Dos Mistérios Do Mar escrita por Jweek


Capítulo 1
Dos Recantos Do Mundo: O Pior Lugar


Notas iniciais do capítulo

Bem vind@! Como vai?
Boa viagem e aproveite!
Até.



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Um velho senhor vinha caminhando pela casa, apoiado na criança magrela e descalça, batendo sua perna de pau e mancando. O cheiro de mar impregnando nele e sorrindo para a criança sorridente ao seu lado.

A criança, de calça curta e uma camisa muito grande e encardida para si, achava divertido ajudar o avô, que em nada precisava de ajuda, sempre tão forte e ativo, mesmo com o avanço da idade.

Enfim chegaram na varanda da antiga casa, com vista para o mar e seu horizonte, além do grande e barulhento porto.

O velho respirou fundo e se sentou com estardalhaço na cadeira vacilante, enquanto a criança se sentou aos seu pé e perna de pau, abraçando os joelhos e olhando ansiosa para seu avô, que saboreou o cheiro, sons e visão do mar por um momento a mais, antes de se virar para a criança o olhando em expectativa. Sorriu gentilmente.

Tomou folego, pigarreou e escolheu a história do dia:

“Venha para mais perto do seu velho avô, venha, criança.

Agora lhe contarei uma história, doce Madeleine. Como sei que quer. Uma das minhas? Claro que sim.

É uma história do tempo em que vovô viajava pelo mar em busca de segredos e tesouros. A menos tempo do que realmente, a mais tempo do que achei que um dia aguentaria.

Você ama o mar, eu sei, vejo como o olha, tem o mesmo olhar que eu tinha. Veio com um pouco mais de sal no sangue do que deveria, assim como seu avô. Seu pai não foi assim. Nem seus irmãos o são. Mas você, minha doce Bucaneira, é feita de sal e agua.

Por isso lhe contarei essa história. A história de quando conheci o ser mais cruel, macabro e assustador: o dia em que conheci uma sereia.

Mas não conte a sua avó que lhe contei essa história, ela a odeia com todas as forças. Acredito que me afogaria se soubesse que chegou aos seus ouvidos pela minha boca.

Sempre me disseram que desbravar o mar um dia cobraria seu preço.

Alguns morrem. Alguns perdem membros, como o vovô. Alguns nunca voltavam para casa. Alguns enlouquecem.

Nunca dei muito credito a isso, veja, morrer e se ferir faz parte da vida. Voltar para casa ou não... Bem, depende de pessoa para pessoa qual é o maior castigo. (Para mim, estar em terra era agoniante, estar em alto-mar me deixava doente de saudade de sua avó e de seu pai). Loucura todos temos, cada um com a sua.

Talvez por isso eu tenha conquistado tanto.

Era bravo e destemido. Ia até os confins do mundo e voltava. Viajava e viajava. Nunca me cansava de estar sobre a proa e ver o horizonte sem fim se misturando com o céu.

Eu queria, eu ia.

Então me contaram dessas joias. Joias que só eram encontradas no fundo do mar, no meio do oceano, numa Ilhota de pedras esquecida por Deus: Lagrimas de Anjos. Coisinhas adoráveis, se quer saber. Um pequena e lascada joia dessas compraria uma Ilha ou um título de nobreza.

Zombei dos assustados e convoquei minha tripulação.

Todos escolhidos a dedo por mim ao longo dos anos. Todos destemidos e fortes. Homens e Mulheres que sabiam o que queriam e iam atrás, que não tinham medo de não voltar.

Muitos da taverna e depois no porto, ao comprarmos nossas mercadorias e estoque tentaram nos dissuadir em realizar a viagem, zombamos e zombamos dos velhos cansados e das crianças verdes demais.

Nós sabíamos que era perigoso, era o que nos motivava a ir. Quanto mais eles diziam o quanto era perigoso, mais queríamos ir.

No meio da madrugada, após beijar sua avó e seu pai, embarquei sem medo e com expectativa. Sempre sonhei em conhecer Sereias. E aquelas joias iriam garantir segurança e conforto para sua avó e pai.

A viagem foi longa e cansativa. Quase meio mundo de distância. Mas fomos em meio a cantos e brigas, trabalho duro e calor. O que ajudava a passar o estresse e dificuldade. Não era a primeira vez que fazíamos longas viagens, já havíamos vistos as piores criaturas do mar...

Quer saber de algumas, Bucaneira? Está bem.

Vou contar-lhe de minhas favoritas, então.

Ninfas Nereidas* nas costas Gregas, criaturas encrenqueiras e caprichosas, odeiam humanos em seus domínios.

Hipocampos* ajudam navios e barcos encalhados, mas só se souber agrada-los.

O Kraken* vive em mar aberto, atacando quando querer e o que quiser.

Hafgufa* parecem ilhas, nos mares frios, um conforto desesperador nos desertos frios, para então enfrentar a irá desses monstros gigantes ao incomoda-los.

Akkorokamui*, o polvo destruidor de navios, do outro lado do mar, onde as pessoas são mais amarelas, cuidado ao viajar por aquelas águas, mais brutal e imprevisível que só Kraken, só esse polvo-demônio.

Nunca pesque perto de Salomão, ou será devorado por Abaias*, seres maternais que amam seus colegas de agua doce.

Serpentes Marinhas*, oh criaturinhas irritantes. Atacam em tempestades e gostam de esmagar entre suas escamas nossos cascos.

Existem mais, e das mais variadas formas... O mar é definitivamente algo perigoso. Há criaturas cruéis, tempestades, fenômenos extraordinários, fome, falta de cuidados... Mas naquela viagem descobrimos a pior criatura e desventura do mar: Sereias.

Elas vivem numa região no meio do mundo, bem onde as aguas não são quentes nem frias. Entre as terras dos homens amarelos e nossas costas. (Onde há quem acredite que Atlântica existia e elas habitam seus destroços).

Uma região que ao se aproximar parece que o tempo para e ar fica pesado, às águas impossíveis de se tocar.

De noite, mar revolto e tempestades barulhentas.

De dia, sol quente, ar e mar parado.

Só para chegar na Ilha em si demoramos mais tempo do que a viagem até lá. E ao chegar, não tínhamos mais comida e nossa água estava no fim.

Alguns já haviam morrido ao tentar entrar na água na viagem, alguns de fome. Mas o sentimento de alivio foi unanime, ao avistar as formações rochosas negras.

Ao contorna-las, uma neblina pesada caiu sobre nós e logo não conseguíamos mais mover o navio, sendo obrigados a desembarcar, exaustos e famintos, e ir de formação rochosa em formação rochosa procurando comida.

Depois de dias a procura, avistamos a pequena caverna com abertura do outro lado que brilhava com a luz do Sol, o que teria nos agradado, se não fosse de noite e a tempestade nos castigasse. O abrigo e areia fofa era mais que o suficiente para nos tentar, entretanto, então avistamos as cestas cheias de frutas e peixes frescos, e não havia mais resistência em entrarmos.

Por dias, quando acordávamos lá, de um lado, dia ensolarado e seco e do outro lado, noite tempestuosa, havia comida a nossa espera.

Então armamos uma armadilha para ver quem deixava aquilo para nós e capturamos aquela adorável sereia.

Cabelos que pareciam fios de luz tremulando, olhos azuis como um mar em paz e bom de navegar, pele negra como ébano, com adoráveis pintas se movendo em sua pele, a cauda negra oscilando para cores vibrantes ocasionalmente.

Ficamos tão fascinados com sua beleza, que ignoramos qualquer outra coisa que não fosse ela.

Ela não sabia falar nossa língua. Nós tentamos por meio de gestos nos entendermos, e conseguimos, a muito custo. Ela enfim conseguiu passar a ideia de queria sua liberdade e lhe soltamos, agora envergonhados de termos armado uma armadilha para criatura tão adorável.

Ela voltava agora enquanto estávamos acordados, aprendendo nossa língua e nos encantando e alimentando. E estávamos todos tão embriagados por sua beleza... que demoramos para notar que algo de estranho acontecia.

Foi minha primeira-imediata que notou, me segredando quando a Sereia não estava lá, que faltam membros da nossa tripulação.

Contou-nos diversas vezes e me olhava confusa e atrapalhada, perguntando quantos haviam morrido em mar e quando no caminho até a caverna, murmurando que o número não batia, nem de longe. 5 ou 6, talvez 7, haviam sumido e ela não conseguia realmente se lembrar quem faltava ou como eram.

Disse que era bobagem... Se sempre havíamos sido em 21. 4 morreram de fome. 2 pularam no mar. 4 morreram no caminho até a caverna. Que estamos no número certo, 11.

“Mas capitão... Éramos em 27... Eu tenho certeza.”, disse-me assombrada.

Nosso navegador comentou que ambos estávamos loucos e errados, que sempre fomos em 24. E que foram 7 morreram no caminho até a caverna.

Outro comentou que éramos em 29 e outro ainda que sempre achou que fossemos em 25.

 Cada um se lembrava de um número diferente e ainda que isso não fosse estranho totalmente... Tripulação grande, nem todos se conhecem ou sabem contar, o que nos deixou incomodados mesmo foi que ninguém se lembrava de outros rostos além dos 11 ali vivos.

Por isso, Madeleine, minha querida primeira-imediata e melhor amiga que já tive, marcou na pedra, bem abaixo de onde dormia, 11 riscos com uma estrela do lado.

Não sei bem quanto tempo passou, nem lembrava dessa conversa até ela me cutucar em outro dia.

“O que são esses riscos? Olho e olho e não vejo sentido neles. Sei que é minha marca de ‘homens abordo’, mas não entendo porque fiz isso, nem porque marquei 11 riscos.”, explicou contando comigo.

No primeiro momento, também não entendi, então algo me ocorreu e lhe perguntei se não era porque achava que alguns tinham sumido.

Ela me olhou confusa, mas vi o momento que algo estalou nela e ela se lembrou.

“Sim... E marquei 11 porque era o número em que estávamos...”

Olhei ao redor no momento e contei-nos. Estamos em 7.

Aquilo foi como um sinal para nós. Algo não estava certo. Definitivamente não estava.

Madeleine riscou 4 tracinhos e bolamos um plano de fuga.

Não sei quanto tempo depois, quando observei aqueles rabiscos no chão e chamei Madeleine para saber o que significavam... Não a encontrei e então não sabia como ela era ou quem realmente era Madeleine. Apenas tinha essa sensação de urgência e carinho por essa pessoa que se chamava Madeleine.

Foi quando tomei a decisão que precisava sair dali naquele exato momento.

De um lado chovia torrencialmente e do outro estava Sol de queimar, decidi pela luz, eu precisava ver onde realmente estava e o que acontecia.

Do outro lado... Nas depressões e formações rochosas... Várias criaturas como nossa adorável anfitriã.

Cabelos, peles, olhos, caudas... Cada uma de um jeito... Mas todas de arrancar o fôlego...

Até você olhar seus reflexos na água e o encanto se quebrar e você ver como eram realmente.

Garras afiadas nos lugares dos dedos, membranas entre eles. Dentes espaçados, largos e pontudos, em quantidade superior que eu conseguia contar, numa boca maior e mais flexível que eu já vi. Olhos que piscavam por dentro e pareciam sugar sua alma. Cabelos que pareciam raios, tremulando e estáticos. Guelras e espinhos pelas costelas. Peles cheias de escamas da cor das caudas...

Fiquei estancado, uma adaga numa mão e uma espada na outra, parado na passagem, observando aquelas criaturas brincando umas com as outras. Duas em especial, numa formação mais alta. Uma o oposto da outra, sendo uma nossa anfitriã (versão demoníaca).

Quem me viu foi a outra. Os Raios-cabelos negros, escamas brancas mudando de cor, olhos vermelhos-sangue e fundos, o que havia de pele, branca como leite. Ela apontou para mim com um sibilar que me fez ajoelhar de dor de tão alto e estridente.

Todas se moviam em minha direção agora, garras estendidas, fazendo sons parecidos com da criatura no topo, e vi com horror todos aqueles seres prontos para me devorar, raivosos, então, apesar da dor e da moleza que parecia ter me dominado, me forcei a me erguer e voltar para a caverna, pegando meus dois homens um por cada braço e ignorando seus resmungos e nos jogando na tempestade do outro lado.

Eles não queriam ir e isso dificultou muito nossa corrida desesperada até o navio deixado aos cardumes. Mas não desisti.

Meus ouvidos pulsavam e sentia meu coração bater acelerado. Meu corpo parecia muito pesado e era um suplicio erguer a perna para correr.

Mas eu precisava. Eu precisava sair dali vivo.

As criaturas vinham em nosso encalço, pela água, tentando nos pegar. Meus homens tinham recuperado levemente a consciência e tentavam se defender, acertando as garras delas com as espadas e agora corriam sozinhos, mas ainda pareciam letárgicos (não que eu estivesse realmente melhor).

Não encontrávamos nosso navio e eu já tinha perdido de vista um dos meus homens, quando enfim encontrei um barquinho, meio maltrapilho e muito velho. Eu e o João tentamos remar, mas não haviam remos e não dava para por a mão na água e as Sereias haviam ficado presas numas das pedras, mas não demorariam a achar saída.

“Hipocampo...”, João murmurou, enquanto o barco balançava e eu respirava pesado pensando em o que fazer.

Ele tinha razão. Era a única solução possível... Agora, chama-los.

Não quero assustá-la, meu amor, mas Hipocampos, assim como cavalos, precisam ser agradados, no caso de cavalos, açúcar ou frutas basta, Hipocampos, entretanto, comem carne. Carne de homens e mulheres.

Por isso... Tomei muitas respirações antes de cortar dois dedos e jogar no Mar chamando por Hipocampos, rezando para qualquer Deus que pudesse me ouvir que Hipocampos chegassem ali. João do meu lado me imitava, também rezando.

Acho que algum Deus ouviu, já que Hipocampos apareceram, espantando as Sereias mais próximas e nos carregando dali, enfim seguros.

Quando chegamos na praia daqui os Hipocampos nos encararam e eu sabia que queriam mais carne. E tinha que ser nossa.

Por sorte, eles são bons e quando eu e João estendemos nossas pernas para eles, cada um deu uma bocada, arrancando pouco mais que nossos pés. Sua agua-bucal deixa-nos sem dor e estanca o sangramento, o que provavelmente é o que impede de todos os desesperados ao chama-los morrerem.

Como sabe, querida, ainda fui pescador por muitos anos, exibindo toda minha habilidade em pirataria por essas bandas, mas essa foi minha última aventura em mar aberto e lidando com criaturas estranhas.

As lembranças hoje me assombram. Detalhes que com a ilusão que a comida e o lugar disfarçavam, imagino.

Como os gritos, sangue, cheiro de bosta, ossos jogados para todos os lados. O gosto da carne que elas nos serviam, que eu pensava ser de peixe, quando comia e hoje percebo que nunca foi.

A lembrança dos meus companheiros que perdi.

Por isso, minha linda Bucaneira, ouça seu avô:

Dos recantos do mundo, Ilha de Lagrimas de Anjo é o pior.


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Notas finais do capítulo

*Glossário:
Ninfas:
http://mitologiagrega.net.br/ninfas-da-mitologia-grega/
Hipocampos:
http://portal-dos-mitos.blogspot.com.br/2013/07/hipocampo.html
Obs: a parte sobre comer e etc foi invenção minha. (dar de ombros).
Kraken:
http://portal-dos-mitos.blogspot.com.br/2012/09/kraken.html
http://contos-e-lendas.blogspot.com.br/2011/01/normal-0-21-false-false-false-pt-br-x.html
http://mundotentacular.blogspot.com.br/2017/07/grande-como-uma-ilha-monstros-marinhos.html
Hafgufa:
"(do irlandês haf "mar" + Gufa "vapor"),é um enorme monstro marinho relatado ter existido no Mar da Groenlândia que disfarça-se como uma ilha ou um par de pedras no mar e tinha o hábito de naufrágar as embarcações,é melhor explicado cientificamente como uma ilha desaparecendo,e o hábito de arrotar(após o que parece ser chamado) é explicável pela liberação de gases de metano em submarinos vulcânicos eventos.
No livro norueguês Konungs skuggsjá,Hafgufa(Hafgufu em norueguês idioma antigo)era descrito como um peixe enorme que mais parecia uma ilha do que como uma coisa viva,e descreve como era sua alimentação:"o Hafgufa arrotava,e expulsava tanta comida que atraia todos os peixes nas proximidades.Uma vez que um grande número tinha lotado em sua boca e na barriga,ele fechava a boca e devorava todos de uma vez.
Na saga irlandesa Orvar-Odds,Hafgufa foi a mãe de todos os monstros do mar e se alimentava de baleias,navios,homens,e qualquer coisa que pegava.Hafgufa vivia debaixo d'água,e quando a maré estava baixa à noite,seu nariz e sua cabeça subia para fora da água. A única descrição física fornecida na saga é o nariz de fora da água,que foi confundido com duas pedras enormes subindo do mar." -- http://osdeusesantigos.blogspot.com.br/2013/02/seres-mitologicos-da-agua.html
Akkorokamui:
https://casadecha.wordpress.com/2010/03/02/akkorokamui-a-lula-gigante/
Abaias:
http://portal-dos-mitos.blogspot.com.br/2014/10/abaia.html
Serpentes Marinhas:
http://www.sofadasala.com/misterios/serpentesdomar.htm
http://greciamitos.blogspot.com.br/2012/09/criaturas-miticas-serpente-marinha.html

Bem... Espero que tenha gostado e não se esqueça, cuidado com Sereias quando for viajar pelos mares.
Obrigada por ter lido!
Até.
Beijoos.



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