Darkpath escrita por Lyra Roth, João Pedro


Capítulo 5
♠04 –Imersa em possibilidades♠


Notas iniciais do capítulo

★w★ Fala, galera rodopiante! Tudo certo? Espero que sim! Mais um capítulo pra vocês XD

Boa leitura!



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Camilla Tosetti da Costa

O resto da semana passou voando. Um bom resumo dos últimos dias: eu, ora com Matt, ora com Yasmim, rodando a cidade, conversando sem parar para aliviar ansiedade que nos cominava conforme as aulas se aproximavam. E à medida que os dias avançavam diante de nossos olhos, mais e mais gente chegava no dormitório; isso transformou de vez o lugar. Antes, um silêncio e paz imperavam em todos os três prédio-dormitórios, de forma que por vezes a falta de barulho chegava a ser sinistra, digna de filmes de terror. Porém na noite do domingo, a situação era completamente distinta: estudantes animados de todos os cinco continentes estavam ali, e uma agitação incomum pairava em todos os andares, com jovens descendo e subindo as escadas freneticamente, sem parar.

As conversas ocorriam basicamente em Inglês ou Francês, porém às vezes era possível ouvir pessoas falando em Alemão, Espanhol ou Japonês. Tenho certeza também de que aquele menino de pele bronzeada, roupas brancas e olhos amarelos estava falando árabe, e a jovem de cabelos lisos que carregava uma mala pequenina era de algum lugar na Ásia; mas eu não tinha certeza.

O fato é que a diversidade me encantava; tinha gente de todos os lugares ali, bem na minha frente. Desde indivíduos com pele negra, escura como o chocolate mais puro, até pessoas com a tez de leite, manchadas somente por sardas ou pintas que contrastavam com o branco de seus braços. Havia morenos de olhos azuis, jovens com longos cabelos lisos e brilhantes, uma garota de cabelos crespos maravilhosos e olhos lilases estonteantes. Vi uma menina pequena, tímida, com seus cachos negros sedosos e olhar atento; um rapaz de olhos puxados e cabelos pretos espetados. Uma moça gordinha, ruiva, que tinha o sorriso e a risada mais lindos que já vi e ouvi na vida.

 Todos tinham características tão distintas, eram tão diferentes física e psicologicamente, porém... todos eram seres humanos. O que será que se passava na cabeça deles? Como seria a vida deles? A família deles? Será que tinham cinco irmãos ou eram filhos únicos? Adotados? Viviam com a avó? Sofriam preconceito por serem homossexuais? Já haviam recebido olhares de desgosto devido as suas crenças ou cor de pele? Ou tinham sido eles os vetores de preconceito? Será que já haviam visto neve alguma vez, ou mergulhado no mar para achar conchinhas rosas? Gostariam de ouvir música clássica ou preferiam eletrônica? Será que já tinham fitado o céu azul e sorrido, simplesmente porque era uma visão linda? Ou será que, quando olhavam para cima, sentiam-se pequenos e insignificantes, e isso os amedrontava?

Meu cérebro queimava com tantas possibilidades. E pensar que eu poderia compartilhar um tempo, sentimentos e emoções com algumas das pessoas ali presentes... isso me enchia de alegria e me fazia tremer, ao mesmo tempo. Porque eu não tinha escolha, teria que falar com algumas daquelas pessoas eventualmente. Porém eu sabia que conviver com tanta gente possivelmente diferente de mim poderia render conhecimento e aprendizado; e isso... eu jamais negaria. Que tipo de lições e oportunidades a vida estava abrindo para mim daquela vez?

E enquanto eu divagava sobre os caminhos da vida e mudanças inesperadas, parada no corredor do dormitório...

—MILLA!

Puta que pariu—Exclamei em português –Que susto do cacete, meu Deus, pra que isso??! –Virei meu olhar indignado para Yasmim, minha mão no peito, sentindo o coração bater depressa.

—É pra acordar! Pronta para amanhã? Qual a sua primeira aula?! –Ela bradou, alegre e disposta, ainda que fosse quase onze da noite. Parecia que a energia dela era interminável.

—Eu não tenho a menor ideia, na verdade. Era algo com conceitos e história de alguma coisa... –Admiti e dei de ombros. Ela sorriu:

—Milla, todas as primeiras aulas começam com a história e o conceito de alguma coisa –Ela riu.

Pois é—Respondi em Português. Uma das expressões que eu mais gostava na minha língua era essa: “pois é”; porque era um jeito de não ficar quieto e não acrescentar nada ao mesmo tempo. Yasmim, sabendo que eu não tinha jeito, bagunçou meu cabelo. Eu a empurrei.

—‘Ta bom. Amanhã, OITO da manhã NA SALA, Camilla –A loira tinha consciência da minha fama de ser atrasada, porque eu de fato me atrasava para tudo (tanto é que, com menos de uma semana de convivência, ela já sabia que eu era uma atrasilda).

—‘Ta booom, sim senhorita, Yasmim –Balancei os dedos numa despedida –Vou tomar banho pra ir dormir, então.

Ela me imitou e balançou os dedinhos de volta, caminhando de volta para seu prédio. Entrei e fechei a porta, suspirando. O dia seguinte seria o começo de um novo período na minha vida, e eu não queria estar atrasada para ele.

⌘⌘⌘

Todavia, eu me atrasei mesmo assim.

Eu esqueci de programar o meu despertador, e o de Matt quebrou do nada e não tocou. E esse era o porquê de às 7h47 eu e ele estarmos tomando um café rápido e meio mal-feito, meio de pijamas, meio vestidos.

E quando saímos do apartamento, 7h56, correndo pelas escadas de sapatos desamarrados, sabíamos que só tínhamos quatro minutos para descer, sair do prédio C, sair pelo hall principal, atravessar a rua, chegar na faculdade e encontrar nossas salas. Daria tempo? Eu não tinha certeza, mas como uma atrasilda de plantão, eu era otimista e apostava que, se corrêssemos com vontade, estaríamos nas nossas salas no momento do sinal. Matt estava um pouco mais pessimista: para ele, chegaríamos lá antes do sinal, porém seríamos deixados de fora da sala porque o sino ia bater antes de entrarmos.

—Matt, eles vão deixar a gente entrar de qualquer jeito –Ri ofegante, enquanto fechava a porta da escadaria –Estamos na faculdade, não na escola.

Ele não parecia concordar comigo:

—Bom, na minha faculdade, você não pode entrar depois do horário.

Eu ri mais ainda, me controlando para não mencionar que ele era britânico e que britânicos eram extremamente pontuais, e, por isso, não contava. Ele era o típico Inglês pontual. E eu me encaixava direitinho no estereótipo de brasileira atrasada.

—Na minha faculdade, nem sinal tem –Eu declarei quando entramos no prédio universitário. –Sala 07 –Berrei –Até depois, Matt!! –Ele acenou timidamente, e eu continuei correndo que nem uma condenada atrás da sala sete. O sinal realmente bateu antes de eu entrar na sala, mas eu entrei antes dele acabar de bater. Então, tecnicamente, eu poderia dizer que estava dentro do horário.

Encontrei um lugar ali na frente, na segunda carteira, bem na fileira do meio, e depositei minhas coisas ali. Minha mochila azul e verde ficou aberta, ao lado da minha carteira. Tirei o notebook, o caderno gigantesco e meu estojo de lá de dentro e finalmente me acalmei.

Passei a analisar o ambiente. As pessoas ao meu redor estavam me olhando meio de lado, provavelmente porque eu tinha chegado correndo. Mas elas disfarçavam bem, por isso não fiquei tão incomodada com isso. Umas meninas loiras conversavam sobre qualquer coisa na frente da sala, no canto, enquanto um grupo de rapazes ria alto atrás de mim. Perto da porta, uma galera treinava uns socos e chutes esquisitos. Lá de fora, era possível ouvir alguém tocando piano com muita vontade na sala de música. Assim que o professor adentrou na sala, no entanto, todos pararam o que estavam fazendo e olharam para a porta. Até o som do piano pareceu ficar mais baixo...

—Bom dia, pessoal –O homem se apresentou –Eu sou Willian Quotec, professor de desenho e representações visuais. Sejam bem-vindos a minha aula.

Enquanto ele entrava, as pessoas sentavam e respondiam com vários “olás” cheios de sotaques. Ele passou a primeira meia hora explicando sobre a história do desenho e artes, coisa básica. Nos últimos vinte minutos propôs seu primeiro trabalho:

—Estou vendo que são a turma do intercâmbio. –Comentou –Então eu pensei nosso primeiro trabalho poderia ser me apresentarem o que já sabem de desenho, e as particularidades do estudo de desenho no país de onde vocês vieram.

Um murmúrio coletivo veio entre os mais preguiçosos –ou tímidos –enquanto os mais extrovertidos só sorriam e se entreolhavam. Eu, como pessoa que não era muito fã de ir lá na frente falar sobre qualquer coisa que fosse, reprimi um lamento e encostei a testa na mesa. Logo em seguida olhei para frente de novo.

—Não precisa ser algo muito grande –O professor começou a explicar o que ele queria no trabalho, para quando era, e a forma de apresentação –Eu só peço que formem grupos de pessoas do mesmo país para falarem um pouco desse assunto na minha aula. –Ele finalizou.

 Mais lamentos; pior que um trabalho para ser apresentado lá na frente era um trabalho em grupo –e ainda pior, um grupo de gente desconhecida. Eu não sabia se no Canadá a galera se resolvia melhor entre si, mas todos os meus trabalhos grupais no Brasil tinham terminado com uma parcela do grupo fazendo tudo, e o resto parasitando e atrapalhando. Exceto quando os alunos podiam escolher seu grupo, o resultado era sempre o mesmo: raiva e discórdia que perduravam até o final do curso entre os integrantes do grupo.

Mas o que seria da vida sem um pouco de aventura?

—Tudo bem –Murmurei para mim mesma –Vamos lá. Como vou achar a galera BR?

Acabou que eu não precisei realmente sair na caça dos BR. Foi só soltar alguns memes em português enquanto rondava inocentemente pela sala que meus compatriotas apareceram. Só tinham dois, mas chegamos à conclusão de que dava para fazer um bom trabalho com três pessoas. 

E enquanto procurávamos curiosidades sobre o desenho brasileiro no meu notebook, notei um negócio na janela à minha esquerda, pelo canto do olho. Era uma sombra totalmente preta, encostada no vidro da janela. Virei a cabeça rapidamente e consegui vê-la melhor: na realidade, era um rapaz rindo do lado de fora, dançando e fazendo caretas para um pessoal que ria atrás de mim.

Balancei a cabeça e suspirei; voltando ao trabalho. Mas a sensação de ser observada não passou; e no instante seguinte, quando eu olhei novamente para o menino que fazia papel de bobo na janela, pude ver, atrás dele, algo realmente curioso: Uma figura humanoide, escura, semelhante com uma sombra, fitava-me. Era impossível distinguir suas feições, já que ele era uma massa preta em formato humano cuja única parte que se destacava eram os óculos brancos e brilhantes. E, logo depois, seu sorriso alvo e malicioso que se formou assim que percebeu que eu o vira.

Assustada, chutei a cadeira da minha frente, e logo depois me encolhi de dor porque eu tinha batido a canela. Luís e Danilo me olharam:

—Er, tudo bem aí?

—Ai, ai, acho que um bicho me mordeu –Disfarcei sentindo o rosto ficar quente. –Desculpe.

Eles deram de ombro, indiferentes:

—Achou algo aí? –Danilo indagou.

—Nope –Esfreguei a canela, me contendo para não xingar a cadeira –Mas ‘ta tudo... sob controle.

Olhei de novo para a janela; a única coisa humanoide lá fora era o menino bobo das caretas.

⌘⌘⌘

Não comentei nada com Matt e Yasmim no almoço, até porque seria mais material para a argentina me zoar e para impressionar o britânico que já tinha visto um zumbi no nosso banheiro. Talvez fosse melhor guardar o ocorrido para mim mesma. Pelo menos por um tempo.

Conversamos basicamente sobre o primeiro dia. Matt não quis falar muito do seu primeiro dia, porque aparentemente não tinha sido tão bom. Yasmim, por sua vez, não parava de falar sobre como tinha gostado do curso e como aquilo era exatamente do jeito que ela imaginara. Pelo menos um dos meus amigos estava satisfeito com o seu primeiro dia.

E depois do almoço, percebi que tinha a tarde toda vaga. E isso, para alguém que sempre teve aula em tempo integral todos os dias da semana, significava muito tempo livre. Portanto, não precisei de mais de duas horas sem aula à tarde para entrar em uma crise existencial e me chafurdar no tédio.

—Matt?

Ninguém respondeu. Meu colega de quarto deixara-me há cerca de meia hora para fazer sei lá o que no quarto dele. Nesse tempo, eu caçara um programa realmente bom na TV, sem sucesso, e agora estava largada no sofá tirando bolinhas de tecido do meu suéter multicolorido de lã. A cada bolinha que eu tirava, assoprava-a e a via voar um pouco além do sofá, para depois cair no chão.

Suspirei, cansada de tanto tédio, e girei meu corpo para erguer-me. Espreguicei, ouvindo meu corpo estalar, e suspirei de novo, rumando para o quarto do britânico. Talvez ele tivesse alguma novidade legal!

—Matt? –Chamei de novo, dessa vez encostada na porta do quarto dele.

—Oi? –Ele finalmente respondeu, provavelmente estava muito concentrado –Pode entrar.

Adentrei no quarto para vê-lo curvado sobre sua mesa.

—Estudando? –Indaguei com um sorriso.

—Mais ou menos –Ele sorriu de volta rapidamente. Ergueu uma sobrancelha –Ficou entediada?

—É... Acho que estou pouco acostumada com tanto tempo livre –Comentei erguendo os ombros. Ele balançou as sobrancelhas. –Você vai fazer parte do trabalho voluntário? –O lance era não deixar o assunto morrer!

—Não... quer dizer, não sei. Eu tenho que tomar conta do meu negócio lá... Acho que não terei muito tempo ‘pra isso.

—Eu acho que preciso me ocupar com algo... Quer dizer, eu tenho o voluntariado de terça e sexta, mas... –Dei de ombros –Tenho que arrumar algo para fazer nos outros dias.

Ele pareceu pensar um pouco, como se ele tivesse tido uma ideia, mas estivesse com receio de compartilhar. Ergui uma sobrancelha e fitei-o, encorajando-o a falar seja lá o que tinha se passado em sua mente.

—Er... –Ele olhou para o chão e pareceu respirar fundo, talvez pensando se a ideia recém-nascida tinha sido boa ou péssima –Assim, eu ainda ‘to... abrindo meu lugar lá... Então ainda preciso de alguns funcionários. Se você quiser, poderia trabalhar comigo lá. Tipo, sei lá, como garçonete. –Ele me olhou, um dos olhos semiaberto, medindo minhas reações.

Pensei um pouco. Nunca tinha trabalhado como garçonete. E também nunca tinha pensado em trabalhar como garçonete. Mas não poderia fazer mal trabalhar lá durante alguns meses. Eu ia ajuda-lo com seu fliperama, ganhar certa experiência. Tudo bem que não me ajudava muito com meu próprio futuro profissional, porque não tinha nada a ver com design ou animação. Todavia, ainda que experiências novas nem sempre apareçam da maneira como se espera que apareçam, sempre têm algum tipo de lição para nos ensinar. E eu estava sempre disposta a aprender.

—Tudo bem. –Respondi, e os olhos acinzentados de Matt pareceram relaxar ao mesmo tempo que se iluminavam. Ele tirou a mão esquerda de seu cabelo louro bagunçado e coçou o queixo.

—Okay, vou abrir em breve. Não se preocupe, vou te pagar um bom salário, mesmo com só meio período de trabalho –Ele sorriu malandramente, o que sinceramente não era de seu feitio, mas achei engraçadinho. Sorri de volta.

Então estava decidido, de terça e sexta era o voluntariado, de segunda, quarta e quinta, o fliperama. E sábado e domingo eu estava livre, provavelmente para ir à biblioteca ler, ou para fazer qualquer outra coisa que me desse na telha. E as noites eram reservadas para estudar, pelo menos três horas por dia. Com esse cronograma feito, pensei que nada poderia me deter. E, de fato, nada me deteve; no entanto, a vida estava prestes a me jogar em um caminho completamente distinto do que eu imaginei que tomaria. 


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Notas finais do capítulo

Comentários?
Um oizinho?
Um alô?

Hã?~



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