Da árvore do silêncio pende seu fruto, a paz.

Arthur Schopenhauer

Fazia cerca de 3 meses que Fernando estava nesse relacionamento e, mesmo que ele não nota-se, parecia que tudo havia mudado. Ele conheceu João em um aplicativo. Da forma mais clichê possível. Eles não combinavam em nada. João era Ariano, gostava de se impor, gostava de ser visto e fazia questão de mostrar a todos que estava com Fernando. Fernando de Gêmeos, era adaptável, gostava de silêncio, gostava de ficar em casa e odiava ser visto quando não queria. Mas Fernando tinha dos lados e esse segundo lado o fez embarcar nesse erro de três meses.

Quando eles se conheceram o lado quieto e solitário já estava instalado a muito tempo e o esplendor de confiança que João emanava dos seus mais de 120 quilos fez o lado exibicionista de Fernando surgir como uma flecha. E em menos de uma semana já era namoro. Fernando se deixou levar. Nunca havia se importado com a aparência e o fato de João ser acima do peso não escondeu a beleza do seu rosto ou o modo como sua barba tinha um ponto branco. Fernando olhava para o lado que importava e esquecia o resto. Soube depois que o erro foi esse.

Durante esse três meses os amigos de Fernando o advertiram de todas as formas das coisas que ele fazia questão de esquecer.

“Ele manipula você” - “Vocês não combinam em nada” - “Ele não gosta do seus amigos”

“Você faz tudo que ele quer e ele nunca faz o que você quer."

Nada disso importava. Fernando nunca quis saber sobre os erros cometidos. Sua meta era viver, era curtir uma nova história e ele lutava por isso. João realmente o manipulava. Brincar com seu lado gentil sempre foi fácil. Afinal, não precisava de muito pra o fazer se sentir culpado.

Fernando não seria o responsável pela tristeza do outro.

Então:

“É claro que a gente pode ir ao cinema com sua tia e deixar meus amigos pro próximo fim de semana.”

“Sim, nós podemos ir com seus amigos ao cinema, os meus não se importam se me ver só mês que vem”

“Tens razão, eu não preciso ter contato com o Gabriel. Ele realmente parece estar querendo nos separar”

Fernando gostava de não ter que pensar em onde ir. Gostava de apenas seguir alguém e pela primeira vez na vida, não precisar decidir por nada. Seus amigos aos poucos se afastaram e os amigos de João entraram em sua vida. Suas saídas com colegas de trabalho acabaram. João odiava esperar 30 minutos para vê-lo e em 15 ele estava lá. Suas roupas foram trocadas. João odiava seu modo de vestir. Seu estilo de música tem que ser pop. indie é superestimado e coisa de pessoas depressivas. Seus dias eram tomados por mensagens:

23:00

Onde você está?

23:01

Porque não me responde?

23:01

Você sabe que eu odeio ter que esperar

23:02

Chamei um táxi e ele chega em 5 minutos.

Esteja nele!

23:04

Fernando, dá pra você me responder?

23:05

Você está com quem?

23:06

Odeio quando você não responde.

23:06

Quando você aparecer eu mato você!

23:07

Oi amor, desculpe estava em reunião. Estava meu chefe e mais alguns funcionários. Tivemos um problema na central. Parece que vai haver demissão em massa.

Acabei de entrar no táxi.

Você acredita que ele estava me esperando?

Segundo ele, eu chego ai em 10 minutos.

Fernando não havia percebido como as coisas tinham mudado. Um amigo de João lhe disse uma vez: "Você está tão quieto. Que estranho! Você sempre gostou de falar." As coisas haviam mudado e ele notava apenas agora. Suas falas se resumiam a “sim”, “pode ser”, “o que você quiser”. Ele aprendeu a não falar. Aprendeu a não ter voz. Aprendeu a não incomodar o João com suas coisas, ele não precisava ficar irritado. Uma briga fora o suficiente pra ele se lembrar de como o João chateado não era uma coisa legal.

Estavam na casa de uma amiga de João quando este olhou seu celular. Fernando não se importou, já era rotina, mas o grito revoltado do outro o fez perceber que alguma coisa estava errada. Ele tinha trocado mensagens com um ex namorado, marcado de se encontrar em um evento de anime, mas Fernando iria com todos os seus amigos e o ex era apenas mais um. João não entendeu, gritou, fez drama e no fim da noite Fernando estava ajoelhado lhe implorando pra para entender que ele o amava e que os vizinhos precisavam dormir. João gostou disso. Fernando se ajoelhou mais vezes. João contou aos amigos entre risos todas as vezes que ele se ajoelhou.

Fernando precisou ser alertado pelo amigo do outro para perceber que não tinha mais voz. Tentou encontrá-la algumas vezes, mas as coisas não davam certo. Em uma noite fora obrigado a acompanhar João e sua tia para uma festa Flash Back. No local todos tinham entra 50 a 80 anos. Fernando odiava esse tipo de música. João adorou cada segundo que pode e não notou na melancolia que lhe rondava. As três da manha eles saíram. Fernando foi para casa. Afinal iria trabalhar no dia seguinte.

4:16:

João eu acho que está na hora de acabar. Não me sinto mais feliz e nem me sinto mais eu nessa relação.

É o fim.

As coisas não acabaram bem. João não aceitou facilmente. João berrou, chorou, o xingou, agiu como criança, apareceu na sua porta, fez chantagem emocional, mandou vídeos chorando, ameaçou espalhar suas nudes que fora obrigado a mandar, entre outras coisas, mas ele estava decidido. Ele lembrou-se que durante toda a noite ela só pensava em gritar. Sair correndo e voltar pra casa. Ele não gritou, mandou uma mensagem, mas ele sabia que ali estava o seu grito.