A Escolha de Beth escrita por Spock Baelish


Capítulo 1
A Escolha de Beth




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"— Am I evil?

— Worse, you're smart."

(Rick and Morty - 03x09)

 

Beth encaminhou-se para a nave com um último olhar para a casa em que construíra durante tantos anos sua família, toda sua vida. Aquele era seu lugar seguro, sua confortável bolha, era o lugar onde crescera, assim como seus filhos cresceram, onde compartilhou momentos especiais com seu bobo marido Jerry, e momentos de intensa raiva com o mesmo.

Pensou naquele minúsculo lugar no espaço, poderia ser insignificante mediante as dimensões do universo, mas para ela era único no mundo e talvez jamais encontrasse algo igual. Então se lembrou das centenas, senão milhares, de universos alternativos com casas exatamente iguais aquelas, onde outras centenas de Beth carregavam a mesma sensação. É tudo fútil, nada disso importa ou carrega um valor único, somos cópias de cópias, pensou com tristeza, virando-se para adentrar a nave.

Seus pés travaram, estavam presos na grama daquele jardim. Escutou a voz de Summer lhe implorando para voltar e sentiu seu querido Morty abraçando sua cintura e a puxando para trás, porém sabia que aquilo estava tudo em sua mente, seus filhos não estavam ali naquele momento. Sem olhar para trás mais uma vez, engoliu em seco as inseguranças, por alguns segundos se esforçou para ser menos ela e mais como seu pai, e então entrou na nave e a porta se fechou em suas costas. Eu não posso ser uma mãe para eles, pensou ela, sem antes descobrir quem de fato eu sou, não posso ser apenas Beth, a mãe, ou Beth, a esposa, preciso ser algo mais do que isso, ser algo para mim mesma.

Já no espaço, deixou a nave em modo repouso e assistiu ao brilho das estrelas. Tantos lugares para visitar, infinitas realidades, belezas imensuráveis, qual visitaria primeiro? Fazia tempo que não parava para reparar na beleza sutil dessas coisas, sempre ocupada e preocupada em agradar os outros, em ser exemplar e eficiente. E tudo isso para quê? Que sentido havia em desperdiçar aquela breve existência agradando aos demais? Não fazia sentido... e ao mesmo fazia. Ela sabia o porquê de suas atitudes, mas negava-se a admitir para si mesma.

O pensamento a fez cruzar os braços, detestava ser analisada, se tratava de algo extremamente íntimo a seu ver. A ideia de alguém penetrando suas camadas mais profundas... o medo de a verem exatamente como ela era por dentro, sem mais máscaras, e de pensarem aquilo que mais temia, que ela era alguém fútil e superficial e que seu maior marco na vida fora ser filha de um gênio. E ainda assim o desejo de ser vista, compreendida e não julgada pelos seus pensamentos, por mais tolos que pudessem parecer.

Seriam todas as outras pessoas assim? Cercadas de inseguranças e pensamentos tolos por baixo de uma máscara social de autoconfiança e repetindo apenas aquilo que os outros gostariam de ouvir? Se o segredo é não pensar a respeito dessas coisas e se ocupar de banalidades, por que permaneço tão infeliz? São as outras pessoas no fundo tão infelizes como eu? Em um sobressalto, acordou de seus devaneios e viu-se espancando o apoio de sua poltrona. Todas aquelas indagações estavam deixando-a louca, sentia raiva dos demais e de si mesma.

Abriu o freezer e encontrou muitas garrafas de vinho, Rick sabia bem qual era o melhor passatempo de sua filha. Ele bem sabia que eu teria alguma crise e iria recorrer ao álcool, quão previsível eu sou... Com a garrafa em sua mão, observou a bebida com amargura e refletiu sobre o que aquilo significava para ela. Era seu verdadeiro refúgio, enquanto sua casa pudesse ser o refúgio da sociedade, o álcool era o modo como ela se escondia de si mesma, era o que ela utilizava para não ter que lidar com seus reais problemas, e principalmente, o maior de todos eles: o problema de olhar pra si mesma e não se sentir suficiente.

Quebrou a garrafa em pedaços. Não seria mais esse tipo de pessoa, e não o seria não para agradar os demais, porém para poder ficar em paz consigo. Estava farta de fugir de si mesma. Sabia agora o que tinha que fazer, sabia para qual lugar do universo se dirigir, iria para um lugar legitimamente único. Poderia haver milhares de outras Beth nas infinitas realidades, mas nenhuma era, de fato, como ela em cada milimétrico pensamento. Desceria no fundo de sua psique, encararia seu lado vergonhoso e tentaria argumentar com ele. De todas as opções para a qual poderia viajar, Beth escolhera apenas uma.

"I undertook something that not everyone may undertake: I descended into the depths, I bored into the foundations."(Dawn of Morning, F. Nietzsche)


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Notas finais do capítulo

Texto escrito para um desafio de 100 One-Shot no ano, deixem comentários construtivos que me ajudem a escrever melhor :D



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