração apertar novamente. Colocou a sua mão em cima da do garoto que repousava no parapeito e deu um aperto com força. Ele abriu seus olhos úmidos e viu que ela o encarava com uma cara de determinação.

— Mas ele está te vendo. - Ela disse apontando para cima. - Seu pai, minha mãe. Todas as pessoas importantes que já foram embora são estrelas no céu e estão torcendo pela gente. - Lucy sorriu. Natsu piscou e sentiu sua vontade de chorar se esvaindo. Ele sorriu de volta.

— Entendo. Obrigado. - O garoto disse e olhou para o céu. A raiva que ele tinha pela noite estrelada estava enfraquecendo. Agora ele sentia como se as estrelas o protegessem.

Ela olhou para o céu também, inspirando o ar gelado. No mesmo instante, Lucy notou uma mancha escura se espalhando na lua. O eclipse tinha começado. Ela tinha preparado diversos livros e anotações sobre o fenômeno, até tinha arranjado uma câmera para fotografar os estágios da lua adentrando na sombra. Mas ela não conseguia se mexer. O momento parecia mágico, sua mão estava sob a pele gélida de Natsu e ela não ousava se mover.

— Uauuu, a lua está ficando vermelha! - Natsu exclamou. Quando a lua estava quase totalmente vermelha, Lucy fez algum esforço para se movimentar, e se aproximou do telescópio. Ela sorriu, sentindo uma imensa satisfação em ver o satélite se tingindo em um tom de laranja-chá. - Ah, me deixa ver também. - Ele disse se abaixando ao seu lado. Ela chegou o rosto para o lado, deixando-o ver.

— Sabe, isso é muito intrigante, porque é a junção de dois eventos, a Superlua, que é quando a lua está no seu ponto mais próximo da Terra, e o eclipse, que é quando a lua, o sol e a Terra estão em perfeito alinhamento. - Ela estava tão animada que só conseguia tagarelar os conhecimentos astronômicos. - A Terra está no meio, bloqueando a luz do sol, então está formando uma sombra na lua, entende? Na verdade o nome disso é Lua de Sangue e-  Ela olhou para o garoto, ao mesmo tempo que ele olhou para ela e foi com aquele contato visual que perceberam que seus rostos estavam a centímetros de distância. Rapidamente eles se afastaram, ficando em pé novamente. Olharam para a lua para disfarçarem seus rostos que queimavam.

Mas, da mesma forma que o eclipse aparece rapidamente, ele se vai rapidamente e em poucos minutos a lua já estava com o seu brilho prateado usual.  Eles ficaram parados nervosamente até Lucy indagar:

— Olha só, já se passaram 40 minutos! Você devia ir embora, já está tarde. - Ela disse, observando seu relógio. Natsu hesitou, sentia que queria ficar mais um pouco.

— Eu posso te ajudar a guardar essas coisas. - Ele respondeu, prontamente. Mas ela balançou a cabeça.

— Não se preocupe, eu só preciso colocar tudo dentro do armário, tem um carrinho dentro dele, em cinco minutos já está tudo guardado. - Sim, ela tinha adorado passar a noite com ele. Mas aquela aproximação súbita a tinha deixado nervosa, sentia que seu rosto ainda estava vermelho. Achava melhor que ele fosse embora.

Natsu fez um bico, sua mente estava conflituosa. Ele sabia que já estava na hora de ir embora. Mas ele pensava na manhã seguinte. Sentia que tinham dividido algo quase íntimo, que poderia confiar nela. Não queria que a garota seguisse a vida como se nada tivesse acontecido. Não, não podia deixar que isso acontecesse.

— Está frio. - Ele disse subitamente. Ela o olhou com uma interrogação na testa. - Você não está com frio? -Perguntou.

— Uh, sim, estou com frio. - Respondeu estupidamente.

—  Sabe, já é quase inverno. Os dias são ensolarados mas durante a noite faz essa friaca. Você não trouxe casaco? - Lucy estava tentando encontrar alguma linha de raciocínio mas não estava entendendo o que diabos o rapaz estava falando.

— Não, não trouxe. -Disse.

— Que perigo, Lucy! Você quer pegar um resfriado? Você não me dá outra escolha. - Ele se aproximou dela e, antes que ela pudesse sequer falar qualquer coisa, ele puxou o cachecol branco de si e amarrou de qualquer jeito em volta da cabeça da loira. A última coisa que ela pode processar foi a grande cicatriz de queimadura que o garoto tinha no pescoço antes que ele caminhasse até a porta do terraço. Quando estava quase a atravessando, ele parou e se virou para ela. - Cuide muito bem dele, não o tire por nada, viu? Amanhã você passa na minha turma e me devolve. Até amanhã, Lucy. - E, com um último sorriso, ele foi embora.

Ela ficou parada, sua boca entreaberta e o cachecol macio amarrado em sua cabeça da forma mais idiota possível.

— O que...? - Ela conseguiu balbuciar, ajeitando o tecido em volta do pescoço. Foi apenas quando sentiu o cheiro do garoto no cachecol que entendeu o que tinha acontecido e sentiu seu rosto ferver. - Ela olhou para cima, procurando a estrela mais brilhante do céu. - Aposto que você está rindo muito da minha cara agora. Mas olha, ele até que é bonitinho, né, mãe?  


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Notas finais do capítulo

Obrigada por ler a minha história, não esqueça de deixar um comentáriooo!
Até a próxima ♥


**caso tenham notado algum errinho ortográfico me avisem para que eu possa consertar**