A Desgracença da Buchada escrita por Kemelly Mello


Capítulo 7
CAPÍTULO VII – O SEXTO




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Enquanto a luta se iniciava no laboratório armadilha, em outro aposento um homem acomodado numa luxuosa poltrona, com uma coroa feita de chifres de bode e adornada com rubis, trajando um fino terno cinza, observava tudo a partir de um telão ao mesmo tempo em que acariciava sua espada, que exibia entalhada em sua empunhadura uma cabeça de cabra com olhos de rubi. No momento da queda de Liluth, o sujeito apanhou um microfone que estava encima de uma pequena mesa ao seu lado e ordenou:

— Se em quarenta minutos Merialeth não conseguir subjugar os vermes, capturar a jovem inventora e sair da sala, incinere o local.

*****

Liluth sentiu seu corpo sendo arrastado e, do chão, observou coturnos marchando em direção aos seus amigos, o que a fez despertar em questão de segundos e ativar um dispositivo anexado em sua perna presa, que liberou óleo a deixando escorregadia o bastante para se livrar do chicote. Ao se levantar, Merialeth tornou a lançar o chicote mirando a outra perna, mas Liluth acionou seu sapato especial agilizador, rumo ao seus companheiros que se encontravam cercados. Yanka estava mais enfurecida que nunca, derrubando até três inimigos de uma só vez, tentando se livrar dos peões o mais rápido possível para chegar até Merialeth. Os demais combinavam seus ataques: Shael atordoava por alguns segundos os oponentes com um gás liberado de pequenos orifícios das palmas de sua armadura (com alcance de aproximadamente dois metros), em seguida Neriom os acertava com uma marreta de metal aquecida em sua extremidade com onda térmica, para potencializar o dano (de pensar que antes usara uma panela como marreta! Tanto que exclamou de emoção um “Obrigado Liluth, sua linda!” enquanto golpeava) e, por fim, Taenya fatiava os mais distantes, que não eram afetados pelo gás, com bumerangues laminados e envenenados. Os tiros das poucas armas de fogo eram evitados com os movimentos da arte marcial dançante.

Diferente da outra luta que tiveram com um número menor de inimigos, ferimentos não puderam ser evitados, ainda que estivessem de armadura. Por vezes alguma bala acertava o braço ou a perna de um deles, sem perfurar seus trajes, mas causando um impacto que ainda assim os machucava. Liluth, após “driblar” e derrubar alguns soldados, alcançou seu grupo, observou rapidamente os combos e entrou em sincronia, dizendo “deixem os atiradores comigo!”, surpreendendo-os com seu sapato agilizador e os desarmando. Merialeth, por estar em desvantagem quanto à velocidade, demorou um pouco mais para alcançar o centro da batalha, mas assim que chegou, enrolou e prendeu o chicote na cintura, depois lançou nos cinco um pequeno míssil que saiu do ombro direito de sua armadura.

— Puta merda! - berrou Taenya ao ver o míssil se aproximar. Quando suas pupilas dilataram acreditando que seriam atingidos, o míssil explodiu ao acertar o “nada”... Ou pelo menos foi o que pareceu na hora do susto.

— Pessoal, temos apenas três minutos! O campo de força logo se desfará, então prestem atenção! - alertou Shael, que ativou a barreira por um triz, para o alívio de todos. A barreira era como uma redoma impenetrável, que os protegia por todos os lados de qualquer ataque. Seu aspecto era de um véu levemente azulado, quase que imperceptível. - Derrubamos apenas uns quinze homens, ainda faltam muitos e, pra piorar, Merialeth está inteira. Sendo assim, precisamos mudar a estratégia! Não podemos continuar gastando os poderes da armadura com meros soldadinhos, mas guardá-los para ela. Contra eles, usemos apenas arte marcial e armas que não exigem energia da Cápsula Solar. Ela tem três cápsulas, certo? Cada um de nós tem uma, porém... A jumenta não pensou que juntos temos cinco! Bem, na verdade quase cinco por que gastamos um pouco, mas mesmo assim a vantagem é nossa! É simples: vamos ficar de costas uns para os outros, formando um círculo, deixando assim nossas costas protegidas por nós mesmos. Quando for para atacá-la, golpe especial, quando for para atacar os outros, golpes simples. Ela será obrigada a usar poder contra nós e ainda que também use a arte marcial, não será o suficiente, pois não somos fracotes como seus subordinados, então ela será forçada a apelar. Logo, ela irá gastar seu poder antes mesmo que gastemos todo o nosso! Infelizmente, acredito que vamos nos cansar mais rápido por estarmos em desvantagem quanto ao número de guerreiros, mas esta abordagem é a única chance! Quanto à minha barreira, ela consome 25% da minha cápsula, é minha habilidade mais poderosa, então não poderei usá-la mais por enquanto, é melhor guardar a maior defesa que temos para casos extremos que provavelmente irão surgir depois. Isto é, se houver um depois. E para haver o depois, por favor, façam exatamente o que falei! - terminada a explicação, Shael apanhou ligeiro seu cantil e sugeriu. - Aproveitem que ainda temos um pouco de tempo com esta proteção e bebam água. Qualquer coisa que nos revitalize, ainda que pouco, já está de bom tamanho!

Todos apanharam seus cantis e beberam, depois se posicionaram conforme o planejado. Os inimigos se agitavam do outro lado da barreira, tentando feito baratas tontas atravessá-la. Merialeth fuzilava seus alvos com o olhar enquanto apanhava novamente seu chicote. A barreira se desfez e, com um grito, Yanka mirou em Merialeth sua adaptada submetralhadora de pregos, anexada ao braço esquerdo da armadura. Não tão potente quanto as armas de fogo, mas capaz de danificar o traje da inimiga em suas articulações.

— Você não é digna desta armadura! Vou te descer o sarrafo e tomar ela de volta, traidora de merda! - vociferou Yanka, atirando continuamente. Do grupo, ela era a que possuía melhor mira, tanto que suas armas foram adaptadas de acordo. Mesmo com Merialeth se esquivando, a maior parte dos pregos atingiu suas juntas, ferindo-a.

Mais sangue derramado, mais soldados abatidos, mais sequências de golpes... A estratégia de Shael fluía bem, para o desespero de Merialeth, que espumava de ódio a cada ataque que sofria e a cada subordinado abatido. O grupo seguia com alguns ferimentos leves, porém um tanto fadigado, o que comprometeu um pouco sua agilidade. O número de inimigos reduzira para cerca de dez e, quando Taenya exclamou “vocês já eram, seus filhos de uns putos!”, Merialeth rosnou enfurecida “mestre, preciso de mais soldados!”, olhando para uma câmera num canto superior do laboratório. Isto fez com que a moral do grupo se abalasse, pensaram que estariam perdidos se surgissem mais oponentes. Antes, eles não prestaram atenção que havia uma câmera, só a notaram ao ver Merialeth fitá-la.

— Pensaram que seria só isso?! Nós começamos com poucos homens crendo que seria o suficiente. Confesso que os subestimamos, mas sério que não esperavam por mais?! Taenya, minha querida, vocês é que já eram!

*****

Ainda acompanhando a batalha, o homem sentado na poltrona, agora segurando uma taça enquanto olhava o telão, apanhou com a mão livre o microfone ao lado e disse:

— Nada de reforços, não irei desperdiçar mais soldados. Apenas incinere o local assim que os dez restantes caírem. Até que está divertido, quero assistir mais um pouco! Ousadinhos, não? Um show desses é raro por aqui... Desde a Rebelião dos Ingratos não me distraio tanto! Só por isso não ordeno a incineração agora mesmo.

— Mas e a inventora, chefe? Não seria bom tê-la? - perguntou o subordinado, do outro lado.

— Sim, seria e muito! Mas não podemos arriscar mais, já tentamos o suficiente. O poder bélico que temos deve bastar para as demais ameaças que surgirem, não creio que apareça outro grupo a este nível. Na verdade não deveria ter chegado a este ponto e, como bem dito por Merialeth, nós os subestimamos. Portanto, antes que eles consigam sair do laboratório, elimine-os.

*****

Concomitante ao desenrolar da conversa, outros três homens foram derrubados. Merialeth, a esta altura tremendo e com os olhos vermelhos, confusa e irada ao notar que a ajuda estava demorando, eletrizou seu chicote e o lançou em direção a Shael, que esquivou com um salto mortal para trás. Neste momento, Neriom a surpreendeu pelas costas, acertando-a com a marreta embrasada no braço direito, que segurava o chicote. Merialeth urrou de dor e deixou a arma cair. Como Yanka já havia enfraquecido as articulações da armadura, a parte que revestia o braço se soltou, junto com uma tira de pele.

— Malditos! Ainda não usei minha arma mais poderosa, certo Liluth? Vai se arrepender de tê-la criado! - dito isso, apanhou o cadáver mais próximo, cobriu-se com ele e atirou uma esfera esverdeada para o alto, que saiu de um dispositivo acoplado em seu ombro esquerdo.

— Cubram-se! - exclamou Liluth, também apanhando um corpo mais próximo, mas para Neriom o aviso foi tarde demais, pois ele se encontrava mais próximo de Merialeth e, consequentemente, da esfera esverdeada, que explodiu em poucos segundos e liberou uma chuva de projéteis de ácido. Liluth, Taenya e Shael conseguiram se cobrir por completo, Neriom deixou a panturrilha exposta e Yanka, a mão esquerda. Ambos tiveram que ejetar as partes atingidas da armadura, mas mesmo assim, um pouco do ácido conseguiu vazar e corroer a pele de Neriom, que caiu esperneando no chão. Os soldados que restavam vivos acabaram sendo atingidos e mortos.

— Você me enoja! Foi capaz de atirar para o alto e acertar até mesmo seus soldados, sua doente! Não foi para este propósito que projetei a arma, para alguém tão egoísta e desonrada usar. Não entendo como não consegui perceber antes, minha intuição nunca falha... Parte é culpa minha também, se tivesse notado... - lamentou Liluth, com os olhos levemente marejados.

Taenya correu para acudir Neriom, apanhou de sua algibeira um kit de primeiros socorros para cuidar de seu ferimento. Os outros três cercaram Merialeth e, quando ela ia responder Liluth, um alarme soou no laboratório, luzes vermelhas começaram a piscar e uma gravação alertou: “Processo de descontaminação ativado. Dois minutos para a incineração”. Todos se desesperaram, exceto Merialeth, que riu loucamente e em seguida debochou:

— Viu?! Falei que todos iam tomar no cu? Posso ter me fodido, mas só de ver vocês se foderem também, morrerei em paz! - para finalizar, mostrou o dedo do meio para a câmera, pois não podia deixar de demonstrar seu ódio ao “mestre” também, a quem serviu por tantos anos e que ousou abandoná-la.

— Hey, seu monte de bosta! Você não consegue abrir a sala? Disse que era a única capaz disso, de dentro para fora. - questionou Taenya.

— Quando o sistema de descontaminação é ativado, a sala não se abre até que a incineração se complete. Apenas quem o ativou, de fora, pode desativá-lo. - explicou e continuou com sua risada doentia.

— Ah, e sua barreira Shael?! - lembrou Taenya, eufórica.

— Pode esquecer, querida. A barreira dele não suporta mais do que três minutos e a incineração dura cerca de cinco ou mais. Como eu disse, vão todos tomar no cu! - ao dizer isso, Merialeth se largou no chão de braços abertos, como uma criança deitando na neve.

Faltando poucos segundos, quando todos estavam convencidos de que seria o fim, quando Yanka estava chorando e dizendo que tudo foi em vão e que a profecia era tudo esquizofrenia sua, quando Liluth reuniu seus parceiros em um abraço final... O alarme parou, as luzes vermelhas se apagaram, o alerta repetitivo se calou e as portas foram desbloqueadas. A porta pela qual entraram foi aberta com um violento chute e...

— Beldroth! - exclamou Liluth, emocionada ao ver o homem cicatrizado novamente, coberto de sangue e carregando um soldado preso pelo pescoço em sua corrente. - Como nos encontrou? Como conseguiu entrar aqui?!

— Não há tempo para explicar. Saiam já daí! - respondeu Beldroth, enquanto olhava atento para os lados, preocupado com a provável aparição de mais inimigos.

Taenya e Liluth apoiaram Neriom em seus ombros para sair, Shael e Yanka permaneceram cercando Merialeth, que ainda estava deitada no chão e falou:

— Não vão me deixar sair, né? Não me surpreendo... Mas se enganam se acham que vou me render! - e levantou subitamente com um movimento “cama de gato”, em seguida chutou o abdômen de Shael, fazendo-o cair. Mas falhou ao tentar golpear Yanka, que se esquivou e acionou um botão em sua mão direita, liberando uma corda reforçada com bolas de ferro nas extremidades, que se enrolou no corpo da inimiga, imobilizando-a.

— Maldita! Ainda não usei minha arma mais poderosa, certo Liluth? Vai ficar muito feliz por tê-la criado. - disse Yanka, dando uma piscadinha para a companheira inventora e, com uma voadora, acertou os pés nos peitos de Merialeth, liberando das solas uma pressão explosiva que a despedaçou. Com o impacto, o corpo de Yanka foi para trás num salto mortal e ela caiu agachada, apoiando-se com uma das mãos no chão. Depois, aproximou-se dos restos mortais, examinou uma mão que ainda estava inteira e ejetou a parte da armadura que a revestia, experimentou e ao ver que coube, deu um sorriso. - Quem é a patética destripada agora, ham?! Não pude retirar toda sua armadura, infelizmente... Mas já basta poder ver você aos pedaços e ter minha mão protegida de novo.

— Depressa! - alertou novamente Beldroth, esperando do lado de fora. Quando todos saíram, atirou uma sacola nas mãos de Liluth e informou. - Isto é de vocês, encontrei jogadas numa vala próxima ao esconderijo em que estiveram antes de vir para cá. Sim, algo me instigou a segui-los, não sei dizer o que... Só senti que devia.

Liluth sorriu ao abrir a sacola e ver as Cápsulas Solares que foram descartadas por Merialeth, em seguida distribuiu duas para cada parceiro. Beldroth pediu que o seguissem e contou como entrou na mansão, aproveitando cada brecha deixada por eles. Explicou que em sigilo seguiu os rastros do grupo, eliminou todos os inimigos que encontrou no caminho com ataques furtivos e, ao ver que os rastros acabaram numa porta bloqueada impossível de abrir à força, procurou outro caminho. Pouco distante dali, viu dois soldados saírem de uma sala comentando a respeito de invasores, esperou eles se afastarem, aproximou-se da porta e vislumbrou pela fresta uma tela que exibia a luta, assim como um painel de controle e outros quatro sujeitos sentados diante dele. A sorte foi que o mestre da mansão estava muito distraído acompanhando a batalha dos demais que não conferiu as outras câmeras, assim como os homens da sala de controle, permitindo que Beldroth chegasse tão longe. Ninguém esperaria por mais uma invasão naquela noite. Os subordinados foram surpreendidos e mortos, exceto um que Beldroth vira acionar o sistema de descontaminação, enquanto enfrentava os outros, e obrigara a desativá-lo. Diferente dos servos dos Sábios que não respondiam a nada ainda que cruelmente torturados, este respondeu, o que fez o grupo se assustar quando soube que Beldroth conseguiu resultado por tal meio. Ele só disse que conhecia tortura melhor que qualquer um, tanto física quanto psicológica, ainda que odiasse ter que chegar a este extremo.

— Não entendo como você foi capaz de matar sozinho vários soldados dos Sábios e não foi capaz de eliminar aqueles canibais que te capturaram aquele dia... - questionou Shael.

— Simplesmente por que ela era meu ponto fraco, ela era o meu gatilho... - respondeu Beldroth, referindo-se à mãe de Neriom. - Quando a vi, perdi todo o meu equilíbrio mental e consequentemente, físico. Mas, além disso, o elemento surpresa era deles naquele dia, hoje ele foi meu.

— E este homem, por qual motivo ainda o mantém vivo e o carrega? - indagou Taenya.

— Ele ainda será útil. Além de poder desativar a incineração, abrir o laboratório armadilha com reconhecimento de voz, também vai desativar todas as câmeras da mansão, para que possamos transitar sem sermos vistos.

Para os cinco, parecia bom demais para ser verdade que conseguiram sobreviver a tantos infortúnios. Mas estavam aliviados e com a esperança renovada, com suas cápsulas de volta e com mais um parceiro na campanha.

— Hey, espere! - Yanka parou abruptamente e apontou para a cara de Beldroth, sorrindo. - É você, nunca foi ela! Você é o sexto! Você é o membro que nos faltava! Eu sabia que não era esquizofrênica ha, ha, ha! Minha profecia dos seis está viva! - e saltitou pelo corredor enquanto seguiam rumo à destruição das câmeras.


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