Quantas dúvidas escrita por DiHen Gomes


Capítulo 26
26 - Bruno




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Pô, tá amarrado esse tempo de chuva! Só para atrapalhar, porque hoje minha tribo ia fazer uma megaevangelização para o Conexão. Sem mais o que fazer, volto para casa após a obreira avisar no grupo que foi cancelado. Ainda bem que estava a apenas um quarteirão de casa quando a mensagem chegou.

Abro a porta e vou à cozinha onde minha mãe leva um susto.

— Bruno? Já… já voltou?

Ela fecha o armarinho de cima da geladeira com força e faz um barulho alto, diferente de seu jeito sempre gentil de tratar as coisas em casa. Seus olhos rebatem da porta do armário para mim algumas vezes.

— O que aconteceu? Tá tudo bem?

Minha mãe está diferente. Ela suspira e se perde no olhar vazio. A distância entre nós diminui conforme ela vem até mim e se inclina para ficarmos da mesma altura.

— Bruno — ela diz enquanto me faz um cafuné —, não tenho pra que esconder de você. É meu único filho, e, tirando o maluco do Felipe, você e sua irmã são minha família. Ela ainda é muito nova, mas você…

— Não sou mais criança, mãe. Pode falar.

Uma brisa fria entra pela porta aberta atrás de mim e move os cabelos da minha mãe.

— Eu vou ao hospital, hoje tenho plantão, você sabe. Mas tem algo a mais. Há alguns meses tenho tomado um medicamento contra cirrose, que está em testes, e isto exige um pouco mais do meu tempo, por questão de acompanhamento dos resultados. Por isso fico algumas horas além do plantão. Acho que você nem percebe, pois chego de madrugadinha.

Acho que andei perdendo alguma coisa, pois nunca soube de remédio para cirrose. E nunca soube que minha mãe tem uma doença grave. Como ela escondeu isso de mim? E por quê?

— Por que você nunca nos contou isso? Qual o empecilho?

Ela fica calada e em pé.

— Bom, nenhum. Bem, eu, eu apenas quis evitar que você se preocupasse comigo. Uma médica doente? Uma enfermidade sem cura? Uma cobaia do laboratório?

Ela tenta sorrir, mas não vem da alma. Tento pensar no que posso falar para ela deixar de me ver como uma criança. E me vem à mente a palavra certa para dizer.

— Mãe, por que você não dá uma chance pra Deus? Ele pode te curar de uma vez, e você não precisa depender de remédio.

É arriscado, pois ela é quem sempre me disse para ser discreto com minha fé, como ela, que a deixa em casa quando vai trabalhar, por questão de ética. Pensando bem, olha o que está acontecendo com ela. Eu já tinha decidido viver a fé em todo lugar, desde que assumi para meus colegas na escola esses dias que sou da igreja, e saber dessa situação me faz pensar que sair sem a fé não é uma boa.

— Não é assim, Bruninho. Meu fígado tá só pela misericórdia. Deus não é um mágico para fazer voltar do nada. Preciso do remédio para ir tratando e regenerando aos poucos.

— Deus pode curar sim, mãe. Não é mágica, é milagre. Você não crê?

O silêncio dela diz tudo. Tá amarrado! Ela que me falou da fé quando eu era pequeno, e agora está se contradizendo? Não, não aceito isso, não!

— Vamos passar na igreja, mãe. Eu vou com você.

— Não, Bruninho, preciso ir trabalhar.

— Pelo menos para o pastor te fazer uma oração!

— Tchau, filho. Te amo.

Fico à porta observando a jovem senhora de branco caminhando com pressa pela calçada. Minha irmã aparece com a cara amassada. Estava dormindo. Vida boa a dos bebês! Minha preocupação, entretanto, fica na mãe. Eu era o medroso, e agora que resolvi assumir minha fé, minha mãe mostra que carrega o mesmo medo. Como não reparei antes quando ela deixou de ir comigo à igreja todos os dias para ir apenas aos domingos?

Se ela não crê, pela minha fé ela será curada. Tá ligado!


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