Sede de Poder escrita por Mermaid Queen


Capítulo 15
Capítulo 15


Notas iniciais do capítulo

alerta de melanie icônica como sempre sendo a personagem que nós amamos odiar



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Katherine acordou com o celular vibrando perto de sua cabeça com uma mensagem de Logan. Ela apertou os olhos para ler apesar do sono.

“Vacilamos com Carla, vamos consertar quando você voltar”

Ela suspirou, sentindo um misto de alívio por saber que pelo menos alguém planejava resolver a situação em vez de fugir para sempre — como ela faria— e estresse por ter que enfrentar a situação.

E quando colocou o celular de lado, foi atingida pela lembrança da noite anterior. O calor subiu para o rosto ao pensar em si mesma tomando a iniciativa de beijar Evan. E ela gostara muito, apesar de todas as inseguranças que tinha em relação a ele. Concluiu que tinha muito ainda no que pensar.

Katherine desceu para a cozinha em busca de café. Café, água e Coca-Cola Zero eram a santa trindade das bebidas com zero calorias daquela casa. Ela se serviu e foi para a sala enquanto bebericava da caneca, mas parou ao encontrar a porta do quintal aberta. Nem era dia de Ioga para alguém estar no quintal.

Quando ela foi para fora, em vez de Ellen e o colchonete especial de ioga, encontrou Jack acendendo a churrasqueira.

— Que tipo de pesadelo você tem planejado para hoje? – Katherine perguntou, encostando o corpo no batente da porta de vidro.

Jack se assustou com a voz dela e derrubou pedaços de carvão no chão.

— Melanie vem para cá hoje, então vamos fazer churrasco – disse ele, encolhendo os ombros. – Preciso mesmo falar com você.

Katherine fechou a cara.

— É realmente um pesadelo. Não vou dizer nada a você, já falei.

— Gosto da ideia tanto quanto você – Jack resmungou, posicionando os carvões no fundo da churrasqueira. – E não é sobre isso que está pensando.

— Então sobre o quê? – Katherine perguntou, aproximando-se.

Jack largou o carvão e pegou um pano para limpar as mãos.

— Você sabe que esse baile de vocês está chegando, e eu não ligo, não é isso que me preocupa – ele continuou resmungando, com uma ruga formada entre as sobrancelhas que mostrava a preocupação. – Mas você e seu irmão estão se aproximando de outro… rito, acho, um rito de passagem…

— Fala logo – Katherine ficou impaciente com a enrolação dele.

Jack fez uma careta para ela em resposta.

— Nós chamamos de Sede. A Sede. É a primeira vez que você sente vontade de sangue, quando as mudanças no seu corpo começam a se assentar. Pela sua cara, era melhor eu ter falado aos poucos.

O café pareceu rastejar garganta acima, forçando o caminho contrário enquanto o estômago dela embrulhava. Era claro que haveria sangue, no que ela estava pensando? Jack já havia dito aquilo antes, mas fora mais confortável ignorar.

— Já se passaram alguns meses da sua transformação, então a Sede deve vir em breve – Jack continuou. – É uma vontade insaciável, mas não precisa se preocupar. Os professores estão preparados para isso, e acompanham qualquer estudante que dê sinais de que vai começar o processo.

Katherine não queria saber dos sinais, mas ele continuou falando.

— Você já me viu expor as presas, e, se Evan a mordeu, também já deve ter visto ele fazer a mesma coisa – disse Jack, desviando os olhos ao mencionar Evan. Ainda era um assunto delicado entre eles que Katherine não quisera entregar qual dos dois havia sido “escolhido”. – Na sua Sede, vai expor as presas pela primeira vez.

— O que isso tem a ver com o baile? – perguntou ela, sentindo um arrepio nos braços apesar do dia quente.

— É agitado, cheio de luzes e pessoas. Pode ser um gatilho para a Sede. Só quero avisá-la, se se sentir mal, pode procurar a mim ou a Olivia.

Jack colocou a grelha sobre a churrasqueira, parecendo incomodado.

— Não vejo Olivia há semanas – Katherine murmurou, evitando pensar na possibilidade de ter um surto de sede de sangue no baile que todo mundo estava esperando.

— Você e o seu amigo colocaram todo mundo para trabalhar – ele resmungou, sem olhar nos olhos dela. – Essa é a abordagem diplomática a que você deveria agradecer. Que eu deveria agradecer.

Katherine anuiu com a cabeça e saiu sem dizer nada. Entendia o que ele queria dizer, embora não quisesse pensar no significado daquilo. “Nos tempos do Empalador”, Jack dissera uma vez. Era possível que ele e Olivia fossem a única proteção que Katherine e Evan tinham contra o governo, se é que ela não estava pensando demais.

Dionora e Chris erraram ao contar para ela sobre a superdose e os planos de Serpente, porque depois disso tiveram que proteger a sua mente. Protegera os segredos deles, mas acabara com um alvo nas costas, porque todos sabiam que Katherine e Evan haviam sido ensinados a proteger os pensamentos por algum motivo.

Se o governo quisesse impedir Serpente, podia tanto querer vê-los presos, como mortos, se isso significava tirar do inimigo uma das suas armas, ou até usá-las contra ele. E se Serpente a pegasse…

Katherine encheu a caneca de água e a lavou com mãos trêmulas. Ela se arriscava a dizer que não dava a mínima para os planos de Serpente, e, se dependesse dela, o governo podia se explodir. Mas seria só isso? Fazer o que ele queria e depois ser solta para voltar à vida normal, como um animal de estimação?

A ela, parecia que não. Não haveria fim. Se Serpente encontrasse nela a arma de que precisava – embora Katherine ainda duvidasse muito de que pudesse se tornar alguma coisinha poderosa –, ele nunca a largaria. Se obtivesse o poder, sempre iria querer mais poder.

Sem mencionar a tortura que provavelmente sofreria para entregar Dionora, Chris e quem mais a tivesse ajudado.

Katherine subiu para o quarto e caiu sobre a cama, sentindo-se exausta. Experimentou ir à praia de sua mente, dizendo para si mesma que aquilo a faria se sentir melhor, mas sabia que estava mentindo. Queria encontrar o pai, e alimentava essa esperança a cada vez que pensava em ir para lá.

Roberto poderia fazê-la se sentir melhor.

A brisa marítima atingiu o rosto dela com uma lufada, assim que ela se concentrou o suficiente e encontrou a sintonia certa. Apesar do céu azul completamente limpo, o calor agradável e a sensação da areia nos pés, Katherine suspirou com tristeza. Estava tão solitária quanto o sol, que não tinha a companhia de nenhuma nuvem.

Ela não se surpreendeu ao sentir a presença de Evan antes de vê-lo. Havia se deitado na rede quando ele surgiu por trás dela, e deslizou um dedo pela linha da mandíbula antes de dizer qualquer coisa. O toque sempre assustava Katherine, mas ela se sentiu segura. Não teve vontade de fugir.

Você vem aqui quando está triste.

Katherine assentiu, encarando os olhos dele. Carregavam uma expressão pesarosa, embora ainda fossem um belo reflexo do mar à frente deles.

Você tinha razão sobre o governo, não podemos confiar neles, disse ela, pensativa. Acho que Jack é a única proteção que temos. E acho que ele se arrisca demais para me proteger. Não sei quanto tempo Staham ainda vai esperar antes de passar por cima dele.

Acha que temos que fugir?, Evan perguntou, com o cenho franzido. Ele claramente não esperava que a conversa tomasse aquele rumo.

Não se isso colocasse Jack em risco também.

Evan se sentou no chão, ao lado de Katherine na rede e a observou em silêncio. De repente, a compreensão iluminou seu rosto.

Está pensando em se entregar, disse ele, em tom de acusação. Não pode fazer isso.

Katherine umedeceu os lábios enquanto pensava no que aquilo significava. Parecia a melhor ideia que tivera até agora. Dionora e Chris não corriam risco nas mãos do governo, e Jack a protegeria. Ela ao menos esperava que ele pudesse protege-la.

Não vou fazer, Katherine desconversou, sem estar certa daquilo ser ou não uma mentira. Só não quero colocar ninguém em risco. Mas a gente pensa nisso junto.

A expressão de Evan se suavizou um pouco, porém Katherine sabia que era mais pela parte de estarem juntos do que por ele acreditar no que ela dizia. Quanto mais tempo passavam naquela simbiose das duas mentes, mais ela compreendia que sabia tudo que ele sabia, e o contrário também era verdadeiro. Ele sabia que ela mentia ao garantir que não se entregaria.

O que são aqueles desenhos?, Evan perguntou, com o olhar perdido no horizonte. De carvão.

Katherine encolheu os ombros e se virou na rede para olhar para ele.

São os meus fantasmas, acho, disse, pensando nos desenhos na parede do quarto. Observou a expressão dele. Você tem fantasmas também?

Evan lançou a ela um sorriso torto que não chegou aos olhos. É claro que ele tinha os próprios pesadelos com que lutar, embora o carisma e a autoconfiança tornassem difícil imaginar aquilo.

E por que carvão?

Evan descansava a mão na rede, ao lado do rosto dela. Katherine estendeu o braço e contornou com o dedo suavemente a mão dele, enquanto pensava se deveria mentir. Sentia que estava se entregando demais, rápido demais, mas algo nos olhos dele a impelia a ser imprudente.

Eles não me deixam mais ter apontador no quarto, disse ela de uma vez. Manteve os olhos fixos no mar, porém ainda tinha o calor da mão dele contra seus dedos. Mas o carvão é grosseiro, por isso eu gosto.

Eu gosto também, Evan falou, simplesmente, fazendo com que Katherine voltasse o olhar para ele com certa surpresa. Ela esperava algum tipo de constrangimento ou até pena, mas não aquela naturalidade. Era uma surpresa boa.

Soando distante, Katherine ouviu a voz de Ellen chamando-a. Fez uma careta.

Preciso ir, Evan.

Evan assentiu, e puxou com a mão o queixo dela. Katherine acompanhou o movimento e fechou os olhos ao sentir os lábios dele nos seus. Quando voltou a abri-los, estava novamente sozinha no quarto, encarando o teto.

— Melanie está aqui! – Ellen exclamou, sua cabeça surgindo na porta. – Venha, você precisa descer.

— Pareço animada? – Katherine perguntou, olhando para a mãe do outro lado do quarto pelo canto do olho.

— Você nunca parece animada – Ellen rebateu, sem paciência.

Katherine revirou os olhos e resolveu obedecer. Foi tirar o pijama com os pensamentos perdidos no breve encontro com Evan. Ela sabia que devia ser cautelosa com ele, especialmente depois de Evan se mostrar tão instável, mas insistia com teimosia em pensar no toque da pele dele, no conforto dos olhos verdes, na compreensão do sorriso torto…

— Chega – murmurou, olhando no espelho. O meu ex já me bateu, Katherine pensou, com censura, e eu me entrego para o primeiro sorrisinho. Ela tinha razão em tentar insistir na cautela. Cautela nunca era demais. Cautela a preveniria de repetir o passado, por mais que tivesse que se lembrar de que Evan não era Alex.

Depois de vestida, Katherine foi descendo as escadas e ouvindo a voz de Melanie. Como tudo nela, também despertava sentimentos ambíguos. Era monótona, mas ao mesmo tempo profunda e sensual.

Melanie pousou os olhos em Katherine quando ela se tornou visível da sala, e sorriu com indiferença, como se cumprimentasse um desconhecido. Katherine deu de ombros, sem se importar muito. Nem tinha mais energia para odiar Melanie ou culpá-la por estar agora metida em um pacto com Evan.

Deixou-os conversando e foi para o quintal observar Jack, que já terminava o churrasco e chamou os outros para comer. Ellen postou algumas fotos com a comida, mas depois deu tudo para Katherine e ainda a olhou pesadamente. Foi como receber o cavalo de Troia sabendo que era o cavalo de Troia.

Quando se cansou de comer com a sensação de estar sendo observada, Katherine baixou os talheres com a irritação contida, pediu licença e saiu. Foi para a sala, onde ligou a televisão e se esparramou no sofá.

Não ouviu os passos até que Melanie surgisse ao seu lado no sofá. Katherine se levantou rapidamente por causa do susto, e se moveu, desconfiada, para dar espaço para ela no sofá.

— Soube que conheceu Jenny – disse Melanie de repente, a voz se sobressaindo ao som da televisão.

Katherine olhou para ela com a testa franzida e tentou não se irritar. Não sabia o que responder, mas não precisou.

— Ela está dividindo quarto com Ashley agora, porque a Isabel pediu para trocar – Melanie continuou, estranhamente falante. Katherine não conhecia nenhuma daquelas pessoas. – Disse que Evan a dispensou por uma garota maluca e grande.

— Onde será que ele estava com a cabeça? – Katherine resmungou, com ironia.

Melanie revirou os olhos lentamente, agindo como se Katherine fosse parte do cenário.

— Jenny é uma cabeça oca – falou, com desprezo. – Não pode querer ganhar de um pacto de sangue. Você deixa ele tomar seu sangue? Já bebeu sangue?

Katherine olhou para ela com repulsa.

— Por que está aqui? – perguntou abertamente, querendo se livrar dela e ir para o quarto.

— Sua mãe não parava de falar sobre Instagram – Melanie respondeu francamente, embora não mostrasse constrangimento nenhum. – E eu nem perguntei. Estar na presença de Jack fora da escola me deixa… ansiosa. E seu irmão só fala sobre futebol.

E veio até mim esperando falar sobre o que?, Katherine pensou, mas não se atreveu a dizer em voz alta. É claro que Ellen estaria indignada por Melanie não mostrar interesse pela fama dela.

— Minha mãe e David só conhecem esses dois assuntos – falou em vez daquilo. – Vai se acostumando.

Olhou para Melanie de soslaio, procurando a reação dela. Se ela ouviu, não deu sinal.

— Mas então, você já tomou sangue?

Katherine virou a cabeça para ela, indignada.

— Claro que não. Por que você…

— Só estou curiosa – Melanie disse, com um leve jogar de ombros. – Quer experimentar?

— Não – Katherine respondeu, querendo sair dali mais do que nunca.

— Você vai ter sede alguma hora – Melanie argumentou. – Na hora, a sua garganta vai secar tanto que você vai achar que vai morrer. Não, acho que exagerei. Mas aí você tem que tomar. Você pode tomar dele.

Katherine perdeu a paciência e se levantou do sofá, ao mesmo tempo que recordava a conversa com Jack mais cedo. Melanie era obviamente mais experiente como vampira, e talvez tivesse uma certa intuição ou conhecimento sobre ouvir pensamentos. Qualquer coisa em que Katherine não estava interessada.

— Minha mãe não sabe nada sobre isso, então é melhor você parar de falar – sibilou para Melanie. – E vou para o meu quarto. Sozinha. E por que você só namora os jogadores de futebol se não quer ouvir falar sobre futebol?

Confirmou novamente a impressão de que não tinha rancor de Melanie por fazer Evan mordê-la. Melanie conseguia ser estranha e inconveniente mesmo sem antecedentes.

Uma vez no quarto, Katherine terminou os deveres e passou o resto da tarde lendo um livro, distraída. Felizmente não foi mais incomodada, e nem ouviu quando Melanie foi embora. Só foi chamada quando passava das sete, e Jack estava indo para Broken Hill.

Katherine foi com ele, apreciando que David e Melanie tivessem ido mais cedo. David se esquecera da existência dela havia algumas semanas, então as coisas estavam voltando ao seu eixo natural.

A escola já começara a ser decorada para o baile. Havia cartazes e balões prateados pelos corredores, e tecido brilhante no teto. Muitas fitas e brilho. Apesar da beleza, Katherine não conseguiu se demorar para olhar para os enfeites. Seguiu o caminho aflita com a situação em que se encontrava com Carla. Ao se deparar com a porta do quarto, Katherine hesitou. Havia silêncio do outro lado, e ela não queria ser covarde a ponto de mandar mensagem para Logan pedindo ajuda para encarar Carla, portanto respirou fundo e entrou.

Carla escrevia em um caderno sobre a cama, com símbolos que lembravam uma partitura. Lançou um rápido olhar para Katherine quando a porta se abriu, mas igualmente rápido desviou, evitando-a.

— Oi – disse Katherine, com a maior quantidade de coragem que conseguiu reunir. – Precisamos conversar.

Carla deu de ombros, mantendo os olhos no caderno, embora tivesse parado de escrever. Katherine deixou a bolsa deslizar pelo ombro para cair sobre a cama.

— Só vou me desculpar, na verdade – Katherine continuou, procurando pelas palavras sem saber ao certo o que dizer. – Independente do que aconteceu entre você e Kristen, sinto muito por ter zombado de Caleb. Ele é bem gentil e te trata como uma rainha, que é o que você merece. Desculpa mesmo.

Katherine desviou o olhar depois de terminar de falar, envergonhada, e se virou para começar a desfazer a mala, porém Carla respirou fundo e atraiu o olhar dela.

— Obrigada, Kate – Carla falou, abrindo um sorriso hesitante. – Eu me senti mal por ter brigado daquele jeito com você. E por ter falado aquelas coisas sobre Evan. Sinto muito também.

Katherine sorriu de lado, sem jeito. Pegou-se pensando novamente no beijo dele, não sem um pouco de culpa.

— Não sei o que esperar dele a maior parte do tempo – disse ela. – Não tiro a sua razão, ele é muito imprevisível.

— Sei que as coisas são complicadas também por causa do pacto – Carla afastou o caderno para cruzar as pernas sobre a cama e a encarou. – E percebo que você carrega um peso do seu outro relacionamento.

Katherine ergueu as sobrancelhas, sentindo-se pega de surpresa.

— É – Carla sorriu, encolhendo os ombros. – Já a vi se esquivar de toques e abraços, e vejo como olha às vezes para qualquer cara que fala com você. Como se todos fossem um agressor em potencial.

— Acho que eu nunca tinha… - Katherine começou a dizer, embora estivesse chocada demais para formar uma frase coerente. Sentou-se na cama e deixou as palavras morrerem.

Carla abriu um sorriso compreensivo.

— O meu pai era do tipo que bebia e ficava agressivo. Minha mãe ficava aterrorizada nas noites de futebol, eram as piores. Ele batia nela, mas nunca encostou a mão em mim. Acho que ela teria matado ele de vez se ele tivesse feito isso – contou, abrindo um sorriso com o olhar fixo na parede que elas haviam pintado, embora estivesse vendo muito além. – A minha avó era empregada doméstica de um cara rico, e se casou com ele, e eles já moravam aqui. Daí ela convenceu a minha mãe a vir para os Estados Unidos comigo.

Katherine umedeceu os lábios, sem saber o que dizer. Acompanhou o olhar de Carla e encarou a parede preta.

— E você não é chegada ao seu avô?

— A minha família não é muito fã dele por ter levado a minha avó embora – disse ela, dando de ombros. – Mas a vó é feliz, então eu não falo nada.

Katherine sorriu.

— Mas aonde eu queria chegar com essa história? – Carla continuou, voltando a mirar Katherine. – É que a minha mãe tinha esse mesmo olhar de desconfiada. Demorou muitos anos para se relacionar de novo com alguém, e mesmo assim, o medo de verdade, esse ela nunca perdeu.

Uma brisa fria agitou as cortinas, e Carla se levantou para fechar a janela.

— Odeio domingo – murmurou, fazendo as portas de madeira se fecharem com um baque. – E sobre a minha mãe, aliás, ela se chama Maria Helena, e é claro que ela tem esse medo, mas já falou várias vezes que não vai deixar o meu pai dominar a vida dela para sempre. E tudo isso para dizer que, por mais que Evan não seja a minha pessoa preferida no mundo, acho que você tem que dar uma chance a ele. Bom, não tem que nada. Mas pode dar uma chance a ele.

Katherine pensou sobre aquilo durante um tempo. Sobre deixar Alex dominar a vida dela. Só não tinha medo dele em Broken Hill porque, até chegar ao quarto dela, ela imaginava que alguém o barraria, mas só por isso. Imaginava-o na academia que Ellen frequentava, no mercado, na praça, na rua da casa dela, passando descontraidamente. E, claro, projetava Alex sobre Evan o tempo todo.

— Quero conhecer a Maria Helena – falou, sorrindo. – Preciso de uns conselhos.

— Conselhos, e quem sabe uma feijoada – Carla sorriu de volta.

Vamos comer alguma coisa, disse Evan na cabeça dela.

Katherine ergueu as sobrancelhas. A voz dele a alcançou ao mesmo tempo em que a barriga dela roncava.

Já estou a caminho, ela respondeu, levantando-se da cama.

Encontrou Evan no ponto em que as escadas se juntavam em uma amurada sobre o Grande Salão. Ele a olhava com alguma expectativa que Katherine, de alguma forma, queria corresponder.

— Agora que estou perto de você, acho que foi a sua fome me deixou com fome – disse ele, sorrindo. – Não estou mais com fome.

— Eu continuo com fome – Katherine falou, sorrindo de volta.

O jantar já havia sido retirado, mas havia algumas frutas e biscoitos para uma ceia. Ela se muniu de alguns biscoitos e uma maçã e foi se sentar com Evan no banco do lado de fora.

— O que acha desse baile? – ele perguntou, olhando para um dos balões.

Katherine tentou ignorar o frio na barriga que sentiu por ele mencionar esse assunto antes que pudesse responder.

— Meus amigos estão animados – ela começou, pensando. – Já faz um tempo que eu não vou a um baile de escola, então soa um pouco estranho. Com pessoas novas e escola nova talvez seja diferente.

— Não, é tudo a mesma coisa – Evan fez uma careta, embora estivesse se divertindo com aquilo. – Mas aqui eles deixam a gente beber. Sabe, porque o seu corpo se regenera e o álcool não pode te deixar doente.

— Beber, tipo… beber beber?

— Não, não beber beber – Evan discordou, rindo. – Não quero a Olivia no meu pé explicando sobre os perigos do vício.

— Então só beber.

— É, só beber.

Se o cérebro vampiro fosse imune aos desequilíbrios químicos do vício, então provavelmente também seria imune à depressão. Umas sinapses estranhas aqui e ali, e você tem uma nova doença psiquiátrica. Era o que ela entendia, pelo menos.

— Sabe, eu trancei o cabelo da minha irmã esse fim de semana – Evan contou. Passava o tênis sobre a grama úmida distraidamente enquanto falava. – Iguais a essas suas. Eu só tive a impressão de saber fazer, e testei, e sei mesmo.

Katherine sorriu. Ela gostou de ouvir aquilo, embora não estivesse surpresa.

— Tudo que eu sei, você sabe – disse ela, ainda com um sorriso. – E tudo que você sabe, eu sei. Com um pouco de esforço, pelo menos.

Evan apertou os olhos para ela.

— Como consegui a cicatriz no braço, então? – ele a desafiou.

Katherine achou graça, mas fechou os olhos e se concentrou. Viu uma bicicleta, e flashes de luzes vermelhas, depois outros carros, e de repente entendeu tudo, apesar da história parecer confusa como se desenrolou na cabeça dela.

— A sua mãe chamou a ambulância porque… você caiu de bicicleta e bateu a cabeça?

Evan assentiu, incentivando-a.

— E outro carro bateu na ambulância – ela continuou, tentando visualizar a cena. – E você quebrou o braço nesse acidente da ambulância.

— Eu peguei pesado – disse Evan, sorrindo. – Mas você acertou tudo. Sua vez.

Katherine pensou, sem encontrar nenhuma boa ideia além de uma discreta cicatriz sob a sobrancelha que ela podia agradecer a Alex.

— Como eu consegui a cicatriz nas costelas, então? – perguntou ela, apesar de o tom de desafio servir só para disfarçar a melancolia que a acometera com as lembranças.

Evan a princípio sorriu, mas o sorriso rapidamente se transformou em uma careta. E logo o esforço que ele fazia para se lembrar parecia físico. Por fim, a expressão dele se suavizou.

— Desisto – ele admitiu. – Não me veio absolutamente nada. Não tenho ideia. Você venceu.

Katherine sorriu.

— Não tenho cicatriz na costela.


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Notas finais do capítulo

obrigada por ler até aqui! ♥ feedback sempre bem vindo



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