Desencantados. escrita por IfiniteVitium


Capítulo 1
Maçã Envenenada.




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Maçã Envenenada

Capitulo I

 

 

 Fora servido um luxuoso jantar. As velas perfumadas encantavam a farta mesa em sobremesas e assados. O ar por mais sombrio que fosse, parecia se ofuscar com a luz e leveza que Branca de Neve continha. Ali estava a princesa na ponta da mesa, relaxando suas madeixas escuras nos ombros. Mesmo que cabisbaixa a alteza detinha de iluminados olhos, pesarosos, todavia radiantes.


Se para uns a beleza daquele olhar irradiava encanto, para Elizabeth sua madrasta, causava grande repugna. A rainha permaneceu na outra ponta da mesa com sua taça repousando entre os dedos. Detestava dividir os momentos com sua enteada, aliás, ela a detestava por completo, por status e por lei teria de aturar sua presença doce e provocante por um tempo. Um curto tempo em seu pensamento maquiavélico.

 

— Está saboroso o banquete, querida? — Com um falso gracejo perguntou, quebrando o grande silêncio que pairava sobre as duas. Branca de neve respirou fundo, ainda que tímida nunca deixou de responder a rainha. Sua madrasta lhe causava espanto, o que fazia a Rainha deliciar-se.

 

— Está de bom grado, vossa majestad...

— Diabos, porque insiste? — A rainha bateu sua taça contra a mesa, com um ar notavelmente alterado. Interrompeu a fala da princesa que arregalou os olhos — Sua doçura e educação me causam afrontas. Sabe bem que no palácio devemos cortar formalidades, eu sou a sua mãe agora!

 

Aquelas palavras vinham como uma chuva de canivetes no coração da princesa. Elizabeth não era e nem de longe se parecia com sua mãe e também mal se esforçava para ser uma. Os boatos de que Eliza fora a responsável pela morte de seu pai e principalmente pela queda da economia no reino já haviam chego a seus ouvidos por meio dos empregados do castelo. Obviamente a princesa nunca contestou a Rainha, tinha medo de sua loucura e de suas desenfreadas feitiçarias.

 

— Eu sinto muito, mas uma mãe de verdade saberia que dia é hoje... — Com certa delicadeza disse, cortando um pequeno pedacinho de torta perfumado em framboesas.

 

A rainha entreolhou a mais nova, era impressionante como Branca de Neve a superava em tudo, principalmente em sua irritante doçura.

— Não é nenhum feriado, muito menos dia de sentença. Sendo assim, não tenho motivos para comemorar absolutamente nada — Acrescentou com desinteresse. Elas mal se viam e quando dividiam a mesa viviam em climas desconfortáveis. Elizabeth fazia o possível para ficar longe da outra, mas ficar longe da princesa denunciaria sua vontade de destruí-la, portanto teria de suportá-la até colocar seus planos em ação.

— Nem meu aniversário? — Indagou a princesa com um leve sorriso no rosto.

A rainha quase cuspiu seu vinho, um tanto quanto incrédula.

— Como é?

— Exatamente, hoje estou completando dezoito anos e sabe que por lei tenho direito a parte de governo em Grimhilde — Levou seus olhos aos de encontro da rainha. Ela exalava em juventude, pureza e bondade. Um arrepio percorreu a nuca de Elizabeth e ela engoliu em seco.

Como ela não havia se lembrado? Como ela deixou a situação chegar a esse ponto? Sabia de certo que Branca de Neve seria uma pedra em seu sapato, ela jamais concordaria com seus feitos como Rainha. A rainha jogou rápido com seus pensamentos e num piscar de olhos já pensou numa hipótese de contornar a situação, não poderia demonstrar que se esqueceu do aniversário da princesa, pois precisava sair por cima.

 

— Coragem sua dizer-me isso de tal maneira, Branca de Neve... Claro que me recordo de seu aniversário ou pensa que mandei preparar esse banquete para que? — Deu um sorrisinho falso, era maquiavélico o modo de como Elizabeth adorava contornar situações. Branca de Neve permaneceu pensativa, aquele banquete era como todos os outros, a rainha sempre se deleitava com um jantar farto e egoísta. Sentiu que estava sendo enganada, mas por culpa de sua delicadeza não discutiu.

— Perdão! Não quis soar abusiva e nem quero que me entenda mal, mas não percebe que o povo passa fome enquanto estamos aqui com esse banquete desnecessário? Uma rainha não pod...

— O que você entende por governar, fedelha? — Elizabeth encostou seus cotovelos na mesa, juntando suas mãos. Lançou seus flamejantes olhos azuis nos da princesa.

Branca de Neve sabia a resposta, mas corou em vergonha abaixando o rosto. Uma vez vira Eliza sugando almas e aquilo a amedrontou de forma assustadora, ela mal conseguia encarar aqueles perversos olhos azuis.

— Não é apenas cantarolar nos bosques feito uma lunática colhendo flores. Governar exige pulso firme e bom gosto! Deveria me agradecer por esse jantar e não querer doa-lo a uma corja de plebeus — As ruindades em suas palavras deixaram Branca de Neve profundamente estarrecida. Ela via a maldade naquela mulher, o mais triste ainda era não conseguir convencer de que estava errada.

 

— Mas Elizabeth, esses a quem você julga corja é teu povo, um povo que meu pai sempre zelou e deu o sangue! — Seus olhos marejaram ao falar de seu pai, uma onda de saudade com afeto lhe enchia o peito. Branca de neve sentia muito a falta de seu pai, não só ela como o reino.

 

Após a morte do rei, Elizabeth assumiu o comando e tempestades de sofrimento varreram o solo daquelas antes tão mágicas terras. Os seres encantados ficaram presos numa floresta negra, o povo empobreceu e adoeceu, as moças belas e virgens eram obrigadas a servir no palácio. A maldade começou a imperar de modo avassalador, até mesmo os espinhos apossaram-se da textura do enorme palácio de Grimhilde.

 

— Você fala do seu pai com uma convicção invejável! Ele deu o sangue pelo povo, e agora? Agora seu pai está morto! De que adiantou algum esforço por esses sangues sugas? — Jogou suas palavras como quem joga pedras afiadas. A princesa deixou uma lágrima escorrer e levantou-se.

 

— Não fale assim de meu pai, eu sei que foi você quem o destruiu! — Um raio de indignação percorreu os pensamentos de Branca e ela tomou a coragem para apontar um dedo no rosto da outra — Agora que tenho dezoito anos deve cumprir a lei, dê-me o papel que me pertence nesse reino! Prepare a cerimônia de coroação! — Branca de Neve exigiu, segurando toda a mágoa que transbordava de seu peito. A rainha era cruel demais e pensava que chorar não iria amolecer o coração da monarca egocêntrica.

 

A rainha gargalhou histericamente vendo Branca de Neve se exaltar. Por alguns instantes a princesa ficou sem graça com aquelas risadas fora de hora, sentia-se uma piada.

— Não brinque comigo princesa. Não me acuse sem provas, amei muito seu pai, mas ele morreu, é normal que pessoas que eu amo morram... Elas sempre vão embora — Levantou-se, apoiando agora as mãos na mesa e fuzilando Branca de neve com suas profundas trevas em olhar. Os olhos da rainha eram um espelho de toda sua alma apodrecida e cruel — E eu amo você... — Sussurrou e riu baixinho. Logo a taça de Branca de Neve estourou.  A rainha permaneceu com um sorriso diabólico vendo a garota arrastar seu vestido para a saída da sala de jantar. Deu um gole em seu vinho, mesmo que satisfeita por ver sua enteada transbordar em lágrimas, sabia que ela lhe dizia grandes verdades. O reino agora iria pertencer a Branca de Neve e a cerimônia havia de ser obrigatoriamente preparada. Aquilo lhe acumulou uma fúria que até então a mesma nunca sentira antes.

 

A princesa assustada com as palavras de sua madrasta correu dali em prantos, enfrentando as escadarias e trancando-se em seu quarto, onde desabou em lágrimas. A Rainha era mesmo uma bruxa cruel como uma víbora e sentia que ela estava prestes a lhe dar o bote.

 

 

 

 

 

 

Elizabeth parecia uma grande tempestade cortando os corredores do imenso palácio de Grimhilde. A majestade estava visivelmente enfurecida com a prosa que acabara de ter com sua enteada, ou como preferiria dizer, carma estúpido. Ela só pensava nos olhos de Branca de Neve a afrontando, mas ainda assim com doçura, como ela conseguia ser audaciosa e gentil ao mesmo tempo? Era um turbilhão de invejas e revoltas em seu pensamento, Branca definitivamente teria de ser morta ou seu reinado estaria por um fio.

Adentrou seu quarto de modo explosivo, trancando a porta para não ser incomodada. Respirou fundo e puxou um pano belíssimo de um móvel enorme que mostrou ser um espelho majestoso. O verdadeiro caos em vidros, a porta para o inferno das visões futuras. Oh sim, o espelho mágico era capaz de penetrar a alma das pessoas com sua imensidão de poderes. Poder era o que Elizabeth estava precisando obter sobre a situação.

— Espelho, espelho meu... — Ergueu suas mãos admirando seu reflexo e recitando o feitiço com fervor — Mostra-me tua face.

Chamas flamejantes tomaram lugar do que antes era o reflexo de uma Rainha, delas um rosto magro e fino tomou forma. Era um rosto maligno, capaz de causar medo nos desconhecidos da magia.

— Para que me chamas rainha? — Indagou com seu timbre rouco, sempre indicando respeito.

— Quero que me diga como posso destruir a menina mais doce e bela do reino? Como posso destruí-la por dentro como um parasita. – A loira fazia gestos ríspidos, fechava a mão em punho com tanta força que uma gota de sangue caiu sobre o chão branquíssimo de seu quarto.

— Devo lhe dizer que estou surpreso com tal pergunta, rainha Elizabeth. – A face branca e sem olhos a mostra fez uma pausa. – No jantar que acabara de ter, sua enteada lhe disse sobre seu aniversário e tu não fizeras o certo. Lutar contra Branca de neve não é a resposta agora.

A rainha forçou um riso, colocando as mãos na cintura.

— Esperava que eu fizesse o quê? Parabenizasse-a por enfim ter dezoito anos e poder tirar-me do poder? A lei de Grimhilde é clara. Se eu não tomar alguma atitude ela vai acabar mordendo a maçã no ritual de reinado e minha cabeça vai á leilão com tantos que irão querer vingar-me — Pigarreou com tamanho peso no olhar. O espelho pareceu calado, como se Elizabeth já tivesse a resposta para suas perguntas.

— Ande logo reflexo miserável, dê-me a resposta que preciso. Quero mata-la, ela não é agora a mais bela de todas, ela é mais que isso. Essa garota infernal pode tornar-se a próxima rainha! — Gritou com toda sua força, as veias de seu pescoço saltavam de raiva, enquanto o espelho apenas repousava seus olhos severos sobre a histeria da mulher — Eu não quero apenas mata-la, ela precisa de uma morte prazerosa.

— Não vê Rainha? Já tem sua resposta.

— Do que está falando? Agora resolveu trabalhar em metáforas? Pensei que tinha um espelho poderoso e não um monge chinês — Berrava impaciente, andando de um canto para o outro de seus aposentos.

O espelho parecia apreciar a maneira que Branca de Neve conseguia descontrolar a Rainha, era impressionante como a inveja agia na mulher.

— Está tomada por tamanha inveja que mal pôde perceber a oportunidade. Mate-a no dia da cerimônia, como você mesma disse ela terá de morder a maçã do reinado. Permita-me lembrar de que é um ritual sagrado em coroações, comer o fruto da macieira de Grimhilde dá o poder de governo, vossa majestade já passou por esse ritual, recordas?

— Não me aponte o óbvio, a maçã do reinado é um sagrado que passa de gerações em gerações dos monarcas. — Um raio de luz pareceu beijar o rosto de Elizabeth. Devagar encarou o olhar morto do espelho. Ela enfim havia entendido, sim, envenenar a maçã do reinado traria para Branca de Neve uma morte de se aplaudir.

— Eu consigo compreender... — Sorriu, mas teu riso feliz era mais perverso do que teu semblante enraivecido. Permitiu-se imaginar e sentir o prazer de ver Branca de Neve despencando do trono após uma mordida, na frente de todos.

— Oh espelho, imagine: "Eu sou Branca de Neve e agora irei governar o rein... Cof cof" — A rainha simulou uma tosse e começou a gargalhar escandalosamente, aquela seria a morte perfeita e com uma plateia incrível, o reino inteiro apreciaria o momento em que Elizabeth seria única e grandiosa.

A mais bela de todas.

— Rainha, perdoe-me... — O espelho tirou-a de seu devaneio prazeroso. Parecia entonar a voz para alguma pergunta importante — Mas vejo no espelho de tua alma que o que sente por Branca de Neve vai longe de inveja. O que esconde dentro das trevas de seu coração? Porque não simplesmente mata-la? — Um silêncio pairou no ar e a rainha aproximou-se devagar do espelho, encostando um dedo no vidro.

— Esse reino me pertence, apenas isso. Pare de tentar vasculhar minha alma, não tenho nada contra Branca de Neve, pois este é meu império — Ela ajeitou sua coroa em seus fios claros, sorrindo amargamente — E não tolero concorrências.

O espelho nada disse, ele sabia que havia muito mais por detrás daquela história, em sua previsão já sentia que em breve todas as verdades viriam à tona. Elizabeth era sim uma rainha fria, calculista e gananciosa, mas nunca a viu declarar um inimigo dessa forma.

— Porém eu quero ter um plano B, e se a maçã não for o bastante?

— Será — Acrescentou o espelho.

— Nada é o bastante para quem tenta me tirar um reino, diga-me sua outra ideia para a morte de Branca de Neve.

O espelho fizera seu reflexo desaparecer, dando foco na imagem da dama de companhia da princesa, Azula. Ela era como uma segunda mãe de Branca de Neve, após a morte de Eva foi a responsável por sua educação e disciplina, mas a mulher ensinou mais que isso, ensinou para a princesa a mais bela lição de todas – o amor. Ele contou seu plano com um pesar na voz, não achava que Branca merecesse triste sina.

— Azula... Então ela me será útil.

 

 

 

 

O sol raiava nos céus, parecia amigo dos pequenos flocos de neve que caiam. As flores adormeciam, guardando seus melhores perfumes para a próxima primavera.

A neve queria celebrar aquele dia especial de algum modo, mesmo que atrasada, era a melhor amiga de Branca de Neve. Alguns flocos dançaram pela janela do quarto da princesa, que despertou sorridente, ela amava a neve, pois haviam lhe contado que sua mãe Eva a nomeou de Branca de Neve por causa de um mágico inverno que a encheu de amor.

— Branca? — A dama de companhia entrou com um leve vestido branco que as criadas do palácio usavam comumente. Azula sorriu ao ver a princesa admirando a neve pela janela.

— Ás vezes penso que o inverno ama você Branca de Neve, desde seu nascimento o frio sempre vem aconchegando corações...

A princesa olhou sorridente para Azul, como costumava chamar. Ainda recostada na janela, respirou fundo.

— Não estou me sentindo segura Azula, temo que Eliza queira me matar.

Azula engoliu em seco e deu alguns passos em direção á garota. Admirou lhe a beleza matinal como uma mãe admira uma filha e pegou tua mão.

— Querida, temos de ter uma conversa franca. Eu deveria ter te contado antes, mas preferi esperar até o dia de hoje...

Branca de Neve se pegou curiosa, piscando os olhos rapidamente em ansiedade.

— Pois me conte Azul, o que eu não sei?

— Antes de tudo saiba que Elizabeth não pode nada contra você e mesmo se pudesse não o faria. Há uma lei em Grimhilde e essa lei decreta que agora a coroa é sua! — Azula explicou com cautela. Branca parecia pesquisar nas palavras de sua amiga algo ruim ou novo, ainda não havia entendido o que ela realmente queria lhe dizer.

— Fico feliz com as palavras de conforto, sabe como eu andei triste, mas ainda não entendi aonde quer chegar.

— Para você governar seu pai tem de estar morto e ele não está!

Um choque, quem sabe uma palpitação mais forte no coração de Branca de Neve? Centenas de emoções dominavam teu peito, todas elas misturadas em saudade, tristeza e esperança. Seria verdade? Azula não brincaria com algo tão serio. A princesa pegou-se sem reação.

— O... O quê? — Balbuciou incrédula, respirando fundo. O ar lhe faltava no peito, o que acabara de escutar mesmo?

— Sim minha menina, rei Esteban não está morto. Elizabeth tentou esconder a verdade de você por todos esses anos, mas esperei até seus dezoito para lhe contar — Um peso de culpa caiu sobre os ombros da mulher que marejou os olhos ao ver Branca de Neve chorando de emoção.

— Ele está vivo? Você não me contou antes? Azula, eu... — A princesa se descontrolou, esbaforida e desesperada começou um disparate de perguntas em meio a prantos, mas Azula lhe segurou as mãos com carinho, trazendo-a pra si.

— Elizabeth é mais perversa do que imagina. Aprisionou o rei na floresta negra, desde então ele lhe enviava cartas, mas ela as escondia. — Retirou dos seios um envelope com várias cartas, Branca de Neve as agarrou observando uma por uma — Eu encontrei tudo ano passado, mas imagine o choque que seria pra você! Agora está mais velha, por favor, Branca, abra mão de tudo e vá atrás de seu pai!

Branca assentiu com a cabeça, devolvendo as cartas para sua dama de companhia.

— Não me devolva, são suas agora. As guarde bem, há um mapa com indicações exatas de onde ele se encontra — A dama de companhia passou a mão pela bochecha corada de Branca de Neve, afagando seu rosto. Estava visivelmente preocupada com as emoções de sua menina.

— Azula eu mal sei como agradecer. Mas dê-me um tempo para digerir tudo e pensar num modo de sair sem ser vista, faz 12 anos que não saio do palácio — Olhou ao seu redor, admirando seu quarto com certa tristeza — Minha prisão é feita de luxo, Elizabeth me proibiu de sair, poderei quando me tornar rainha.

— PARE DE FALAR ASSIM, VOCÊ NÃO SE TORNARÁ RAINHA! — Azula se viu berrando em prantos, desequilibrada. Percebeu ali que seu descontrole poderia por tudo a perder. Branca a abraçou sem entender.

— Como assim? Porque diz isso? Se acalme Azul, eu vou me tornar rainha e irei atrás de meu pai — Disse confiante, enxugando as lágrimas de sua mãe por consideração. Imaginava que ela estava preocupada e nada mais que isso, mas estava enganada.

— Você precisa partir antes de morder a maçã do reinado! — Exclamou, segurando o queixo de Branca de Neve. Azula mergulhou os olhos nos de sua pequena, o olhar da mais velha pedia socorro.

— Me prometa que vai partir antes da coroação, tenho medo de que Elizabeth mude de ideia e queira te fazer algum mal...

— Mas você mesma disse que ela não pode contra mim!

— Ela não pode contra você hoje, mas não subestime o amanhã! — Azula deu alguns passos em direção à saída e deu um último olhar para a princesa.

— Pense em algo e vá atrás de seu pai, só ele pode salvar o reino da crueldade dessa mulher — Fingindo estabilidade ela fechou a porta, desabando em prantos do lado de fora.

A criada desceu as escadas chorando, o que estava fazendo com sua doce Branca de Neve? Estava mentindo, enganando alguém a quem lhe fora dada a missão de ajudar.

Correu e afogou seu pranto tampando sua boca enquanto dirigia-se para o jardim morto. O que era antes o jardim belíssimo de Eva tornou-se um assumido cemitério de plantas. Era aquilo que Elizabeth fazia, ela corroía as coisas e agora estava corroendo sua ligação com Branca de Neve.

Azula se apoiou numa árvore morta, recompondo-se quando som de palmas a fizeram olhar para trás.

— Bravíssimo, no conselho das fadas eles ensinam a atuar tão bem? — Estava ali Elizabeth, ou como era conhecida pela plebe e corte; Rainha Má. Trajava um negro vestido felpudo, que destacava suas curvas e dava-lhe um charme no inverno que começava a cair. Era ela, o diabo coroado.

Azula sentia nojo da presença de Elizabeth e não escondeu com seu olhar de desprezo.

— Eu fiz o que combinamos, agora cumpra com a sua parte!

— Tenho palavra meu benzinho — Elizabeth tocou numa rosa que se aflorava no solo e como num toque de morte a planta ressecou — Mas porque não tira sua máscara? Agora que sei quem você realmente é, não me tenho satisfeita em conversar com teu disfarce... — A rainha arqueou uma sobrancelha — Fada Azul!

Azula ressentiu. Seu disfarce lhe custaria à vida caso fosse vista por mais alguém, agora que a Rainha Má sabia sua verdadeira forma não poderia mais hesitar. Permitiu-se então mostrar-se verdadeiramente.

As vestes de empregada se envolveram num brilho angelical. Um frasco de luz azul percorreu por todo o ser e a silhueta da mulher parecia endeusar-se. Asas belíssimas surgiram como lampejos de alegria e então a forma teve resultado encantado com o longo vestido azul. O céu parecia estampado no tecido mágico.

Azula era nada mais nada menos do que a Fada Azul.

A rainha Má no começo sentiu-se enganada, pensou até em matar Azula quando descobriu. Ela odiava fadas, em especial as fadas madrinhas e quando soube que uma se escondia bem debaixo de seu nariz ficou enfurecida, porém o espelho havia lhe apresentado motivos de que Azula seria de grande ajuda. Ah sim, uma perfeita ajuda.

— Agora sim! Achou mesmo que iria me enganar por muito tempo?

— Não estava enganando ninguém, estava apenas cumprindo meu dever como fada madrinha — Azula era um ponto de luz naquele jardim sombrio. Pegou sua varinha, com medo de que algo fosse acontecer.

— Admiro sua audácia, saiba que você foi essencial em meu plano, vagalume azul... — Rolou os olhos entediados — Inventar para Branca de Neve que o pai dela está vivo para fazê-la desistir da coroa e morrer numa busca sem motivo na floresta... Ah, veja só, tudo isso por sua culpa, quem mandou topar com a Rainha Má? — Elizabeth era uma tirana irônica e adorava amedrontar quem jogava seus jogos. Infelizmente, Azula era mais uma peça de seu tabuleiro.

— Não queira me culpar! Topei com seu plano porque você me chantageou. Disse que se eu não colaborasse com suas mentiras iria me denunciar. — A Fada Azul estava desacreditada de tanta maldade, começou a fitar Elizabeth com pena — Você é um monstro.

A rainha adorou sentir que Azula estava abalada. Ela precisava de alguém que a fizesse cair na mentira, se a própria fosse contar a Branca que seu pai estava vivo a menina não iria acreditar. Por isso Azul era perfeita para contar aquela farsa.

— Te denunciar para o magistério das fadas era o que eu poderia ter feito, mas resolvi usar você, agradeça-me depois...

De acordo com a lei das fadas madrinhas, todas teriam de ser cautelosas ao extremo. Ninguém poderia descobrir de seus poderes mágicos até suas afilhadas completarem 20 anos. Após o feito elas poderiam se apresentar como suas fadas madrinhas e lhes conceder desejos, caso isso ocorresse antes do aniversário de vinte anos a fada seria punida da pior forma. O segredo de ser uma fada madrinha lhe custava à vida e infelizmente a Rainha Má tinha o destino de Azula nas mãos.

— Quero apenas que cumpra o que combinamos noite passada! Não envenene a maçã do reinado, não mate a Branca de Neve. — Azula se via triste com o destino de sua afilhada. Branca de Neve tinha duas opções:

Ou ela seguia as informações falsas de Azula e morria nos braços da floresta negra, ou mordia a maçã do reinado e falecia nos braços de Elizabeth.

Os dois destinos resultavam a morte, mas Azula tinha esperança de que sua pequena conseguiria salvar-se, não sabia como, apenas sentia.

— Pouco importa, se ela não for embora, morrerá no veneno de seu próprio desejo de poder. Estou pensando em tecer um tapete no exato local que ela cair sem vida, para memorizar o momento, que tal? — Sorriu maquiavelicamente, vendo a fada chorar.

A Fada Azul se envolveu numa luz resplandecente e desapareceu. Deixando Elizabeth com o delicioso gosto da vitória, mesmo que Branca de Neve ainda estivesse em seu meio de convivência, não duraria muito tempo.

Era tarde e a majestade analisava seu reflexo, aturdida em pensamentos. Tinha de estar bela para a morte de sua enteada que em breve viria ao seu deleite.

Um fio branco em meio a suas madeixas loiras a perturbou. — Preciso me alimentar. – Segurou seu vestido e saiu do cômodo.

“Mas primeiro, meu dever.”

 

 

 

 

 

Subiu algumas escadas até um velho sótão, sem janelas e com paredes bem reforçadas para não ser possível ouvir ou ver o que ali acontece. Os criados dizem que Eva tinha construído aquele lugar para ensaiar música e os talentos de sua filha, no entanto, nunca foi possível. Morta no nascimento de Branca, a última coisa que viu foi os olhos negros de sua cria. Sorriu da forma mais genuína de sua vida. O bebê sorria da mesma forma, mostrando a todos como se amavam sem nem se conhecerem. Essa felicidade não durou, por perda de sangue em excesso a mulher morreu alguns segundos depois em que aquela cena linda aconteceu. Nem deu tempo de um pintor retratar aquele momento belo, o único retrato mostra a mulher morta e sem vida e sua filha sendo afastada de si.

Naquele cômodo, agora um caldeirão para feitiços, ingredientes em prateleiras, livros desorganizados e um espelho para caso precisasse falar com seu aliado ali. A mulher passou seu dedo pelos livros de capa de couro, com uma unha bem feita e afiada, procurava pelos feitiços de envenenamento. 

“Livro para envenenar.” Leu em vertical, quem imaginaria algo escrito por Merlin, para uso contra seres malignos na Segunda Guerra de Camelot, seria usada para eliminar a bondade em pessoa.

Passou as páginas cuidadosamente procurando pelo capítulo de frutas, então achou a equação de ingredientes das maçãs.

— Abençoado seja Merlin. – A mulher disse em um sorriso maldito e foi até a prateleira de ingredientes. — Cinco rabos de rato, duas presas de abutre, cinco gotas de sangue de víbora e... Raspa de pele de cria de Madae? – A mulher fez uma pausa sem acreditar. Madae era uma bruxa poderosa, mas não qualquer bruxa. Aquele nome lhe causava arrepios e ao lê-lo parecia reacender uma chama do passado. Obviamente Merlin também odiou Madae em vida, mas não tanto quanto Elizabeth a qual era sua filha. — Parece que alguém não gostava nada da minha mãe. Que novidade!

Depois de misturar bem todos os ingredientes, apenas precisava mergulhar uma maçã na mistura. Com cuidado, para não cair aquele ácido em sua pele, mergulhou o fruto com uma grande pinça de ferro. A parte de metal que foi mergulhada se desintegrou rapidamente, mas a maçã não.  Parecia até mais brilhante e vermelha, mais apetitosa.

— Eis aqui a passagem para Branca de Neve enfim governar... — Falava consigo mesma, abusando de seu ódio. —... O quinto dos infernos.

Caiu numa risada sonora que ecoou pelos corredores. Branca de Neve acordou arrepiada como quem desperta de um pesadelo horrível. Pobre menina, mal sabia que seu pressentimento já estava ciente da morte lhe rondando o sono. No entanto, a menina não precisava se sentir sozinha, seu anjo da guarda estava fazendo turnos e mais turnos ultimamente. Preocupado com o possível destino de Branca de Neve. Como um padrinho esquecido, Jack Frost vigiou a menina desde que nasceu, até antes de estar na barriga de Eva.

Sentado no peitoral da janela brincando com os flocos de neve que ele fazia cair, estava bastante distraído até ouvir as gargalhadas maldosas, seus ouvidos aguçaram e ele entrou no quarto. O despertar repentino de sua afilhada não o assustou. O bom de ser invisível a todos é poder estar em todos os lugares e saber de tudo primeiro.

A menina, com os olhos negros abertos para a escuridão, respirava depressa, ofegante. Jack parou para olhar o rosto de Branca.

— Fique calma, vou lhe proteger. Não importa qual caminho escolher. – Ele disse da sua forma doce e cautelosa.

Estava ciente dos problemas que a jovem princesa tinha de passar, entre escolher morder a maçã pelo seu reino e “morrer” como seu pai ou ir à procura incerta do homem, em seu possível paradeiro na Floresta Negra. O menino sabia o que ocorria, sabia de Azula sendo controlada e os problemas naquilo. Queria poder avisar a menina sobre o que acontecia, mas não pode ser ouvido, não pode ser visto, não sabe escrever e muito menos desenhar.

“Que merda de padrinho Eva foi escolher”. Pensou e voou de volta para seu posto na janela. Voltou seu olhar para o jardim destruído de Eva, que mesmo nos invernos mais tenebrosos, continuava em seu esplendor. O jardim não dispunha de belas flores, mas sim de belíssimas memórias, um dos poucos lugares em que a fúria de Jack Frost nunca conseguiu atingir.

Será que Esteban está em perigo?— Eva falou em sua memória, e o menino mergulhou para dentro de suas lembranças perturbadas, ali mesmo naquele jardim.

 

 

 

 

 

 

A rainha ainda jovem, com seus 17 anos, andava pelo seu jardim no inverno. Trajava um belo vestido que mostrava suas curvas e um chale de pele de raposa. O loiro invisível voava com ajuda da brisa congelante. Estava apenas passeando por ali, disfrutando de sua vida invisível, ninguém o via, aquilo lhe assolava tamanha solidão, portanto estava sempre passeando pelo reino – para tentar sentir-se visível e zombar da tristeza dos outros. 

— O que essa mulher estúpida está fazendo do lado de fora do castelo? – Jack pairou no ar bem em frente á Eva e observou os detalhes de seu rosto. O nariz, bochechas, lábios e dedos estavam avermelhados por conta do frio extremo, a pele branca como a neve pura trazia a tona um tipo único de beleza. Nunca havia visto mulher tão branca em sua vida. – Onde já se viu! Esses castelos não alimentam seus monarcas como antigamente. Além de magra como um graveto, branca como um fantasma! Branca de neve! – Zombava da mulher com seu sorriso travesso, já tinha várias ideias de como iria aprontar com a rainha, para ela nunca mais sair do castelo em dias de inverno. Ele não era visto, o que já lhe fazia ansiar por cometer travessuras, Jack Frost era uma lenda dos invernos de Grimhilde.

— Achas tudo isso? – Eva pousou suas mãos em sua cintura, num encaixe perfeito, e olhou bem nos fundos, claros e tristes olhos de Jack. Respondeu sem medo àquela lenda dos vilarejos, o motivo de tantas mortes terríveis em invernos.

Por alguns minutos o menino hesitou e eles ficaram parados, se encarando. Devagar tocou os pés nus na neve congelante. Como aquela mulher conseguia tê-lo enxergado? Isso nunca havia acontecido antes. Um sentimento de alivio com surpresa lhe tomou os sentimentos, não se sentia mais sozinho.

— Ande responda-me! – A jovem rainha ordenava ríspida. Mesmo sentindo pena daquela alma, não tinha tempo para brincadeiras.

Com os olhos semicerrados, rodeou a donzela e voltou a sua frente chegando ainda mais próximo dela, fitando seus olhos.

Como tu podes me ver?— O menino perguntou. 

 

 

 

 

 

 

 

O fim de sua memória se deu, ele voltou a si com o início da manhã. Branca parecia não ter dormido assim como ele, ainda respirava com dificuldade. Em tudo ela lembrava a mãe. Sua bondade, sua sinceridade, rispidez, beleza, pele branca de neve, seus lábios finos, mas os olhos eram de Esteban.

Todos pensam que as últimas palavras de Eva foram o nome de Branca. Como ela tocou a pele da recém-nascida e repetiu as palavras do menino entre um belo sorriso.

Branca de neve.

Infelizmente, sua morte não foi tão rápida. Todos saíram depois daquele momento, pensando que ela já estava sem vida. Foram preparar a cerimônia e avisar ao rei do trágico incidente.  Jack Frost esteve ao lado de sua mais verdadeira amiga por todo aquele longo sofrimento, até que ela lhe chamou com a voz fraca.

— Jack, venha... Aqui. – Ela falava pausadamente buscando suas últimas forças.

O menino ainda jovem como no primeiro encontro dos dois, foi até a mulher em seus doces 24 anos.

— Sim, majestade. – Ele nem pensou antes de falar. Estava muito nervoso com a situação, tratou-a formalmente e a mais velha riu olhando sua feição preocupada. Ela tocou sua pele branca de neve e sorriu genuinamente.

— Não precisa se preocupar. Morte nunca foi algo que lhe foi uma surpresa. Sempre a trouxe, sempre a presenciou, sempre a sentiu. – O menino não conseguiu conter uma lágrima teimosa. Com os dedos delicados, ela limpou aquela água fria do rosto de Jack. — Peço uma única coisa. Cuide de minha filha como um anjo, não como Jack Frost. Ela é sua afilhada, seja o melhor padrinho que poderia dar-lhe...

— Eva... – O loiro interrompeu a fala da mulher notavelmente cada momento mais fraca. Ela foi até suas mãos e segurou com força. Os olhos claros da mulher transpareciam sua alma, ela estava partindo.

—Tu sabes quem virá destruir a vida dela. Tu conheces minha história. Não peço que proteja o reino. Deixe que todos morram, mas proteja minha filha. – Nunca na vida da mulher, ela foi tão egoísta.

— Eu irei proteger a Branca de neve, como te protegi de Madae todos esses anos. – Ele respondeu aceitando aquele pedido singelo.

— Agradeço-lhe por tudo. Quando tudo estiver melhor... – Ela fez uma longa pausa assustando o menino.

— Eva?! – Ele gritou lhe chamando. A rainha abriu os olhos, sorridente com a preocupação do menino, ressonava entre a vida e a morte.

Nunca poderia desejar um melhor cavaleiro do que o próprio inverno.— Ela escorreu seu dedo pela bochecha do garoto, adormecendo para sempre.

Finalmente voltou completamente de seu devaneio de memórias. Essas eram as poucas felizes memórias que Jack tinha.

Olhou para o lado e avistou a preocupada menina.

— Escolha com sabedoria como sua mãe faria. – Fez esse pedido e Branca pode escutar tão preocupada voz. Jurava que era de seu pai em sua mente, usou aquilo para recobrar suas forças.

Força era o que as duas inimigas precisavam.

 

 

 

 

 

 

Elizabeth desceu as frias escadas para seu calabouço de tortura no castelo. Desativado desde a era do avô de Esteban, rei Phelipe proibiu aquelas atrocidades. A atual rainha considerava que o antigo foi um covarde, por isso morreu para algum arqueiro qualquer.  Atualmente, nas celas são abrigadas meninas, jovens e virgens. Filhas da elite até da escorria. Todas gritavam por ajuda até suas forças acabarem, não eram alimentadas direito nem de água poderiam disfrutar. Isso nunca foi um problema, apenas na vez em que uma menina muito rica, que nunca sentiu fome, gorda como um porco, matou sua colega de cela para poder se alimentar. A alma daquela nobre foi uma das mais fortes que se deliciou, tão perversa e egoísta. Chegou a salivar lembrando-se daquele gosto. Sugar almas lhe fazia viva.

— As jovens de hoje estão prontas, majestade. – Um guarda avisou a rainha no corredor de celas cheias de garotas amedrontadas.

—Perfeito. Vou para meu trono esperar por elas. – Disse com seu sorriso perverso. Estava com muita fome, poderia sugar a alma daquele guarda, no entanto os guardas que ali trabalhavam eram muito fieis à Elizabeth. Sofreram de uma lavagem cerebral intensa e a mulher não iria desperdiçar tal trabalho por fome. Tinha fome de juventude.

Voltou a andar rebolando e clicou os saltos pelo corredor de pedras, nem esperou a reverência do homem. Dirigiu-se até o grande cômodo vazio com apenas um trono de ferro sujo de sangue. Provavelmente aquele lugar servia para fazer inúmeras torturas, hoje em dia é sua sala de refeições. Sentou-se exibindo sua etiqueta e cruzou as pernas, estava numa pose perfeita para a espera das meninas que já vinham. Não precisavam de correntes, não iriam fugir e se assim fizessem seriam mortas sem hesitação. Todas pareciam cansadas e de cabeça abaixada, todas fracas e miseráveis.

Numa fila indiana ficaram na frente da mulher, a primeira da fila parecia sofrer de antecipação.  A mulher se levantou e andou como uma víbora até a primeira moça, erguendo seu queixo com o dedo indicador. A profunda áurea negra da Rainha Má parecia imergir na menina.

— Pare de sofrer tanto. Ainda nem comecei. – Disse num sorriso perverso. Colocou as mãos em cima dos ombros da menina com força, palavras em latim começaram a sair de seus lábios vermelhos. A alma da menina se desprendeu e numa escandalosa ventania saiu pela sua boca e entrou na da rainha. Foi rápido, mas nem por isso não foi possível escutar os gritos agudos de pânico da garota. O corpo caiu mole depois que tudo se terminou.

E assim foi até chegar à última. Uma menina de curtos cabelos brancos como a neve, pele pálida como da rainha e vermelhidões no rosto por conta do frio, como de Eva. Algo naquela garota havia lhe chamado à atenção, mas a rainha não era de conversar com suas refeições. A mulher colocou as mãos nos ombros da menina e quando ia começar a falar as palavras, a outra começou a falar palavras em latim desconhecidas para mais velha, que se assustou.

— Uma bruxa? – Eliza indagou com as sobrancelhas arqueadas, deu um passo para trás. Elizabeth havia ordenado há muitos anos que todas as bruxas fossem queimadas, queimou todas as feiticeiras que um dia duvidaram de seu poder. Afogou o reino em hipocrisia, pois ela mesma era a pior bruxa que poderia existir, sempre conduzindo suas magias para motivos mesquinhos e sombrios.

— Pensou que ainda fosse única? – A menina tinha farpas na língua e o mínimo de educação. — Majestade. – Completou com uma reverência e um sorriso malicioso.

Por um momento viu-se naquela menina, a Rainha quando jovem era uma audaciosa bruxa, provocante e belíssima, usou de todos seus recursos para chegar onde queria. Não sabia por que, mas seu coração parecia ter pena da menina, era como se fosse sugar a alma de si mesma quando jovem. Pensou com seus botões, agora ela poderia ter a aprendiz que sempre desejou.

— Qual seu nome? – A mulher perguntou ainda hesitante em aceitar aquela garota, se era o reflexo de Elizabeth seria tão perversa quanto.

— Violet de Sanzio. – Respondeu sem muitas delongas.  

— Hm. – A província de Sanzio era conhecida por abrigar famílias ricas por causa das minas em que escravizavam anões. Além de ter muitos alquimistas poderosos, dizem que Merlin nasceu lá. – Interessante.  Por que não fugiu antes? Se fosse conhecedora de magia poderia ter dado fuga em meus guardas a qualquer instante.

— Seria morta mesmo com o melhor feitiço. Do que adianta magia se não possui estratégia de campo, além do mais, a senhora é uma bruxa digna de minha devoção e respeito... Eu não seria capaz de fugir de você. – A menina parecia ter sido criada por soldados. Fez uma reverência para Elizabeth que abriu um sorriso vitorioso, ela amava ser bajulada pela plebe, mas por bruxas era a primeira vez.

— Interessante... – Elizabeth refletiu e pediu para que guardas a levassem para a torre isolada do castelo, onde ela guardava outro sótão secreto para usos mágicos.

Naquele exato momento o espelho mágico observava tudo o que acontecia com certa felicidade. Adorava ver as peças desse jogo se moverem, e Violet era uma peça muito importante para um jogador em questão. Um jogador poderoso.  


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