Eu estava ainda perdida nos meus próprios pensamentos quando vi Tyris dar um abraço bem apertado em Ax, o qual ele retribuiu com satisfação, felicitando-o pela descoberta do novo poder. De novo aquela sensação estranha me ocorreu, mas novamente deixei pra lá...

O Sol já estava se pondo quando tudo isso que narrei aconteceu e, mais uma vez, decidimos parar e fizemos uma fogueira ali perto (com os dias se passando, acabei de certa maneira me acostumando com essas dormidas ao ar livre só com o fogo do meu lado).

— Bem, agora que conseguimos de fato fazer uma parada para descanso – disse Tyris Flare – vou ler aquela nota que o nobre Alex nos deixou antes de morrer e que, segundo ele, conta um segredo do próprio Death Adder!

Ela então pegou o papel, desdobrou e começou a ler:

08/04/529

Eu, rei de Southwood, escrevo para os meus fiéis soldados, pois pressinto uma grande ameaça vindo para cá: é ele – Death Adder, o lorde das trevas! A sede dele por poder levou a destruição do reino de Firewood, incluindo a família real e boa parte da sua população, poucos foram os que sobreviveram ao ataque feroz de seu exército... Ele não apenas vai querer a minha cabeça, mas também vai querer a vida de outros reis e rainhas... Seu poder de destruição é imenso e não é para menos: ele está com o lendário Machado Dourado que lhe dá poderes incríveis, divinos! Portanto, muita cautela quando forem enfrentá-lo. Eu rezarei aos deuses pela proteção de todos e também da minha filha, a princesa de Southwood.

Estávamos todos pasmos com o conteúdo daquela nota...

— Então nosso inimigo é bem mais forte do que pensávamos... – observei espantada.

— Sim! – disse Ax – Eu me lembro do dia em que cheguei à aldeia onde sempre vivi e encontrei os corpos de amigos, conhecidos e, principalmente, de minha mãe...

Ele parou de falar e abaixou a cabeça.

— Eu me recordo dos meus pais, monarcas de Firewood, morrerem num piscar de olhos e bem na minha frente – continuou a princesa – eu sobrevivi porque meus pais me esconderam... Os boatos dizem que Death Adder possui uma sede por poder e posse muito grande, mas algo me diz que é muito mais que isso...

Ela também adotou um ar depressivo e então Gilius tomou a palavra:

— E você, jovem Helena! O que lhe trouxe aqui? O lorde das trevas também lhe causou algum mal?

Hesitei por um momento e pensei mais uma vez em mentir, mas aquelas pessoas estavam sendo tão generosas comigo, eram tão sofridas que decidi contar tudo o que passei:

— Em primeiro lugar, preciso pedir desculpas a você, Ax! Eu não sou bárbara e nem sabia da missão para enfrentarmos Death Adder...

Ele me olhou confuso e acabei contando toda a minha história e, para a minha surpresa e alegria, pude ver que – ao contrário de Cormano – eles acreditaram em mim, mas também num mundo em que temos poderes mágicos, animais fantásticos, entre outras coisas, tudo o que eu passei não soaria tão inverossímil...

— Faremos o possível e o impossível para que você retorne para o seu lar, Helena! – disse Ax sorrindo para mim, parecendo me perdoar pela minha mentira logo quando nos conhecemos.

Eu devolvi o sorriso encantada e de repente, ouvimos passos ágeis e, do nada, apareceu na nossa frente um daqueles anõezinhos que deveria estar escondendo mais alguma urna mágica! E de novo, estávamos nós correndo atrás de mais um deles.

— Isso só pode ser os deuses mandando o poder deles para nós. Eles devem saber que estamos nessa missão tão nobre! – exclamou Gilius.

Dessa vez, aconteceu algo irônico: Ax e Tyris conseguiram ao mesmo tempo capturar o homenzinho e, como ele carregava três urnas, ela pegou duas e ele uma, mas o bárbaro acabou se pronunciando:

— Eu já conheço a força da natureza que controlo, logo vou ceder a minha urna para a princesa para que ela aprenda qual elemento controla!

Fiquei um tanto chocada (acho que meus olhos até arregalaram) nesse momento e a senhorita Flare, pela segunda vez, abraçou Ax agradecida.

“Nossa! Quanta intimidade esses dois não?” – pensei irônica.

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No dia seguinte, prosseguimos nossa jornada pegando o atalho pela Vila da Tartaruga como indicava o mapa que o finado Alex também nos deu. Notei que estávamos em cima de uma colina e, abaixo dela, havia muita água banhando aquela porção de terra.

— É o mar! – disse Ax parecendo adivinhar o que eu estava pensando.

Descemos aquela colina e já enfrentamos de cara alguns homens das tropas de Adder, derrotando-os facilmente. Chegamos num ponto onde havia várias casinhas de aparência bem humilde e, repentinamente, algumas pessoas começaram a correr assustadas e gritando na nossa direção, mas passaram direto por nós. Até tentei abordar alguns daqueles indivíduos, porém Gilius me alertou:

— É inútil, jovem Helena! Parte do exército do lorde das trevas deve estar aqui, por isso que estas pessoas – moradores da vila, presumo – devem estar com tanto medo.

E era isso mesmo: mais adiante, duas inimigas estavam à nossa espera, porém o mais incrível era que uma delas estava montada num dragão azul! Eu tentei me aproximar para derrotar a que estava em cima do bicho, mas ele começou a vomitar fogo e quase morri torrada... Tentei me aproximar mais uma vez e mais fogo saiu da boca daquele bicho, parecia que de alguma maneira, ela comandava aquele dragão! Até que, num ato de valentia, Ax se joga na minha frente, rapidamente derrubando aquela moça do animal e neutralizando-a. Agradeci a ele maravilhada, mas Tyris apareceu do nosso lado, mancando e com um pouco de sangue saindo da perna.

— O que houve, Tyris? – perguntou Ax preocupado. – A sua perna...

— Não foi nada, eu consegui derrotar aquela guerreira, mas ela me causou esse ferimento... – a princesa respondeu.

Ax virou a cabeça para o lado e então falou:

— Por que não monta nesse dragão cuja dona acabei de aniquilar?

— Oh! Mas esse é daqueles que soltam fogo pela boca, não sei domar um animal tão feroz... – ela respondeu.

— Não se preocupe! Montamos nós dois juntos! – ele disse com um sorriso.

— O que? – gritei depois do que Ax disse.

— Algum problema, Helena? – ele me perguntou.

— Não... nada... – eu estava ruborizada – É que fiquei preocupada e nervosa com o ferimento na perna de Tyris... Desculpa!

Eles assentiram e então Tyris montou em cima do dragão azul e o bárbaro montou logo atrás, ambos deram uma risadinha e eu, agora discretamente, revirei meus olhos ao passo que aquele sentimento incômodo começou de novo a se apoderar de mim, mas como estávamos em batalha, guardei o mesmo a sete chaves dentro de mim.

Prosseguimos e avistamos três soldados de Death Adder, os enfrentamos e os derrotamos rapidamente, no entanto, mais subordinados vieram, entre eles outra mulher montada num dragão, só que agora na cor rosa e... um esqueleto com uma espada e um escudo! Começamos então mais uma luta e aquela estava bem difícil, o esqueleto, por exemplo, era bem forte e rápido, mas depois de algum tempo Gilius conseguiu neutralizá-lo; Ax e Tyris montados no animal azul queimavam outros inimigos e eu lutava com outros em terra mesmo; mas o que estava mais dando trabalho era a dona do novo dragão: diferente daquele que o bárbaro e a princesa montavam, o rosa soltava bolas de fogo como se fossem tiros, isso complicava para o nosso lado, já que nos preocupávamos em desviar daquilo! Ax então desceu do dragão que estava montado junto com Tyris e tentou uma investida frontal contra a inimiga, mas sob o comando dela, o dragão soltou uma bola de fogo que acabou acertando nosso aliado, queimando seu braço!

— Ax, não! – gritou Tyris Flare.

Ele se agachou com o intuito de tentar amenizar a dor da queimadura, enquanto eu estava chocada, então vi a senhorita Flare lançar as três urnas mágicas que tinha ao ar e, surpreendemente, algumas chamas surgiram consumindo o próprio ar enquanto outras se formavam no solo. Uma das labaredas voou em direção à inimiga e a derrubou do dragão, ela acabou caindo no fogo que estava no chão, morrendo queimada!

— Incrível princesa! O seu elemento é o fogo! – disse Gilius entusiasmado – agora só falta descobrirmos qual o poder da menina Helena! – ele completou olhando para mim.

— Vamos prosseguir, pessoal! – eu disse num leve tom de irritação, o que deve ter causado estranheza nos meus três aliados.

Demos mais alguns passos, viramos uma curva sinuosa e, para o nosso espanto e desilusão, não tinha absolutamente mais nenhum caminho a ser trilhado, à nossa frente tinha apenas... mar!

— O que? – gritei – Mar? Vamos ter que ir nadando?

— Impossível! – respondeu Ax – Conheço um pouco essas águas, além de profundas demais, são violentas!

Eu fiz uma cara de decepção e então Tyris consultou o mapa.

— A ilha mais próxima daqui está distante – ela disse – Eu não entendo...

E de repente o chão começou a tremer, olhamos para Ax pensando que estava de alguma maneira invocando seus poderes, mas ele também tinha uma expressão confusa ao mesmo tempo em que, assim como nós, se equilibrava para não cair e, então, observamos o que parecia ser surreal: abaixo de onde estávamos surgiu uma cabeça gigante do que parecia ser algum monstro! As tremedeiras então passaram e estávamos prontos para lutar contra aquele grande animal, contudo percebemos que aquela cabeça estava olhando para um ponto qualquer à sua frente e, do lado onde eu estava, notei o que parecia ser uma pata gigante saindo também de algum lugar inferior; ouvimos então uma voz que vinha de trás de nós:

— Caríssimos – olhamos para trás e um homem com vestes bem humildes e desgastadas dizia enquanto nos olhava com ternura e admiração. – O nome daqui do povoado não é em vão: a Vila da Tartaruga fica, literalmente, em cima de uma tartaruga! – ficamos boquiabertos com aquela revelação. – E este animal gigante que vocês devem ter visto está nos conduzindo até a ilha mais próxima: ele faz esse itinerário uma vez por mês e vocês, com sorte, chegaram bem no dia da partida do bicho! A propósito, obrigado por terem salvado a vila das tropas de Death Adder!

— Obrigado o senhor que nos falou sobre a grande tartaruga! – eu disse – Estávamos quase pulando no mar para tentarmos cumprir logo nosso objetivo...

Ele deu uma risadinha e continuou:

— Ah! Devo também lhes dizer que, por se tratar de um quelônio, vai levar um tempinho para ela atravessar o mar. Creio que amanhã de manhã, vocês chegam ao outro lado!

Demos um suspiro, mas ao menos tínhamos a convicção que a nossa missão não seria abortada. Anoiteceu, logo paramos para acampar. Tyris, com a desculpa de que iria para um lugar e já estaria de volta, deu uma sumida, porém logo depois retornou com algumas ervas nas mãos, ela então disse:

— Venha Ax, essas plantas são para o seu braço queimado!

Ele então se aproximou dela e os dois sentaram em cima de um tronco que estava caído por ali. Ouvi então um bocejo:

— Acho que o velho aqui está cansado – disse Gilius – Boa noite!

E ele então se afastou um pouco de nós, deitou e dormiu. Quando voltei minha atenção para Ax e Tyris, percebi que ambos estavam mais afastados, quase que se escondendo entre duas casinhas.

“– Parece que os dois querem privacidade, mas por qual motivo?” – pensei.

E aquela sensação de novo tomou conta de mim: não sei descrever muito bem, mas me incomodava um pouco essa proximidade deles dois. E então, discretamente, me escondi atrás de uma daquelas casinhas e, por uma fresta, dava para ver o que eles faziam e conservavam.

— Você poderia ter morrido, oh grandioso bárbaro! – ela disse preocupada.

— Mas não morri! – ele respondeu se defendendo. – Mas... você foi incrível dominando aquelas chamas e triunfando no final...

— É mesmo? – ela perguntou e parecia estar envergonhada.

— Sim! Aliás, você como um todo é incrível!

“– Que cafonice!” – pensei.

E então o silêncio, mas em alguns segundos, os dois começaram... a se beijar!

Eu fiquei perplexa com aquela cena e aquele sentimento ruim veio mais forte naquele momento.

“– Estaria eu com ciúmes? Do Ax com a Tyris?” – pensei angustiada. – “Ele é gentil, educado, bonito e tudo mais, porém não queria namorá-lo ou beijá-lo como a Tyris está fazendo com ele nesse exato momento, mas sei lá...”

Eu estava ainda perdida nos meus devaneios quando ouvi aqueles passinhos ágeis mais uma vez, levantei meu rosto rapidamente para o lado e avistei mais um homenzinho que portava as urnas mágicas! Então bolei um plano para pegá-lo sem chamar a atenção do casalzinho e nem acordar Gilius: me fingi de desinteressada e logo aquele anãozinho veio para perto de mim; ainda estava atuando quando ele me deu as costas, então agarrei-o e consegui retirar do saco que ele carregava nas costas (enquanto ele escapava) quatro urnas!

“– Finalmente, saberei qual poder será o meu!” – pensei com os olhos brilhando – “Será que Ax vai se impressionar como se impressionou com as chamas de Tyris?”

E com esse fio de esperança fui até mais ou menos próximo de onde Gilius estava descansando, fechei meus olhos, sorri e dormi.