Sobre a flecha e o tamanho da ferida escrita por Beatriz Girão


Capítulo 1
Sobre a Flecha e o Tamanho da Ferida.


Notas iniciais do capítulo

AAAAAAA cadê o Rick pra me presentear com a cena canon deles dois tendo essa tão merecida conversa??
Implicações de um futuro Solangelo, mas leve.



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No segundo que a viu, Nico sentiu as sombras sob suas botas palpitarem convidativas.

Aproxime-se. É melhor aqui embaixo, pareciam sibilar. Ele sabia que seu corpo não aguentava mais a tentação do escuro. Não queria. O mundo inferior era para os que já não mais deveriam sonhar sonhos de superfície. Nico ainda pretendia ver o céu, o sol e alguns oceanos. Poucos.

Hazel, o nome da irmã quase como uma prece queria lhe escapar, Hazel, olhe pra mim. Não. Não olhe. Não consigo agora.

“Nico! Você veio me receber!”

Um começo: dois passos a diante, então mais passos amontoados uns nos outros que lhe pareceram um só, imenso, engolindo o pavilhão do refeitório do acampamento.  Um sorriso nervoso demorando-se em seu rosto. Um aperto de mãos com Frank. As sombras, novamente, quando Hazel o abraçou forte e buscou por seus olhos; um pequeno momento de desvio, um encontro do castanho com a íris amendoada da irmã e Nico sabia que não tinha mais como adiar.

“Achei que estava cedo demais para ir te chamar. Estávamos comentando o trabalho incrível na reconstrução. Cada vez que venho aqui, é incrível ver como tudo está ficando mais forte, mais como antes!”

“A situação está se estabilizando,” Frank acrescentou, o manto arroxeado de praetor banhado pelo sol e traços de olheiras se insinuando. “Finalmente estamos chegando em acordos sobre toda a integração dos acampamentos e a diplomacia que vai ter que rolar entre eles.”

“Isso,” expirou Nico, sentindo uma alegria tão distante que poderia ser de outra vida, “isso é ótimo. Você está fazendo um ótimo trabalho.”

“Estamos todos,” corrigiu suavemente.

“Seu cabelo está crescendo.” Hazel apontou, urgente. “Ele é tão lindo! Mas olha aí, as pontas todas cheias de nós. Não tem como ninguém aparar? No chalé de Afrodite, eu aposto –”

“Eu preciso falar com você.”

A voz da irmã perdeu-se no ar com a interrupção e uma pequena linha de preocupação em sua testa o convenceu a elaborar:

“Eu tenho – hum, um assunto. Importante. Pra mim. E eu realmente preciso discutir —conversar sobre ele contigo.” Uma pausa, suor escorrendo, estômago revirando. “A sós. Foi mal, Frank.”

“Imagina, fiquem à vontade.”

  Observá-lo acenar com a cabeça, dar um beijo estalado na bochecha de Hazel e andar até a mesa de Ares para falar com Clarisse quase lhe arrancou um suspiro de alívio. Nico desconfiava que Frank não se incomodava mais com seu jeito abrupto—ou com qualquer dos seus jeitos. Os que conhecia, ao menos, incluindo os bem particulares a uma cria de Hades; afinal, Frank tinha Hazel e toda a bagagem do submundo acomodada sobre os ombros magros.

Ombros semi-divinos, Nico sentiu um gosto amargo na boca, e tão fracos para suportar o que suportam.

“Nos encontre mais tarde pro almoço!”

Se ainda quiserem almoçar comigo.

“Tenho que admitir que estou curiosa,” sentiu as mãos da irmã conduzindo-o para fora do pavilhão e o tropeço em seus próprios pés quase não foi disfarçável. “Eu ganho uma pista?”

“Você ganha uma conversa sincera,” prometeu ele. “E mais longe daqui.”

“Eu não acho que isso vá demorar muito.”

“Com esse suspense todo, é melhor demorar, hein.” Brincou Hazel, rindo como um sopro. Nico podia sentir a ansiedade atando cordas nos pés da irmã e a puxando para conclusões precipitadas.

“Eu... eu não sou muito bom nisso. De sentimentos. E falar deles.  Mas contigo precisa ser diferente. Eu quero que seja diferente. Você é minha irmã e merece... me conhecer.”

“Você está me assustando um pouco.”

Abriu um sorriso fino, ácido: “Considere-se com sorte, porque eu tô me assustando é muito.”

“Pelos deuses, Nico!”

“Certo, certo, desculpe,” as mãos trêmulas tentaram repousar na grama perto da árvore sob a qual haviam sentado. Longe, bem longe. O suficiente para ele fugir, fosse o caso. “Hazel, quando você percebeu que era apaixonada pelo Frank?”

As palavras haviam saído quase como que desbotadas, pela falta de uso. Paixão? O que era aquilo no vocabulário de Nico?

Era verde-mar e não correspondido, outrora. Agora não era nada.

“Quê? Eu – ah, Nico... Eu nunca falei sobre isso com ninguém antes.” Enrubesceu e desviou um pouco o olhar.  “Não é bem o papo da mesa do café da manhã dos romanos.”

“Prometo que não conto pra Reyna, então. “

“Não acho que teve um momento em especial... Foi uma coleção de pequenos sentimentos bons que eu percebi que só ele me trazia.” Uma fissura no rosto de Hazel que poderia ser uma rachadura visceral num deserto tornou-se proeminente, na testa. Os olhos apertaram-se com uma dor antiga. “Depois do Sammy– depois de tanto tempo sem me sentir assim, como se eu pudesse levitar, como se sentir dor fosse mais suportável porque um certo alguém podia me consolar... Deuses, como isso é clichê.”

Nico pegou-se a sorrir, ainda que nervoso.

“Continua, tudo bem. Eu quero ouvir mesmo assim.”

“Eu sempre tive tanto tempo, Nico.”

Uma pausa. Hazel fechou os olhos como se não quisesse mais abri-los, e Nico esperou.

“Tanto tempo. Dentro de mim, digo. Memórias. E às vezes o passado me consumia. E o Frank... me fazia – me faz querer ficar no presente. Ele me ajudou a me dar melhor com todos os anos que eu vivi e não vivi... e os anos que viverei, quero todos estando bem perto dele.”

“Pra quem nunca falou sobre, você se saiu bem.” Apertou-lhe a mão gentilmente, antes de se recolher em si mesmo.

“Amor é um assunto estranho pra mim... “

 “Deve ser coisa de família.”

Hazel encarou-o direta, curta e gentil:

“Nico. É sobre alguém que você gosta? Essa conversa, esse suspense?

“É... mais ou menos. Sim. Eu não estou bem certo se eu... É. É, sim. É.”

Enquanto o mundo de Nico cambaleava violento e as sombras voltavam a lhe tentar com sussurros de conforto, sua irmã parecia noutra melodia, firme.

“Nunca achei que daria conselhos sobre relacionamentos, meus deuses.”

“Relacionamentos...” Engoliu em seco. “Olha, isso é um pouco adiantado.”

Shhh. Me deixa sonhar. Eu estou muito feliz que você tenha encontrado alguém! Só falta me dizer quem é.”

Quem.

Quem, um nome, um nome, um nome.

“É esse o ponto. Esse alguém – Hazel, desde sempre eu...  Eu acho que vou te deixar tão desconfortável.

Um gênero.

“Quem é a sortuda?”

O gênero errado.

E Hazel acertou-se no mesmo instante:

“Não é ela, não é?”

Eu sinto muito. Eu sinto muito. Eu não sinto muito.

“Hazel, eu...”

A violência com que as coisas lhe entravam e saíam do peito era absurda. Hazel. O acampamento. As árvores.  As raízes dentro dele mesmo. O céu. O mar.

O sol.

“Nico. Nico, respira. Ei! Nada de sombras! Fica aqui!”

Deixou o pânico encontrar um lugar aconchegante se aquietar e ficou ali, tremendo, com Hazel abraçando-o como nunca o fizera.

“Nunca foi ela. Não tem como ser. E isso é algo que vem me destruindo, me empurrando mais e mais pra longe de todos. Longe de você. Eu não quero – não quero mais deixar algo assim me fazer sofrer tanto. Eu não consigo.”

“Eu nunca ia ficar irritada por você amar, Nico, seja quem for. Eu posso não ser bem moderna ainda, mas eu quero aprender tanto.” Murmurou. “Principalmente se aprender tudo que me escondiam antes for me tornar alguém mais capaz de te acolher.”

Nico amarrou a cara trêmula, afrouxou-a e chorou.

Foi pouco, foi rápido, durou tão pouco que durou anos.

“De onde veio isso, Hazel? Apolo está com inveja das suas palavras.”

Ela riu e afagou a cabeça do irmão. Séria, então, pôs-se a correr os dedos finos sobre as bochechas dele, traçando o caminho d’água.

“Um viva pro semideus mais corajoso. “

“Há, eu preferia estar matando monstros agora...”

“Nico, obrigada. Por confiar em mim. Por dar um passo tão gigante.”

Encolheu os ombros, de repente com frio. “Eu não acho que daria pra continuar fingindo que meus sentimentos não existem. O Jason sabe.” Acrescentou, rápido:

“Eu não contei pra ele antes de te contar! Eu nem sequer contei. Foi arrancado de mim.”

“O Jason –?”

“Cupido. O Cupido. Encontramos ele em Roma. O deus do amor é o diabo.

Atônita, ela se atrapalhou nas palavras, um brilho surpreso e perigoso no olhar:

“O Cupido te obrigou a – pelos deuses, que audácia, como é que alguém... Eu sinto muito. Por não ter estado lá, por você ter que aguentar calado."

“Foi horrível. Não posso perdoar os deuses por isso. Eles vivem mexendo na nossa vida amorosa. Percy me contou que a Afrodite costumava se intrometer –“ 

Percy.

“Ele também sabe. Eu precisei contar.”

“Precisou?”

“Ele foi uma parte turbulenta da minha vida. Me fez sentir muito e por bastante tempo. Foi isso que o Cupido arrancou. Eu... eu tive uma queda por ele praticamente desde que o conheci.”

Hazel assimilou a informação com uma cumplicidade que talvez tenha estado sempre ali: “Engraçado. Na primeira vez que vi ele, no Acampamento Júpiter, achei que ele parecia um deus romano. Lindo, estoico. Foi por um momento breve, mas, sim, eu entendo de onde vem o sentimento.”

“De onde vinha o sentimento.” Enfatizou. “Passou. Está passando. Me sinto diferente.”

“Como ele reagiu?”

“Feito um idiota.”

“Há! Queria ter visto o rosto dele.”

“Eu devia mesmo ter gravado. Foi uma boa reação. Melhor do que eu esperava.” Os olhos abaixaram. “Sem... sem raiva de mim. Sem nojo, só surpresa e acho que um pouco de culpa....”

“Nico, se um dia alguém mexer contigo, se alguém fizer um comentário sequer, eu juro pelo Rio Estige que essa pessoa não vai conseguir mais comentar. Sobre nada.”

A entonação furiosa de Hazel não era ancestral. Não era mitológica, não era de sangue de ouro e nem havia viajado através do tempo: era toda dela, intocável.

“Eu amo quando as pessoas querem derramar sangue no meu nome.” Ele riu. “Obrigado.”

“Eu quem agradeço.” Ela pegou a mão dele novamente, chacoalhando-a de leve. “Nico?”

“Sim?

“É um prazer te conhecer.”


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Notas finais do capítulo

É. Eu sei que acaba que ele não conta sobre quem ele gosta, mas, quem sabe isso fica pra uma futura fic, hein? Deixei assim porque o principal é a interação dele com a Hazel, não um boy solar. Olá, Will.
Amo muito meu solangelo e irei protegê-lo da forma que eu sei: escrevendo sobre eles no futuro e aprofundando para além de "luz e trevas", que é o que meus bebês merecem.

Comentários seriam muito agradáveis nessa linda noite de verão.



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