Ah, que desordem! Acabei de botar a roupa no varal e vem um vizinho tacar fogo na data do lado! Tinha que ser ela, aquela mulherzinha cheia de chifres do marido. Não consegue sobreviver sozinha e fica com aquele projeto de homem, aqui do lado, me atrapalhando! Toda a vizinhança sabe quem é a outra, e a vizinha também sabe e nem liga. Uma corna mesmo!

Lá vou eu outra vez com o banquinho para alcançar o varal e recolher a roupa antes que pegue cheiro.

— Bom dia, Valéria! — A vizinha sorri como se estivesse com a vida perfeita ao me cumprimentar.

— Bom dia, Silvana — digo com o sorriso mais forçado que meus pés em cima do banquinho para alcançar o varal. — Dia lindo, não?

— Lindo mesmo. E o bebezão aí? A cada dia você tá mais linda com essa barriga!

— Ah, que isso, obrigada. Você que é.

Sei que sou linda, grávida ou não.

Tchau, vizinha. Vá cuidar da sua vida.

Volto para dentro feliz com os primeiros pingos de água. Pelo menos vai apagar o fogo do outro vizinho. Passo em frente à televisão e passa aquele comercial da igreja. Eu creio em milagres. Ah, dá licença! Cadê o controle? Achei.

Click. Maria da Cidade. Novela é melhor. Últimos capítulos, então!? Passo no quarto para rever os sapatos. Hoje a noite vou sair com esse, o mais alto. Volto para assistir a novela um pouco antes da minha amiga chegar da farmácia.

— Ai, que chutão, filho. Você quer ser jogador de futebol, né? Jogador de futebol da mamãe.

Da minha família ninguém ainda conseguiu realizar um sonho grande desses. No máximo uma pelada com as outras crianças da rua, usando um par de chinelos em cada gol. Mas meu filho vai ser diferente! Se Deus quiser, ele vai nascer com saúde. Será um milagre. Grávida passando fome, acredito que não seja bom para a criança. Espero que ele me dê essa graça, que ouça a oração que faço toda noite aqui em casa.