Pure escrita por CarpeDiem


Capítulo 2
Day After Day




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Gina abriu os olhos e sentiu uma certa frieza no corpo. Havia dormido de roupa mesmo, no que era o antigo quarto do George e do Fred. O quarto ainda estava cheio de pôsteres do AC/DC, Oasis, Queens Of The Stone Age, etc. Os seus olhos azuis miraram a foto da modelo da Playboy pelada no teto do quarto e riu um pouco ao lembrar dos irmãos.

  Levantou-se e arrumou as vestimentas. Tinha tirado o moletom azul, o que tinha deixado sua blusa branca toda amassada e pregada ao seu corpo. Olhou para os seus finos braços, alvos como a neve e pôde ver as marcas que lhe assombrariam pelo resto da vida. Fungou e andou até o banheiro, assim poderia se arrumar para a reunião do grupo de ajuda.

  Passou pelo seu quarto, em que seu pai e seu irmão tinham revirado de cima a baixo para encontrar os esconderijos. Não ficaria mais nele, já que sempre havia a possibilidade de terem deixado escapar um. Ficaria no quarto do George e do Fred e seu pai tiraria a porta enquanto ela estava fora.

  Entrou no banheiro, despiu-se e entrou debaixo do chuveiro bem rápido. Sentiu a água quente tocar a sua pele e limpar as impurezas do seu corpo. Há muito tempo que não tomava um banho tão bom. Deixou a água escorrer pela sua face. O banheiro também havia sido adaptado para ficar sem porta, o que era sempre motivo de embaraço, mas era algo que ela tinha de lidar. Demoraria até alguém lhe dar novamente acesso a dinheiro, chaves do carro, ficar sozinha em casa e até mesmo sair sozinha. Era como uma criança aprendendo a andar de bicicleta, aquelas eram as suas rodinhas, uma precaução para que ela não caísse e tivesse de começar tudo de novo.

  Gina terminou de tomar banho, voltou ao seu quarto e se vestiu da forma mais simples possível. Não a deixavam utilizar nenhum acessório de valor, nem que fosse bijuteria, para não correr o risco de ela vender ou algo do tipo. Olhou-se no espelho, vestia um moletom verde musgo simples e uma calça jeans preta. Estava longe de estar na sua fase mais bonita, mas também estava longe de estar na sua fase mais feia. Penteou os longos cabelos vermelhos e terminou de se arrumar a tempo de ouvir o Ron a chamando para ir, não queria chegar atrasado.

  A reunião acontecia em determinados dias da semana, sempre no mesmo horário, em um anexo da igreja de Aberdeen. Era um salão bastante limpo e Harry fazia questão de deixar tudo arrumado. Colocava uma mesa com algumas comidas e sucos, além de uma pequena televisão, na qual podiam assistir TV ou ouvir um pouco de música e socializar antes do início da reunião em si. Desde que havia feito aquilo, as reuniões começaram a ser mais frequentadas e um laço de cooperação entre todos começou a se estabelecer com mais força.

  Harry havia deixado um pouco de lado a recepção das pessoas para assistir outra de suas paixões, o time de futebol da cidade, o Aberdeen. Hagrid sempre estava por perto, comia um sanduíche e bebia um pouco de suco de laranja, olhando descrente para a tela.

—Qual o problema, Hagrid? – Harry falava ansioso, esperando que fosse dado o apito final no jogo contra o Celtic pelas semifinais da Copa da Escócia. – O Aberdeen está se classificando, comemore! – O bastante jovem padre estava tão animado que só faltava saltar em cima do ombro do, agora, amigo, mas que também estava ali por ter seus próprios problemas.

—Eles ainda vão tomar um gol, Padre. – Hagrid falou receoso de que estivesse certo. Não deu outra. No último minuto, o zagueiro do Celtic subiu mais que toda a zaga e cabeceou para fazer o gol da desclassificação do Aberdeen.

—Nãããão... – Harry falou, completamente decepcionado com o resultado. Desde que havia chegado em Aberdeen, para assumir o posto deixado vago pelo Padre Slughorn, o time da cidade havia se tornado uma de suas paixões mais ávidas, o que, também, ajudou-o muito no trabalho de conhecer a comunidade da cidade que deveria trabalhar ainda por muitos anos. – Como você sabia, Hagrid? – Harry perguntou para o gigante decepcionado ao seu lado, que bateu um pouco na barba, jogando os farelos do sanduíche no chão. – Bem, sofro pelo Aberdeen há mais tempo que o senhor, Padre. Um dia você também se acostuma. – Hagrid deu uma pequena risada, assim como Harry.

  Harry, desde que havia se tornado padre, em tenra idade, achava engraçado ser chamado de senhor. Hagrid era um homem já velho, tinha visto muito da vida e tinha lá seus problemas. Hoje, apesar de viver sozinho, consequência de muitos anos de alcoolismo, ele já tem filhos crescidos, ex-esposas e tudo o mais. Ainda assim, sempre chamava Harry, muito mais jovem, de senhor.

  O Padre Potter deixou Hagrid seguir seu rumo até a sua cadeira reforçada. Harry sempre organizava a sala em forma de círculo, assim todos podiam se ver. Olhou para todos, que já estavam assumindo suas posições, mas ainda não havia visto Ron chegar.

  Desde que havia chegado, os Weasley não tinham sido, exatamente, o casal mais presente na igreja. No entanto, apareciam de vez em quando, sempre com mais ou menos o mesmo tempo de diferença. De início, não conhecia a família, apenas que eram bastante conhecidos na região e as pessoas gostavam bastante deles. Com o tempo, foi conhecendo cada um deles, fazendo amizade especialmente com Ron, que trabalhava na prefeitura e sempre o ajudava quando ele tinha de fazer algum projeto social. Ron e Hermione haviam se tornado dois de seus melhores amigos em Aberdeen, talvez da vida, embora nunca fossem para a sua missa.

  A primeira vez que eles haviam lhe contado sobre a situação da sua irmã fazia um certo tempo. Na verdade, o assunto não havia surgido naturalmente.

 

 

Natal na Casa dos Weasley, algum tempo antes

 

  Desde que havia chegado em Aberdeen, Harry havia feito muitos amigos. Não se tornou padre cedo por acaso. Além de ser um aluno dedicado, o suficiente para ser aceito em Cambridge e se graduar no topo da classe no seminário, era um sujeito amigável e gostava de estar no meio das pessoas. Isso fez com que rapidamente colocasse em ordem os assuntos pendentes que o Padre Slughorn havia deixado e tivesse posto todo o aparato da igreja para trabalhar. Por aparato, queria dizer ele mesmo e mais um grupo pequeno de fiéis que frequentam a missa regularmente. Aquilo havia feito com que ele risse muito com o tempo.

  De todos os amigos que havia feito na cidade, o casal Ron e Hermiona haviam se fixado como os melhores. O que era particularmente engraçado, também, já que nenhum dos dois é muito religioso. Havia conhecido Ron enquanto tentava o apoio da prefeitura para fazer um projeto social com as pessoas carentes de Aberdeen. O ruivo tinha sido uma das poucas pessoas que haviam se disposto a lhe ajudar na empreitada, que acabou dando certo. Foi assim que conheceu Hermione, mulher dele e que trabalha como advogada de imigração. De vez em quando, ela resolve alguma papelada que ele pede de graça. O trio se tornou tão próximo que Ron decidiu convidar Harry para passar a ceia de Natal na casa dos Weasley. O Padre, então recém-chegado, aceitou dar uma passada na residência familiar, que eles gostam de chamar de “A Toca”.

  Após terminar todos os seus afazeres naquela noite de Natal, Harry seguiu para a casa dos Weasley. Decidiu levar uma pequena sobremesa que ele havia aprendido a fazer enquanto estava em um intercâmbio na Itália. Assim, partiu de sua casa até a casa dos Weasley, que não era muito longe, com uma sobremesa na mão e uma pequena bíblia de baixo do braço, a bíblia com qual costuma fazer as orações antes de dormir e ao acordar.

  Harry foi bem recebido n’A Toca, era uma casa aconchegante, apesar de parecer absurdamente lotada, com a quantidade de pessoas que estavam dentro da casa. Eram muitos filhos, netos e agregados.

—Oh, Padre. Você se deu ao trabalho de fazer uma sobremesa... – Molly colocou as mãos sobre as maçãs do rosto, completamente avermelhadas. - ... Não precisava disso. Você vai ver que aqui tem muita gente e fazemos muita comida mesmo. Pode entrar, por favor. – A matriarca abriu espaço e Harry pôde entrar, dando de cara com várias crianças correndo, irmãos e agregados socializando. Era um natal maravilhoso, pensava Harry.

  Com a chegada dele, todos foram para a mesa, onde ele fez a prece de Natal antes de devorarem a deliciosa ceia. Após comerem, vários grupos foram para vários lugares diferentes. Harry seguiu com Ron, Hermione, Fred, George e Arthur para a sala de estar.

  A TV da sala exibia a programação natalina normal, quando Harry viu um quadro de família, em que todos pareciam bem mais novos.

—Onde foi isso? – Harry perguntou dando uma risada com um Ron gordinho, ainda quando criança.

—Foi em uma viagem que fizemos para uma praia no Sul da Inglaterra. – Falou Arthur.

—Vocês lembram dessa viagem? O papai alugou um trailer, não cabia todo mundo, o Ron comeu demais e teve uma... – Fred não conseguiu terminar porque foi logo interrompido pelo irmão mais novo.

—Hahaha, muito engraçado, Fred. Você deveria contar daquela vez que você mijou nas calças...

—Quem disse que eu sou o Fred? Eu sou o George.

—Não me venha com essa. – Ron jogou uma almofada no irmão, que começou a rir.

—Bons tempos. Eram tempos difíceis, de aperto, mas eram muito bons. – Arthur tomou mais um gole da sua cerveja e olhou para a TV.

—Seis filhos e todos homem. Deve ser complicado para a Molly. – Harry falou dando uma pequena risada, mas logo notou que todos abaixaram a cabeça. Obviamente, havia algo que não queriam falar. Harry olhou melhor para a foto que tinha na mesinha de centro e viu que havia uma menina na foto, estava nos ombros de Arthur.

  Harry pensou em perguntar se eles tinham uma irmã, ou tiveram, mas decidiu não falar. Não era o seu objetivo trazer más lembranças, ainda mais no Natal, embora temesse que já o tivesse feito. No entanto, Harry não precisou contar nada, já que o próprio patriarca Weasley tratou de falar.

—Na verdade, Molly e eu tivemos 7 filhos, seis homens e uma menina, a Gina. – Todos voltaram a sua atenção para o patriarca, enquanto ele tomava uma pausa para tomar outro gole da cerveja.

—Vou contar para o Padre antes que outra pessoa conte. – Arthur continuou o que dizia, afundando-se um pouco no sofá em que estava sentado e pondo a cerveja de lado.

—Bem, não precisa falar nada, Sr. Weasley. Não quero trazer quaisquer memórias ruins para vocês, ainda mais hoje.

—Não é uma memória ruim, ou não deveria ser. – Disse Arthur, olhando para trás para ter certeza de que Molly não se aproximava. – Molly não gosta de falar muito nisso. Ela nunca conseguiu superar. Na verdade, nenhum de nós nunca conseguiu completamente.

—Gina era nossa filha caçula, sempre foi mimada por todos e nunca deu trabalho quando era pequena. Tinha boas notas, comportada, brincava com suas bonecas normalmente, como qualquer outra menina... – Arthur deu um pequeno suspiro. - ... Aí ela cresceu, Padre. Quando ela cresceu, que saiu mais dos nossos braços, as coisas começaram a desandar. De início, não tanto. Ela saía, mas sempre com os irmãos, não deixávamos ela sair sozinha, mas aí ela começou a andar com um pessoal muito ruim do próprio colégio. Começou a fugir das aulas, tirar uma nota ou outra ruim. Quando vimos, ela já estava inventando mentiras para ir para a casa de uns amigos que nós não conhecíamos, fugindo de casa para ir para uma festa em outra cidade, bebendo, fumando, até mandamos ela falar com o Padre Slughorn, mas não adiantou de nada. Ela começou a usar algumas drogas realmente pesadas, aquilo tomou conta dela e antes de terminar o Ensino Médio, ela fugiu de vez. Deixou só uma carta para trás. – Ao terminar da fala de Arthur, toda a sala estava silenciosa. Harry estava um pouco abalado com a situação. Os Weasley eram pessoas simples, mas muito amáveis. O Natal da casa deles propiciava uma das experiências mais mágicas que uma pessoa poderia ter. O acolhimento era extraordinário. Nunca poderia imaginar que a família teria feridas tão grandes para serem curadas.

—E ela nunca mais voltou? – Harry indagou. Sabia que o melhor seria falar algo que pudesse sair do assunto, já que o clima havia morrido completamente, mas sua curiosidade falou mais rápido do que o seu bom discernimento.

—Não, não. Ela já voltou, uma ou outra vez. Já voltou para pedir dinheiro, só para nos ver, para fugir de alguma confusão que havia se metido e uma vez para procurar ajuda..., mas ela não resistiu e voltou para a mesma vida. – Arthur tomou o último gole da cerveja e fez uma cara de tristeza profunda.

—Colocarei ela em minhas orações, Sr. Weasley.

—Obrigado, Padre Harry. – Arthur falou, começando a chorar em seguida.

 

 

 

  A memória da conversa com os Weasley voltou rapidamente à mente de Harry, uma vez que viu Ron entrar no salão, sendo seguido por uma moça. Gina. Ela não era igual ao que ele tinha imaginado, mas também não era completamente diferente. Era ruiva, tinha longos cabelos da cor de fogo e uma pele muito branca, com algumas sardas, como podia ser visto a medida que ela se aproximava. Era magra, isso podia ser visto, e utilizava um moletom verde com longas mangas e uma calça preta. Harry andou em direção a Ron e cumprimentou o amigo, que participaria da primeira reunião junto da irmã, uma vez que queria ver como seria a reação dela.

—Boa noite. – Gina deu um sorriso para Harry, na mesma medida em que seus olhos pareciam arregalados. A saudação dele demorou um pouco para ser respondida pela ruiva, que acabou por soltar um tímido “boa noite” e dar um forte aperto de mão. – Meu nome é Harry Potter, mas todos por aqui me chamam de Padre Harry.

—Gina... – Harry começou, apontando algumas cadeiras vagas no círculo. – Aqui, tudo é no seu próprio tempo. Fale quando achar que deve falar. Tudo é um processo, quando estiver preparada para contar a sua história, nós saberemos ouvir. Todos temos nossas próprias histórias para contar, também.

  A caçula dos Weasley estava impressionada, uma vez que o Padre Harry era bastante diferente do Padre Slughorn. Ele não deveria ter muito mais do que sua idade, pensava a ruiva. Era bonito, também, mas tratou de tirar tais pensamentos da cabeça. Interessar-se por um padre seria mais um problema e ela não estava na condição de poder aceitar ter mais problemas. Já tinha demais.

  A ruiva sentou na cadeira mais próxima do Padre, que era uma das poucas vazias, já que as outras pessoas preferiam ficar sentadas do lado oposto do círculo, assim poderiam ter uma visão melhor do religioso. Ron sentou ao seu lado. Enquanto Harry aspirava o ar para dar início à reunião, Gina suspirava um pouco para poder ficar calma. Estava na hora, aquele era o início do restante da vida dela, só poderia torcer para que fosse melhor.


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Notas finais do capítulo

Espero que tenham gostado :)



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