Quantas voltas escrita por DiHen Gomes
Não era a minha vontade, mas ainda preciso ir mais um dia na Reemid. Não para trabalhar naquele meio de gente sem visão (graças a Deus!), mas apenas pela papelada. Assinar a carta, pegar o acerto, entregar os trabalhos que deixei em aberto. Não deixar nenhum motivo para falarem de mim.
E qual não é a minha surpresa ao chegar no escritório?
— Oi, Valdir!
Respondo Ariana com outro oi, ao que aparece Joana, sem medir palavras.
— Dixie, hum, quem diria? Arrumou um namoradinho? Que pena que é o último dia dele aqui. Agora quem vai pular de galho em galho com você? Que dó…
Quando ela desfaz o bico ridículo com o qual humilhou minha amiga, vem até mim com alguns papéis e uma caneta. Bato por baixo e lanço tudo ao ar. Ariana e outra moça na mesma sala param tudo que fazem ao ver os papéis voando e a caneta se quebrar em três no porcelanato.
Dou meia volta.
— Deixa quieto, dona Joana. Não se preocupe, vou ficar muito bem. Bom dia.
Já chegando na rua, ouço gritos delas.
— …PAGAR CARO, ARIANE!
— NÃO, QUEM VAI PAGAR CARO É VOCÊ, SUA, SUA RACISTA DESGRAÇADA! NUNCA MAIS BOTO MEUS PÉS NESSE…
Barulho alto de coisas caindo, algo quebrando, uma correria. Atrás de mim vem Ariane correndo, em lágrimas.
— Valdir, me ajuda. E agora?
Vejo o desespero em cada engasgo de Ariana. É difícil saber exatamente o que ela sente, mas tenho uma vaga ideia.
— Calma, Ariana, vai dar tudo certo. Não se desespere.
Ela me abraça de uma forma diferente. Suplicante, como uma criança. Seguro-me para não chorar junto com ela. E, muito sem jeito, tento corresponder o abraço, sem me envolver muito, afinal, ela é uma moça, e nem a conheço direito.
Mas quero conhecer. E quero muito mais que ela conheça quem eu conheço.
— Ariana, vamos comigo no Centro de Ajuda.
Andamos um pouco, e Ariana vai se recompondo aos poucos.
— E agora, como vai ser? Sem emprego, sem dinheiro, sem ajuda da família, estou perdida.
— Há uma solução, sim. Acredita, você não precisa sofrer, alguém já sofreu em seu lugar. Você tem que continuar firme, e tudo vai se encaixar, e uma porta muito melhor vai se abrir.
— Ai, Valdir, eu queria saber qual o segredo pra você se manter tão calmo. Você também tá sem emprego, né?
Com respeito, toco seu ombro. E ela própria limpa do rosto as lágrimas.
— Emprego a gente arruma outro. Além disso, tenho meus negócios, que Deus tá abençoando. Mas o segredo, se você quer saber, vem comigo amanhã, quarta-feira, e você vai receber a mesma força que eu tenho.
Na hora, pensei que Ariana daria alguma resposta, teria dúvida, mas não. Ela apenas sorri e aceita meu convite. Tá ligado! Mais uma alma que logo estará no Reino de Deus.
E meu pai, tenha misericórdia de mim, me perdoa, eu não devia ter explodido lá na Reemid. Péssimo testemunho! Perdão, meu pai.
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