Eu tive uma semana cheia. Precisei resolver um monte de coisas relacionadas à herança dos meus pais. Bom, basicamente, ficou quase tudo para mim, já que sou a única filha viva e sou maior de idade. Paralelamente, eu ficava o tempo todo pensando no sonho daquele dia, até consegui me lembrar de outras partes.

Eu usava arco e flecha... e era muito boa nisso! Tinha um príncipe e várias criaturas mágicas, como faunos, centauros e, claro, animais falantes. E Lúcia chorava em algum momento... por que ela chorava? À medida que eu me lembrava do sonho, ele parecia mais real. Não fazia sentido parecer real, era tudo tão estranho...

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Lá estava eu, sozinha naquela casa. Não conseguia me acostumar com a solidão e, por algum motivo, não tinha vontade de sair. Pelo menos, os meus amigos me entendiam, diziam que devia fazer parte do luto. Enfim, numa certa noite solitária, eu tive outro sonho. Foi com o Pedro e o Professor Kirke.

Olhava para o professor muito séria.

— Mas como é que pode ser verdade, professor?

— E por que você duvida?

— Bem — disse Pedro —, então, se é verdade, por que não encontramos sempre o tal país fantástico ao abrir a porta do guarda-roupa? Não havia nada lá quando olhamos; nem Lúcia teve coragem de fingir que havia.

— E isso prova o quê? — perguntou o professor.

— Ora, se as coisas são verdadeiras, estão sempre onde devem estar.

— Tem certeza, Pedro?

Ele não foi capaz de responder.

— Mas ela não teve tempo! — eu disse. — Mesmo que esse país existisse, Lúcia não teve tempo de ir lá. Veio correndo atrás de nós, logo que saímos da sala. Demorou menos de um minuto, e ela diz que passou horas lá.

— Pois é exatamente isso que me faz acreditar na história — disse o professor. — Se, de fato, existe nesta casa uma porta para outro mundo, e se Lúcia conseguiu chegar a esse mundo, não ficaria nada admirado se ela houvesse encontrado lá um tempo diferente; assim, podia muito bem acontecer que, embora ela ficasse muito tempo lá, a gente não percebesse isso em nosso mundo. Lúcia, na idade dela, não deve saber disso. Logo, se estivesse fingindo, deveria ficar escondida durante mais tempo, para depois contar a mentira.

— Mas, professor, acha mesmo que pode existir outro mundo, em qualquer lugar, tão pertinho? Será possível?

— É muito possível.

Acordei subitamente e com os olhos arregalados. Não era um sonho, era uma lembrança! Eu sei de que país estávamos falando, era de Nárnia! O mesmo lugar do meu outro sonho... Então era disso que meus irmãos falavam o tempo todo, de Nárnia! Eu finalmente lembrei, lembrei de tudo!

Lembrei de quando entramos no guarda-roupa da sala vazia e vimos Nárnia pela primeira vez, nos convencendo de que a pequena Lúcia estava falando a verdade. De quando fomos à casa dos castores e ouvimos o nome de Aslam pela primeira vez. De quando fugíamos da Feiticeira Branca e ganhamos os presentes do Papai Noel. Do meu arco que quase nunca errava o alvo e da minha trompa de marfim (eu tinha mesmo uma trompa mágica!). De quando conhecemos Aslam. De quando Pedro me salvou de um lobo. De quando eu e Lúcia vimos o pobre Aslam ser morto pela feiticeira para salvar a vida de Edmundo. De quando vimos a mesa de pedra se partir e o leão aparecer majestoso diante de nós. De quando cavalgávamos em suas costas. De quando meus irmãos e eu fomos coroados reis e rainhas de Nárnia. De meus anos como rainha Susana, a Gentil. De como eu não era muito chegada a batalhas e preferia ficar em Cair Paravel. De quando fomos atrás do Veado Branco e acabamos voltando ao guarda-roupa. De quando voltamos a Nárnia para ajudar o príncipe Caspian. De quando eu não acreditei em Lúcia quando ela disse ter visto Aslam e de como eu fui grosseira com ela na maior parte do tempo. De como me arrependi ao vê-lo diante de mim e de como ele me deixou tão bem. De quando ele contou a mim e a Pedro que não poderíamos mais voltar a Nárnia. Da nossa despedida.

— Susana? — perguntou uma voz que eu sabia exatamente de quem era.

— Aslam? — sentei-me na cama e passei os olhos pelo quarto para ver se o encontrava. — Onde está você? — meus olhos começaram a lacrimejar. — Desculpa! Desculpa por ter esquecido Nárnia, por ter esquecido você!

— Está perdoada, minha filha.

— Nem acredito que posso ouvir sua voz de novo! Aslam... sabe onde estão a minha família e os meus amigos que estavam na viagem de trem?

— Sim.

— Eles estão com você? Estão bem? Estão em Nárnia?

— Estão todos comigo e estão todos juntos e bem. Estão em Nárnia, mas não na que você conhece. O lugar onde eles se encontram é ainda melhor.

— Melhor? Isso é possível? Nossa... eu não consigo nem imaginar... Ahm... Aslam...

— Sim, Susana...

— Pode dizer à minha família que eu os amo e que sinto muito a falta deles? E aos meus irmãos e aos outros amigos de Nárnia que eu consegui me lembrar?

— Não se preocupe, Susana. Eles ficarão sabendo disso.

— Obrigada, Aslam. Eu queria tanto estar lá com eles...

— Quando chegar o seu momento, você os encontrará. Basta andar no caminho certo.

— Eu tenho medo de esquecer tudo mais uma vez... — suspirei. — Eu não quero isso nunca mais, Aslam!

— Não deixe que o medo a domine. Foi o medo que a fez esquecer da última vez.

— Acho que sim... Eu tinha medo de não conseguir viver aqui se pensasse em Nárnia, por isso parei de acreditar e, consequentemente, esqueci... Mas agora eu vejo que meus irmãos, que não esqueceram, estavam bem melhor do que eu...

— Agora sabe que não precisa esquecer. Você foi uma rainha de Nárnia. E quem é coroado rei ou rainha em Nárnia, será para sempre rei ou rainha. Guarde isso em seu coração.

Eu sentia uma alegria inexplicável e voltei a dormir plenamente feliz.

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Na manhã seguinte, eu não tinha certeza se a minha conversa com Aslam havia sido um sonho ou não. Mas em sonho ou não, ele tinha falado comigo. Eu estava em paz e feliz. Há quanto tempo não me sentia assim? Agora eu sabia que as pessoas que havia perdido estavam bem e que eu voltaria a vê-las algum dia. Não as tinha perdido para sempre.

Eu não me sentia mais sozinha. Apesar de não vê-lo, eu sabia que Aslam estava sempre comigo. E agora eu lembro que sou a rainha Susana. Porque quem é coroado rei ou rainha em Nárnia, será  para sempre rei ou rainha!