Darkpath escrita por Lyra Roth, João Pedro


Capítulo 7
♠06 –Ergam as cortinas♠


Notas iniciais do capítulo

Ladies and gentlemen! Peguem um chazin com leite, biscoitos e tudo mais e acomodem-se, porque o espetáculo vai começar!

Boa leitura!



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 Camilla Tosetti da Costa

Aquela história já estava indo longe demais.

Primeiro foi o lance da zumbi no banheiro. Agora Matt estava tremendo, sentado no chão de seu quarto, abraçado comigo enquanto alegava que fora teleportado para uma floresta. Aquilo era demais para mim.

—Mas era, Milla, eu... –Seus olhos acinzentados me encaravam, implorando por credibilidade, enquanto suas mãos apertavam meus braços. Se antes ele estava catatônico demais para parecer abalado, agora que ele tinha processado o que quer que tivesse acontecido, Matthew tinha começado a tremer sem parar. Eu tinha que admitir, aquela história era meio coisa de louco; todavia, ele não parecia estar mentindo, não parecia estar querendo tirar sarro de mim, não... Seus olhos, arregalados e úmidos, fitavam-me garantindo que fosse ou não verdade o que ele me contava, o britânico acreditava piamente no que dizia. –Eu juro que vi. Eu... –Ele escolhia as palavras com cuidado, como se pensasse que a qualquer momento eu poderia me erguer e gritar com ele, repudiá-lo e chama-lo de louco –Eu vi. Eu juro ‘pra você, eu estava numa floresta. Tinha um livro, um desenho, um X oval e...

—Matt –Tentei interrompê-lo, acalmá-lo, mas ele não deixou.

—Não, é sério! Eu tenho a folha! –Ele balançou uma folha morta de árvore na minha frente, as mãos tiritando de medo e angústia. A folhinha marrom fez um barulho engraçado e, de tão seca e morta que estava, esfarelou parcialmente com o balanço. –Eu juro ‘pra você, eu vi, eu tava lá, EU CORTEI MEU PÉ! –Ele gritou a última parte e eu me assustei; de fato, seu pé estava machucado e cheio de terra e pedrinhas.

É, não havia argumentos que contradissessem aqueles fatos. Talvez não tivesse a parte do livro, do desenho bizarro com luz da lua, porém ele certamente estivera em outro lugar que não o seu quarto. Eu não sabia exatamente no que acreditar, mas seu olhar me pareceu tão sincero que achei que devia a ele, no mínimo, o direito da dúvida.

—Okay, Matt, eu... –Tentei falar, mas ele me interrompeu, ávido por se explicar, por me fazer entender, provavelmente para me manter com ele por mais tempo porque, se eu falasse algo, ele achava que seria que eu ia embora, que o achava louco e que não queria mais ser amiga dele. Mas isso não era verdade.

—Eu tava lá mesmo!

—Matt-

—Eu juro! Milla, por favor, você –Ele parou por uma fração de segundo, engasgando com as palavras que ia dizer –precisa acreditar em mim!

—Mas eu ac-

—Ninguém mais vai acreditar em mim!! Eu preciso qu-

—MATTHEW! PARA PELO AMOR DE DEUS!! –Berrei encarando o louro diretamente nos olhos, a fúria momentânea explodindo como uma bomba bem ali, na cara dele.

Matt se assustou com minha súbita mudança de humor, pulou para trás e largou meu pijama. Arregalou os olhos, me olhou no fundo da alma e engoliu em seco. A boca, virada para baixo num misto de tristeza e medo, queria continuar se explicando, eu podia perceber. Mas ele não falou nada; logo em seguida, abaixou o olhar e deixou que seus cabelos bagunçados cobrissem sua face envergonhada.  

—Matt. –Segurei na mão dele e balancei-a, retornando à minha habitual tranquilidade inabalável –Eu acredito em você. Só que você precisa se acalmar. Porque se não, eu não vou conseguir te entender e você vai ficar doido de vez. Então se acalma. Vem –Levantei-o pelas mãos suadas e gélidas e caminhei calmamente para a cozinha.

—‘Pra onde vamos? –Ele finalmente perguntou. Eu sorri, novamente equilibrada com minhas emoções.

—Fazer um chá com leite pa nóis. Aí pelo menos podemos conversar sobre esses negócios sinistros com um bom cházin, mel e leite. Ah, e biscoitos de chocolate e morango. –Eu sorri –O que melhor para amenizar uma situação do que uns biscoitin?

—Mas de madrugada?

—Claro!

Chegamos na cozinha e eu acendi a luz. Por um momento, achei que tinha alguém no fundo do cômodo, mas não havia ninguém lá. Soltei a mão de Matt, abri o armário de madeira, peguei a chaleira e o chá de camomila e enchi a chaleira de água. Liguei o fogão e deixei a água esquentar. Enquanto isso, Matt nada disse. Só me encarava, perto do armário, com uma cara de dúvida evidente.

—Sua calma é calmante, Milla, mas às vezes me assusta –Constatou simplesmente.

—Eu vou tomar isso como um elogio –Soltei um riso descontraído.

E realmente, eu sempre fora considerada alguém bem... calma. Pouquíssimas situações me abalavam de verdade, e mesmo quando abalavam, quase sempre eu permanecia serena e impassível. Não era como alguns diziam, que eu não me importava com a situação. Eu me importava, eu entendia as emoções das pessoas, eu compreendia o que acontecia, só não conseguia entrar em pânico tão facilmente por causa delas. Porque, na minha cabeça, tudo tem solução, então era só procurar por ela que, eventualmente, vocês se esbarravam. Por isso, não havia motivo para pânico.

A chaleira começou a apitar e, antes que a água fervesse, eu desliguei o fogo. Me disseram que água fervente neutraliza as propriedades dos chás, assim como congelar legumes anulava as propriedades das leguminosas. Eu não sabia se isso era verdade, mas uma temperatura em torno dos 80 graus Célcius me pareceu o suficiente para matar qualquer microrganismo perigoso, extrair o sabor e aroma da camomila e, ao mesmo tempo, manter as propriedades do chá. Portanto, não hesitei em mergulhar a camomila na água quente e apreciar o aroma que subia e o vapor que esquentava meu rosto.

Esperamos alguns instantes, e eu fui escolhendo um dos vários pacotes de biscoitos e bolachas que eu comprara anteontem. Matt fez leite e eu servi o chá nas xícaras. Ele serviu o leite logo em seguida. Colocamos cubinhos de açúcar muito fofos que ele trouxera da Inglaterra, os quais eu sempre quisera experimentar, mas nunca tivera a oportunidade. Sentamos eu e ele, lado a lado, na mesa da sala; as xícaras e os biscoitos na nossa frente. Olhei para fora, pela janela, e ainda estava totalmente escuro, devia ser umas três da matina. E lá estávamos nós, prestes a conversar sobre um pseudosonho bizarro dele, comendo biscoitos e tomando chá com leite. Mas, bem... nunca se é cedo ou tarde demais para biscoitos e chá com leite!

—Que tal me explicar... tudo isso ai?

—Okay, okay. –Ele encarou sua xícara de chá-leite evitando olhar-me nos olhos –Eu fui dormir... quer dizer, eu deitei, mas não consegui dormir direito. Fiquei acordado até umas duas e alguma coisa. –Assenti com a cabeça, esperando ele continuar. Ele ainda não me olhava nos olhos –Só que aí eu peguei no sono. Nesse sonho, eu tava numa floresta. Tinha vento, tinha... folhas mortas, estava escuro e tudo mais. Mas aí eu... –Ele parou por um segundo, congelado em seus pensamentos, e então me encarou, tirando as madeixas louras de sua face branca iluminada somente pela luz que vinha da cozinha –Eu vi um livro, Milla. Era um livrão de couro. Dentro dele, tinha uma serie de desenhos de um... sei lá, eram várias pessoas em torno de um cara branquelo, de terno preto, alto, com... uns tentáculos saindo das costas ou da costela, não sei. –Ele tentava se explicar, mas parecia temer que eu não o entendesse. De repente, ele ergueu-se –Perai!

Foi até o quarto num piscar de olhos e retornou antes mesmo que eu pudesse mergulhar nos meus pensamentos.

—Aqui –Colocou uma folha branca de papel sobre a mesa e, com uma caneta preta, desenhou um círculo meio oval. Depois um pescoço, um terno, e no final, tinha desenhado o que eu imaginava que fosse o tal monstro de tentáculos –Esse é o treco que eu vi. –Matt apontou para o desenho –Ele me pegou com os tentáculos, me levantou bem alto e depois só me largou. Eu caí, e vi que no chão, tipo, formado pela luz da lua, tinha um símbolo; era um X oval. E antes de eu bater no chão, acordei. MAS ANTES! –Ele ficou mais agitado –Antes de eu encontrar com ele, eu peguei a folha, porque, bom... eu achei que fosse um sonho. E se fosse só um sonho, eu não teria acordado de verdade com a folha! Mas eu acordei! Então... então não é um sonho!

—Bem esperto, Matt! Bem esperto mesmo! –Sorri perante a ideia dele de pegar a folha morta de árvore.  

—Então... você acredita em mim?

Engoli em seco. Ele não estava brincando, seja lá o que tinha acontecido naquele quarto, ele parecia ter certeza do que vira. Ao mesmo tempo, eu já tinha passado por uma ou outra situação cuja explicação era cientificamente duvidosa ou, no mínimo, esquisita. Então, por experiência própria, negar a possibilidade daquilo seria... errado da minha parte. Todavia, seria imprudente da minha parte culpar o monstro de tentáculos por toda a situação esquisita. Mas, bem... se Matt tinha o tinha visto e fora erguido até a copa das árvores por ele, o monstro devia ter algo a ver com aquilo, no mínimo dos mínimos.

—Eu acredito, Matt. Eu realmente acredito em você, e em toda essa história do monstro de tentáculos. Você acha que foi teletransportado?

—Eu... não sei.

—Mas no seu quarto não tem folhas. Você só poderia estar em outro lugar.

—Então eu fui teletransportado –Ele deu de ombros.

—Só pra saber, vai que você tem outra teoria –Ri dando de ombros também.

—O que faremos? Sobre... isso tudo? –Ele perguntou, confuso. Olhou-me com aquelas órbes acinzentadas como se procurasse uma resposta. E claro que procurava mesmo.

—Vamos... estudar, Matt. Procurar todo o tipo de informação sobre esse maluco polvo, sobre esse... X oval? Como era esse X?

Ele desenhou o tal “X oval” no papel, e na verdade eu não o descreveria bem como um X oval; porém eu entendia onde ele viu o tal “X oval”. Entretanto, eu enxergava aquele símbolo como a união, perpendicularmente, de dois olhos. Como se dois olhos se sobrepusessem, um deles estando virado 90 graus, como um X.

Aquele símbolo era novo. Eu não lembrava dele de nenhum lugar, por isso tirei um minuto para analisá-lo bem.

—O que acha que significa? Qual será o nome disso? –Matt indagou, olhando fixamente para o tal X oval.

—Não sei, mas eu diria que são olhos sobrepostos. Então talvez tenha algo a ver com, sei lá... espionagem? –Dei de ombros. –Na verdade, pode ser qualquer coisa. Que nome você daria a isso?

Ele balançou a cabeça como se dissesse “não tenho nem ideia”.

Olhei no relógio da sala. 3h46. Eu tinha tomado só metade do meu chá-leite. Peguei a xícara e tomei o resto; depois, levei três biscoitos, um a um, à boca, enquanto Matt sorvia lentamente o líquido dentro de sua caneca. Ele comeu um, depois dois biscoitos. Aí pegou um terceiro. Sobrou um biscoito.

 Ficamos em silêncio por uns três, talvez quatro minutos, porém minha mente estava tão acelerada que não pareciam ter se passado nem dez segundos.

—O que faremos agora? Tipo, agora, agora mesmo? –Perguntei –Digo, acha que consegue dormir?

—Talvez... –Ele olhou para os lados, meio desconfiado –Você está com sono? –Ele ergueu uma sobrancelha, meio espatado e provavelmente meio culpado por me tirar da cama àquela hora.

—Eu estou, na verdade. Mas claro que esse lance todo de cara de terno com tentáculos deu uma acordada. Só que eu continuo com sono... Talvez fosse bom irmos à biblioteca amanhã mesmo.

—Você não tinha trabalho voluntário, ou tinha que estudar?

—Tinha, mas não tem problema. Adiar uma vez ou outra não é tão prejudicial assim... E Sábado e domingo nós voltamos na biblioteca de novo, amanhã é só para termos uma... ideia disso tudo.

—O que você espera encontrar lá?

—Talvez documentos com casos que relatem ou citem algo parecido com o que você viu...

—Você acha que podemos achar isso em lendas urbanas, na internet ou em algo assim?

—É possível também.

—Tudo bem –Ele assentiu, concordando com minha ideia com um meio sorriso. Ao mesmo tempo, encarava o biscoito solitário no pratinho.  

Cobri minha xícara com um guardanapo e fui no banheiro bochechar para tirar o açúcar da boca. Quando retornei à sala, Matt já tinha ido deitar. Cobrira sua xícara com um guardanapo e comera o biscoito também, mas não inteiro. Só metade; a outra parte jazia inerte no pratinho.


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