Ente escrita por Antonia Bianca


Capítulo 1
Prólogo


Notas iniciais do capítulo

Olá querido leitor, eu realmente espero que aprecie a leitura. c:



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O patíbulo estava montado no centro do pátio na praça comercial.

O céu recém-acordado de outono mostrava algumas estrelas que a luz do sol ainda não havia escondido. A garota pensou que era um dia bonito demais para uma execução. No lado direito da estrutura pôde ver dois guardas conversando e rindo alto. Sentiu o nervosismo tomar cada parte de seu corpo, não tardaria, ele apareceria e morreria bem na sua frente, sem que pudesse fazer nada. Os comerciantes, os ferreiros, os empregados e serventes; suas esposas e filhos ainda não haviam acordado, embora soubessem que era dia de execução, embora não perdessem uma alma culpada sendo levada para o inferno, pela corda que os sufocava ou quebrava seus pescoços. Os dois guardas continuavam conversando, um deles cuspiu no chão, se apoiou no patíbulo e apontou bem para o lugar onde a garota estava, a mesma gelou por dentro e escondeu o rosto depressa, se fosse pega, então morreriam os dois.

Fechou os olhos e respirou fundo, lembrando-se da primeira vez que tinha visto o rosto dele.

A criança mais assustada e medrosa que já vira. Os pequenos olhos verdes estavam contornados de vermelhos, de tanto que chorara. A pele branca manchada de cinza e um pedaço da sobrancelha esquerda comida por conta do fogo escondia metade do rosto na bata preta do padre enquanto esfregava o olho direito.

— Esse garotinho perdeu a família hoje, por favor, cuidem dele e tenham paciência, seus traumas são recentes.

Seus pensamentos foram cortados subitamente ao ouvir a voz de seu malfeitor, ele dizia:

— O condenado virá em breve, reforcem todas as entradas, fiquem de olho em cada muro ou fresta, eu sei que ela deve estar por aqui — Ele pareceu rir enquanto falava, continuou em um tom de escárnio. — É claro que ela não irá perder isso.

A jovem apertou o arco que estava na sua mão, segurou a vontade de atirar uma flecha no centro da testa do rei soberbo, respirou fundo mais uma vez, sentiu-se derrotada e cansada, encostou na parede de pedra, engoliu em seco, lágrimas quiseram cair, mas manteve-se forte. Fechou os olhos e desta vez dormiu vencida pelo cansaço mental e físico da viagem. Não sabia quanto tempo havia se passado ao ouvir muitas vozes diferentes e gritos de crianças mal-educadas. Abriu os olhos e olhou de relance para o pátio que já estava cheio. O prisioneiro havia chegado e encontrava-se de pé na base, com a corda já no pescoço, as mãos amarradas para trás, as roupas sujas de sangue seco e fresco; parecia não tomar banho há dias, o cabelo desengrenado e sujo, assim como rosto, os olhos perderam o brilho e pareciam vagar em algum lugar longe. Seus olhos marejaram, era muito doloroso ver o que havia sobrado dele, ainda sim, não deixou as lágrimas caírem, permaneceu dura como uma rocha.

O rei olhava atentamente a multidão e não encontrava nenhum vestígio da mulher, sentia-se frustrado, não arrancara nada daquele miserável, o torturara quase até a morte e ele nem sequer abrira a boca, sentiu ódio tomar cada osso seu, rangeu os dentes e apertou as mãos. Sabia que ela estava em algum lugar daquela multidão, sabia que se usasse bem as palavras conseguiria arrancá-la do esconderijo, como um rato é atraído pelo queijo.

O condenado, por sua vez, olhava fixamente para os pés. Não sentia necessidade de lutar e mesmo que precisasse não tinha forças para isso, sofrera muitos castigos e em cada um deles perdeu uma parte de si. Se morresse hoje seria ao menos com um pouco de orgulho e com a cabeça erguida, lembrou-se de muitas coisas nos últimos dias, mas o que mais fez seu coração gritar foi a memória de sua amada vestida de noiva e de seu corpo morto na água. Às vezes, ela lhe visitava por sonhos, o chamava com sua doce voz, nesses momentos ele sentia-se feliz por ter que partir em breve. Olhou a multidão pela primeira vez e não sentiu vergonha, todos ali sabiam das atrocidades de seu rei, não seria o primeiro injustiçado e nem o último, desejou com todas as forças que lhe restavam que sua amiga não estivesse ali, seria pior que ferro quente na sua pele se a garota fosse pega. Então reuniu alguma coragem e falou:

— Se estiveres em algum lugar daqui, peço-te que não faças nada. Não movas um dedo para me tirar daqui, por favor, não olharei novamente em teus olhos se o fizer.

Aquelas palavras a atingiram em cheio. Ela o amava muito, tanto que chegava a doer e sempre o amaria. Vê-lo morrer diante de seus olhos, haveria dor maior no mundo? Perguntava-se se seria fraca como sua irmã e se acovardaria tirando a própria vida, perguntava-se se em algum momento a pressão seria tanta que cortaria o próprio pescoço.

O rei olhou o culpado e riu com maldade.

— Eu, Rei de Ôdrin, proponho: troco sua vida pela dele — declarou, encarando a multidão para ver se encontrava alguma reação inesperada, a mesma encontrava-se em silêncio, esperando os próximos capítulos daquela cena, então o rei continuou. — Não tocarei em um só fio de seu cabelo, eu juro.

E para dar veracidade para sua afirmação, desembainhou um pequeno punhal e cortou a palma da mão direcionando-a para o peito e ajoelhando-se.

A jovem olhou para o sentenciado e viu o desespero crescer nos olhos verdes, como fogo em palha.

— Não acredites em nada que esse crápula fala, suas promessas são como folhas secas de outono, logo se esfarelam...

 Foi interrompido por um soco no estomago desferido por um guarda, o mesmo disse:

— Cale a boca verme.

O soberano olhou-o frio, ainda com o punhal, aproximou-se do prisioneiro e segurou-lhe o rosto, os olhos carregados de uma raiva inflamada.

— Ele irá morrer e espero que essa culpa consuma até os teus ossos. — bradou.

Ela não sabia o que fazer, as lágrimas finalmente vieram e caiam incessantemente, sentia-se impotente e desesperada, o ápice estava chegando e o destino estava lhe impondo uma escolha. E tudo que ela sabia é que o amava muito para deixá-lo partir. Olhou para o arco e para as flechas, pegou ambos e a única pergunta que ecoava na sua cabeça era: ela o salvaria ou não?


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