Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 72
72 - Bruno




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O professor Igor começa a aula mandando que se formem equipes. Desta vez não aceita trabalhos individuais. Ele nunca fez isso antes, e imagino que seja por minha causa, já que sempre fiz tudo sozinho para não precisar entrar em discussões que expusessem minha fé. No canto as meninas são as primeiras a juntarem as carteiras. Caio e sua turma também o fazem no fundo. Outros grupinhos se formam, alguns mais entrosados, outros menos. Sobramos dois. Formamos uma dupla. Nossa! O Gabriel já deve ter fumado uma no corredor atrás da quadra com os dois amigos. Esse fedor da pretinha, como chamam a droga nova… Deus me ajude!

— Mano, é você que tá cheirando aí?

Gabriel começa a ficar vermelho e mexer os olhos rapidamente. Procura algo em minhas mãos.

— Eu não. Achei que era você!

O professor passa perto de nós e Gabriel segue-o com o nariz. É ele que está… cheirando droga? Tá amarrado!

— É ele, mano — Gabriel diz de olhos arregalados.

Se for verdade, é minha chance de fazê-lo deixar de ser meu professor. Só preciso denunciá-lo por uso de drogas… Mas não sei se ele está mesmo usando. E se apenas pegou cheiro por ter passado perto dos meninos?

— Será que ele arruma um pouquinho pra nós?

— Para, meu! Para de usar droga, piá, isso acaba com sua saúde.

— Acaba não, mano, o professor garantiu.

— O professor?

— É, mano, essa química não faz mal não. Ele entende de química, então sabe do que tá falando, sacou?

Mais uma prova para tirar Igor do quadro de professores: ele compactua com o uso de drogas dos alunos. Isso dá até prisão! Será que é o certo eu denunciá-lo?

Deixo a ideia em segundo plano para me atentar à aula. Ainda preciso estudar para tirar boas notas. Porém a aula começa a ficar tendenciosa quando ele comenta a pergunta de um dos colegas sobre a diferença do etanol da fórmula para o álcool comercial, e Igor puxa o assunto até o efeito do álcool e outras drogas no ser humano. A aula parece de repente ser de biologia. Meu primo ia gostar, mas eu odeio.

— Outro exemplo é o HF-Dott — diz Igor mostrando uma pílula branca entre os dedos —, tido como alucinógeno pela medicina, é um dos melhores estimulantes para alunos desmiolados como vocês. Fruto de décadas de intensas pesquisas, muito mais ativo que modafinil e sem todos seus efeitos colaterais. Ele é, se é que posso usar esta palavra, um milagre. E podem ficar tranquilos, não é pecado usar esta droga! — ele termina olhando para mim com um sorriso sem boas intenções.

A turma me encara em silêncio. Minha boca formiga de tantas palavras que meu cérebro tenta mandar para fora, mas acima de todos os pensamentos vem à memória os ensinamentos de minha mãe. Manter fé em casa, não levá-la à escola ou ao trabalho. Isso nunca deu certo. Por isso que as coisas só andam onde uso a fé. Como exemplo: minha tribo arrebenta, mas meu boletim está arrebentado.

Após a aula, Gabriel chega ao meu lado na mesa da cantina onde lancho sozinho há algumas semanas.

— Mano, eu só queria entender uma coisa…

Levanto os olhos do prato (que está delicioso, bem melhor que a comida que faço em casa) e pego vários olhares em nós. Parece que todos combinaram com Gabriel só para ver como reajo.

— Se foi Deus que criou a gente, homem e mulher, pinto e boceta, cheio de tesão e tudo, por que dizem que é errado ficar com as mina? E por que até bater uma gloriosa também não pode? É pecado por quê?

Tá amarrado! Vira essa boca suja pra lá.

— Hã? Cara, o professor tem razão. Os crentes são muito fechados. Não pode isso, não pode aquilo… Pra que Deus cria a gente com vontades se não quer que as façamos? É tão contra!

A obreira falou sobre isso num Conexão há muito tempo. Até penso em explicar para o Gabriel, mas ele está muito louco para entender. E nem eu me sinto em condições para isso. Eu, que fui chamado para ser luz nesse mundo de trevas, estou tão perdido no escuro quanto meus colegas. De uns dias para cá nem mesmo consigo me concentrar nos teatros e minha tribo está diminuindo em vez de crescer. Deus me ajude!

Lembro de quando comentei com a obreira sobre o novo professor, achando que melhoraria minha situação. Não conte com isso, ela respondeu. Quem diria que, além de saber o que se passa com os jovens, ela também sabia o que ainda ia se passar com a gente no futuro?

E, para piorar, agora não sei quem tem razão.


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