Oceans escrita por Victoria


Capítulo 1
One




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                Meus dedos se fecham com força na bandeja de papelão que carrega dois copos cheios de café, torcendo para que não estejam frios. A multidão londrina me sufoca enquanto tento desesperadamente descer do vagão de trem. Às vezes gostaria de ser um pouco mais grosseira para não ter tanto receio de empurrar as pessoas que insistem em bloquear meu caminho até a porta. Suspiro fundo e ajeito a bolsa no ombro, andando agora mais confiante no meio de uma multidão não tão gruda. Posso até sentir certo frescor no ar que entra em meus pulmões. Mal posso esperar para que meu apartamento no centro fique pronto logo. Não aguento mais pegar esse metrô entupido todo dia.

                Mostro meu crachá na entrada do prédio em que trabalho, o velho segurança de sempre nem notando, ocupado demais dormindo no balcão. Acho que nos 4 anos que trabalho aqui nunca vi esse homem acordado. Não sei como ninguém nunca invadiu esse lugar. Entro no elevador e me encosto no fundo, pegando um dos copos de café e tomando um gole, fazendo uma careta logo em seguida. Eu detesto o gosto dessa coisa, não sei porque ainda tento tomar esse asco. Coloco o copo de volta na bandeja. Talvez ninguém note a marca de batom que eu deixei e aceite a bebida que eu rejeitei.

                “BOM DIA PESSOAS LINDAS DO MEU CORAÇÃO!” Digo, alto, trazendo a atenção de todas as pessoas na sala a mim. As 20 pessoas que trabalham comigo já estão mais que acostumadas com minha habitual exaltação, e ninguém parece mais ligar para meus animados bom dias, muito menos responder a eles. Todos apenas olharam de volta para os papeis espalhados em suas mesas, e eu revirei os olhos decepcionada com a desanimação dos meus colegas. Coloco a bandeja com as bebidas em minha mesa, deixando assim minhas mãos livres para que eu possa me desfazer do meu sobretudo e meu cachecol. Graças a maravilha elétrica chamada aquecedor, eu podia usar roupas leves no escritório, não tendo que parecer um pinguim com todas as camadas que o inverno londrino me forçava a usar.

                Assim que me sento e pego a primeira pasta da pilha que mantenho em minha mesa, sinto alguém me cutucar no ombro, e reconheço em segundos o toque. Meu chefe é uma pessoa extremamente discreta, e com apenas um gesto eu já sei que devo ir até sua sala. Pego a bandeja com o café que comprei especialmente para ele e tento acompanhar seus passos rápidos até a grande sala reservada no fim do corredor. Ele parece extremamente agitado, o que só pode significar duas coisas: ou um caso deu uma bela andada ou temos um novo caso extremamente complicado. Olho novamente para a pilha de casos não resolvidos em minha mesa. Eu realmente espero que seja a primeira opção.

                Entro na sala logo atrás de Charles, e fecho a porta atrás de mim. Coloco a bandeja na mesa de centro, me sentando na poltrona no canto da sala. Com um movimento rápido e discreto, fecho as cortinas, sabendo que Charles não haveria me chamado ali se não fosse extremamente confidencial. Mesmo trabalhando em um departamento de polícia voltado a investigações, tudo deve ser feito com incrível discrição. Nunca se sabe quando alguém pode virar as costas para você. “Os brutus atacaram de novo” diz, calmo, encostando em sua mesa, os braços cruzados em frente ao corpo “o corpo foi encontrado na zona sul. Mesmas marcas, mesmo tipo de execução.”.

                Suspiro alto e me encosto mais na poltrona. O caso dos brutus me persegue desde que entrei no departamento, há quatro anos. São um grupo de assassinos profissionais, e assombram a cidade há séculos. Nunca consegui prender um deles. O trabalho é sempre cuidadoso, e só percebemos o perigo depois que alguém já morreu. Costumávamos ter três agentes encobertos tentando de alguma maneira entrar em contato com esses caras, mas é impossível. E os três acabaram mortos. Eu não sei nem como o grupo consegue esses trabalhos, já que só para encontrar alguém que possivelmente possa entrar em contato com algum deles e não morrer depois é algo quase utópico. Suas vitimas normalmente são encontradas quase sem pele, extremamente deterioradas por ácidos fortes, não deixando em qualquer hipótese alguma forma de identificação do assassino. Os corpos são deixados dentro de plásticos em partes remotas da cidade, em becos escuros e sem câmeras de segurança em um raio de 3 km. São extremamente inteligentes, e isso me irrita. E toda vez que Charles me chama para falar deles, me coração diminui um pouco, sabendo que será mais um caso que eu não posso resolver. “Charles... Você sabe que eu não tenho muito o que fazer” quase sussurro, envergonhada, decepcionada comigo mesma. Ainda não consegui me conformar com o fato que não posso resolver todos os casos que vem a mim, mas nunca vou conseguir me conformar de não ter conseguido acabar com esse grupo idiota em quatro anos de investigação.

                Meu chefe puxa uma pasta de sua mesa, a pesando na mão um pouco antes de estica-la para mim. Antes mesmo de pega-la eu já sei que são as fotos da vítima, assim como um pequeno texto descrevendo o nada que encontraram na cena. Suspiro, segurando a massa em minhas mãos, a deixando na mesa de centro. “Athena, eu sei que é difícil, mas eu preciso que esse caso se encerre. Um grupo de assassinos profissionais como esse não é algo que queremos na boca do público...” ele começa, e eu apenas reviro os olhos, me levantando da poltrona da forma mais gentil que consigo, não querendo transparecer meu nervosismo. Esse caso realmente mexe comigo. “Como você, meu maior desejo é acabar com esses animais que acham que matar agora é um emprego.  Se eu conseguir informações adicionais, talvez eu consiga uma pista. Mas você sabe que eu não posso te prometer nada Charles.” Digo, firme, a mão já na maçaneta. “Eu tenho informações adicionais?” pergunto, e o homem se vira, indo a sua mesa, não me dando uma resposta. Seu silêncio diz mais que mil palavras.

                Ninguém no departamento parece notar minha frustração, e agradeço por trabalhar com pessoas frias o suficiente para não olharem por cima de seus cubículos para saber quantos casos não foram resolvidos por um de seus colegas. Se trabalhasse com pessoas competitivas, um olhar em minha mesa faria o dia delas. A pilha de casos não resolvidos cresce a cada dia, e não há nada que eu possa fazer sobre isso. Por mais que eu seja uma ótima detetive, há tempos não consigo fechar algo. Desde que fui promovida a supervisora, para ser mais exata. Todos os casos que não conseguem ser resolvidos são passados para mim, e como muitas vezes são antigos, as pistas já ficaram perdidas, os corpos já foram enterrados e já limparam a cena do crime. Parece não ser muito relevante para meus colegas de trabalho, mas eu gosto de visitar os corpos ainda onde foram deixados. Por mais que eu acredite na eficiência de nossos peritos, eu gosto de tomar um tempo extra analisando o local, entendendo o assassino, entendendo a vítima. Claro, todos nos fazemos isso, a única diferença é que eu trabalho com maior eficiência no campo, e não no escritório.

                Respiro fundo e pego a pasta que eu estava olhando antes de Charles me chamar. É um caso antigo, já passou por minhas mãos, e não teria nem porque estar aqui. Não apareceram novas testemunhas, nem pistas novas, e o corpo nunca foi completamente encontrado. Braços e mãos, sim, mas não temos o resto. O crime não batia e nunca bateu com nenhum outro, então nem foi possível traçar um perfil para o assassino. “William” chamo, o vendo passar com uma xicara de café pelo canto do meu olho. Acho algo horrível de se falar, mas provavelmente é o pior detetive do departamento. É extremamente desorganizado, já tendo misturado homicídios e prendido a pessoa errada mais do que gostaria de admitir, além de não ter nem postura para segurar sua arma. “Você que colocou essa pasta em minha mesa?” pergunto, serena, não querendo que ele se assuste. Toda vez que falo com ele suas pernas tremem tanto que tenho medo que caia desmaiado ao meu lado. Sempre tomo cuidado para que isso não aconteça. “F-foi... Capitão Charles disse que você deveria revisar o caso. Alguma coisa sobre ir até o necrotério e ver as peças que temos... Eu não me lembro” diz, gaguejando e sussurrando, e seguro meu máximo para não revirar os olhos. “Ok, obrigada” agradeço, virando a cadeira para frente mais uma vez, William se afastando rapidamente. Eu acho que nunca vou entender o medo que esse menino tem de mim.

                “Talvez fosse legal ter mencionado que eu teria que sair hoje Charles...” resmungo, baixo, me levantando de minha cadeira e vestindo novamente meu pesado sobretudo. Pego a pasta do caso e tiro fotos de tudo que pode ser importante. Junto meus documentos e meu distintivo e coloco nos meus bolsos, minha arma estando escondida pelo casaco. Pelo menos não terei que ficar presa nesse lugar repleto de pessoas que provavelmente nunca sorriram, cheia de casos não resolvidos me lembrando da minha recente incompetência.

                Chego ao subsolo do prédio em questão de minutos, o frio do necrotério me fazendo apertar um pouco mais o casaco ao meu corpo. Bato na porta e antes mesmo de obter uma resposta eu entro. Os médicos legistas com quem trabalho estão mais do que acostumados comigo, e diferente de alguns de meus colegas, não importa o que estejam fazendo com o corpo, eu não me incomodo. Eu sei que é um procedimento necessário, e se qualquer coisa é na realidade fascinante. Para mim, é quase mágico o jeito que o corpo de alguém pode fornecer tantos detalhes sobre um acontecimento ou até sobre outra pessoa. Normalmente esse outro ser é o assassino, mas mesmo assim. É impressionante o quanto você consegue entender a mente de alguém apenas pelo estado em que o corpo de sua vítima foi deixado.

                Martha para todos seus movimentos quando me vê, e abre um sorriso. A pequena serra elétrica que tem em mãos é desligada, e calmamente a ruiva coloca o equipamento na mesa ao seu lado. “Asfixia?” pergunto, olhando para os hematomas deixados no pescoço do homem semiaberto na mesa. “Por incrível que pareça, perfuração no estomago” reponde, aparentemente tão perplexa quanto eu. Caminho até seu lado e a cumprimento com um beijo na bochecha. Não, não é um cumprimento normal para os frios habitantes de Londres, mas Martha é minha melhor amiga. Dividimos a mesma cama inúmeras vezes, limpamos o vomito uma da outra depois de noites bebendo e só não usamos a mesma escova de dentes porque sabemos que não é nada higiênico (e não moramos juntas).

“O que te traz ao meu necrotério? Um péssimo encontro? Fofocas? Um corpo?” Pergunta, andando até as gavetas em que os corpos são armazenados. “Braços e mãos, na verdade. Preciso dar uma segunda olhada nos membros daquele caso em que o resto do corpo não foi encontrado” explico, suspirando, e Martha assente com a cabeça, indo em direção a uma gaveta na parte inferior esquerda. A abriu, revelando dois braços e duas mãos meticulosamente colocados na bandeja, de forma que tudo ficasse bem visível. Me aproximei, pegando duas luvas e as colocando. Martha não gosta muito que mexam nos corpos, mas ela sabe que não pode me parar. É algo que eu faço, e provavelmente farei até o fim da minha carreira. Eu preciso sentir para saber que aquilo é real. “Achei que você já tinha feito o possível e o impossível nesse caso” comenta, e eu bufo, pegando uma das mãos e a girando em minhas mãos. “É, somos duas. Mas Charles pediu para que eu desse uma segunda olhada” expliquei, apoiando as costas nas outras gavetas.

Devolvo o membro que eu examinava e pego um dos braços. Puxo uma boa quantidade de ar para meus pulmões, entediada pela situação. Nunca foi um caso muito ativo, e puxa-lo de volta não me trouxe muita animação. Mas é ai que vejo a pequena marca no fim do braço, na altura do ombro. Um pequeno x, quase imperceptível. Parece mais uma pinta do que qualquer outra coisa. “Martha, os dois últimos corpos dos brutus estão ai?” pergunto, colocando o braço de volta na mesa. “Uhum, são os aqueles dois expostos ali no fim. Um chegou hoje” diz, e eu rapidamente vou até as mesas no fim da sala, checando o braço esquerdo das duas vítimas. Eu sabia que eu havia visto aquele x em algum outro lugar. “Martha, eu sou extremamente burra.” Digo, rindo, me virando sorrindo para minha amiga “o x! Eles colocam o x nos corpos!” exclamo, quase gritando, fazendo com que minha amiga revire os olhos. “Athena, você sabe disso desde que o primeiro corpo chegou aqui” comenta, entediada, mas eu mal posso me aguentar de alegria. “Eu sei, mas eles têm um padrão. Eles não deixam partes dos corpos jogadas por aí Martha. Os braços e as mãos foram um erro. Nem foram passados no ácido. É o avanço que eu precisava. Puta merda, Charles é um gênio” digo, sorrindo, tirando as luvas. “Eu vou ter que prestar outra visita para a família dos braços. Meu Deus, obrigada por esse presente” continuo cuspindo palavras, agitadamente correndo para fora do necrotério, sem nem me importar em falar tchau ou obrigada para Martha.

Essa é minha chance de acabar com esse grupo, e acredito que a primeira pessoa que poderá me ajudar se chama Niall Horan.


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