Como eu me apaixonei por você escrita por Elie


Capítulo 1
Amar é contagioso


Notas iniciais do capítulo

Essa é a história de Lucas e Maria Lúcia



Este capítulo também está disponível no +Fiction: plusfiction.com/book/751842/chapter/1

Eu me apaixonei por ela sem nem me dar conta. Do dia para a noite, vi meus pensamentos serem arrebatados pela presença de Maria Lúcia. Ela era radiante, mas nunca perdia a linha. Sempre ajudava os outros, mas nunca se intrometia. Era transparente, mas nunca se revelava. E tudo isso me tirava do sério da maneira mais bonita.

Não éramos namorados porque ela não queria. Dizia que não era o momento, que não estava pronta ou que simplesmente era sua opção. Não entendi essa opção. Éramos inseparáveis como Lampião e Maria Bonita, Bonnie and Clyde, Tarcísio e Glória. Passávamos horas conversando sem se dar conta de que a madrugada já havia chegado e teríamos que acordar cedo. Eu acordava pensando nela.

Conheci Maria Lúcia num show de sertanejo universitário. Ambos fomos carregados por nossos amigos, mas preferíamos estar dormindo.

— Um brinde aos deslocados! — ela sugeriu.

Mas eu já não estava mais deslocado. Eu estava no lugar certo assim que a encontrei. Mesmo assim, brindei. 

Ficamos juntos naquela primeira noite e eu não consegui tirá-la da cabeça. Insisti tanto que repetimos a dose num cinema vazio em uma tarde de quarta-feira. Foi pior que cocaína, eu só queria mais e mais. Eu queria tê-la para mim, mas ela não deixava. Senti que ela também queria, mas algo a impedia. Em suas antíteses: ela estava feliz, mas estava triste.

— Eu quero você de qualquer jeito. Namore comigo. 

— Não posso.

— Então acho que só resta uma opção. Não dá para continuar assim.

— Não, por favor...

Afastei-me dela por necessidade, para manter minha sanidade. Foi uma das coisas mais difíceis que já fiz, mais difícil até que concurso público. De vez em quando, tinha recaídas e perguntava como ela estava. Quando achei que minha vida havia seguido, encontrei Maria Lúcia solitária no shopping. Ela derramava lágrimas e brincava com a comida. Fui e voltei mais de quatro vezes, pensando se deveria me aproximar.

— Malu? Você está bem?

Ela olhou para mim e começou a chorar ainda mais.

— O que houve?

— Minha mãe biológica tinha AIDS quando estava grávida de mim. E ela não fez o pré-natal. 

Franzi as sobrancelhas e meus lábios ficaram entreabertos. Não assimilei bem a informação.

— É, Lucas. Tenho HIV.  E agora alguém espalhou isso na empresa. Agora não tem como esconder isso de você. Mas fique tranquilo, minha carga viral é indetectável. 

— Você me conta isso... Assim?

Fiquei sem palavras.

— Fique tranquilo. Já passei por isso antes. Pode ir, sei que já não sou tão interessante.

Minha expressão de choque continuou ali. Não posso negar que fiquei com medo de ter sido infectado de alguma forma, mesmo que eu não tenha passado dos beijos com ela. 

— Sinto muito — foi só o que falei.

Saí de lá depois disso, nem me despedi. Corri para a internet pesquisar sobre carga viral. Pelo que entendi, ela não poderia me infectar, pois o tratamento estava funcionando. Ainda assim, minha racionalidade mandou eu me afastar. Estava tão furioso por ela não ter me contado antes, que me esqueci de como me sentia por algum tempo. Se eu chegasse perto dela para dizer que não me importava, seria uma grande mentira. Havia uma tensão dentro de mim só de pensar que tudo o que queria era tê-la.

Depois disso, fiquei obcecado em ler artigos sobre casais sorodiscordantes. Achei muitos relatos de pessoas que vivem bem nessa situação. Eu era quem não sabia como lidar.

"Desculpe por aquele dia", ela me escreveu umas duas semanas depois do acontecido. "Não foi nada", respondi a pior coisa a se dizer naquele momento. Passei três meses sem falar mais nada, mas eu não a tirei da cabeça. Ela era o que eu mais tinha medo e o que eu mais queria.

Quando não aguentei mais, peguei meu celular é lhe mandei uma mensagem: "Sei que você se afastou de mim por ter medo de como eu reagiria, mas preciso falar de como me sinto. Estou apavorado, mas quero ficar do seu lado. Quero acordar do seu lado e ver seu sorriso de manhã. Quero que esse vírus vá a merda. Ele se acha contagioso? Vou te contar o que é contagioso. Contagioso é te ver sorrir. É aprender contigo que dá para ver o pôr do sol até do lugar mais feio. É ver você ajudando as pessoas mesmo quando isso te prejudica. Nada é mais contagioso que gostar de você".

Ela não me respondeu. Tentei telefonar, mas ninguém atendeu.

Como não tive escolha, continuei seguindo com a minha vida. Aos poucos, Maria Lúcia foi se tornando um borrão na minha história. Namorei três outras garotas depois dela. Casei com Gabriela porque era fácil amá-la. Tivemos dois filhos juntos, Antônio e Pietra. Fui mais feliz que a maioria das pessoas.

Em comemoração aos meus dez anos de casado, levei Gabi para conhecer a Irlanda. Pegamos um ônibus em direção aos Cliffs de Moher. Quando cheguei lá, mal acreditei no que vi. Aquele lugar era mágico. A água batia nas pedras e formava uma espuma que subia até a beira das falésias. O mar tinha uma cor sobrenatural.

— Vou tirar umas fotos ali perto da Torre. Já volto, amor.

Dei um beijo na testa de minha esposa e fui tirando fotos com meu celular. Como eu não fazia esporte há tempos, logo fiquei ofegante e parei um pouco para respirar. Mal pude acreditar no que vi. Por trás de uma câmera fotográfica com lentes enormes, avistei Maria Lúcia. Seus cabelos castanhos claros e cacheados estavam na altura dos ombros, seus olhos continuavam grandes e curiosos, seu estilo de roupa havia mudado. Ela estava mais bronzeada do que eu me lembrava, contrastando com os tons claros do vestido esvoaçante. Quando eu a conheci, ela sempre estava com uma camiseta escura e velha, tinha cabelos enormes e já olhava para o mundo daquele jeito.

Não me contive e fui até lá. 

— Malu?

Ela sorriu, tirou mais uma foto e me deu um abraço.

— Oi, Lucas. Senti sua falta.

— Também senti.

Havia uma urgência em capturar aquelas fotos, fazendo-a me ignorar por algum tempo.

— Só por curiosidade... Você recebeu minha mensagem? — perguntei.

— Mensagem? Que mensagem?

— Ah... Já faz muitos anos. Era só uma mensagem perguntando como você estava. Vejo que está bem.  E diferente.

— Sim, estou viajando bastante. Mas que boa coincidência te encontrar aqui — ela falava e tirava fotos das paisagens, eu só a acompanhava.

— Vim com a minha esposa. Esse lugar é maravilhoso.

— É mágico.

Continuamos admirando a paisagem em silêncio por um bom tempo. A verdade é que era um Lucas e uma Maria Lúcia diferentes do começo da história.

— Foi bom te ver.

— Atchim — ela tossiu do nada. — Igualmente.

Despedi-me e voltei para perto de Gabriela. Na viagem de volta à  Dublin, não consegui parar de pensar nessa curta conversa. Algo me dizia que Maria Lúcia havia recebido a mensagem. 


Não quer ver anúncios?

Com uma contribuição de R$29,90 você deixa de ver anúncios no Nyah e em seu sucessor, o +Fiction, durante 1 ano!

Seu apoio é fundamental. Torne-se um herói!




Hey! Que tal deixar um comentário na história?
Por não receberem novos comentários em suas histórias, muitos autores desanimam e param de postar. Não deixe a história "Como eu me apaixonei por você" morrer!
Para comentar e incentivar o autor, cadastre-se ou entre em sua conta.