a Elvis escrita por sartrè


Capítulo 1
São Paulo - Zona Leste


Notas iniciais do capítulo

"Escreva sobre o que conhece". Vocês estão prontos para conhecer - em pinceladas não muito profundas - a saga de quem mora na periferia de um dos maiores estados brasileiros?



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PARA: elvisandsuicide@gmail.com

DE: luna.love-notgood@gmail.com

ASSUNTO: Enfim, hoje!

Elvis.

Temo que o meu coração não se contenha dentro do peito. Se pudesse sentir neste momento provavelmente estaria rindo de mim, boba que sou. A verdade é que estou nervosa. Sei que temos tudo sob controle – estação Trianon-Masp, 12:00. Eu, camisa azul com aquela estampa bonita dos óculos e cicatriz de Harry Potter; você, vestido vermelho e comprido. Ainda assim, senti que deveria confessar o quão afoita estou. E mandar-te uma mensagem por aqui, apenas para me despedir do que por algum tempo foi a minha maior fuga, então... Oi! rs

É um grande passo, eu sei. Daremos juntas, então.

Te espero na catraca.

Com amor,

Luna.

 

Tinha dois fones metidos nos ouvidos. Tentava se acalmar ao som de qualquer coisa, mas o celular insistia em tocar aquela música. A música que tinham em comum, mas que nada tinha a ver com elas. Fechou os olhos quando o trem estacionou na plataforma da estação Itaquaquecetuba, respirando fundo uma vez e entrando, tomando cuidado com o vão entre o trem e plataforma. A voz de Taylor Momsen continuava a soar em seus ouvidos, como se estivesse dentro de sua própria cabeça, latejando, repetindo para ela: lost between Elvis and suicide. Every since the day we died, well... I’ve got nothing left to loose¹. As portas se fecharam. Agora era tudo ou nada.

Se haviam conhecido num fórum de RPG. Uma, o Elvis do mundo bruxo e a outra, Luna Lovegood. Interagiram durante um mês e meio, as ações narradas com um flerte cuidadoso que, antes de tornar-se algo maior, acabou. Isso porque o fórum teve fim, mas não perderam contato e, por meses, acreditou que ela fosse realmente ele. Quando descobriu não tinha mais volta.

Estação Jardim Romano, desembarque pelo lado direito do trem.

Não estava nem na metade do caminho, bem pelo contrário. Como será que ela se pareceria? Nunca haviam se visto em fotos, nunca ouviram a voz uma da outra, mas sentia que conhecia Elvis. Melhor até do que conhecia a sua melhor amiga. Ela e Hanna eram amigas desde os doze anos e, agora com dezessete, perguntava-se coisas que deveria saber ou ao menos intuir. Por exemplo, Hanna sempre se relacionava com rapazes que lhe faziam mal. Não tinha ideia do porquê. Talvez pela baixa autoestima, mas não conseguia entender como alguém tão bonita podia ser tão arredia. Era outra questão que não sabia responder. Sentia falta das festas do pijama de quando eram crianças.

Hanna não sabia daquele encontro. Não era por sentir vergonha de estar apaixonada por uma garota. Mas não sabia como dizer o que para ela era tão importante, temendo a reação da outra. Talvez fosse imprudência demais estar saindo para encontrar uma desconhecida e não deixar ninguém ciente. Estava seguindo para o Itaim Paulista agora. Havia tempo para avisar, tinha ainda uma hora e meia até o destino. Mas olhava de minuto em minuto para o celular. E desistia.

Uma hora e meia. Morar na zona leste de São Paulo era, geralmente, uma saga, sempre uma viagem. Estudava numa escola local da cidade na zona conhecida como Auto Tietê— o rio poluído realmente passava atrás de sua casa. Escrevia para Elvis a qualquer intervalo de tempo. Também jogava vídeo game e lia HQs. Mas era como morar dentro de uma bolha já que na periferia o interesse era outro. Então, a cada vez que ia para o centro da cidade, era como se perfurasse a bolha e se permitisse viver na realidade quase distópica que tanto almejava. Só não o fazia com frequência.

Cuidado com o vão entre o trem e a plataforma.

Elvis ainda sugeriu visita-la em Itaquaquecetuba, mas o que fariam ali? Nem mesmo o sanduíche do Subway tinha o mesmo gosto. As pessoas eram todas iguais. Os carros de som eram excessivamente barulhentos, de uma forma ruim, porque poluíam as ruas com suas músicas de letras chulas e sequer paravam na faixa de pedestres. Não, preferia ela mesma ir de um extremo a outro da linha doze. E quando enfim chegou à Tatuapé, respirou aliviada. Mas novamente sentiu frio na barriga. Como será que ela seria?

Já no metrô as pessoas caminhavam mais apressadas. Não sabia para onde iam, mas andar mais lentamente afetava o ritmo do conjunto paulistano. Agarrada a mochila, apressou-se junto deles e seguiu para a próxima parada: Tatuapé, Brás, Estação Luz – acesso à linha amarela do metrô. Era sem dúvidas a estação mais bonita. Certo que também era a mais cheia dentre todas, mas a arquitetura europeia, no estilo gótico, fazia seus olhos brilharem. Tirou o do bolso para uma foto. 11:39. Desistiu. Precisava se apressar.

Lembrou-se dos conselhos da mãe: segure a mochila, guarde bem o celular. Como se a grande cidade de São Paulo pudesse ser mais perigosa do que o lugar onde morava, mas para se prevenir, o fez. Atravessou os corredores até a recém-inaugurada linha amarela – a linha de metrô mais moderna da cidade. Como ainda não havia nenhum, correu para o início da plataforma. Quando o metrô estacionou nos trilhos, esperou educadamente os passageiros desembarcarem, entrando em seguida e não buscando nenhum acento. Da janela frontal podia ver os trilhos correndo quando o metrô voltava a seguir.

Voltou a pensar em Elvis. Vestido vermelho, longo. Óculos. Deu um pouco mais de asas à imaginação. Não era intencional, mas imaginava-a com uma franja – ou um topete – e longos cabelos pretos. Seria hilário se estivesse com uma jaqueta de couro sobre o vestido, mas A Elvis não era Presley então tinha de se conter, não criar grandes expectativas. Talvez pudessem ser grandes amigas e a paixonite fosse resultado de conversas intimas e intensas. Afinal, não era grandes coisas. A começar pelos cabelos. Meia hora na frente do espelho e não conseguiu assentá-los de um jeito decente, então prendeu os fios amarelos num rabo de cavalo, mas os cachos mal definidos continuaram espetados. Até tentou um batom, mas os havia devorado dos lábios de tanto morder. Era uma magricela, baixinha, sem seios e... Estação Consolação. Mais uma transferência.

Espiou a hora no celular. Ainda conseguiria chegar a tempo, mas ainda assim andou rápido. Deixe a esquerda livre, a regra deveria valer mesmo nas esteiras rolantes, mas mesmo na esquerda ela caminhava, desviando de alguns preguiçosos. E, embarcando no metrô, suspirou. Só mais uma estação.

A cidade de São Paulo era estranha. O metrô Consolação te deixava na Avenida Paulista e o metrô Paulista te deixava na Consolação. Precisou revisar o mapa um milhão de vezes para não se perder, já que só tinham como o e-mail como meio de comunicação. Mas enfim estava na Trianon. 12:01. Segurou com força o celular na mão e subiu pela escada rolante, os olhos atentos para todos os lados. Vestido vermelho, longo. Viu um rapaz com camiseta vermelha, uma outra moça com óculos escuros, mas não era nenhum deles.

 Mordeu o lábio uma vez mais e parou na catraca, sem passar para o outro lado. O medo começou a lhe embrulhar o estômago. Elvis poderia ser um velho de oitenta anos metido num vestido vermelho. Podia ser uma charlatã e lhe encostar uma faca na cintura, escondida, para sequestra-la e roubar seus órgãos. Podia ser qualquer coisa.

 – Ei...

 Mas a Elvis não era nada daquilo.


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