A Fala da Coruja escrita por DLeindecker


Capítulo 1
Mr. Puntisk




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Seus olhos negros brilhavam sobre a densa fumaça que era liberada de seus experimentos; o brilho perdia apenas para o das estrelas no céu.

            O mago contemplava a pesquisa, mas de nada adiantava já que, na prática, o êxito era zero. Nada falava, nada vivia, nada dava certo, pelo menos por enquanto.

            Sua capa o seguia de um lado para o outro, o velho homem, já cansado de tantos fracassos, estava prestes a desistir, sua vida de nada valia se, nem ao menos, algo dela ele poderia deixar aos outros.

            Aquele estava quase sendo o pior dos seus dias, nem uma explosão ele conseguiu obter, nem fogo ele conseguiu causar, o resultado era nada em qualquer tentativa. A única fumaça que tinha era provida da queima de canela, que deixava, além do aroma doce, seu cérebro acelerado, mas como o dia era quase o seu pior, nem isso o ajudava.

            O velho, com os cabelos escondidos pelo chapéu pontiagudo, coçava seu grande nariz antes de enfileirar os bonecos de madeira que ele estava tentando trazer à vida. Os bonecos, feitos das lisas madeiras de eucalipto, que estavam por incrível que pareça muito bem feitos: a madeira bem polida e todos vinham acompanhados de uma bermuda cor de marsala, cor essa que se obteve da extração de pequenas uvas selvagens.

            Seus braços magros faziam força para erguer um dos pequenos bonecos. Ele estava tão fraco que parecia passar dos mil anos.

— Boneco esse não falhará! — disse ele com entusiasmo, não ligando para a desordem de suas palavras, ele já era velho, de nada isso importava.

            Com a mão direita o mago pegou um frasco de mistura densa, vinda da junção de seiva de babosa e âmbar das árvores retorcidas, encontradas no centro da floresta. Em sua outra mão, colocou uma pitada de pimenta dos dragões, a mais forte pimenta já vista, e jogou-a dentro do frasco com o denso liquido.

            Uma espuma, ligeiramente verde, começou a surgir a partir da mistura. O velho mago largou um sorriso de satisfação.

— Certo agora esta! — falou levantando o frasco sobre sua cabeça, o que acabou se tornando um chamarisco para Mr. Puntisk, um chamarisco que, aos seus olhos laranja, foi deveras chamativo.

            Mr. Puntisk era uma coruja, uma coruja negra com penas num tom grisalho. Ela era a coruja de estimação do velho mago e de longe, seu melhor amigo. De nada sabia, mas de tudo escutava, só faltava-lhe a fala.

            Saindo de seu galho seco, Mr. Puntisk sobrevoou a pequena sala onde o mago estudava (e bolava seus fracassados feitiços). Voando sobre sua cabeça, ela abocanhou o frasco com o bico, ingerindo assim, toda a espuma formada.

— Maldito seja o dia que você eu domestiquei! — esbracejava o velho mago, nem ele, ao menos pelo pouco que lembrava, se imaginou tão furioso, ele realmente estava certo de que aquele era a mistura correta.

— Feio é você Mr. Puntisk, agora buscar mais âmbar eu terei. — continuou, puxando para si um pequeno frasco de vidro.

            O velho saiu de sua pequena casa, que se encontrava ao lado esquerdo da floresta. Floresta esta, onde se acha o âmbar das árvores retorcidas. Sua casa misturava pedra e madeira. Cascalho e eucalipto. Vida e morte. Sorte e azar. Cheiro de nada e cheiro de tudo. Uma casa estranha, própria de um senhor estranho.

            Entrou na floresta, sem nada a temer, ele era seu próprio guia. Não acreditava em seus olhos, mas sim em sua intuição. Pouco enxergava com seus olhos já cansados da idade e esse tão pouco ainda o pregava peças.

            Por sorte era um pequeno pedaço de mata. Mesmo assim, quando chegou ao centro, onde se encontravam as tais árvores retorcidas, o mago já estava cansado, inclusive de Mr. Puntisk.

            Com o pequeno recipiente de vidro em mãos e com a ajuda de uma pequena faca de ferro bruto, já enferrujada do tempo, preencheu-o com o âmbar, de uma cor amarelada tão intensa, que dava para ficar olhando admirado por horas e horas.

            Com passos vagarosos e doloridos, depois de muito tempo, o mago milenar, finalmente retornou à sua casa.

            Fez a mesma coisa que antes: com a mão direita o mago pegou um frasco de mistura densa, vinda da junção de seiva de babosa e âmbar das árvores retorcidas, encontradas no centro da floresta. Em sua outra mão, colocou uma pitada de pimenta dos dragões e jogou dentro do frasco com o liquido.

            A espuma, ligeiramente verde, começou a brotar novamente. Agora o boneco já estava à espera de seu feitiço.

            A espuma passou a escorrer pela madeira de eucalipto bem polida, como a água escorre pelo corpo, quando a tempestade chega. E, como de costume, nada aconteceu.

— Esperar vou eu! — falou o velho mago, sentando em uma cadeira de balanço e colocando a ponta de sua capa em seu colo, fazendo carinho no tecido caro que um dia comprou. — Certeza eu tenho, que essa é a correta combinação!

            E muito tempo foi-se ali. E nada. O boneco continuava boneco. O velho continuava esperando, sem êxito. “Morre por último a esperança”, ele lembrava.

            Sua cadeira acompanhava o ritmo do vento, para frente e para trás.

            Muito mais tempo passou e nada, o velho mago acabou pegando em um sono profundo, mas foi acordado com o barulho da própria baba que já formava uma poça em sua coxa esquerda. Finalmente desistiu, sabia que de nada adiantava esperar por um boneco de madeira que é e sempre vai ser um maldito boneco de madeira.

Achei que você nunca mais ia desistir desse boneco. Finalmente você desistiu, mestre. — olhando para trás assustado o velho acabara de ver que a fala veio da coruja.

            Finalmente algo acabou dando certo. Parece que o dia não chegou a ponto de ser o pior. Realmente a combinação correta é a espuma ligeiramente verde. A fala da coruja, nada mais foi, que o primeiro êxito do velho mago. Mas então por qual motivo não funcionou com o maldito boneco feito de madeira de eucalipto?


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