Memórias de um Tempo Esquecido escrita por Lady Nymphetamine


Capítulo 3
A Queda




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 Diante da primeira oportunidade que se apresentou, Regina pegou o seu cavalo e seguiu mais uma vez se embrenhando pela floresta, rumo a localização que Robin havia citado. Precisava vê-lo e corrigir o que havia acontecido em seu último encontro na Fortaleza Proibida, mais do que isso, precisava ter certeza se ele seria a pessoa certa, embora sua fé em existir alguém assim fosse um tanto fraca, dado o que havia acontecido com Daniel.

Desta forma, procurou por quase um dia inteiro. Apenas quando a noite ameaçava cair e já seria bom procurar uma estalagem ou seguir para seu castelo, foi que a Rainha, andando por uma pequena vila, captou o trecho de um diálogo:

— Hood quer que voltemos logo – disse um homem.

— Eu sei, está ficando tarde, não vamos nos perder – o outro respondeu.

Então, assumindo uma distância segura, Regina os seguiu desmontada, levando o seu cavalo logo atrás. Não queria perdê-los de vista, nem que percebessem a sua presença. Seguiu por vários minutos na noite escura, mal conseguia enxergar um palmo a sua frente no meio da mata, até que se deu conta que havia se separado das pessoas que seguia.

— Ótimo... – Reclamou consigo mesma.

Neste instante, tochas e lampiões começaram a se acender entre as árvores. Sua presença havia sido notada, ela estava cercada e o círculo se fechava cada vez mais. Conseguia enxergar, eram pelo menos dez homens, todos com arcos, espadas e machados apontados para ela, como se fosse uma imensa ameaça.

— Quem é você? – Um deles perguntou com uma voz grave. – O que faz aqui?

A luz não permitia que visse os seus rostos, tinha que levantar uma mão e cobrir os olhos para não ficar cega. Sem outra alternativa, viu-se forçada a responder:

— Eu escutei falarem de Robin Hood. Preciso falar com ele.

Os homens começaram a rir, sem levá-la a sério. Outro deles disse:

— E o que lhe faz pensar que a levaríamos até Robin Hood?

— Devíamos amarrá-la a uma árvore, a garota pode estar sendo seguida pela guarda real – pontuou mais alguém.

Então uma pessoa, uma voz mais grave de um senhor, foi chegando perto:

— Minha criança, não tenha medo. Estes homens deveriam se envergonhar de tais palavras. Venha, vamos comigo até o acampamento. Robin vai falar com você.

Ela agora podia ver o senhor vestido como um monge, um frei, o que lhe passava alguma segurança, ao menos não seria ferida. Acompanhou-o e o resto do grupo vinha atrás, como uma procissão. Chegaram até o meio de altas árvores, um bom lugar para não ser achado, onde havia algumas barracas espalhadas, carroças e cavalos. Não havia fogueiras, as tochas e lanternas iluminavam parcamente o local para que o véu da noite os protegesse de estranhos.

Num círculo de pessoas bem no centro do acampamento estava o ladrão, ao que Regina o reconheceu de longe e sorriu, indo em sua direção.

— Robin! – Ela o chamou. – Robin! Você está bem?

Ele a olhava um tanto confuso, surpreso até pela presença. Ficou sem resposta por algum tempo e, uma vez que todos o olhavam indagando, se afastou um pouco para poder conversar melhor com a morena.

— Regina – ele disse um pouco sem jeito -, você deixou a Fortaleza Proibida! Aconteceu alguma coisa? O dragão a machucou?

— Não, não, Malévola jamais faria nada contra mim – mas não era sobre isso que queria falar. – E você? Eu o procurei tanto, deixei o castelo logo depois que ela o fez sumir e não o encontrei, precisava saber se estava tudo bem.

— Está, está sim – Robin respondeu. – Não me machuquei nem nada. Você não deveria estar aqui, a floresta é um lugar perigoso.

— Eu não tenho medo – ela falou franzindo a testa, nada neste mundo poderia assustá-la ou ser pior do que seus professores. – Eu sou forte, posso cuidar de mim mesma.

— Não tenho dúvidas.

As palavras dele pareciam um tanto evasivas, ao que o ladrão olhava mais adiante, para o lado. Vinda de uma tenda, se aproximava uma mulher com um bebê de colo muito pequeno, devia ter poucos meses de vida.

— Robin, Roland está chorando, precisamos de uma fogueira – ela disse, e então notava a presença de alguém que não conhecia. – Ah, olá. Quem é você?

Mas, antes que a Rainha pudesse responder, o homem o fazia:

— Esta é Regina, eu a conheci na Fortaleza Proibida, graças a ela consegui pegar a prataria.

— Ah, muito prazer! – A mulher com o bebê respondeu já em um tom mais leve, até agradecido. – Robin falou bastante de você. Muito obrigada por tudo.

— De nada – a outra respondeu um tanto confusa. – E você é...?

— Marian – foi a resposta. – A esposa de Robin.

Foram poucas palavras, mas suficientes para terem um grande impacto. A Rainha sentiu a cor de seu rosto sumir e agradeceu por aquela ser uma noite escura, pois assim não veriam a vergonha em seu olhar. “Esposa”, a palavra ecoava em sua mente e precisou reunir controle sobre cada fibra do seu ser para conseguir sair daquele torpor maldito e sorrir, ainda que um pouco sem jeito:

— Encantada!

Mas os eventos não passavam de forma totalmente despercebida pelo ladrão, que desejava acabar com aquele encontro o quanto antes:

— Marian, aqui está frio, vá com o menino para a tenda. Vou só acompanhar Regina para fora da floresta, de volta para a trilha do vilarejo, e já cuido da fogueira.

Desta forma, a esposa sorriu para ele e o deu um breve beijo sobre os lábios, que ele não parecia totalmente satisfeito em corresponder, mas que Regina jamais saberia, pois desviara o rosto. Uma vez que a mulher se afastou com a criança, Robin colocou uma mão nas costas da Rainha e passou a conduzi-la, de fato, para a trilha, ficando distante do acampamento, forma em que poderiam conversar melhor.

Depois de alguns longos passos em silêncio, escutando apenas o farfalhar das folhas ou os gravetos que quebravam sob as botas, a garota finalmente se pronunciou:

— Então... – Ela tentava puxar o assunto, embora se sentisse desconfortável. – Você não disse que tinha uma esposa.

Sabia que ele não tinha a obrigação de falar nada de si, porém não iria mentir, não estava louca em achar que todos aqueles sinais, que toda a simpatia e o carisma foram sem motivo. Seria quase como admitir que ele a havia utilizado para obter a prataria da fortaleza e isso era algo que a fazia sentir o estômago rodar. Não, confiava que ele era melhor do que isso, queria dar uma chance e escutar o que aquele homem tinha a dizer antes de começar a atacá-lo. Foi então que ele respondeu:

— Você também não disse que era uma rainha – a voz dele era fria, ríspida como a ponta de uma das flechas, ao que atirava as palavras e sequer olhava para ela enquanto o fazia. – Não me disse nada sobre si, que é casada com o Rei Leopold, que tem um caso com o dragão...

— Dragoa – Regina o corrigiu de imediato, bastante insatisfeita. – E o que faço de minha vida é problema apenas meu, o que inclui o meu casamento.

— Vê? – Usava as palavras contra ela. – Você gosta dela! Quem sou eu para me meter no meio disto?

Finalmente paravam de andar, de súbito, ao que o ladrão olhava diretamente para Regina, iluminados apenas pela luz que vinha da lua e estrelas.

— Você mentiu para mim! – Ele continuou. – Justo quando eu pensei... – as palavras pareciam faltar e fugir de sua mente. – Você mentiu!

— Você também! – Ela insistiu no mesmo ponto. – Você tem uma esposa! Uma que gosta de você, com um filho pequeno!

— Não fale do meu filho! – Ele vociferou de volta.

A Rainha então se viu sem reação. Estava cansada de homens que mandavam em como ela deveria agir, de pessoas que queriam ditar sobre a sua vida. Achara que com este ladrão seria diferente, realmente sentira algo por ele, mas, pelo visto, havia sido um engano provocado pela esperança. Seu sonho havia morrido, talvez Malévola estivesse certa, ela estava sendo infantil.

— Nunca daríamos certo mesmo – concluiu com uma voz triste.

— Nunca fomos para dar – ele complementou em igual tom.

Era como sentir um punhal em seu peito, no coração que ali ainda batia. Antes que pudesse perceber o que estava fazendo, Regina já levantava uma mão e seus dedos se moviam hábeis para lançar um feitiço.

— Me desculpe.

Ela falava, mas talvez não quisesse realmente que ele a perdoasse, pois estaria fazendo um bem a ambos, ao menos depois de toda aquela conversa. A Rainha então apagou todas as lembranças que Robin pudesse ter dela, apenas aquilo que estava ligado diretamente a ela, deixando ainda pedaços sobre a invasão a fortaleza. Precisava ter cuidado para que o homem não viesse a perceber as lacunas mais tarde, então foi cuidadosa.

— Você não vai mais se lembrar de mim e pode voltar a viver a sua vida.

Em seguida, o colocou para dormir, ao que o ladrão caiu inconsciente sobre a grama. Assim seria mais fácil de dizer adeus.

Mas o serviço ainda não havia acabado.

— Vocês também não devem lembrar.

As mãos se moveram mais uma vez e uma onda de magia foi emanada, sobrevoando a floresta, cobrindo a acampamento como uma aurora púrpura. Ninguém dos companheiros de Robin Hood, nem mesmo Marian iria lembrar da passagem da Rainha por lá naquela noite. Era a sua garantia de que passasse imperceptível. Uma vez que estava feito, Regina foi embora dali, caminhando, movida a cada passo pela sua fúria, sua raiva, o ódio que sentia de si mesma e de ter se permitido ter a fé de que as coisas poderiam ser diferentes.

Chegou em seu castelo e foi direto para o quarto, sentar diante da penteadeira, defronte para o bonito espelho. Olhou para o próprio reflexo e não gostou do que via. Enxergava uma mulher castigada pela vida, maltratada, ferida, mas nunca, jamais se deixaria ser uma vítima. Enquanto uma lágrima solitária escorria pelo seu rosto demonstrando sofrimento, seu coração se tornava cada vez mais duro. As trevas se expandiam, por que não deixar que crescessem ainda mais? Ergueu uma mão e tocou na própria têmpora. Tão simples, suave, logo não haveria mais qualquer dor.

Ela então sorriu e todas as lembranças do ladrão Robin Hood haviam ido embora por completo de sua mente. Estava desistindo dele, mas não apenas dele enquanto uma pessoa, também da ideia de ser feliz ao lado de alguém, de se dar uma segunda chance e de ter esperança. Vilões não têm finais felizes e ela sabia disso, sabia quem era.

Regina estava destinada a ser uma vilã, a nunca encontrar amor e a ser má, uma Rainha Má, e assumia tal posição com os braços e o peito abertos, pois não havia mais qualquer mal que a vida pudesse lhe infligir que ela não já houvesse causado a si mesma.


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