Spotlight - EM HIATUS escrita por Rhyenx Seiryu


Capítulo 3
Capítulo 03 - Território


Notas iniciais do capítulo

Olá, pessoinhas, como vocês estão? Ansiosos por mais um capítulo?
Espero que vocês estejam gostando da fic e gostaria de agradecer a Kha-Chan e a ThaaaB por me presentearem com seus comentários. Fico muito feliz por receber esse feedback de vocês, isso me incentiva muito.

Agora vamos ao capítulo 3? Ah, e antes que eu me esqueça, nesse capítulo tem uma música, então, também tem link para vocês a ouvirem no youtube. Não se esqueçam de clicar!

Boa leitura.



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Lexy não parou de falar por um segundo enquanto dirigia até o shopping. Era como se ela quisesse me atualizar sobre todas as fofocas que rolavam nos bastidores do mundo da música naqueles vinte minutos e eu me perguntei se ela também tagarelava assim com Shannon, pois ele não me parecia o tipo de pessoa que se importava em saber com quem determinado artista estava indo para a cama ou com o fato de que o outro havia sido flagrado em uma boate gay, mas, por algum motivo, Lexy achava que eu me importava.

— E agora a gravadora inteira está especulando sobre como o pessoal do Marketing vai lidar com essa bomba, porque ele tinha acabado de assumir um relacionamento com uma cantora britânica e ter sido flagrado naquela festa vai deixá-lo com uma imagem péssima. – Ela concluiu e eu balancei a cabeça, concordando, mas, na verdade, eu não fazia a menor ideia de quem era o artista ao qual ela se referia. – Ah, chegamos! – Lexy fez uma curva fechada para entrar no estacionamento do shopping e eu fiz o possível para me segurar em meu banco quando ela freou ao parar na vaga. Outro detalhe sobre Lexy é que ela dirigia como um piloto de fuga.

Nós subimos por uma escada rolante e atravessamos um par de portas de vidro automáticas e, de repente, senti como se tivesse entrado em outro mundo. Eu nunca estivera em um lugar tão grande quanto aquele! Havia shoppings em Preston, mas nenhum daquele tamanho e, desde   que eu chegara à Seattle, não havia conhecido muita coisa além das lojinhas de nosso bairro e o supermercado onde minha mãe fazia as compras do mês. Estar naquele lugar, agora, era tanto impressionante quanto um pouco assustador.

— Quanto tempo você pretende ficar com o Shannon? – Lexy perguntou e eu voltei os meus olhos para ela. Devo ter parecido incomodada com sua pergunta, pois ela logo completou: – Não que eu esteja te expulsando, entende? Se o Shannon disse que você vai ficar, então ok, você fica. Eu só quero ter uma ideia de quanta roupa precisaremos comprar.

Aquela, na verdade, era uma ótima pergunta. Eu não pretendia criar raízes no apartamento de Shannon, mas também não sabia quanto tempo eu levaria para conseguir meu próprio espaço. Eu tinha dezessete anos e nenhum emprego, minha melhor oportunidade de construir uma vida seria ganhar uma bolsa de estudos integral em qualquer universidade, mas, graças a Josiah, eu tinha perdido todos os prazos de inscrição e não tinha certeza se alguma delas estaria disposta a me dar uma segunda chance. Ainda assim, mantive as esperanças.

— Só duas semanas. – Respondi e Lexy mordeu a parte interna de sua bochecha, calculando a quantidade de roupas necessária para se sobreviver a duas semanas no apartamento de Shannon.

— Vamos começar com calças. – Ela disse já me arrastando em direção as lojas.

Eu passei as três horas seguintes experimento diversas roupas em diversas lojas e me senti como se tivesse ganhado algum desses realities de moda quando minhas mãos começaram a se encher de sacolas. Lexy me fez comprar calças, blusas, shorts, vestidos, três pares de sapato e, até mesmo, um pijama e eu me esquivei de todas as peças cor de rosa que ela empurrou para mim, lembrando-me do que Shannon dissera. Já que seria ele quem pagaria por tudo aquilo, nada mais justo que eu fazer a sua vontade.

— Acho que pegamos tudo. – Lexy disse quando saímos da seção de moda íntima da última loja e nos dirigimos ao caixa. – Compramos roupas, sapatos, alguns produtos de higiene feminina – ela listou –, esquecemos algo?

Eu olhei para todas as sacolas que segurava.

— Acho que não.

Lexy efetuou o pagamento e recolheu nossas compras com uma atendente que era só sorrisos, depois, me guiou para outra escada rolante que levava à praça de alimentação no último piso.

— Você deve estar faminta depois dessa maratona, não é? Acho que podemos almoçar aqui e levar algo para o Shannon comer. Ele sempre se entope de comida congelada e outras porcarias, às vezes é preciso forçá-lo a comer alguma coisa de verdade. – Ela disse, incomodada.

Percebi que Lexy se preocupava com Shannon quase da mesma maneira como uma mãe se preocupava com o filho. Ela se importava em saber se ele estava se alimentando direito e dormindo bem, lhe dava bronca quando necessário e até tentava aconselhá-lo a não fazer péssimas escolhas na vida, mas eu suspeitava que Shannon raramente a ouvia. Ele parecia ser aquele tipo rebelde que só fazia o que lhe dava na telha e eu podia perceber que Lexy não estava “ok” com minha permanência em seu apartamento, mas ela estava relevando isso e até estava sendo gentil comigo porque era o que Shannon queria. Ele podia se referir a ela como a pedra em seu sapato, mas eu sabia que Lexy só pegava no pé dele porque se preocupava. Ela tentava cuidar não apenas de sua carreira, mas, também, de seu bem estar.

— Você e o Shannon são bastante próximos, não é?

Lexy bufou.

— Aquele idiota? Na maior parte do tempo eu quero matá-lo. O Shannon não facilita a minha vida! – Ela grunhiu. – Apesar disso, me preocupo com ele. Quando o conheci ele era apenas um garoto com muito potencial e completamente perdido. Acho que me sinto responsável por ele.

— Entendi. – Então, a curiosidade me atingiu e eu me aproximei um pouco mais de Lexy. – Como foi que vocês se conheceram?

Ela franziu suas sobrancelhas bem feitas.

— Você nunca leu nada a respeito? A mídia está sempre escavando o passado do Shannon à procura de histórias. Já vi pelo menos uma dúzia de publicações contando sobre como ele começou a carreira na música.

— Não sei muito sobre a carreira dele. – Confessei, sentindo-me um tanto envergonhada por ser quase uma leiga naquilo que, provavelmente, era o trabalho da vida de Lexy. – Não sou muito ligada nessas coisas, sabe?

— Não é ligada em música ou em revistas de fofoca?

— Acho que um pouco dos dois. – Dei de ombros.

Às vezes, eu me sentia como se tivesse parado no tempo. A maior parte dos músicos de quem eu gostava já estava morta havia décadas ou séculos e eu não conhecia ou sequer me interessava pela maioria dos artistas que ocupavam o topo das paradas atualmente. O que eu sabia sobre a carreira de Shannon, por exemplo, era apenas o que eu ouvira de amigos na escola ou o que eu lera por aí, ao passar em frente a alguma banca de revistas, mas, ainda assim, não era nada que pudesse ser considerado relevante.

— Eu o conheci em um bar. – Lexy respondeu por fim. – Minha irmã estava noiva e nós fomos comemorar sua despedida de solteira em um desses bares com música ao vivo, sabe? Por coincidência, o Shannon estava se apresentando lá naquela noite e, assim que eu o vi no palco, eu soube que ele tinha um grande futuro na música. Entreguei o meu cartão a ele assim que sua apresentação acabou e passei as duas semanas seguintes esperando que ele me telefonasse. Desde então, tenho sido sua empresária.

— Então, você é meio que uma caça talentos. – Comentei.

— Pode-se dizer que sim. Trabalhar em uma gravadora é quase como trabalhar em um garimpo. Nós estamos sempre à procura de joias raras e o Shannon foi o diamante bruto mais incrível que já encontrei – ela franziu os lábios –, mas ainda estou tentando lapidá-lo, para falar a verdade.

Eu ri. Estava na cara que Shannon era uma pessoa difícil e que devia fazer da vida de Lexy um inferno, mas o carinho que ela sentia por ele, apesar disso, também era óbvio.

Nós almoçamos em um restaurante japonês – o que foi uma novidade para mim, já que eu nunca tinha provado nada parecido – e pedimos que embalassem a comida de Shannon para a viagem. Quando voltamos para o apartamento dele, peguei minhas sacolas no banco de trás e esperei que Lexy descesse do carro e me acompanhasse até lá em cima, mas ela apenas me estendeu o embrulho amarelo e vermelho do restaurante.

— Não vai subir?

— Não. Eu tenho hora marcada com o meu cabeleireiro, mas diga ao Shannon que ele pode me ligar se precisar de algo e certifique-se de que ele não vai se esquecer de comer, ok?

Estranhamente, senti como se ela estivesse me abandonando. Passar aquele tempo com Lexy havia me permitido conhecer um pouco mais de sua personalidade e, consequentemente, havia feito com que eu me apegasse um pouco a ela, quase como se tivesse encontrado a irmã mais velha que eu nunca tive.

— Tudo bem. Vou cuidar para que ele coma. – Peguei a embalagem das mãos dela e lhe ofereci um sorriso sincero. – Obrigada pela ajuda com as compras, Lexy. Foi muito gentil da sua parte.

— É só o meu trabalho. – Ela deu de ombros e comecei a caminhar para a porta de entrada do prédio, mas parei e me virei novamente em sua direção quando ela chamou o meu nome.

— Esqueci alguma coisa?

— Não. É que eu ainda não saquei qual é a sua. – Ela disse, me olhando como se tentasse desvendar um enigma. – Não sei se você realmente é uma boa pessoa ou se apenas é uma excelente atriz, mas já que você ficará aqui, com o Shannon, preciso que saiba que nem sempre as coisas serão fáceis com ele.

— O que quer dizer com isso?

— Quero dizer que ele tem passado por muita coisa ultimamente. – Lexy deslizou o dedo indicador pelo volante do carro, pensativa. Dava para ver que ela ainda não tinha certeza se eu era confiável ou não e eu sentia que ela estava travando uma verdadeira batalha interna, enquanto decidia o que devia me falar e o que devia guardar para si. – Eu tenho cuidado dele e tenho o ajudado a passar por essa fase da melhor forma possível e ele está melhorando aos poucos, sabe? Mas haverá momentos em que você precisará ser paciente com ele, Tove. O Shannon é um bom garoto, mas ele tem alguns dias bons e outros muito ruins.

Eu pensei um pouco a respeito. Não entendia bem o que Lexy queria me dizer com aquilo, mas entendia bastante sobre ter dias ruins. Eu tinha vivido a pior fase da minha vida, morando com Josiah e com minha mãe nos últimos quatro meses e, mesmo agora, quando eu tinha um lugar seguro para ficar e sabia que não seria assediada ou que passaria fome, ainda sentia como se estivesse vivendo em meio a um pesadelo. Não ter mais o meu avô para me aconselhar e cuidar de mim, era algo com que eu ainda não tinha me acostumado.

— Acho que todos nós temos dias bons e dias ruins. – Falei.

Lexy deixou escapar um longo suspiro.

— Não é tão simples assim com o Shannon, Tove, mas você vai entender no momento certo. Só preciso que se lembre de manter a calma, ok? Eu tive que afastá-lo dos palcos e da mídia para que pudéssemos cuidar dele direito e não posso me dar o luxo de permitir que a sua presença aqui atrapalhe isso.

Eu me senti um tanto ofendida por Lexy achar que eu entraria na vida de Shannon para perturbar sua paz, mas lembrei a mim mesma de que eu já estava invadindo o ambiente cuidadosamente controlado que ela criara para ele em Seattle, então, apenas assenti.

— Vou me lembrar disso.

— Ótimo. – Ela recolocou seus óculos escuros e saiu com o carro, acenando brevemente para mim em despedida.

Para a minha sorte, Lexy já havia informado ao porteiro que eu ficaria no apartamento de Shannon por um tempo, então, ele me deixou subir sem problemas. Quando parei em frente à sua porta, porém, fiquei em dúvida se deveria bater ou simplesmente ir entrando, mas, pelo sim e pelo não, decidi que era melhor anunciar a minha chegada. Não queria correr o risco de entrar e surpreender Shannon em alguma situação constrangedora.

Bati algumas vezes, mas acredito que, por causa da música que emanava lá de dentro, Shannon não tenha me ouvido, então, empurrei a porta da melhor maneira que pude com minhas mãos carregadas de sacolas e entrei. Logo percebi que a música que eu ouvira, na verdade, vinha do piano na sala de instrumentos e, como se aquele lugar tivesse um ímã, larguei minhas sacolas no sofá e caminhei até lá na ponta dos pés.

Shannon estava sentado diante do piano, vestindo apenas uma calça jeans preta rasgada nos joelhos e uma regata larga da mesma cor e eu me permiti apreciar a melodia que ele tocava enquanto observava a forma elegante como seus dedos se moviam pelas teclas de marfim. Eu achava o piano um instrumento incrível e ousava dizer que ele era o meu instrumento favorito, muito embora eu não tivesse qualquer talento para a música. Shannon, por outro lado, tinha um talento e tanto.

Ele tocou algumas notas, murmurando alguns versos para si e, vez ou outra, parando para anotar algumas coisas em uma partitura que estava sobre o piano. Percebi no ato que ele estava compondo uma música e não quis atrapalhar seu trabalho, mas também não quis me afastar daquela sala, porque estava encantada com o que eu via e ouvia.

A música que Shannon compunha tinha uma melodia tão triste, mas, ao mesmo tempo, tão arrebatadora que eu não consegui me forçar a dar meia volta e voltar para a sala de estar, então, simplesmente fiquei ali, encostada à parede atrás dele, meio escondida e completamente fisgada por sua composição. Deixei-me envolver por cada nota, viajando cada vez que o ritmo acelerava um pouco e desejosa de que ele voltasse a tocar todas as vezes em que ele parava para corrigir algo que julgava não estar tão bom.

Às vezes, Shannon repetia a mesma sequência de notas várias vezes, como se para ter certeza de que soavam como ele queria e eu podia perceber que, cada vez que ele precisava repeti-las, seus dedos apertavam as teclas do piano com um pouco mais de força que o necessário.

— Droga! – Ele praguejou em uma das muitas vezes que precisou apagar o que havia escrito na partitura e, na última vez em que teve de alterar alguma coisa na música, ele simplesmente se estressou e agarrou um copo que mantinha em cima do piano, com o que eu julgava ser uísque ou alguma bebida parecida e o arremessou longe.

Centenas de cacos brilhantes se espalharam pelo chão quando o copo se chocou contra a parede oposta do aposento e eu nem consigo explicar o susto que levei quando Shannon se levantou tão rápido que o banquinho no qual ele estava sentado tombou para trás. Então, antes que eu pudesse sequer me recuperar do sobressalto que seu movimento repentino me causara, ele pegou a partitura na qual estava trabalhando e também a jogou longe, fazendo todas as suas folhas esvoaçarem pelo ar.

— Porra! Porra! Porra! – Shannon levou as mãos ao cabelo, agarrando seus fios castanhos-arruivados com força e quando ele se virou para sair dali, seus olhos se encontraram com os meus e ele me encarou assustado.

Parecia que ele tinha visto um fantasma e, por um momento, cheguei a me perguntar se ele se lembrava de quem eu era, mas minha dúvida se desvaneceu quando ele baixou as mãos e respirou fundo, tentando se acalmar.

— Há quanto tempo você está parada aí? – Ele perguntou, parecendo um tanto envergonhado por ter sido flagrado naquela situação de descontrole. – Foi tudo bem com a Lexy?

Eu não soube o que responder. Na verdade, ainda estava meio chocada com sua explosão de fúria, então, simplesmente baixei os olhos para o chão, tentando fazer meu cérebro processar os últimos trinta segundos e foi quando percebi que Shannon estava descalço numa sala onde ele havia acabado de destruir um copo de vidro.

— Não se mexa. – Pedi e corri para fora dali, indo procurar por seus chinelos, mas, quando não encontrei nenhum outro par pela casa, me dei conta de que, na verdade, seus chinelos eram aqueles que ele havia me emprestado na noite anterior e não pude acreditar que ele havia se arriscado a andar descalço pelo apartamento justamente quando havia me advertido para não fazer o mesmo.

Fui até o meu quarto e peguei os chinelos pretos que eu havia deixado perto da cama quando saí com Lexy, mas, quando voltei para o corredor, me deparei com Shannon já analisando as sacolas que eu havia largado sobre o sofá da sala e grunhi.

— Achei que eu tinha pedido para você não se mexer. – Reclamei, mas ele mal olhou na minha direção, antes de começar a fuçar em minhas sacolas de novo.

— Gostei desse aqui. – Ele retirou um sutiã preto com costas nadador feitas de renda de dentro de uma das sacolas e o estendeu diante do corpo. – Está planejando me seduzir, Tove?

Meu rosto queimou de vergonha e, praticamente, voei em cima dele, arrancando o sutiã de suas mãos.

— Você não deveria mexer nisso!

Shannon pouco ligou para o meu protesto e voltou a se concentrar em minhas compras, tirando as coisas de dentro das sacolas e jogando-as sobre o sofá.

— O que é isso? – Perguntou segurando uma caixa de Tampax e eu tive vontade de cavar um buraco e me enterrar nele. Shannon riu. – Brincadeira, eu sei o que é um absorvente interno. Só queria ver a sua cara.

— Muito engraçado, Shannon! – Tomei a caixa de suas mãos e a atirei de volta na sacola, empurrando-o para longe dali.

— Você não comprou nenhuma roupa rosa.

— Que bom que você reparou. Agora, porque você não para de ser tão xereta e vai almoçar, hein? – Entreguei-lhe a embalagem de comida japonesa que Lexy me dera e apontei para a cozinha. – Lexy pediu para eu me certificar de que você comeria isso, então, vamos lá.

A expressão no rosto de Shannon passou de divertida ao desagrado completo.

— Ela já te transformou na minha babá, foi?

— Não seja tão mau, Shannon. Ela só quer cuidar de você. – Eu a defendi. – E, a propósito, você já comeu alguma coisa hoje?

— Claro.

Eu parei de colocar minhas coisas de volta nas sacolas e olhei para ele.

— Ah, é? O que você comeu?

— Comida. – Shannon deu de ombros e eu suspirei, pegando-o pela mão e o arrastando até a cozinha.

— Aposto que você está mentindo. – Tomei a embalagem de comida japonesa das mãos dele e a depositei sobre o balcão, indicando os bancos altos ali em frente com um leve aceno de cabeça.

— Se eu soubesse que você seria tão chata, eu teria te deixado na rua. – Ele reclamou e, muito a contra gosto, se jogou no banco a minha frente, esperando.

Eu organizei tudo que Lexy tinha encomendado em cima do balcão de granito da cozinha e, quando terminei, lhe estendi os hashis, mas Shannon apenas olhou para as minhas mãos.

— Será que você pode cooperar, por favor?

— Eu não sei comer com essa porcaria. – Ele fechou a cara e eu ri.

— É sério?

— Por acaso você sabe comer com isso?

— A Lexy me ensinou. – Arrumei os hashis entre os dedos do jeito que eu havia aprendido naquela tarde e mostrei para Shannon. – Viu? Não é tão difícil.

Ele se debruçou sobre o balcão de maneira dramática.

— Argh! Me diz quem eu preciso matar para conseguir um garfo nessa casa?!

— Aff! Pelo amor de Deus, Shannon! – Larguei os hashis sobre o balcão, peguei um garfo da pilha de louças que eu havia lavado mais cedo e entreguei a ele. – Feliz?

— Radiante. – Ele começou a comer e eu aproveitei o momento para ir até a área de serviço buscar um saco de lixo, uma vassoura e uma pá. Meu coração doía só de pensar em deixar aquela sala de instrumentos cheia de cacos de vidro e fedendo a uísque, então, decidi limpá-la enquanto Shannon almoçava.

Varri e recolhi cada caco de vidro que encontrei, bem como as partituras que estavam espalhadas por todos os lados e, depois, voltei à área de serviço para buscar um balde com água e um pano.

— Você é algum tipo de maníaca por limpeza? – Shannon perguntou, parando à porta da sala de música, ainda com uma pequena bandeja de sushi nas mãos.

Olhei rapidamente para ele e me concentrei em limpar os respingos de uísque que haviam caído sobre alguns instrumentos.

— Não, Shannon. Eu só não acho legal você deixar esse lugar sujo e nem quero que um de nós dois corte os pés aqui dentro.

Shannon entrou na sala e deu uma olhada nas partituras que eu havia recolocado, cuidadosamente, sobre o piano.

— Pode jogar isso fora também.

— O que? – Eu pausei meu serviço e arregalei os olhos para ele. – Por quê?

— Essa música não ficou boa.

— Shannon, essa música está ótima. – Larguei o pano de volta no balde e me aproximei dele, segurando as diversas folhas nas quais ele havia escrito. – Olha só para isso! Eu não entendo porcaria nenhuma desses símbolos aqui, mas eu sei que o que eu ouvi estava muito bom.

Ele riu de meu leigo comentário e pegou as partituras de minhas mãos, analisando-as com olhos clínicos.

— Não sei, Tove. Essa melodia não me convenceu e eu tentei fazer uns ajustes nela, mas... eles ficaram péssimos. Não sei como consertá-la.

— Tem certeza de que ela precisa de conserto? – Perguntei, espiando todas aquelas notas musicais dispostas no papel. Havia alguns versos rabiscados abaixo delas, mas parecia que Shannon fizera apenas um rascunho da letra, escrevendo algumas partes aqui e ali, para que ele soubesse onde cada uma delas se encaixaria na melodia, então, eu não sabia dizer, exatamente, do que se tratava a música, mas sabia que havia um acidente de trem envolvido por que esse era o título.

— Não sei. – Ele inclinou a cabeça, pensativo. – Talvez.

— Você pode tocá-la para mim? – Pedi, tentando ajudá-lo. Eu não era nenhum gênio da música, mas podia, pelo menos, escutá-la e dizer se tinha gostado.

— Hum... – Shannon não pareceu muito confiante, então, simplesmente o empurrei na direção ao piano e o fiz se sentar no banquinho diante dele.

 – Por favor. – Insisti e, depois de ponderar por quase um minuto, ele finalmente se deu por vencido.

— Tá, mas já avisei que ela não está boa. – Ele organizou as partituras na ordem certa e se sentou mais ereto, estalando os dedos e sacudindo um pouco os ombros, antes de começar a tocar.

Não sei o que Shannon considerava como boa música, mas aquela conseguiu me emocionar já nas primeiras notas e, quando ele começou a cantar, eu realmente quis abraçá-lo. Sua voz era tão perfeita e a aquela música era tão malditamente triste! Eu não sabia como alguém podia suportar toda aquela dor e, quando percebi que aqueles versos nada mais eram que uma descrição de como Shannon estava se sentindo, tive vontade de chorar.

Tudo aquilo era tão desolador e tão angustiante que entendi, perfeitamente, porque Lexy tinha decidido afastá-lo dos palcos e da mídia por um tempo. Shannon parecia prestes a desmoronar e com todos aqueles paparazzis torcendo para que ele cometesse um deslize após o outro, mantê-lo sob os holofotes só faria com que sua queda fosse ainda mais dolorosa. Se eu estivesse no lugar dela, também o teria escondido do mundo, pois Shannon não merecia toda a negatividade e todo o ódio gratuito que ele recebia de algumas pessoas. Ele não merecia ser machucado daquele jeito.

Seus olhos azuis-esverdeados se prenderam aos meus e, de repente, foi como se ele estivesse falando comigo. Foi como se cada um daqueles versos fosse uma suplica, um pedido desesperado de ajuda e eu senti meu coração se despedaçar enquanto absorvia cada palavra que ele cantava.

 

Deitado no silêncio, esperando pelas sirenes.

Por sinais, quaisquer sinais de que ainda estou vivo.

Eu não quero perder, mas não estou conseguindo superar isso.

Hey, eu deveria rezar? Deveria me refugiar em mim mesmo?

Até que encontremos um salvador que pode:

Remendar o que está quebrado, desdizer as palavras que foram ditas,

Encontrar esperança na desesperança, me tirar desse acidente de trem.

Desfazer as cinzas, desencadear as reações...

Eu não estou pronto para morrer, não ainda!

Tire-me desse acidente de trem.

 

Shannon fechou os olhos, trancando-se em seu próprio mundo enquanto cantava e eu me concentrei nas mãos dele, na forma como seus dedos deslizavam pelas teclas do piano, tirando o máximo do instrumento, mas sem forçá-lo. Havia um poder suave na maneira como ele tocava que teria deixado o meu avô impressionado, mas o poder que emanava de sua voz era ainda maior.

 

Debaixo do nosso sangue ruim, ainda temos uma música triste.

Estamos em casa, ainda estamos casa, sim.

Não é tarde demais para nos reconstruirmos,

Pois uma chance em um milhão, ainda é uma chance.

E eu prefiro apostar nisso.

 

O refrão recomeçou e eu deixei que a voz forte de Shannon me carregasse para o lugar onde suas emoções repousavam. Ouvir aquela música era como me tornar uma parte dele, era como se eu absorvesse um pouco da tristeza que emanava daqueles versos e, assim, tornasse o seu fardo menor. Então, quando o refrão terminou e os olhos de Shannon voltaram para os meus, precisei lembrar a mim mesma de como se respirava, porque a intensidade que vi por trás daquele olhar me tirou o fôlego.

 

Você pode dizer o que quiser, pois, veja, eu morreria por você.

Eu estou de joelhos e preciso de você para ser a minha guardiã,

Ser a minha ajuda, ser a salvadora que pode:

Remendar o que está quebrado, desdizer essas palavras imprudentes,

Encontrar esperança na desesperança, me tirar desse acidente de trem.

Desfazer as cinzas, desencadear as reações...

Eu não estou pronto para morrer, não ainda!

Tire-me desse acidente de trem.

Tire-me... Tire-me...

 

A melodia foi diminuindo, até se extinguir por completo e, após tocar a última nota, Shannon repousou os dedos levemente sobre o teclado do piano e olhou para mim.

— E então? – Perguntou com certa expectativa.

Eu abri a boca, mas não soube o que dizer. Havia um turbilhão de emoções dançando dentro de mim naquele momento. Eu estava encantada com sua voz e com a melodia e a letra que ele criara, mas também estava triste por tudo que eu ouvira e, embora ainda não o conhecesse direito, estava preocupada com ele. Eu tinha vontade abraçá-lo e de colocá-lo em um potinho, a salvo do mundo que o fazia sentir como se ele estivesse preso em um acidente trem, prestes a perder tudo que conhecia e amava. Eram tantas coisas passando pela minha cabeça naquele instante que eu nem sabia por onde começar.

— Está ruim, não é? – Shannon baixou a capa do teclado e uma expressão decepcionada se instalou em seu rosto. – Eu disse que não estava boa e...

— Tá brincando? – Eu me coloquei de pé, finalmente reencontrando minha voz. – Essa música... Shannon, a melodia que você criou... Eu não consigo nem colocar em palavras o que estou sentindo agora. – Expliquei. – Eu estou olhando para você e eu só quero te abraçar. Você tem noção do que é isso?

Ele me encarou como se não tivesse entendido bem.

— Está me dizendo que gostou da música?

— Se eu gostei? – Me aproximei dele e segurei suas mãos bem apertadas nas minhas. – Shannon, eu sequestraria a porra do trem só para te tirar dele. É sério. Essa música é... ela é muito triste— esclareci –, mas também é linda. Você não pode jogá-la fora, entendeu? Ela está perfeita do jeito que está. Não altere nada nela, por favor, nem mesmo uma nota, ok?

Shannon assentiu parecendo um tanto incomodado com minha proximidade e, então, seus olhos se voltaram para as nossas mãos unidas e ele franziu as sobrancelhas. Percebi que tinha invadido seu espaço pessoal em minha louca tentativa de fazê-lo entender o quanto sua música era incrível e, constrangida com a situação, soltei as mãos dele, rapidamente.

— Acho que já terminei por aqui. – Abri um sorrisinho amarelo e me afastei dele para recolher o balde do chão. – É melhor eu ir guardar as minhas coisas. Aliás, obrigada pelas roupas e... por todo o resto. Você tem sido muito gentil comigo, Shannon.

— Não foi nada.

— Para mim foi. – Meus olhos encontraram os dele novamente e senti um nó se formar em meu estômago por causa da maneira como ele me encarou.

— Você não precisa me agradecer, Tove.

— Acho que eu preciso, sim. – Desviei o olhar para o balde em minhas mãos e apertei sua alça com um pouco mais de força, tentando me concentrar. – Se não fosse por você, eu ainda estaria na rua passando fome, então... obrigada por tudo. Você tem me ajudado muito mesmo, Shannon.

Ele apenas assentiu, então, decidi que seria melhor encerrar o meu discurso de agradecimento antes que eu falasse demais e a situação começasse a ficar muito constrangedora.

— Não se esqueça de jogar essa bandeja fora, ok? – Apontei para o restante do sushi que ele tinha deixado em um canto para poder tocar e, então, saí da sala de música o mais rápido que consegui sem correr.

Eu não deveria ter pedido que Shannon cantasse para mim. Não mesmo! Já era um verdadeiro pé no saco ter que fingir que eu não reparava no quanto ele era bonito e, agora que eu sabia como aquele filho da mãe cantava bem, ficaria ainda mais difícil de ignorar o fato.

Acho que eu finalmente tinha começado a entender o efeito que Shannon Reed causava nas garotas da minha antiga escola. Elas sempre ficavam eufóricas quando ouviam as músicas dele ou quando o viam em alguma entrevista na TV e eu ainda me lembrava do quanto Callie – minha amiga do segundo ano –, havia enchido a minha paciência, contando-me milhares de vezes como tinha sido ir a um show dele e ficar perto do palco. Ela praticamente transformou o show em um filme de romance, repetindo para quem quisesse ouvir que ela e Shannon tinham cruzado olhares várias vezes durante sua apresentação e eu não duvidava que ela tivesse fantasiado uma cena em que Shannon, simplesmente, a chamava para subir ao palco e a pedia em casamento.

Callie era, tipo, uma de suas maiores fãs. Ela comprava todos os seus CD’s e as paredes de seu quarto tinham mais pôsteres de Shannon que qualquer outra coisa. Acho que ela morreria se soubesse que eu estava morando no apartamento dele e que eu tivera a oportunidade de ouvir uma música inédita, mas, agora que eu o conhecia pessoalmente, eu não podia culpá-la por toda essa atração. Shannon era realmente um gato e tinha uma voz incrível! Naquele momento, até eu estava desejando ter ao menos um pôster dele em meu quarto, só para que eu pudesse ficar admirando seus belos olhos azuis-esverdeados, por um longo tempo, sem me sentir culpada por isso.

— Parabéns, Tove. – Resmunguei, enquanto colocava o balde de volta na área de serviço. – Não faz nem vinte e quatro horas que você está nesse apartamento e você já começou a babar pelo cara. Acho que é um novo recorde!

Passei na sala de estar e peguei minhas compras, então, fui para meu quarto provisório e comecei a organizar tudo dentro das gavetas vazias que encontrei no armário. Eu precisava arrumar um emprego logo! Ou, então, precisava entrar em contato com as universidades que me ofereceram uma bolsa de estudos e implorar por uma vaga, porque permanecer no apartamento de Shannon por muito tempo seria uma verdadeira tragédia!

Pelo que eu conhecia de mim, o risco de eu desenvolver uma paixonite estúpida por ele era alto e, se isso acontecesse, seria péssimo porque:

1) Eu era só a garota que estava morando de favor em seu apartamento.

2) Ele era Shannon Reed, cacete! Preciso dizer mais alguma coisa?

3) Eu sabia que Shannon era, pelo menos, sete anos mais velho que eu e isso era um grande problema.

4) Lexy daria um jeito de me matar.

5) Se Lexy não conseguisse me matar, eu certamente acabaria estragando tudo com Shannon e ficaria sem teto de novo.

Isso, claro, considerando que ele sentisse alguma atração por mim, o que poderia nunca acontecer. E, aí, seria ainda pior, porque eu faria o ridículo papel da fã apaixonada e tola e Shannon, com certeza, chutaria a minha bunda para fora dali o mais rápido possível. De qualquer forma, as coisas não terminariam bem e, portanto, eu não queria nem considerar a ideia de acabar gostando dele algum dia.

Shannon tinha que ficar totalmente fora do meu alcance, praticamente sobre um pedestal e, ainda que nós estivéssemos dividindo um apartamento e que manter uma distância segura dele fosse quase impossível, eu me empenharia em manter o foco.

Shannon Reed era território proibido.


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Notas finais do capítulo

Informação:
— Os versos presentes nesse capítulo pertencem à música Train Wreck (Acidente de trem, em português), que é uma das 17 faixas que compõem o álbum "Back From The Edge", lançado por James Arthur em 2016, através da gravadora Columbia Records.

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Bem, gente, eu espero que vocês tenham gostado do capítulo e da música que, aliás, é uma das minhas músicas favoritas do James, mas daqui até o fim dessa fanfic, vocês conhecerão muitas outras rsrsrs.
Obrigado a todos que estão acompanhando a fic e se estiverem curtindo a história, não se esqueçam de deixar um recadinho para alegrar o dia dessa autora que vos fala.

Beijocas e até o próximo capítulo.



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