Sobre Amor e Nomes Marcados escrita por Araimi


Capítulo 1
Capítulo 1


Notas iniciais do capítulo

Boa leitura



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O primeiro nome de Bárbara Guaimarán aparece quando ela é muito pequena.

 

Ela acorda uma noite chorando, sentindo a pele em seu peito ardendo, dolorida ao toque. O pai grita de seu aposento para que ela cale a boca e Eustáquia aparece logo em seguida, abraçando-a e sussurrando cantigas de seu povo até que ela se acalme. Então Bárbara puxa seu vestido para baixo, mostrando para Eustáquia onde foi a dor e pedindo em meio as suas lágrimas que ela faça um curativo.

 

Mas Eustáquia sorri e toca o nome no peito de Bárbara e lhe conta sobre almas gêmeas e amores tão fortes que ficam gravados na pele. Bárbara escuta tudo com olhos arregalados, bebendo cada palavra de sua Velha.

 

— O que está escrito? – Bárbara pergunta, mas nem ela nem Eustáquia sabem ler.

 

Bárbara importuna o pai até ele perder a paciência e dizer o nome de seu amor.

 

— Asdrúbal. – Ele diz, com o cenho franzido e a boca cerrada, eternamente de mau humor. Especialmente ao redor de Bárbara.

 

Ela não liga, está tão feliz que poderia voar.

 

—***-***-***-

 

Ele aparece em um dia qualquer, pedindo para trabalhar para o pai como forma de pagar sua viagem. Ele precisa sair de sua cidade o mais rápido possível. Parece que ele está fugindo, mas Bárbara não sabe de que. O pai aceita e o rapaz aperta sua mão com entusiasmo.

 

— Muito obrigada, capitão. O senhor não vai ser arrepender. Asdrúbal, seu servo.

 

O pai suspira alto, lança um olhar para Bárbara e entra no barco sem dizer nada. Os olhos de Asdrúbal caem sobre Bárbara e ele sorri. Ela sorri de volta, sente suas pernas bambas, seu coração parece querer sair pela boca. É ele.

 

— Eu sou Bárbara. – Ela diz.

 

O sorriso de Asdrúbal aumenta e seus olhos claros se aquecem com um carinho que Bárbara jamais havia recebido e eles sabem.

 

—***-***-***-

 

Asdrúbal a beija como se quisesse entrar dentro dela, moldar-se a ela, até eles serem um. Ele a ensina a ler e o nome em seu peito ganha um novo significado. Bárbara ama o nome em sua pele quase tanto quanto ama o rapaz.

 

Ele mostra o nome dela escrito em seu peito em uma escapada noturna (é a única maneira para eles conseguirem ficar sozinhos) e Bárbara mostra o dele. Os nomes estão no mesmo lugar, em corpos diferentes, e os dois passam horas traçando as letras com seus dedos, olhando-se nos olhos, prometendo amor eterno.

 

Bárbara imagina uma casinha, crianças de olhos claros, Asdrúbal e ela sendo felizes. Longe do pai mal humorado, longe dos homens da tripulação que a dão calafrios e nojo na mesma proporção. Eustáquia também iria com eles.

É a única certeza que Bárbara realmente tem. Ela e Asdrúbal. Esse é o amor para o qual seu coração bate, ele é a pessoa a quem ela está destinada a amar toda a vida.

 

—***-***-***-

 

Cecília Verguel não acredita nos nomes. Ela acredita em almas gêmeas e em amor verdadeiro, mas não acredita nos nomes. Ou melhor, acha que eles podem errar.

 

Aconteceu com ela, porque Cecília ama Lorenzo e ele a ela e não há qualquer dúvida quanto a isso. Mas os nomes que eles têm são de outras pessoas.

 

O nome de Lorenzo está em seu braço, bem desenhado e elegante e selvagem. Bárbara. Ele o leva como uma tatuagem, orgulhoso, sem jamais se dar ao trabalho de esconder. Cecília comenta sobre isso em um de seus encontros, traçando as letras sobre o braço de seu namorado como se quisesse fazê-las desaparecer. Lorenzo sorri e a puxa para um beijo apaixonado.

 

— Não se preocupe com isso. É apenas um nome. – Ele diz e a beija de novo, até ela esquecer sobre o que estava falando. – Eu amo você. Só você.

 

Cecília não conhece ninguém na Araúca chamada Bárbara, então ela deixa estar. O seu nome está em seu pulso e ela está sempre escondendo-o com uma pulseira ou um relógio, porque o nome em seu pulso é Antonio e existe um Antonio na fazenda de seu cunhado, mas ele tem 10 anos de idade e Cecília não quer que ninguém pense que ele é sua alma gêmea.

 

Cecília está certa de que não é. Ela e Lorenzo devem ficar juntos.

 

Até porque, e Cecília está sempre se lembrando disso, os nomes nem sempre querem dizer amor romântico. Ela já conheceu pessoas que tinham os nomes dos filhos ou de um irmão ou de um amigo.

 

Cecília ama Lorenzo Barquero e nenhum nome pode mudar isso.

 

—***-***-***-

 

Quando Asdrúbal cai, Bárbara sente a dor em seu peito e ela não sabe se o nome de Asdrúbal está ardendo ou se é apenas seu coração se partindo.

 

Ela não tem muito tempo para pensar a respeito, logo tem que correr, fugir, escapar. Eles a perseguem como se ela fosse um animal e Bárbara percebe que eles deveriam ter fugido muito antes; o perigo sempre estivera ali, muito presente, muito real. Agora é tarde e, mesmo enquanto ela corre para salvar sua vida, ela sabe que eles vão alcançá-la.

 

Ela sente medo de morrer, mas, quando tudo começa, é tudo no que ela consegue pensar. Bárbara olha para as estrelas, tentando fugir daquilo, tentando sair de seu próprio corpo e é a única coisa em seus pensamentos. Por favor, por favor, me deixe morrer, me deixe morrer logo, por favor por favor por favor.

 

Quando chega a vez do Sapo, ele a morde, querendo puni-la pela mordida que ela lhe dera, e a dor aguda em seu peito a trás de volta para realidade e Bárbara se pega sufocando em seu próprio choro. Ele tenta arrancar o nome de Asdrúbal de sua pele com os dentes e Bárbara grita de dor (dor em seu corpo, em sua alma, em seu coração).

 

—***-***-***-

 

Quando Felix e José morrem um grande vazio surge na família. Sua irmã chora o dia inteiro e nem ela nem Santos conseguem apaziguar a dor de Asunsión. Cecília tenta cuidar da casa e do sobrinho e recebe as pessoas que aparecem para dar pêsames enquanto sua irmã chora no quarto.

 

Então o choro passa e Asunsión sai de seu quarto vestida de preto, os olhos vermelhos, mas a cabeça erguida. Ela reassume sua posição como senhora de Altamira e as coisas voltam ao eixo. Ela coloca uma mão sobre o ombro de Santos e lança um olhar significativo para Cecília e eles todos sabem que devem seguir em frente.

 

Lorenzo aparece no funeral, mas o corpo de sua irmã fica tenso. E ela sabe que não foi culpa de Lorenzo, sabe que o que aconteceu está nas mãos de Felix e José, mas não acha que a presença de Lorenzo vá fazer bem para nenhum deles. Ele parte com a cabeça baixa e o coração de Cecília se aperta. Felix era seu melhor amigo e ele nem lutou para ficar em seu funeral.

 

Asunsión decide que eles devem ir embora, para a casa que tem na capital. Ela não suportaria viver na casa onde perdeu um filho. Cecília concorda, porque quer apoiar sua irmã, mas ela chora durante todo o caminho até a capital. Ela chora por Lorenzo, pelo amor que sente por ele e pela inabilidade de ambos de lutar por um futuro juntos.

 

Eles nem tem o nome um do outro. É o que ela diz para si mesma, tentando se convencer de que jamais daria certo de qualquer maneira. Aquilo não alivia a sua dor.

 

—***-***-***-

 

Antonio mostra para o pai quando seu nome aparece, porque, bem, não há mais ninguém em quem ele confie para mostrar. Há Santos, sim, mas ele sente vergonha de mostrar ao seu amigo. Especialmente porque o nome em seu ombro é o da tia dele.

 

O pai sorri, dando-lhe tapinhas no ombro.

 

— Vamos manter isso entre nós dois, tudo bem? – O pai sugere.

 

Antonio concorda, ele realmente não quer que ninguém saiba. E, claro, ele gosta de Cecília, mas ela é muito mais velha que ele para ser sua namorada. Antonio não conta para ninguém, mas ele sabe o nome marcado em seu corpo de cor e logo o carinho por ele cresce, assim como o carinho por Cecília. Ele está sempre disposto a fazer suas vontades, é gentil com ela, e, para seu desgosto, cora furiosamente sempre que ela lhe dirige a palavra.

Ele fica arrasado quando os Luzardo se mudam para a capital. Santos é seu melhor amigo e Antonio sentirá muita falta dele. Enquanto ele observa o barco se afastando pelo rio, Antonio se pega coçando o ombro esquerdo, onde o nome de Cecília está gravado.

 

O pai passa um braço por seus ombros e o abraça apertado. Só ele entende o que Antonio perdeu naquele dia.

 

—***-***-***-

 

Seus machucados param de sangrar e se fecham e saram. Devagar, seu corpo se recupera. Sua alma não tem a mesma sorte.

 

Bárbara ainda sangra por dentro e, sem os machucados em sua pele, é como se tudo o que aconteceu de ruim naquela noite não tivesse por onde sair. Ela sente as feridas embaixo de sua pele, sente o cheiro deles, o toque deles, em sua alma. Sente algo de ruim crescendo dentro dela, crescendo, crescendo, presa dentro de si e Bárbara as vezes sente que pode sufocar.

 

Ela não consegue esquecer e, em alguns dias, não há nada mais que ela consiga lembrar. Há um ódio nascendo dentro dela, por aqueles que a violaram, por todos os homens ao redor dela. Bárbara sente nojo e vomita quando lembra daquela noite, ou quando sente um odor que a lembra daqueles animais. Ela sente nojo dela mesma, de seu próprio corpo. Ela se esfrega até sua pele ficar vermelha, até doer e um pouco depois disso, e ainda assim não consegue se sentir limpa.

 

Suas feridas saram e algumas viram cicatrizes e, do mesmo modo como sua pele se recusa a esquecer o que aconteceu e voltar a ser o que era antes, Bárbara também sabe que jamais conseguirá ser a menina que um dia fora. O mundo que ela conhecia e a pessoa que ela era estão acabados. Para sempre.

 

Ela toca a cicatriz sobre seu peito e sente a falta de Asdrúbal como se tivesse perdido uma parte de seu corpo. Ela chora por ele até não ter mais lágrimas, seu coração partindo-se de novo e de novo até não sobrar nada.

 

Bárbara começa a se aventurar para fora de sua oca quando começa. Lentamente, muito diferente da dor súbita que a gravou em sua pele, o nome de Asdrúbal começa a se refazer sobre a pele grossa da cicatriz em seu peito. Toda noite ela coloca a mão ali, sentindo seu coração bater, desejando que estivesse sentindo o dele, e pede para o Sósio colocar o nome dele de novo em sua pele. Não havia nada que pudesse tirar Asdrúbal de seu coração.

 

Quando está lá novamente, perfeito, forte, legível, é um pequeno consolo para Bárbara. Ela ama o nome e ela ama Asdrúbal e promete que assim será durante toda a sua vida, como ele havia prometido a ela.

 

—***-***-***-

 

Bárbara conhece Lorenzo vendendo-lhe rum. No futuro, ele irá querer culpa-la de tudo o que aconteceu de ruim em sua vida, inclusive ser alcóolatra, mas isso é algo que ela não consegue esquecer. Lorenzo já tinha muitos problemas antes mesmo de conhecê-la.

 

Ele flerta com ela e compra todo o seu rum e a leva para sua fazenda. Bárbara não gosta de Lorenzo, mas ela vê seu nome no braço dele e pensa que já está cansada de viver navegando. Depois de tudo o que aconteceu, ela merece uma vida tranquila, uma casa grande, uma fazenda próspera.

 

Lorenzo dá mais trabalho do que ela havia imaginado e, com o tempo, ao invés dele conseguir conquista-la, ele só consegue fazer com que ela tenha menos paciência com ele. Bárbara odeia seu hálito de álcool, odeia seu modo egoísta na cama, detesta os momentos em que ele está tão bêbado que nem sabe quem é. Ele a abraça com membros pesados, jogando seu peso sobre Bárbara e ela é capaz de estrangulá-lo até a morte.

 

Ele conta a ela sobre seus traumas, sobre a briga com os Luzardo, sobre Felix e seu trágico fim, sobre Cecília. Mas ele nunca está interessado em ouvir sobre Bárbara. Bárbara não existe para ele além da mulher que ele quer em sua cama, além do nome em seu braço. E ela o odeia por isso com uma fúria inebriante.

 

—***-***-***-

 

O segundo nome de Bárbara aparece enquanto ela está cavalgando. Ela está começando a ficar boa naquilo, suas pernas não doem tanto após um longo dia de cavalgada e suas coxas já estão mais do que acostumadas com a sela. Por isso ela estranha a dor na parte interna da sua coxa, especialmente porque a lembra a dor de quando recebeu o nome de Asdrúbal. Mas ela ignora e se convence que se machucou em algo sem perceber.

 

Ela vai para casa, briga com um Lorenzo desmaiado no sofá da sala e Eustáquia lhe prepara um banho. Então ela vê o nome em sua coxa, despretensioso, como se estivesse sempre ali.

 

Santos.

 

Bárbara tenta esfregar o nome de sua coxa, mas ele não sai, assim como o nome de Asdrúbal nunca saiu de seu peito.

 

— Você já ouviu falar de pessoas que tem mais de um nome? – Ela pergunta a Eustáquia, analisando o nome.

 

Eustáquia sorri e mostra suas costas para Bárbara. Desenhado em sua pele estão os nomes de todos os seus filhos. Os quatro que ela perdeu e o de Bárbara. Ela nunca havia vistos tantos nomes em alguém.

 

Ela fica intrigada com o nome, mas não dá tanta importância quanto dera ao seu primeiro. Bárbara não é mais a menina que costumava ser, encantada com a ideia de almas gêmeas. Principalmente porque ela não quer ninguém tomando o lugar de Asdrúbal. Lorenzo dá muito mais importância do que ela. Ele fica furioso quando vê o nome em sua coxa, a bebida alimentando sua fúria tanto quanto seus ciúmes.

 

Ele a toma como um animal, como se quisesse arrancar os nomes de sua pele. Ou como se quisesse marcar o seu nome nela com a força de seus quadris.

 

O nome de Lorenzo nunca aparece em sua pele, da mesma maneira que o nome de Bárbara não some da dele.

 

—***-***-***-

 

Bárbara sente o filho de Lorenzo crescendo dentro dela como uma doença. Ela tenta se livrar daquilo com um chá de ervas que havia aprendido na aldeia, mas Eustáquia a proíbe terminantemente. Ela chora de ódio e medo. Quando o medo passa, Bárbara está tão irritada que o menor dos toques de Lorenzo a deixa espumando.

 

Ela se sente violada novamente; sente a coisa crescendo dentro dela como uma parte de Lorenzo. Lorenzo que sempre toma e nunca dá nada, Lorenzo que a vê como uma companheira de cama, como um nome em seu braço. Bárbara detesta Lorenzo e detesta o que Lorenzo deixou dentro dela sem pedir permissão.

 

É quando Bárbara fica grávida que ela percebe, finalmente, o quanto está quebrada. Porque todas as mães amam seus filhos, mas Bárbara nem consegue ver a criatura dentro dela como um filho. Só quer que aquilo saia e suma e deixe Bárbara em paz de uma vez por todas.

 

O bebê vem ao mundo a dilacerando, causando uma dor que Bárbara não sentia há muito tempo. Ela grita para tirarem aquilo, a tapas se for preciso. Então a criança finalmente sai de dentro dela, gritando e exigindo atenção; tomando, tomando, tomando, exatamente como Lorenzo.

 

Eustáquia quer que Bárbara segure a criança, mas ela nem sequer pode olhar naquela direção. Seu estômago está revirado, seu corpo está dolorido. Ela só quer paz.

 

A Velha diz que Lorenzo teve um momento de lucidez, que pegou a menina no colo e lhe deu um nome. Bárbara não poderia ligar menos para o que Lorenzo e sua cria fazem ou deixam de fazer.

 

A dor já familiar a acorda, quase um dia depois de ter dado a luz. Bárbara acorda assustada, tateando seu quadril, indo para as costas; a pele ainda está sensível e ela não quer acreditar que recebeu outro. A contragosto, mais por curiosidade, ela levanta e vai até o espelho e é o nome da menina gravado em sua pele.

 

Marisela.

 

Bárbara destrói metade de seu quarto em sua raiva e a menina acorda assustada no outro quarto, berrando. O choro dela acende um ódio inimaginável em Bárbara e ela logo está gritando também.

 

—***-***-***-

 

Santos tem quase 20 anos quando seu nome aparece. Ele está estudando para uma prova quando sente a dor em seu tornozelo. Santos já estava começando a achar que não teria um nome. Ele observa com um sorriso no rosto, traçando as linhas delicadas do nome mais bonito que ele já vira.

 

Marisela.

 

Ele mostra para a mãe e para tia Cecília e as duas fazem uma festa, dando gritinhos e sorrisos e lágrimas. É quase como se Santos tivesse anunciado seu casamento. Ele ri delas, mas também está emocionado. No fundo, Santos Luzardo é um romântico e sempre ficara cabisbaixo por não ter um nome gravado em seu corpo.

 

Agora ele tinha alguém a quem procurar; uma alma gêmea, um coração amigo. Marisela. Ele a procuraria em todos os lugares e a faria tão feliz quando a encontrasse.

 

—***-***-***-

 

Ela é Marisela. A filha de Lorenzo. A menina que mais parece um animal selvagem. Ela é linda, sim, é engraçada e ela aquece seu coração. Mas nada disso apaga o fato de que ela é uma menina. E Santos Luzardo não é conhecido por burlar regras, ele é um homem das leis, pelo amor de Deus! Ele jamais se envolveria com uma menina tão nova.

 

Ele leva Lorenzo e ela para sua casa em Altamira e sufoca todos os sonhos que ele fizera para ele e sua Marisela. Sua Marisela e a Marisela que ele recebeu do mundo são pessoas bastante diferentes. Santos diz para si mesmo que os nomes nem sempre tem conotação romântica. Ele pode amar Marisela, claro que pode, mas não precisa ser de uma maneira romântica.

 

Então ele relaxa ao redor dela e a trata como uma menina, como o que ela é. Santos não quer pensar nela como uma mulher, como sua alma gêmea. Ele sempre escondera o nome em seu tornozelo, acreditava que o nome em seu corpo dizia respeito somente a ele e a mais ninguém, mas agora prestava atenção redobrada em nunca deixa-lo a mostra. Santos notara que Marisela está... encantada por ele. Não queria lhe dar falsas esperanças. Isso tudo iria passar, é claro.

 

Tia Cecília sabe e Santos quase não pode suportar os olhares significativos que ela lhe lança quando Marisela faz algo particularmente adorável. Bem, talvez adorável não fosse a palavra. Marisela não era exatamente adorável, mas havia algo nela. Sua inocência, sua bondade.

 

Ele foge desse aspecto de seu relacionamento com Marisela e acaba esbarrando em Bárbara no meio do caminho. Ele foca nela porque Bárbara parece focada nele. E Bárbara é linda, ela é fogo e mexe com ele de uma maneira que mulher nenhuma havia feito. Santos cai nos braços de Bárbara para fugir de Marisela.

 

—***-***-***-

 

Na primeira vez que ele dorme com Bárbara, Santos vê dois nomes. Ele traça os dedos sobre a cicatriz em seu peito e o nome por cima dela, forte e desafiador. Ele só consegue imaginar o tipo de amor que Bárbara tem por esse Asdrúbal para que nada possa impedir o nome dele de estar ali.

 

— Ele tentou apagar. – Bárbara diz em um sussurro. – O Sapo. Ele tentou arrancar o nome de Asdrúbal.

 

Ela parece frágil, como se fosse quebrar, e Santos a beija delicadamente. Mas ela não é delicada ou frágil e logo está no seu normal e eles estão na cama, beijando-se apaixonadamente, invertendo de posições tão rápido que Santos não sabe mais se estão brigando ou fazendo amor.

 

Ele beija todo o corpo dela e vê outro nome em sua coxa. É o seu nome e Santos quase foge do quarto. Ela afunda seus dedos no cabelo dele e o olha com tanto amor que ele quer gritar.

 

Santos não tem nada a oferecer para ela. Bárbara tem o nome dele em sua pele e Santos tem apenas o nome da filha dela em seu tornozelo. Ela o beija antes que ele possa fugir e faz coisas com ele até que todos os seus pensamentos coerentes se desfaçam.

 

O terceiro nome ele só nota muitas noites depois. Quando já não tem tanta fome dela e pode apreciar seu corpo melhor, mais demoradamente. Ela está deitada de bruços na cama e Santos traça círculos em suas costas, depositando beijos em sua pele nua. Próximo ao seu quadril, ele avista algumas letras escuras e retira o lençol para ler com curiosidade o terceiro nome no corpo de Bárbara.

 

Ele solta uma exclamação de surpresa quando lê o nome de Marisela ali e Bárbara puxa o lençol com força, lançando-o um olhar irritado.

 

— Nem uma palavra. – Ela diz e sua voz é fria como gelo.

 

—***-***-***-

 

Bárbara deixa Santos ler o nome dele em sua pele com expectativa. Aquilo tem que ser prova suficiente do seu amor. Mas Santos olha para ela com tanta angústia que ela sabe na hora que não é o nome dela gravado na pele dele.

 

Ela tenta não pensar muito a respeito, tenta não dar muita importância. Mas sempre acaba lembrando do nome dela no braço de Lorenzo e na ausência do nome dele em sua pele e em como aquilo terminou para os dois.

 

Bárbara jura que não será assim com ela e Santos. Tudo vai ser diferente.

 

Santos tem um nome em seu tornozelo que ele esconde sempre. Ela pede para vê-lo, e ela já sabe que não é o nome dela, mas Santos se nega com tanto ardor, que a deixa intrigada para saber qual o nome dele. Há uma voz no fundo de sua mente que sussurra maldosamente qual o nome no tornozelo dele. Bárbara não quer acreditar. Bárbara sabe que é verdade.

 

—***-***-***-

 

Antonio está no seu quarto e eles estão se beijando de uma maneira que Cecília não é beijada há muito tempo. Suas mãos estão tremendo, mas ela desabotoa a camisa de Antonio e toca seu peito e tira a camisa dele devagar. Ele tem seus olhos fixos nela, olhando-a como se ela fosse algo incrivelmente bonito. Cecília cora e desvia o olhar. Seus olhos caem no ombro de Antonio e vê que tem um nome ali.

 

— Posso ver? – Ela pergunta, passando os dedos pelo ombro esquerdo dele.

 

Cecília não tem certeza se quer ver. E se for o nome de outra? Cecília não aguentaria passar por aquilo de novo. Mas os olhos de Antonio continuam nela, carinhosos e cheios de algo que ela não sabe ao certo o que é, e ele vira-se para que ela possa ver.

 

Seu coração acelera e ela sente as lágrimas em seus olhos, porque é o nome dela no ombro de Antonio. Cecília, em letras elegantes e com floreios. Ela ri e Antonio vira-se para ela novamente, sorrindo e a beijando e puxando-a pela cintura para mais perto dele. Antonio nem se importa em perguntar qual o nome dela e Cecília se apaixona por ele mais um pouquinho.

 

Ela o afasta e retira o relógio de seu pulso e mostra o nome a ele. Antonio sorri mais ainda e agora são os olhos dele que marejam. Ele beija seu pulso, sua mão, seus dedos.

 

— Eu pensei que você tivesse o nome do Lorenzo. – Ele diz.

 

— Não, eu nunca tive. Sempre foi o seu.

 

— Eu também. Sempre foi o seu. – Ele a beija profundamente. – Sempre foi você.

 

Antonio a guia até a cama e os dois caem ali, suas almas se enroscando uma na outra tanto quanto seus corpos.

 

—***-***-***-

 

Eles a chamam de monstro, dizem que ela é incapaz de amar.

 

Santos concorda, em silêncio, maneando com a cabeça. Ele tenta afastar o sentimento de vergonha, mas não consegue. Não completamente.

 

Ele abraça Marisela, deixando-se derreter por ela, esquecendo do mundo inteiro por ela. Mas Santos não consegue realmente esquecer Bárbara. Por que ele viu os olhos dela cheios de amor e cheios de ódio e cheios de lágrimas. Ele conheceu ao menos uma parte dela, e viu suas cicatrizes. Ele viu algo terrível dentro dela, sim, mas também havia algo de belo em Bárbara.

 

Eles a diminuem para aquilo, um monstro, uma mulher covarde, capaz de atos terríveis, mas incapaz de qualquer bondade. E ele sente vergonha de concordar, mas não sabe como contradizê-los. Para isso, teria que explicar toda a belíssima e aterrorizante complexidade de Bárbara. E Santos tem consciência que não é capaz. Talvez nem ela mesma seja, por isso se perde tanto em si mesma.

 

Antônio diz que ela é má, mas ele nunca a viu sorrindo como uma menina. Cecília diz que ela é incapaz de amar, mas Santos nunca vira alguém com tantos nomes quanto Bárbara. Como ela pode ter três e ainda assim ser incapaz de amar? Marisela chora as vezes, pela mãe que nunca teve e confidencia a Santos que não sabe o que fez para Bárbara odiá-la.

 

— Você não fez nada. – Ele diz, contra seus cabelos. – Você não tem culpa dos problemas de Bárbara.

 

Mas Santos nunca fala sobre o nome de Marisela no quadril de Bárbara. Santos nunca diz nada. Ele se pergunta se costumava ser tão covarde antes de conhece-la.

 

—***-***-***-

 

 

Bárbara tem o nome de Marisela marcado em sua pele e a machuca perceber que a melhor coisa que ela fez para sua menina, foi manter-se afastada.

 

Ela não tinha qualquer pensamento altruísta quando mandou a menina para longe. Aquilo não foi para o bem de Marisela, foi para acalmar Bárbara, porque ela não suportava conviver com a cria de Lorenzo. Mas agora, remando por um rio solitário, Bárbara percebe que, mesmo sem querer, aquilo havia sido melhor para Marisela também.

 

Manter-se longe de Bárbara permitiu a Marisela crescer sem ter sua alma corrompida. Ela permaneceu inocente e, acima de tudo, boa. Essa era a palavra que melhor descrevia sua filha. Marisela era uma pessoa boa, uma pessoa decente. Tão diferente de Bárbara.

 

E agora ela poderia ser feliz com um homem que a amava, o homem que tinha o seu nome gravado, assim como ele tinha o dela. Bárbara sorri e lembra do menino que lhe prometera amor em uma praia escura, pousando a mão sobre o peito dela, como ela acariciava o seu. Almas gêmeas.

 

E Bárbara nem pensava, nem acreditava, em almas gêmeas há muitos anos, mas não conseguia evitar pensar que sim, aqueles dois eram almas gêmeas.

 

Uma pena que ela não fosse uma pessoa decente. Uma verdadeira lástima que Bárbara não conseguisse ficar e aproveitar a felicidade de sua filha.

 

Porque ver a felicidade de Marisela, infelizmente, significava afogar-se em suas próprias tristezas. Não, ela não iria suportar. Sua tristeza é perigosa, ela se transforma em raiva e a raiva explode em algum momento, machucando quem estiver no seu caminho.

 

Então Bárbara se despediu de Marisela, desejando-lhe felicidades, subiu em seu barco e remou, remou, remou, até estar distante o suficiente de tudo aquilo. Porque ela não queria machucar a menina. Sua menina. Ela morreria se machucasse Marisela, morreria se ficasse na Araúca. Partir era a única opção.

 

Talvez a Velha estivesse certa, e ela costumava estar sempre, e toda a sua vida na Araúca não passasse de uma longa e dolorosa parada em uma viagem que ia em direção ao fim, mas que talvez, só talvez, ainda lhe sobrasse algum tempo.

 

Bárbara remou para o mais longe que pode. Nenhuma distância seria suficiente, entretanto. Por mais que se afaste de Santos e Marisela, eles ainda estariam com ela sempre, seus nomes marcados em seu corpo, impossíveis de tirar. Ela não quer tirá-los, apesar de tudo. Porque não importa a dor que ela sente, a verdade é que Bárbara ama aqueles dois mais que qualquer um. Não é a toa que ela tem seus nomes.

 

Ela não entende porque o destino unira os três daquela maneira; ela, com o nome dos dois, e eles, com o nome um do outro, mas sem o nome dela. Bárbara sente falta de ver seu nome escrito na pele de alguém.


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