Darkpath escrita por Lyra Roth, João Pedro


Capítulo 13
♥12 –Cumulonimbus♥


Notas iniciais do capítulo

Alguém está aí?



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Um cúmulo-nimbo ou, em latim cumulonimbus[1], é um tipo de nuvem caracterizada por um grande desenvolvimento vertical. (...)Este tipo de nuvem frequentemente associa-se a eventos meteorológicos extremos, como a ocorrência de tempestades com muitos raios e chuva volumosa, além de granizo e neve. Podem ocorrer isoladas, em conjunto (formando multicélulas) ou associadas à frentes. Um cúmulo-nimbo, ao atingir o extremo de seu desenvolvimento, forma uma supercélula que, por sua vez, é responsável por (...) fortes chuvas de granizo, muitos raios e tornados.

 

 ◤Nightcore◢ ↬ Hypnotic

 

♥Camilla Tosetti da Costa♥

Enquanto caminhava para casa, retornando do fliperama (meu ex-emprego, aparentemente, porque agora eu ia ajudar Matt no seu jogo e não em seu negócio), pensei ter tomado uma péssima decisão. Afinal de contas, por qual motivo eu pedira com tanto ímpeto para participar do projeto do britânico? Eu o adorava, mas nunca tive pretensão de fazer parte do trabalho dele. Para começar, porque eu já tinha minhas próprias ideias inacabadas, trabalho voluntário e aulas da faculdade. Não era como se faltasse atividades para preencher meus dias. 

"Então, por que eu me candidatei?"

E na medida que eu me questionava, percebi que havia ganhado uma oportunidade de ouro. A outra pessoa encarregada da animação era ninguém menos que Nathalie. E isso significava que eu e ela teríamos que passar um tempo juntas -o que me dava uma chance imperdível de descobrir o que havia de errado com ela –se é que havia. Além disso, quem sabe não fosse essa uma possibilidade de ascensão na minha própria carreira?

—Mas eu pensei nesse plano todo na hora?? –Indaguei-me alto enquanto abria a porta do apartamento e entrava no aconchego do meu lar. Aquilo era um plano muito bem elaborado –Não, eu não pensei nisso... Ou vai ver que eu sou um gênio e nem sei!

Brincadeiras à parte, na realidade eu sabia que não era sobre a Nathalie, nem sobre ascensões profissionais. Era sobre mim. O enredo do jogo de Matt tinha partes inacreditavelmente semelhantes com a minha vida, com minha infância: Eu sofrera bullying. Eu costumava ir até uma floresta perto da minha escola. Eu frequentemente me encontrava com um ser alto e engravatado, pálido como parafina, e conversávamos todos os recreios. E excetuando-se os assassinatos e os cigarros infinitos da “Milla do jogo”, aquele teaser era a minha biografia: uma menina que fora, durante meses, perseguida por uma criatura que ela não sabia se era boa ou má.

Corri a mão pelo peito, onde estava pendurado meu amuleto de proteção. Era só um colar que minha mãe dera-me há anos, mas eu sempre me senti mais protegida com ele. A intensão era essa, na realidade: mamãe me presenteou com ele dizendo que aquilo me guardaria de todo o mal.

Retirei-o de debaixo da blusa e apertei-o. De fato o homem-palmito parou de me seguir depois que eu ganhei o colar. Só que, na minha cabeça, ele era fruto da minha mente solitária; uma especie de amigo imaginário. E o colar funcionava como uma lembrança de que, não importava o que ocorresse, meus pais estariam comigo. Depois de crescer, eu nunca achei que o colar realmente era mágico, nem que um monstro realmente me seguia.

Uugh –Gemi, tremendo ao lembrar daquilo tudo. Soltei o ar lentamente pela boca e encostei a testa na parede fria da sala.

Depois de ganhar aquele talismã, a criatura engravatada de fato nunca mais falou comigo, nem me chamou ou espiou ao longe. Não lembro se na época achei que ele era um ser sobrenatural ou não; só me recordava dele como uma especie de amigo imaginário muito esquisito. 

Por isso, acabei acreditando que aquilo tudo não passava da imaginação fértil de uma menina que estava perturbada. Até porque, olhando bem a situação, nada daquilo fazia qualquer sentido. Um homem-palmito, sem rosto e que me chamava mentalmente para o meio da floresta lembrava muito mais um filme barato de terror, não a vida real -principalmente depois de mais velha e já em uma nova escola. Eu não tinha motivos o suficiente para levar aquilo para qualquer lugar que não fosse a lata de lixo do meu cérebro.

Entretanto, ao que tudo indicava, fora real. De fato, existira uma vela-humana telepática de gravata que estava atrás de mim. Por mais louco que isso fosse.

—Que fase do caralho, mano –Comentei enquanto lentamente caminhava para o sofá. Vidrei meus olhos na janela à minha frente e desabei nas almofadas. E finalmente me permiti mergulhar de cabeça nos meus pensamentos confusos. Sentia como se precisasse daquele tempo para organizar minha mente.

E devo ter ficado naquele sofá por pelo menos uma hora, imóvel, vendo o sol se pôr. Quando minha mente estava já desacelerando, mais calma -e conformada com aquela bizarrice toda - senti algo vibrar no bolso.

—Alô?

"Milla?!” Era um Matt que parecia estranhamente animado. Pisquei, confusa. Ele disse meu nome rindo, como se estivesse no meio de uma piada muito engraçada. Se tivesse falado um pouco mais alto, suspeitaria que ele estava bêbado.

—M-Matt? -Chamei em dúvida, mesmo sabendo quem era.

“Milla, você gosta... heheh, Nathalie, para! Milla, você gosta de pizza vegana, né?” Perguntou alegremente enquanto uns barulhos esquisitos soavam do outro lado da linha. A voz da Nathalie não parava.

“Claro que ela gosta, a Milla não é frescurenta. Né, Milla?” A garota aparentou estar mais perto do telefone que antes, como se o tivesse tomado de Matt.

“Nat... Devolve! Milla, vamos levar pizza vegana ‘pra você!” Ele não conseguia parar de rir. A situação devia estar muito engraçada mesmo, porque nunca ouvi o Matt rir tão abertamente. Senti uma pontada de ciúmes cutucar meu peito; eu nunca o vira gargalhar daquele jeito comigo. “Mill-” Sem mais nem menos, a ligação caiu. Encarei a tela branca do celular sem saber como reagir àquilo.

—Uhh, o dia ‘ta sendo bem louco mesmo. 

Enfiei o celular no bolso e peguei o coelhinho branco enquanto ruminava meu ciúme. Analisei o pequeno objeto de perto, apertando seus pelos macios na vã tentativa de afastar minha indignação com o loiro.

—‘Pra quê você serve, realmente? –Falei, encarando os olhos rubros do pequeno coelho. Ele apenas me encarou de volta, em silêncio. O bicho parecia vivo. –Ugh, credo –Enfiei-o no bolso novamente e deitei no sofá, encarando o teto. De repente eu me sentia como se eu estivesse perdida em um lugar desconhecido.

Suspirei, virando de lado nas almofadas. Àquela altura do campeonato, eu já acreditava com todas as minhas forças em magia e misticismo. Tudo que acontecera até aquele momento indicava que algo realmente sério estava ocorrendo. E eu não tinha mais dúvidas de que tanto meu colar quanto o pequeno coelho eram –de alguma forma– mágicos. A questão nem era mais se o paranormal estava ou não envolvido –porque certamente estava –e sim o que estava acontecendo de fato. 

Aparentemente, o coelho era um objeto de proteção, só que mil vezes mais sinistro do que o talismã de mamãe. Havia sido dado por uma entidade sombria e desconhecida, era anormalmente fofo e assustador ao mesmo tempo e parecia me espiar a todo momento; ou seja, tinha todos os atributos para ser atirado da minha janela o mais rápido possível. No entanto, com um maluco de óculos me assombrando de lá pra cá e sem nenhuma ideia do porquê, eu não estava em posição de recusar um –suposto –presente.

—Vai me matar quando eu menos esperar, né? –Comentei para o coelho, mesmo que ele não estivesse mais à vista –Eu sei que você é demoníaco.

—MILLA!! –Uma voz bastante conhecida berrou enquanto batiam repetidas vezes na porta. Meu momento de reflexão claramente havia acabado. –‘Cê ta aí?! –As batidas frenéticas não paravam.

—Eu ‘to, Yasmim! ‘Pera lá! –Gritei de volta e corri para a porta.

—Milla, mano, aconteceu uma coisa muito do mal, entra logo –Ela foi me empurrando sem mais nem menos para dentro do meu próprio apartamento. Nem tentei resistir; pelo jeito que seus olhos assustados me encaravam, alguma coisa ruim tinha acontecido. 

Ela quebrou o contato visual e caminhou em direção ao sofá, onde sentamos rapidamente. Ela virou para um lado, para o outro, e depois fitou o chão, impaciente. Não falava nada, mas parecia querer vomitar. Seus olhos normalmente cheios de zueira estavam vidrados no piso.

—Oq-

—Mataram outro cara, Milla. Milla... mataram outro cara! –Ela exclamou finalmente, ofegante –Vão matar todo mundo, meu Deus, Milla...!

E sem que eu me desse conta, a situação havia fugido totalmente do meu controle: Yasmim estava encolhida, unhas cravadas na carne, sapatos no sofá, respiração sem parar em um ritmo descontrolado.

—Yasmim, para, se acalma –Eu me aproximei dela, mas a menina se encolheu ainda mais contra o sofá. Ela ofegava tanto, parecia que lhe faltava ar. –Yasmim! –Agarrei-a pelos ombros e abracei a loira com força.

Ela deixou-se cair dura em cima de mim, tremendo e soluçando. Parecia incapaz de falar ou sequer de se acalmar. Só de mencionar um assassinato, a argentina colapsara. Será que imaginava que seria a próxima?

—Yasmim, ninguém vai nos machucar, se acalma...–Afaguei com calma seus cabelos, passando a mãos entre os fios lisos e sedosos –Ninguém vai te machucar, Yasmim, pode ficar tranquila. Não vai acontecer nada, ‘ta tudo bem. Eu ‘to aqui com você, não tem problema. Não tem problema, respira fundo –Inspirei fundo e ela me imitou. Acarinhei seu braço gélido e segurei sua mão. Inspirei fundo novamente e ela fez o mesmo em seguida.

—Milla...

—‘Ta tudo bem, ta tudo bem. Fica calma, Yasmim, ‘ta tudo sob controle. Respira comigo, respira –Embalei-a enquanto abraçava-a, e ela, aos poucos, foi se permitindo escorrer por entre meus braços e retribuir meu abraço.

Depois de alguns minutos, ela parou de ofegar e tremer. Entre meus braços só havia uma Yasmim confusa e cansada, molemente apoiada em mim.

—Mi—Ela falou de repente, escondendo o rosto no meu ombro e senti o molhado de suas lágrimas –Desculpa –Sua voz estava anasalada e mansa, como se ela fosse chorar.

—Oxi, mas desculpa pelo quê?

—Por isso... isso –Ela disse num fio de voz –Não queria ter uma crise na frente das outras, aí eu vim aqui porque eu achei que ia me acalmar, mas acabei tendo uma crise mesmo assim... –Ela falou sem pausas, sem parar, como se estivesse se afogando em palavras. Apertei seu ombro, irritada.

—E por que você teria que se desculpar? Como assim, Yasmim, pode vir falar comigo quando não estiver bem. Oxi, que história é essa de “desculpa”, como assim, mano? –Abracei-a, indignada, e permiti que nossas madeixas se entrelaçassem. Apreciei seus fios, lisos e louros, e os meus, cacheados e marrons se misturarem como fios de linha.

—Mals... Sei lá, é que não nos conhecemos há tanto tempo assim. Achei que ia ser estranho.

Dei de ombros.

—Não é estranho, e não tem problema. –Garanti

—Valeu –Ela respirou fundo e fechou os olhos. Ficou assim por um tempo, e de repente virou-se para mim –Mas tenho que te explicar.

—Verdade, você tem. O que está acontecendo?

—Er... Alguém... –Ela hesitou, nervosa –Alguém morreu.

—O cara lá, da sala do Matt, sim...

—Não –Yasmim me interrompeu –Mais uma pessoa, além dele.

Encarei-a, metade incrédula, metade revoltada.

—Quem?

—Eu não sei, um maluco da sala de música. Encontraram ele... todo fatiado, em cima da bateria... Ahhh –Ela escondeu o rosto com as mãos, e teve um arrepio –Meu Deus, eu vi, Milla. Ele estava lá, todo destroçado, todo mundo gritando.

—Puta merda! –Comentei e encostei no sofá porque, cara, a situação tava complicada. Ainda bem que eu não fiquei na faculdade durante a tarde!

—Puta que pariu, isso sim.

—Mas... Mas outro cara, aquele que era... hm, colega do Matt, foi morto na faculdade também?

—Não, esse não. Acharam ele em pedaços, perto de casa.

—Ai, ai –Fiquei pensando que, com tudo aquilo, era possível que a faculdade tivesse sérios problemas... E meu intercâmbio também.

—Milla, que porra que ‘ta acontecendo aqui?

—Eu não sei...

Na hora, pensei se não era uma boa ideia contar para Yasmim sobre o indivíduo quatro-olhos que me empurrava de escadas. Mas imediatamente lembrei da crise de pânico que ela acabara de ter e concluí que talvez aquela não fosse a melhor hora para isso.

—E quanto a... hã...

—Ah, isso. –Ela olhou para o lado, meio envergonhada. Eu não sabia bem como abordar o assunto, e ela tampouco aparentava querer falar a respeito. Porém depois de ela ter um treco do meu lado, eu não podia simplesmente não perguntar do que se tratava –Eu tenho crises de pânico às vezes. Meus pais... –Ela parou, como se escolhesse as palavras certas –Eles foram atacados por alguma coisa que quase os matou, quando eu era mais nova... Arranhou eles inteiros, despedaçou o braço esquerdo da minha mãe, e comeu o pé e a mão do meu pai. Eles... –A loira fechou os olhos com força, contendo as emoções prestes a escapar pelas lágrimas.

—Calma, calma. Eles ‘tão bem, você não precisa me contar tudo. Eu já entendi –Segurei-a pela mão e acariciei-a suavemente –Não pensa nisso não –Olhei-a nos olhos azuis, tentando reafirmar meu ponto, mas ela insistiu.

—Depois daquilo eu... er, eu fiquei desse jeito. Sempre que falam de coisas assim, de morte, e perda..e... Mas, ah, tanto faz –Ela balançou a cabeça, convicta –O que importa é que vai ter trabalho voluntário amanhã mesmo com essas merdas todas. O professor falou.

—S-será? Será que não vão fechar a escola?!

—A escola, sim. –Ela sorriu –Mas o trabalho voluntário é num campinho, perto da pracinha, e não no campus. Vamos ‘pra lá com uma combe, pintar umas paredes pichadas e velhas. Então vai dar tudo certo.

—Vai dar bom, Yasmim. Vai dar bom! –Sorri de volta encarando suas órbes cor de mar.

—Vai. Amanhã, 13h50. Uma combe vai buscar todos os voluntários. Não vamos nos atrasar então, né, Camilla?

—Claro, Yasmin. Não sei porque deu tanta ênfase assim no meu nome. Deve ser porque ele é lindo. –Zombei de mim mesma e ela riu.

—Ah, ‘ta. Vou indo então, eu... hm, tenho uns negócios ‘pra fazer. E você também tem os seus trabalhos ‘pra terminar. –Ela ergueu-se devagar do sofá.

—Mesmo? Se precisar de mim, já sabe. –Respondi. Não queria que ela fosse embora de fato. Aquilo tudo que acontecia era mesmo assustador e, por mais que eu não estivesse completamente alarmada, ter sua companhia naquele momento pareceu-me uma ideia muito boa.

Ela sorriu e me abraçou. Não tinha jeito, ela tinha que ir; e eu tinha mesmo meus trabalhos para terminar. Funguei no seu pescoço e ela se contorceu com as cócegas.

—Ah, que isso! Sua estranha. –Ela desvencilhou-se de mim e começamos a rir.

—Você que é bugada, achando que seu país é mais legal que o meu.

—Isso qualquer um sabe, Milla. Não tem nenhum bug ni-

Atirei uma almofada nela e errei. A almofada quicou na parede e foi parar no chão.

—Bugada! –Gritei, rindo. Ela correu para a porta e rapidamente destrancou-a.

—‘Cê que é! –Respondeu e saiu. Não fechou a porta, contudo; ficou ali parada, meio séria, me encarando. Encarei de volta, surpresa pela súbita mudança de humor da argentina –Mi... –Olhei-a com atenção, ligeiramente preocupada. Será que tinha algo errado de novo? –Obrigada.

Relaxei os ombros e sorri.

—‘Magina, Yi.

Lenta e delicadamente ela fechou a porta. O clima do lugar tinha mudado totalmente –e, mesmo assim, eu não sabia bem qual era. Era um misto de medo e peso pelos colegas assassinados, temor pelos próximos dias e alegria por ter alguém tão legal quanto Yasmim ao meu lado.

Suspirei, traçando meu rumo para o computador do quarto. Caminhei lentamente, passando a mão pelas paredes como se me apoiasse nelas. Eu estava novamente sozinha, com uma penca de estudos pendentes, e mais um cara havia acabado de morrer; mesmo assim, acho que há tempos não me sentia tão bem comigo mesma.

 


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Notas finais do capítulo

Oh, yeah, baby. Que comece o segundo arco da história!



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