As três meninas choraram.

— Eu não acredito nisso! — Foi tudo o que Eleanora conseguiu dizer.

— Eu devia ter desconfiado que o dia tava bom demais pra ser verdade...

— Calma, Janete! — Disse Sandy. — A Tia Flora nem devia saber que era o seu aniversário, não foi de propósito que ela foi embora exatamente hoje...

— Não importa se é o meu aniversário ou não, ela foi embora! — Cada vez que falava, Janete chorava mais. — Por que ela fez isso?! Ela sabe que a gente não tem pai nem mãe, que a gente não tem com quem ficar! E eu achava que não deixar a gente ir pra escola era a pior coisa que ela podia fazer... — Após dizer isso, a menina correu para o quarto.

— Acho melhor a gente deixar ela um pouco sozinha agora — disse Sandy e Eleanora concordou.

— A Janete tá muito emotiva por causa da coisa do aniversário dela e tal... O que vai acontecer agora? Somos só crianças!

— Eu não sei — Sandy respondeu e novas lágrimas surgiram em seus olhos. — Eu sou a mais velha, acho que devia fazer alguma coisa, mas eu não sei o que fazer...

— Sandy, você não nem dois anos mais velha do que eu, é tão criança quanto eu e a Janete, não tem por que ficar se culpando. Quem é culpada é a Tia Flora! Ela podia ser chata como fosse, mas pelo menos cuidava da gente... agora nem isso...

Vocês devem estar se perguntando por que a Tia Flora abandonou as Chiquititas, então eu vou contar: lembram do namorado dela, o cara da moto? Pois bem, o nome dele é Fausto e ele não é gente boa. Nunca gostou do fato de Flora morar com as sobrinhas, era quase como se fosse mãe, e ele não gostava de sair com mães, não gostava de crianças. Ele sempre deixou isso bem claro e, por mais que se importasse com as sobrinhas, Flora estava apaixonada por esse babaca e, como dizem, "o amor é cego". Mas esse não era o único problema de Fausto, ele também era um homem violento e sempre ameaçava bater na namorada quando esta não fazia a vontade dele (isso quando não chegava a bater).

Além do namorado, tinha outro problema: o emprego. Flora era gerente da loja em que trabalhava, porém o dono decidiu vender a loja e a ela perdeu o emprego. Isso foi logo depois das férias. Foi aí que começou a ficar estressada. Começou a trabalhar como caixa em um supermercado no início de fevereiro, mas não estava contente com aquilo, além de não saber se daria conta de cuidar das meninas recebendo tão pouco dinheiro. Foi então que Fausto fez sua cabeça, dizendo que ela não tinha condições de cuidar daquelas meninas e que era melhor que morasse com ele ao invés de trabalhar num supermercado para sustentá-las. Depois de muitas insistências (e até ameaças) do cara, de Flora sentir-se sobrecarregada (as Chiquititas também não são uns anjinhos, não é?) e de pensar muito no assunto, ela tomou a decisão de partir. Não estaria fazendo uma coisa tão errada, afinal as meninas já trabalhavam, podiam se virar sozinhas, e Sandy já tinha idade o bastante para cuidar das irmãs mais novas; obviamente, esses argumentos não fazem o menor sentido, mas foi o que a tia pensou para não se culpar por sua terrível atitude. Além disso ela deixou o cartão dos pais delas e foi até a gravadora pra ver como andava o pagamento das Chiquititas.

Depois de um tempo, Janete se acalmou um pouco e agradeceu mais uma vez pela festa, disse que, tirando o finalzinho, o dia havia sido perfeito. As irmãs se abraçaram e, ao longo da noite, conversaram muito, fizeram especulações sobre a fuga de Flora, pensaram no que fariam dali em diante, falaram sobre seus falecidos pais... E choraram um pouquinho mais também.

***

Clipe musical: "Abre, Entra" por Sandy, Janete e Eleanora.

***

No dia seguinte, Davi foi fazer as compras porque o cartão virou. Como costumava fazer quando saía sem os meninos, deixou a vizinha de olho neles, que estariam quietinhos fazendo a lição de casa (era o que ele pensava, né?).

Quando estava na sessão de congelados do supermercado, Davi avistou uma mulher de cabelos loiros escuros e lisos, muito bonitos. Já havia visto cabelos como aqueles antes, estava pensando nisso, quando conseguiu ver o rosto da mulher. Era ela! A única namorada que teve na vida: Clarinha! Bom, na verdade o nome dela era Clara, mas, como se conheceram ainda crianças, ela sempre foi "Clarinha" pra Davi. Que coincidência encontrá-la numa cidade tão grande! Ela não havia mudado quase nada... O homem começou a ficar nervoso e fugiu dali na mesma hora. Eu sei, parece até um adolescente, mas, naquele momento, Davi sentia-se um adolescente novamente.

Ele não cruzou mais com a ex-namorada no supermercado. Por um lado, achou bom, já que não saberia o que fazer caso ela também o visse, por outro, ficou triste, já que estava com saudade... Será que voltaria a vê-la algum dia???

Mas, mudando de assunto, Davi chegou em casa e, após dar bronca nos Cuecas por causa da bagunça que fizeram em sua ausência e os colocarem pra arrumar tudo, recebeu uma estranha ligação de Arthur, perguntando sobre a tia das Chiquititas. Ele disse que ela havia aparecido na gravadora na noite anterior pra saber sobre o pagamento das meninas e achou que Davi poderia saber de alguma coisa, não só por seus filhos serem muito próximos das meninas, mas também pelo fato de ele ser um dos responsáveis pela parte financeira da gravadora. Ele disse que não sabia de nada (nem sabia do que devia saber, exatamente), mas que o pagamento de todas as bandas estava em dia. Davi achou que não fosse nada demais, afinal, era bom os responsáveis se envolverem na vida profissional das crianças...

***

Segunda-feira, na escola, os Cuecas obviamente perceberam que as Chiquititas estavam meio esquisitas. Acharam muito estranho, ainda mais depois da festa incrível que Janete havia recebido. Acontece que elas haviam sido abandonadas pela tia, não tinha como fingir que estava tudo bem, mas não quiseram contar nada pra eles, já que era um assunto delicado e muito sério. Elas não sabiam exatamente o que aconteceria se alguém descobrisse, mas coisa boa não ia ser.

No recreio, Sandy chamou Joaquim para conversarem a sós. O menino ficou feliz, achando que ela finalmente fosse contar o que estava acontecendo com ela e as irmãs, mas, para a sua surpresa, o que ela disse foi:

— Posso te fazer uma pergunta meio... indiscreta?

Ele estranhou, mas disse:

— Pode.

Sandy hesitou um pouco, o amigo até achou que ela tivesse desistido da tal pergunta indiscreta, mas, por fim, ela falou:

— Como é ser um órfão?

— Hahaha por que tá perguntando isso, sua boba? Você sabe, você também é órfã. Além disso, você é mais órfã do que eu, porque eu tenho um pai agora, esqueceu? — Joaquim se arrependeu um pouco de ter dito essa última frase, já que Sandy não tinha pai nenhum (e teria se arrependido ainda mais se soubesse que, atualmente, nem tia ela tinha mais).

— Ai, não precisa falar assim também, né? — Sandy aumentou um pouco o tom de voz, com raiva. Em seguida, acalmou-se um pouco e falou: — Acontece que assim que os meus pais morreram eu fui morar com a Tia Flora, mas você e os seus irmãos, apesar de terem o Davi agora, passaram bem mais tempo sendo órfãos, órfãos mesmo, sabe? Eu queria saber como foi essa época pra vocês...

— Ah, você quer saber como era morar no orfanato?

— Isso.

— Ah, era mais ou menos. A comida era boa, a gente tinha muitos amigos lá... Mas a dona Carmen, a diretora, era muito chata, ela não deixava a gente fazer nada e brigava o tempo todo! E a gente quase nunca saía do orfanato, tinha que ficar lá, preso. Ah, e a gente também ficava triste às vezes por não ter pais, é claro.

— Entendi...

— Mas por que você quis saber disso assim, do nada?

— Ah, é que... — ela pensou rápido e encontrou uma desculpa: — a Janete, ela teve uma ideia muito legal depois da festa surpresa que a gente fez pra ela! Ela falou que a gente podia cantar pra crianças nos orfanatos no aniversário delas.

— Que legal!

— Pois é! Aí eu fiquei curiosa pra saber como elas viviam e tal... Joaquim, se a vida no orfanato não era tão horrível assim, por que vocês fugiram?

— Porque o orfanato ia ser vendido e cada criança ia pra um lugar diferente, aí a gente ficou com medo de se separar.

— E tinha esse risco? Vocês são irmãos de sangue...

— Eles tentam deixar irmãos juntos nessas transferências, mas é difícil porque não dá pra saber se vai ter vaga pra todos, ainda mais no nosso caso que eram 3!

— Nossa!

— Mais alguma pergunta, repórter?

— Não, obrigada.

— De nada.

Então era isso. Podia ser que as Chiquititas se separassem se alguém descobrisse que estavam sozinhas, pois com certeza teriam que ir para um orfanato! Sandy foi na hora contar às irmãs. Joaquim, por sua vez, apesar de ter acreditado na história de Janete querer cantar pra órfãos, sabia que tinha mais alguma coisa acontecendo e estava disposto a descobrir o que era!