Os Jardins Suspensos escrita por Araimi


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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Ela o odeia.

 

Ela sente falta de seus irmãos, do pai e da mãe. Ela sente falta de casa. Não há nada nem ninguém na Babilônia que ela conheça. É uma linda cidade, mas é vazia para Amitis e ela a odeia assim que coloca os pés em suas terras. Ela odeia seu noivo. Ela teme seu noivo. As histórias sobre Nabucodonosor, o herdeiro da Babilônia, chegaram aos seus ouvidos pelas mais diversas fontes. Amitis quer fugir. Mas ela tem um dever a cumprir.

 

—***-***-***-

 

Ela treme da cabeça aos pés. Cerra o maxilar, fecha os punhos, mantém os braços bem unidos ao corpo. Quer parar de tremer, não quer demonstrar fraqueza. Seu marido se serve de vinho e a olha como um predador. Ele tem um sorriso nos lábios que a dá calafrios.

 

— Você está com medo? – Ele pergunta.

 

Amitis nega com a cabeça, procura sua voz e responde:

 

— Não.

 

Nabucodonosor ri.

 

— Você é uma péssima mentirosa. Espero que seja melhor esposa.

 

Ela o odeia e seu ódio acalma um pouco seu nervosismo, seu medo. Seu marido se aproxima dela, afastando o cabelo escuro de seu pescoço. Ele toca a pele exposta ali e a olha nos olhos.

 

— Eu não vou machuca-la. – Ele diz.

 

É sua primeira mentira.

 

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Foi doloroso e desconfortável e Amitis não quer repetir a experiência.

 

Seu marido está em seu quarto na noite seguinte.

 

E na noite após aquela.

 

Com o tempo, seus deveres de esposa deixam de ser um fardo.

 

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Ele a trás um buquê de flores em uma manhã ensolarada. Flores que ela jamais havia visto.

 

— Crescem apenas aqui. – Ele a informa, quando a percebe estudando-as com demasiada curiosidade. – Mandei cultivá-las especialmente para minha esposa.

 

Ele sorri e, por trás de sua densa barba e seus olhos carregados, existe algo de jovem e acessível. Nabucodonosor acaricia sua bochecha com o dorso da mão e sai para encontrar seus amigos.

 

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Ele a beija assim que os dois ficam sozinhos, apertando-a contra si, roubando seu fôlego, como se quisesse devorá-la. Ela o acompanha após alguns segundos. Ele ri baixo contra seus cabelos.

 

— Não tem mais tanto medo de mim, não é? – Ele a olha nos olhos e ela sabe que não consegue disfarçar seu incômodo. Ele ri mais um pouco. – Mas ainda não gosta de mim.

 

Ela quer estapeá-lo, mas se restringe a puxá-lo para um beijo feroz.

 

Talvez ela o tenha mordido, mas ele não pareceu incomodado.

 

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— Minha senhora tem tanta sorte. – Diz uma de suas servas. – O príncipe Nabucodonosor é um grande homem. O melhor marido que qualquer mulher poderia desejar.

 

Ela olha para sua serva longamente. Sorri.

 

Mais tarde, ela ordena que a criada seja mandada para longe.

 

—***-***-***-

 

Amitis recebe todo tipo de presente quando sua gravidez é anunciada. Seu sogro, o rei, parece mais contente do que ela jamais havia visto. Seu marido, no entanto, não demonstra nenhum sentimento especial. Isso a irrita. Isso a magoa.

 

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Ele vai para seus aposentos em uma noite e, quando eles acabam, ele não vai embora, recostando-se contra suas almofadas, observando-a com olhos escuros atentos. Devagar, com cautela, Nabucodonosor põe sua mão sobre a barriga ligeiramente acentuada de Amitis. É diferente de seus outros toques, é gentil e leve. Ela o observa com curiosidade.

 

Ele não sorri, mas inclina-se para beijá-la nos lábios e, em seguida, em sua barriga. Ele encosta a bochecha contra seu ventre, acariciando sua pele. Lentamente, Amitis ergue uma mão para acariciar os cabelos de seu marido, como quem acaricia um animal violento e imprevisível. Ele beija sua barriga novamente e faz uma trilha de beijos até estar entre suas pernas.

 

Aquilo é novo. E tira seu fôlego.

 

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— É um menino. – A parteira diz sorridente.

 

Amitis dá um sorriso cansado. Um menino. O que seu marido desejava, o que seu sogro e seu reino esperavam. Um herdeiro.

 

— Me dê ele. – Ela pede, ordena, implora. Está cansada.

 

Eles colocam o menino em seus braços e ele é vermelho e inchado e berra a plenos pulmões. Ela o ama mais do que jamais achou ser capaz de amar.

 

Seu filho.

 

—***-***-***-

 

Nabucodonosor ergue Evil-Merodaque no ar. O menino ri. Amitis observa com um sorriso no rosto.

 

Seu marido mostra ao filho seu futuro reino da varanda de seus aposentos. Ele fala como se o bebê fosse entender e aquilo aquece o coração de Amitis.

 

Um servo entra, avisando que o rei gostaria de falar com Nabucodonosor. Seu marido tem feições duras e o corpo rígido e devolve o menino a Amitis como se ele não pertencesse aos seus braços.

 

Ele a pede licença e sai de seus aposentos caminhando como um guerreiro, como um príncipe.

 

Amitis não tem certeza se gosta desse marido que a arranjaram ou não. De qualquer maneira, ela o prefere quando eles estão sozinhos.

 

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— Você realmente precisa ir? – Ela pergunta, enroscando sua perna a dele.

 

Ele sorri, virando-se para ela, seus dedos calosos traçando círculos e desenhos em sua barriga desnuda. Faz cócegas e ela remexe-se contra seu marido.

 

— Não me diga que você vai sentir minha falta. – Ele brinca.

 

— Eu não vou. – Ela diz. – Mas volte logo.

 

—***-***-***-

 

Ele sorri para ela, quando os dois estão sozinhos, com frequência. Mas raramente quando ele está em público, raramente para qualquer outra pessoa.

 

Ele tem feições sérias e sobrancelhas que estão permanentemente franzidas em um sinal de desaprovação. Ela passa as mãos por sua testa, tentando desfazer aquela expressão. Ele a olha e sorri e a expressão vai embora.

 

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Seus dedos fazem uma massagem nos cabelos de Amitis. Ambos estão entorpecidos pelo sono, absortos nos resquícios da nuvem de prazer que ainda os circundam.

 

— Eu amo você. – Ela sussurra.

 

— Eu amo você. – Ele sussurra de volta.

 

E a aperta mais contra si.

 

—***-***-***-

 

Ele passa a mão por sua barriga protuberante, sem medo. O bebê chuta com entusiasmo, Amitis tenta não emitir qualquer som de desagrado quanto à movimentação excessiva dentro de si.

 

— O que você quer? – Ela pergunta. – Um menino para ser herdeiro de Evil?

 

Ele nem a olha, absorto em sentir o próximo filho.

 

— Não. – Ele diz. – Uma menina. Uma menina que pareça a você.

 

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De todos os seus filhos, Evil-Merodaque é o que mais se parece a ela, mas ele pertence a Nabucodonosor, para que ele faça do menino um guerreiro, um rei. Amitis não o ama mais do que as meninas, mas ele foi seu primeiro, seu único filho, e ela o ama da maneira que só é possível amar seu primogênito. Nitócris, a menina que Nabucodonosor alimentou esperanças de ser como a mãe, é a mais parecida ao pai, voluntariosa, com um temperamento terrível. Amitis sabe que essa vai lhe dar mais trabalho. Kassaia... Amitis não tem certeza. Uma mistura dos dois, talvez nenhum dos dois. Kassaia é quieta e gentil e um tanto quanto frágil demais. Amitis adora a filha mais nova, mas teme que ela fique sempre no mundo da lua e nunca acorde para o mundo real. Ela teme que o mundo real possa despedaçá-la.

 

—***-***-***-

 

Ela aprende com o tempo que, se pedir as coisas certas, no momento certo, há muito pouco que seu marido a negue. Amitis não acha que tenha sido uma escolha tão ruim assim, afinal de contas, esse seu marido.

 

—***-***-***-

 

Quando ele se vai, ela se sente sozinha, como nos primeiros meses de sua estadia na Babilônia.

 

Agora ela tem seus filhos. Ela tem seus servos fieis, seu estimado Aspenaz. Todos a reconhecem como princesa da Babilônia e a tratam com respeito. A Babilônia é sua casa.

 

Mas quando ele não está, é uma casa vazia.

 

—***-***-***-

 

Após uma vitória, ele a procura.

 

Ele sempre volta para ela, com um sorriso no rosto e um beijo nos lábios, rápido, pois ele não gosta de grandes demonstrações de afeto em público, mas o suficiente para assegurá-la que ele havia sentido saudades. Mas, a noite, quando seus generais e seus súditos são dispensados e o rei já não se importa mais com a ausência de Nabucodonosor, ele vai até seus aposentos e demonstra o quanto realmente havia sentido sua falta.

 

Ele coleciona vitórias e glórias e compartilha todas com ela durante a noite. Conta-lhe histórias sobre os lugares em que esteve e lhe trás presentes. Ele a cobre de beijos e a toma como um homem sedento. Amitis não é ingênua de pensar que ela é a única mulher em sua vida, especialmente quando seu marido passa tanto tempo longe dela. Mas ele a faz sentir a mulher mais importante do mundo e, por isso, ela pode perdoar suas falhas.

 

—***-***-***-

 

Ele está irritado com Evil, que demonstra mais interesse pelos livros que pela arte da guerra. Também com Nitócris, que está se mostrando cada vez mais voluntariosa. Kassaia raramente lhes dá preocupações.

 

Amitis massageia suas costas, tentando aliviar a tensão de seu marido.

 

— Ele é apenas um menino. – Ela diz em seu ouvido. – Não se preocupe tanto com Evil, ele será um ótimo rei.

 

— Eu quero que ele seja um ótimo guerreiro. – Ele grunhe.

 

Amitis suspira e puxa seu marido para um beijo para que ele se cale.

 

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O rei está morto.

 

Vida longa ao rei.

 

Ela o quer em casa. Volte para casa. Tragam-no para casa.

 

—***-***-***-

 

Nabucodonosor II é coroado rei da Babilônia com toda a pompa e circunstância que lhe é devida. Ela participa das celebrações e das festividades ao seu lado. Sempre ao seu lado, mesmo quando está dois passos atrás. Amitis se retira mais cedo e caminha pelo palácio recebendo reverências e saudações.

 

Amitis da Média, Rainha da Babilônia.

 

Ela o espera em seu quarto, mas ele só vem no meio da noite, acordando-a com beijos e mãos em seu corpo. Eles não tiveram tempo o suficiente a sós desde que ele voltara.

 

Ele a puxa para si quando eles terminam e há algo de melancólico em seus olhos. Ela passa a ponta dos dedos por seu rosto.

 

— Você acha que eu serei um bom rei? Seja sincera.

 

Amitis sorri.

 

— Você sempre foi um bom rei.

 

Ela é verdadeira, apesar de omitir certas opiniões. Seu marido gosta de sinceridade, mas não muita.

 

Ele a beija e eles se perdem um no outro novamente.

 

—***-***-***-

 

Ela passa a ponta dos dedos ao redor dos olhos, suspirando incomodada.

 

— Você ainda vai me amar quando eu for feia e velha?

 

Ele desalinha seus cabelos e beija seu ombro.

 

— Você nunca será feia. E quando você for velha, eu também serei.

 

—***-***-***-

 

Ele a presenteia com a maior obra arquitetônica já construída pelos babilônicos, uma das grandes maravilhas do mundo. Por algum motivo, isso a lembra de seu jovem marido, a presenteando com flores que ela jamais havia visto. Agora ele a presenteia com o mais belo jardim já visto pela humanidade. Os Jardins Suspensos da Babilônia, o chamam.

 

De perto, é de tirar o fôlego. De longe, de uma das sacadas de seu palácio, parece uma montanha cheia de árvores e flores e a lembra sua antiga casa na Média. Suas duas casas se encontram na Babilônia, sua gloriosa cidade.

 

Seu marido beija sua mão, observando-a com atenção, como se ele fosse mandar derrubar tudo e construir de novo caso ela não aprove seu jardim.

 

— O que acha? – Ele pergunta.

 

Amitis aperta sua mão.

 

— Acho que nenhum rei alguma vez deu a sua rainha mais magnífico presente.

 

Ele sorri e é o sorriso que ele dá apenas para ela. Nabucodonosor vira-se para seus súditos e, com o sorriso do rei, acena para todos.

 

—***-***-***-

 

Nabucodonosor II, rei da Babilônia, presenteou sua rainha, Amitis da Média, com os Jardins Suspensos da Babilônia.

 

Assim eles serão lembrados pela história.

 

Ele assim o fez porque a amava.

 

E ela a ele.


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