Narração Sofie

No último ano, as coisas que aconteceram na minha vida foram completamente fora do normal. Eu havia reencontrado as minhas irmãs, me mudei pra uma mansão com “parentes de consideração” desconhecidos, depois somos entregas á esses tais meninos, então descobrimos que eles na realidade são vampiros e que a mãe de três deles está encarnando no corpo de minha irmã mais velha, descobrimos que temos um irmão perdido que era lobisomem e quase morremos.

E mesmo com tudo isso acontecendo, nós fomos capazes de sobreviver.

—Meninas, assoprem as velas logo!- A voz estridente e alegre de Lua me despertou dos meus devaneios, me fazendo prestar atenção em algo mais que o bolo de chocolate em minha frente- Eu não vejo a hora de comer o bolo que a Vic-chan fez!

Eu e Sarah trocamos um olhar cúmplice.  A partir do momento que assoprássemos as velas, seríamos maiores de idade.

—Ah, para com isso Lua- Victoria deu uma risada, parecendo levemente envergonhada-  Todo mundo aqui sabe que os melhores bolos são os da aniversariante mais velha.

Olhei pra Sarah novamente, que agora estava com um sorriso tímido, mexendo nas pontas dos cabelos.

—Fiquem quietas vocês duas!- Marie repreendeu as meninas, fazendo uma parte de mim ficar aliviada- Sarah e Sofie, não se esqueçam de fazer um pedido antes de assoprar, ok?

—Você reclama das meninas e então você mesma coloca pressão nelas?- Jackson disse, arqueando uma sobrancelha enquanto abraçava mais forte o corpo de Yui, que estava do seu lado. Não pude deixar de dar um sorriso discreto. - Isso não faz muito sentido.

Revirei os olhos enquanto tentava focar mais na chama acesa na vela do que nas vozes ao meu redor.

Era estranho, pra falar a verdade, antes eu morreria de medo se alguém falasse a palavra “fogo” perto de mim. Agora lá estava eu, com uma pequena chama na minha frente sem ter uma crise de pânico.

Obviamente, uma parte de mim ainda sentia medo. Mas nada grandioso demais que me fizesse perder a compostura chorando e tremendo.

— Eu nem sei por que eu concordei com essa festa...- Ouvi a voz de Reijii, suspirando- Já estou arrependido de ter dado a liberdade pra vocês fazerem festas em casa.

—Não diga como se nós fizéssemos festas a cada semana com muita gente- Nikki revirou os olhos- E Sakamaki, para de escorar em mim pra dormir! Não sou seu travesseiro!

Ouvi alguns resmungos, vindo provavelmente de um Shu bastante sonolento( Que grande novidade.)

—Infelizmente não temos mais gente, se fosse assim teríamos mais garotas- Ayato resmungou dramaticamente, como se fosse a pior coisa do mundo não terem mais opções de meninas naquela festinha.

—Eu concordo~~- Laito cantarolou, com um sorriso no rosto- Mas eu não reclamo das que nós temos por aqui.

Ouvi um barulho de tapa, antes de ouvir Lilith xingando Laito junto das risadas de Igor.

—Vocês são tão idiotas- Subaru também resmungou.

—Só as deixem assoprarem as malditas velas!- Kanato brigou, fazendo todos calarem a boca.

Eu troquei um olhar com Sarah novamente, que sorriu como se soubesse qual desejo faríamos.

Fechei meus olhos e me concentrei apenas no pensamento do meu pedido:

“Por favor, que esse ano nossa vida seja melhor”.

E com isso, eu assoprei as velas com a maior força que eu pude.

Quando abri meus olhos, juntamente com Sarah, ouvi os barulhos de palmas vindo das pessoas que nos cercavam.

—Então... finalmente 18 anos?- Sarah sussurrou, se virando pra mim com um sorriso doce no rosto.

—Finalmente 18 anos. – Eu concordei, dando um sorriso quando ela me puxou pra um abraço forte, recebendo ainda mais palmas.

—MARIE ME AJUDA A ESTOURAR ESSE CHAMPANHE!- Victoria berrou, recebendo um olhar reprovador de Reijii- Para de me olhar assim, tá complicado!

—Você é uma inútil mesmo, né irmã?- Marie bufou, segurando a garrafa junto com a Victoria.

—Vocês tem certeza que isso é seguro?- Stephan parecia receoso.- Eu não acho que seja uma boa ideia vocês duas...

Em um estalo, a rolha da garrafa simplesmente voou e bateu na cara de Ayato, que soltou um grave “Ai!”

—VOCÊS SÃO IDIOTAS?- Ayato berrou, o que me fez tapar meus ouvidos como primeira reação- SÃO TÃO BURRAS QUE NEM SABEM ABRIR UMA GARRAFA DE CHAMPANHE DIREITO?

— Garoto, para de gritar- Nikki revirou os olhos, dando alguns tapas na cabeça de Shu que estava novamente apoiada em seu ombro- Ninguém aqui é obrigado a ouvir seus gritinhos por causa de uma rolhinha na cara!

—Eu não chamaria isso exatamente de “rolhinha”, Nikki- Yui disse, pegando a rolha que estava caindo no chão.

—Não é mortal, então não é perigosa- Eu falei, dando de ombros ao mesmo tempo que pegava um pedaço de bolo pra mim.

—Sofie, você sabe que você deveria entregar o primeiro pedaço pra pessoa mais importante da festa, né?- Sarah me olhou docemente.

A olhei severamente e ela deu de ombros.

Existia, por acaso, alguém mais importante que nós duas naquela festa.

—Eu nem gosto de doce...- Shu resmungou.

—Já pensou em não comer o doce?- Lilith disse, e eu sorri pra ela quando Igor enrolou o braço por sua cintura discretamente.

—Essa mulher me lembra de alguém...- Chronos começou a dizer, enquanto ajudava suas filhas a pegarem os copos.

—Independente, forte e de opinião? – Ian disse, pegando um docinho que estava em cima da mesa- Todas nossas filhas são, felizmente, assim.

E, num baque só, a porta se abriu e assustou a todos nós.

Lá, parado, estava um homem alto. Ele tinha uma pele extremamente branca, olhos vermelhos como sangue e um cabelo longo e platinado. Todo seu corpo aparentemente musculoso estava coberto e realçado por roupas luxuosas. Ele parecia um...

—Rei KarlHeinz- Lilith foi a primeira a dar um passo á frente, fazendo uma reverência- É um prazer vê-lo após tanto tempo.

O homem deu uma risada rouca:

—Sem necessidades pra formalidades, minha sobrinha querida. Vejo que está ainda mais bonita e com o corpo ainda mais bem-formado do que da última vez que a vi.

O tal Rei KarlHeinz então encarou todo o corpo de Lilith: Os cabelos longos presos num coque, deixando o pescoço nu e pálido a mostra. O rosto destacado pelos cílios grandes e os lábios  vermelhos. Além disso, ela usava um vestido longo e dourado que se ajustava a seu corpo.

—Rei Vampiro KarlHeinz, finalmente tive a chance de te conhecer- Igor deu um passo a frente, ajeitando a fedora branca em sua cabeça.

O homem fez uma breve reverência, então se virou para os Sakamaki.

Não pude deixar de perceber o quanto Yui, que estava sendo acalmada por Jackson, parecia acanhada e envergonhada na presença do rei. Além disso, os pais estavam parecendo... nervosos.

Senti meus rins se contorcerem de ansiedade.

—Filhos, quanto tempo não os vejo.- O homem falou, recebendo olhares absurdamente gélidos dos rapazes- Finalmente se tornaram homens.

Caramba, eu nunca tinha visto os meninos assim...

E finalmente, ele se virou para nós. Eu e Sarah estávamos atrás da mesa. Lua e Nikki estavam colocando os copos novamente na mesa onde tais estavam anteriormente ao mesmo tempo em que Marie e Victoria tamparam a garrafa de champanhe novamente.

— E finalmente... eu tive a chance de conhecer as Herbert- KarlHeinz sorriu e andou até minha frente. Uma vez lá, ele segurou meu queixo com delicadeza e um ar galanteador- Olhos e cabelos castanhos, trapos de inverno. Imagino que seja a famosa Sofie, a quarta filha, a cria mais nova de Ian e Molly. Estou certo?

—Eu mesma.- Falei, sem desgrudar meus olhos dos dele. Como diabos ele sabia quem eu era?

Ele se mexeu e tocou as pontas do cabelo de Sarah:

—A gêmea mais velha, imagino... Sarah, correto?

Sarah acenou a cabeça, parecendo amedrontada. Segurei seu antebraço e a puxei pra perto de mim com delicadeza, num ato de proteção. Ele, que viu o gesto, apenas sorriu de canto e se aproximou das mais novas.

Olhei para o canto e vi o olhar fumegante de Kanato e Ayato sob o próprio pai. Ayato então me olhou como se perguntasse “Você não vai fazer nada?!” e eu o respondi com um olhar de “Eu não posso fazer nada nessa situação.

KarlHeinz segurou a mão de Lua e sorriu ainda mais, só então que me toquei que aquele sorriso era idêntico ao de Laito:

—A garota satélite, não é? Lua... um nome lindo para a mais nova. A nascida da noite.

Lua apenas fez um “É...” com a boca, olhando confusa pra Subaru que deu de ombros.

Ele então pegou o braço de Nikki, que o olhou como se dissesse “Me solta ou você morre”.

—Esse olhar feroz e postura selvagem, só poderia ser Nikki, a quinta filha.

—Exato, agora me solte antes que a minha ferocidade volte pra um tapa na sua cara- Ela bravejou, o fazendo soltar imediatamente.

Shu nesse exato momento se sentou no sofá, observando com um olhar mortal cada um dos passos de KarlHeinz

O rei então caminhou até Marie:
—Loira dos olhos azuis...A mais velha, Marie. Espero que o despertar não te dê más lembranças.

Marie não teve muito tempo para responder, já que ele se aproximou de Victoria com os olhos brilhantes.

—E aqui temos Victoria, a noiva de Reijii.- Ele deu um sorriso enquanto beliscava a pele próxima do colo da mulher  por cima da camiseta.- Tão bonita como os boatos dizem. Eu preciso ter uma séria conversa com você.

Ele então colocou uma madeixa castanho mel dela atrás de sua orelha.

—Espera aí, comigo?- Victoria parecia assustada, ainda mais do que eu- O que diabos eu fiz dessa vez?

—Nada com o que você se deva preocupar bastante, minha querida- KarlHeinz riu sarcasticamente, e isso me fez odiá-lo apenas um pouquinho mais.

Victoria não era a querida dele.

Reijii deu alguns passos pra frente, e puxou minha irmã em sua direção assim que chegou perto da mesma.

—Acredito que possamos ir diretamente pros negócios, pai- Seu olhar demonstrava uma raiva muito bem disfarçada, e ele fez uma carícia quase que consoladora no braço esquerdo de Victoria.- Não iriamos querer prender uma festa por tanto tempo por conta de política, não é mesmo?

Deuses, o que está acontecendo que todos resolveram ser carinhosos com as meninas hoje?

Olhei de canto para Ayato, que estava com os braços cruzados olhando com uma raiva nada disfarçada.

Bem, quase todos.

—É claro, Reijii- KarlHeinz sorriu discretamente- Não sei se sabem, mas uma guerra provavelmente está chegando.

—Espera aí, guerra?- Yui perguntou, parecendo confusa- Quem são os inimigos dessa vez? Lobisomens, feiticeiros ou dêmonios?

—Agora quem diz “espera aí” sou eu- Lua deu um passo a frente, olhando pra todos os vampiros no cômodo- Existem feiticeiros e demônios nesse mundo também? Wow, da onde surgiram tantas espécies?

—Foi exatamente o que ela disse, Lua- Igor respondeu- Os feiticeiros são os que vivem mais distante de nós, e os demônios... estão praticamente extintos. Tudo o que sobrou foram os Primeiro-Sangue, alguns parentes do mesmo...

—E ovos de drakon.- Nikki completou, parecendo compreender o pensamento.

—E por conta da guerra, precisamos de alianças com outras famílias-KarlHeinz continuou- E a melhor forma de fazer uma aliança é por casamento.

—Eu já entendi onde você quer chegar, e eu não estou gostando nem um pouco disso- Shu respondeu, e eu pela primeira vez vi ele parecendo preocupado.

—Espera aí, você quer casar nós seis?- Subaru perguntou, apontando para si mesmo e seus irmãos.

—Dá pra vocês calarem a boca?!- Lilith retrucou- Se não eu juro que prometo todos vocês pras filhas da Lady Duncan!

—Quem diabos é Lady Duncan?- Marie perguntou, a boca contraída.

—Uma Lady que tem 13 filhas- Laito suspirou- Todas belíssimas, porém elas além de burras, são insuportáveis. Elas não aceitaram quando eu tentei amar elas.

Marie e eu reviramos os olhos ao mesmo tempo.

—Um minuto de silêncio.- KarlHeinz demandou, e todos obedeceram na hora- Eu, particularmente, acredito no potencial da Família Herbert.

Potencial? Potencial de que?

Não tive muito tempo para pensar nisso, já que ele continuou a falar:

—Victoria Herbert, você aceita Reijii Sakamaki como seu noivo e futuro esposo?

Um silêncio constrangedor preencheu a sala logo em seguida.

—Casamento... Arranjado?- Sarah parecia tão chocada quanto Victoria, que estava pálida feito giz- Herbert... e Sakamaki?

 -Espera aí, isso não pode tá certo!- Marie resmungou, puxando Victoria para seu lado- Não existe alguma lei nesse mundo vampiro que proíbe casamento arranjado?!

—Enquanto a lei está vindo, eu já fiz a muito tempo- Ele comentou, pegando Victoria pelo braço novamente.

—KarlHeinz, você é literalmente o rei- Igor constatou, dando um passo a frente- Vossa Alteza é o que faz as leis, e eu tenho certeza que não temos a necessidade de casar um par que se conhece a um ano.

—Para alguém que teve três casamentos, eu não estou supresa- Lilith arqueou a sobrancelha, numa expressão de puro desdém- Tratando casamentos como se fosse uma coisa tão... simples.

Foi então que eu percebi:

—Vocês três estão quietos demais agora- Eu comentei, apontando pra Ian, Chronos e Stephan, meu olhar parando no terceiro- Sua filha está sendo pedida num casamento arranjado e você vai ficar aí parado?

E ele engoliu em seco.

—AH, QUAL É!- Nikki berrou, esmurrando sem querer Shu, que estava do seu lado- VOCÊS TAMBÉM SABIAM QUE VICTORIA IA CASAR COM REIJII?

—Eles não vão casar.-Subaru comentou.

—Não se ela não quiser- Reijii respondeu, pegando na mão de Victoria e a olhando nos olhos- Se a Senhorita Herbert não se sentir confortável, não há motivo pelo qual devemos fazer esse casamento acontecer.

Victoria observou a sala toda, seu olhar se demorando em mim e nas outras meninas. Depois dela parecer hesitar várias vezes, ela finalmente respondeu:

—Eu não iria me incomodar em ser sua noiva e futura esposa. Será uma honra.

Honra?

Logo depois da festa ter acabado, eu me dirigi até meu quarto.

Meu quarto. Nem acredito que finalmente posso dizer isso.

Na manhã de hoje, os meninos haviam nos apresentado nosso andar com nossos quartos e banheiros. O meu, para meu secreto desgosto, era todo elegante e em um tom de rosa queimado.

Me joguei na cama, numa mistura de confusão, cansaço, felicidade, tristeza e raiva que eu nem podia explicar. Não pude aproveitar muito meu momento de paz, que foi interrompido por uma batida na porta.

—Entra.- Eu falei, tendo que pigarrear por conta da voz rouca. Quando me sentei na cama pra ver quem tinha entrado, me deparei com Victoria.- Vic? O que você tá fazendo aqui?

—Eu preciso de ajuda, e você é a mais racional dessa família- Ela fechou a porta atrás de si e sentou ao meu lado- É sobre meu casamento.

Ah, claro. Aquele assunto de novo.

—Algum problema aconteceu durante a discussão entre você, Reijii e KarlHeinz?- Eu perguntei, me virando para vê-la melhor.

—Vai ser no fim do mês.- Ela comentou, pegando minha mão e dando um aperto nervoso- Minhas aulas na faculdade começam semana que vem, você sabe. É só que... eu sou uma menina de dezenove anos de idade, não sei se tô preparada pra passar por isso.

Eu entendia aquele nervosismo dela. Eu já havia estudado sobre os casamentos medievais. Nem um pouco amigáveis.

—Você tá nervosa por causa que você vai casar ou porque você vai casar com o Reijii?- Eu perguntei, e ela ficou vermelha e arregalou os olhos na hora.

—AH, Não!- Ela respondeu, parecendo assustada- Reijii é um cara até que legal, sabe? Ele com certeza seria um partidão se não fosse um vampiro sádico e sanguinário- Não pude deixar de dar um sorriso com o comentário- Mas eu sempre sonhei em conhecer gente nova na minha época de faculdade. Ir pra festas, dar umas paqueradas... Ser eu mesma! Se eu entrar pra Família Sakamaki, vou ser obrigada a usar vestidos longos e ser super educada á mesa durante o resto da minha vida!

—Victoria, você nem sabe se vai ficar casada pro resto da sua vida- Eu coloquei uma madeixa de seu cabelo atrás da orelha dela- E ainda mais, por que você não conversa sobre isso com o Reijii? Tenho certeza que ele vai te escutar e tentar te deixar o máximo confortável possível nesse “relacionamento” de vocês dois.

Ela concordou com a cabeça, sorrindo e com os olhos brilhando:

—Sério, você é uma garota muito incrível. Estou chocada do Ayato não ter tentado te cantar até agora. Nem vem revirando os olhos! Você sabe que nossa genética é incrível!

Dei um sorriso enquanto ela me abraçava, me agradecendo. Ao final do abraço, ela me deu um beijo na testa e se retirou do meu quarto.

Assim que a porta se fechou, eu me levantei e coloquei meu moletom de pijama. Assim que estava pronta, apaguei as luzes e me deitei na cama, já sentindo o cansaço me dominar.

E eu que achava que esse ano ia ser mais normal.

Senti um corpo se aconchegando ao meu, e uma voz masculina dizendo “Quieta.” Ao pé do meu ouvido. Mas meu corpo não reagia.

E antes mesmo que eu pudesse reagir, o sono me dominou e eu adormeci.