E agora? escrita por calivillas


Capítulo 1
Lembranças fragmentadas e esvanecidas


Notas iniciais do capítulo

Oi, estou postando uma história.
Essa é um pouco diferente, porque vai ser contada sob o ponto de vista de duas irmãs de personalidades bem diferentes. Enquanto Alexia e fria e determinada, Laura e romântica e insegura.
Elas darão sua versão pessoal dos fatos que se sucedem, em busca de um antigo amor da sua mãe e, possivelmente, os pai de uma delas.
Espero que gostem.



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Alexia

Parei, diante daquela porta do lugar que, no passado, foi o meu lar, juntei toda a minha coragem, respirei fundo e enfiei a chave na minha mão, na fechadura e girei, nesse exato instante, o meu telefone tocou. Quase como um reflexo, peguei o aparelho e olhei para tela, quando eu vi o nome que estava ali, pensei em recusar a ligação, tive medo, porém, mudei de ideia, não podia adiar por mais, me esconder, já que precisaria enfrentá-lo, mais cedo ou mais tarde, por isso atendi.

— Oi, Maurício.

— Alexandra, como você está?

— Bem – minto. -  E você?

— Estou bem. Você sabe porque estou ligando.

— Sei.

— Precisamos conversar, decidir o que vamos fazer – a voz dele era terrivelmente tranquila, aquilo me assustou.

— Desculpe, mas hoje não vai dar, estou na casa da minha mãe. Eu e Laura vamos começar a arrumar os pertences dela.

 Seguiu-se um breve silêncio e, depois, ele expirou com força.

— Tudo bem. Outro dia, então.

— Outro dia, eu prometo. Até mais, Maurício.

Sabia que não podia adiar aquela conversa por mais tempo, estávamos chegando aos nossos limites.

— Entrarei em contato. Até mais, Alexia.

Desliguei, com o coração apertado, levei a mão a maçaneta e girei, abrindo a porta para a sala silenciosa e estagnada, desde que minha mãe se foi, tal qual uma cápsula tempo.

Alguns raios de sol insistiam passar pela fresta das cortinas fechadas, criando desenhos luminosos no chão e partículas de poeiras dançavam no facho de luz.

Caminhei até o outro lado da sala e abri as cortinas e as janelas, com determinação, deixando a claridade do dia e o ar fresco entrarem, na tentativa de afastar os fantasmas das lembranças, iluminando os móveis e objetos cobertos por uma fina camada de pó e as plantas esquecidas e ressecadas nos cantos. Era um lugar sem vida, que perderá a alma com a morte de minha mãe. Por alguns instantes, contemplei a minha volta, relembrando de alguns momentos em que fui muito feliz, e outros, terrivelmente, infeliz. Perambulei pela sala, segurei objetos e os admirei, tentando extrair deles algum sentimento de ternura, mas não encontrei absolutamente nada, meu coração permaneceu vazio. Nem mesmo ao contemplar a foto da família, uma das últimas que tiramos com o nosso pai, onde parecíamos tão feliz. Será que estávamos realmente felizes? Não conseguia me lembrar de nada daquele dia.  Coloquei a foto de volta em seu lugar, cuidaria dela depois. Agora, tinha muitas coisas para fazer, precisava esvaziar o apartamento para colocarmos à venda e encerrar essa página, em definitivo, já sofremos demais com isso.

Fui para o meu antigo quarto que, ultimamente, minha mãe usava como escritório, parei debaixo do batente da porta, o lugar não lembrava em nada, o meu refúgio nos primeiros anos de vida, contudo, não sou uma pessoa saudosista, presa as memórias do passado, que parecem cada vez melhores no decorrer do tempo, sou prática e determinada. E era essa determinação que me impulsionava para frente, sem olhar para trás e sofrer com os erros que cometi, precisava me lembrar disso, mais que nunca, nesse momento que pelo qual estou passando.

Dei um passo adiante, já sabia exatamente por onde começar, pelas inúmeras caixas e pastas que abarrotavam o meu antigo armário. Minha mãe não gostava de jogar nada fora, pois, sempre achava que qualquer coisa poderia ser útil algum dia, consequentemente, havia acumulado muitas tralhas e objetos inúteis aos longos de todos esses anos.

Olhei para o meu relógio de pulso, presente aniversário de Maurício, Laura estava atrasada como sempre. A pontualidade jamais foi uma qualidade da minha irmã mais nova, então, seria melhor começar sem ela.  Abri a janela, purificando o ar, clareando o ambiente, tirei meus sapatos de salto alto e meu blazer, a minha roupa de trabalho como cargo que exerço exige, arregacei as mangas e diante do armário, encarei os afazeres que teria pela frente, puxei a primeira caixa e a coloquei no chão. Fui até a despensa e busquei alguns sacos de lixo que precisaria. Voltei para o quarto e sem nenhum constrangimento, sentei no chão ao lado da velha caixa de papelão e a abri. O cheiro de papel velho e poeira me atingiu em cheio, tossi um pouco, em seguida retirei os primeiros documentos de lá de dentro e comecei a ler.

Laura

Cheguei esbaforida, estava atrasada e teria que enfrentar o olhar recriminador da minha irmã mais velha. Ela sempre era pontual, por isso, nunca perdoava os atrasos alheios. Parei em frente daquela porta por um breve instante, sem vontade de enfrentar o que estava lá trás, mesmo aquela não tendo sido a minha casa nos últimos anos. Então, respirei fundo, coloquei a chave na fechadura e girei. Seria a primeira vez que voltaria aquele apartamento, após a morte da minha mãe, por isso, tive que lutar contra mim mesma e a minha vontade de dar meia volta e ir embora.

Sabia que minha irmã já estava lá, vendo as janelas e as cortinas abertas para deixar o sol entrar e renovar o ar. Era preciso limpar o lugar, avaliar o que deveria ser descartado ou guardado entre os pertences da minha mãe, para o apartamento ser posto à venda, mesmo me partindo o coração, mas, mantê-lo seria uma despesa desnecessária e, além disso, eu precisava do dinheiro.

Tinha consciência que seria uma tarefa bastante árdua e dolorosa para mim, pois eu amava muito a minha mãe, sabia como prezava suas relíquias, as pequenas lembranças e objetos guardados com carinho ao longo dos anos, pedaços das suas memórias que não existiam mais, seria muito difícil descartá-los como lixo, mas era necessário, preservando somente as boas lembranças do que vivemos ali.

Peguei a última foto da família junta, que foi tirada um pouco antes de nosso pai morrer, era aniversário de mamãe e ele comprou o bolo predileto dela, morango com creme, estávamos tão felizes aquele dia, rindo e brincando! Meses depois, meu pai faleceu por um infarto do coração fulminante, minha mãe jamais se recuperou da perda dele, continuou a tocar a vida, sem o mesmo brilho nos olhos que sempre teve.

Limpei com as mãos, as lágrimas nos meus olhos, recoloquei a foto no lugar e segui o barulho de papéis sendo rasgados até o quarto, que nos últimos anos, mamãe usava como escritório, encontrei Alexia, que começou o trabalho sem mim, sentada no chão, cercada de pastas, caixas e papéis, ela ergueu sua cabeça loira e me fitou com seus olhos verdes brilhando. Será que ela estava chorando?

Eu sabia que seria uma tarefa difícil, remexer na memória da nossa mãe e trazer à tona, as lembranças desconhecidas, fragmentadas e esvanecidas daquela que se foi. Não apenas o sentido da primeira palavra balbuciada, santificada e impessoal, porém, a vida da mulher real com suas alegrias e anseios, comuns a todo ser humano.

— Você está atrasada – minha irmã disse, de um modo duro.

— Desculpe, mas tive uma aula extra hoje – respondi, sob o peso da culpa, pois, era assim que frequentemente ela me fazia sentir, como uma criança que estivesse fazendo algo errado. Afinal, Alexia sempre foi uma estudante brilhante e, agora, apesar de jovem, era uma executiva bem-sucedida, com um casamento perfeito, além de ser muito bonita, enquanto, eu era uma universitária, cursando sua segunda faculdade, ainda em dúvida do que seria quando crescesse, um tipo comum, que ninguém olharia duas vezes, vivia entrando e saindo de relacionamentos que nunca davam certo, com caras errados.

— Não precisa se desculpar, somente, sente-se aqui e comece a me ajudar.

Assim, joguei minha bolsa em cima da cadeira e sentei-me no chão ao lado dela.

— O que que eu faço? – Fiquei tonta no meio de tantas caixas e papéis.

— Nossa mãe tinha muitos papéis e bugigangas. Ela guardava tudo, cartas, cartões, fotos, ingressos e até embalagens de doce. A maioria delas velhas e inúteis. Por isso, verifique, se não achar importante coloque nesse saco de lixo e se tiver algum valor coloque naquela caixa – ela determinou e eu assenti com a cabeça, peguei uma das caixas intactas e comecei a vasculhá-la.

Naquele instante, recordei-me da imagem da mãe bondosa e feliz, sorrindo e cantarolando pela casa, mas, algumas vezes, eu a pegava em um canto, com uma expressão melancólica, sem nenhum motivo aparente, e ao percebeu a minha presença, dava-me um dissimulado sorriso. Na minha inocência de criança, nunca lhe perguntei o que estava acontecendo, só quando fiquei mais velha, tentei decifrar a angústia refletida nos seus olhos, porém, jamais usei da franqueza e lhe questionei diretamente, apesar da minha desconfiança, mantivemos uma relação de prudente hipocrisia. Será que hoje, poderia descobrir o que transformava aquela mulher alegre em alguém triste.

— Você sabe quem é? – Alexia me tirou dos meus devaneios, mostrando-me uma foto antiga de um grupo de jovens, com certeza, antes do nosso nascimento.

— Não – respondi, depois de olhar a imagem com atenção, ela já ia jogá-la no saco de lixo.

— Espere! Você não pode jogar as fotos fora! – reclamei, exaltada.

— Nem sabemos que são essas pessoas! Por que temos que guardar isso?!

— Por que nossa mãe sempre guardava as lembranças dos seus momentos felizes, não podemos jogar isso fora, desse jeito – ponderei, ela ergueu as sobrancelhas bem-feitas, interrogando-me com o olhar, sem entender esse meu pensamento. – Vamos deixar separadas as fotos, está bem?

— Por mim, tudo bem, se quer assim.- Ela deu de ombros. - Você está falando igualzinha à nossa mãe.

— Na verdade, eu me sinto uma invasora, xeretando a vida dela, dessa forma – confessei.

— Não estamos xeretando nada, alguém precisa que fazer isso. Por mais doloroso que seja. E tenho certeza que ela não iria se importar, nas atuais circunstância – Alexia respondeu, sem olhar para mim, continuando o que estava fazendo.

Ela era mais rápida e eficiência, pois, bastava uma breve olhada para determinar o destino do que estava em suas mãos, enquanto eu li e reli, relutante do que deveria fazer, já que tudo aquilo se relacionava com as memórias de minha mãe, por isso, a pilha de tarefa de minha irmã diminuía rapidamente e a minha permanecia quase intacta.

— O que é isso? – Retirei do fundo da caixa, um maço de envelopes amarelados amarrados com uma fina fita de cetim rosa desbotada, desfaço o laço com cuidado e retiro o conteúdo do primeiro envelope. – Uma carta para nossa mãe – constatei, Alexia não me deu atenção, mesmo assim, curiosa, comecei a lê-la para mim mesma. O conteúdo me surpreendeu, meu coração acelerou, fiquei sem fôlego. – Alexia! – chamei-a, com um fio de voz. Ela ergueu o rosto e me fita, interrogando-me. - A carta!

— O que está escrito aí?

Comecei a ler:

— Querida Natália. Depois de tanto tempo, estou muito feliz por receber notícias suas e a foto da nossa menina, finalmente. Ela é linda! Fico muito satisfeito ao saber que ela está crescendo forte e ... – minha garganta está arranhando, engoli em seco para continuar, quase sem voz. No entanto, exaltada, Alexia puxou, descuidada, o papel da minha mão e passou os olhos rapidamente.

— Que ela está crescendo forte e esperta – ela prosseguiu de onde parei. – Eu queria muito estar junto a vocês, segurar a mãozinha do nosso bebê, beijar sua pele macia e rosada, cheirar os seus cabelos, ainda sonho em ouvi-la me chamando de papai e abraçá-la junto a mim, sentindo seu corpinho pequeno e frágil – Alexia me encarou, com um misto de espanto e descrença. - Não sabia que nosso pai gostava de escrever!

— Olhe a assinatura em baixo – murmurei, ela desceu o olhar e arregalou os olhos.

— Tim. Não é do nosso pai! Quem é esse?

— Eu não sei!

Ela procurou no envelope, não dá para ler o nome nem o endereço do remetente desbotados pelo tempo. Assim, pegou outra carta e leu rapidamente, depois outra e mais uma e eu apenas a observava, sem ação.

— Laura, por essas cartas – Alexia sacudiu os papéis no ar. – Uma de nós duas não é filha do homem que sempre chamamos de pai – concluiu, olhando direto para mim.


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