II. Tomar chá com o Sr. Hagrid.

Fazia pelo menos quatro dias que Lily Evans estava evitando James Potter. Não era uma decisão muito sábia ou sequer planejada (na verdade, ela não sabia justificar muito bem o porquê de estar o evitando), mas depois de quase uma semana, tudo parecia estar praticamente voltando ao normal. Ao ritmo normal, um pouco entediante e tranquilo, em que a ruiva levava sua vida.

Em quatro dias, a garota tinha evitado praticamente todos os lugares do castelo. Até mesmo a biblioteca havia sido trocada pelo seu dormitório, mas era por uma boa causa.

Pelo menos, ela pensava que sim. Ela apenas não queria decepcionar James (que havia sido gentil com ela em duas ocasiões) e nem a si mesma. Matar uma aula? Era uma meta possível de se realizar, mas existiam coisas naquela lista que a deixavam nervosa demais para só cogitar continuar a cumpri-la.

Era o que ela pensava agora. Mesmo que lá no fundo do seu coração ela estivesse cheia de vontade de simplesmente terminar aquilo de uma vez.

Lily tinha um extremo problema em começar e não terminar as coisas. A corvina não sabia dizer se tinha alguma relação com sua casa (talvez fosse outro motivo para a decisão final do Chapéu Seletor) ou se era apenas um fato aleatório sobre sua personalidade, mas ela sabia que odiava começar e não terminar algo. Odiava com todas as suas forças.

E aquele pedaço de pergaminho ainda a incomodava exatamente por isso.

No domingo à tarde, a ruiva finalmente decidiu sair de seu dormitório para algo além de almoçar ou jantar (coisas que ela fazia com tanta rapidez que ainda pensava que acabaria engasgando-se com um pedaço de tortinha de abóbora), pois precisava ir até a biblioteca consultar um livro para uma tarefa de Poções. Antes de sair de seu dormitório, guardou com cautela o problemático pergaminho no bolso de sua calça, já que sua coragem para o destruir tinha desaparecido e ela vinha o carregando consigo sempre que precisava deixar o seu dormitório.

Lily tinha oficialmente entrado em pânico, desde o momento em que a professora Minerva havia perguntado sobre seu paradeiro em sua última aula e ela acabou mentindo para a professora, pois estar com dor de cabeça soava como uma desculpa melhor do que “eu estava matando aula com James Potter, professora”.

Era talvez o motivo pelo qual ela não queria ver James, muito menos falar com ele. Ela não tinha coragem de seguir com aquilo adiante. E muito menos, dizer isso para o garoto.

Finalmente, a ruiva desceu as escadas, saindo de seu quarto. Arrumou o casaco leve que usava e saiu do salão comunal, olhando para os sapatos. Se desse sorte, não trombaria com ninguém em seu caminho para a biblioteca, mas é claro que isso era exatamente o que ela não estava tendo desde que decidiu pôr aquelas palavras no papel.

— Com licença, você é Lily Evans? — a garota se assustou, levantando o olhar e se deparando com um garotinho de no máximo 12 anos, parado na sua frente. Colocando a mão no peito sentindo o coração disparar pelo susto, encarou o menino que parecia entediado, mas a observava com expectativa.

— Sim — respondeu franzindo o cenho, confusa — E quem é você?

— Ah, ninguém importante — o garoto pareceu absolutamente aliviado ao encarar a garota e suspirou, tirando do bolso um pergaminho levemente amassado. — Eu tenho um recado para te entregar — murmurou ele, entregando o papel para a ruiva que continuava parada, sem entender. — E um recado: “não se atrase”, seja lá o que isso quer dizer — ele disse por fim. Lily encarou o pergaminho em suas mãos, tão confusa quanto o garoto.

Antes que ela pudesse dizer qualquer coisa, o garotinho, que ela tinha notado que usava uma gravata vermelha e dourada, virou-se e saiu correndo em disparada para longe, deixando-a sozinha com aquele pedaço de papel em mãos e seus próprios pensamentos conflituosos no corredor.

***

Fora tão automático para Lily se desviar de seu costumeiro caminho para a biblioteca, que quando ela notou, já se encontrava nos jardins ainda totalmente perdida em pensamentos. Seus devaneios foram rapidamente substituídos por sua percepção de que o caminho que estava fazendo não a levava para a biblioteca.

E sim, para a cabana do Sr. Hagrid.

A ruiva parou subitamente, confusa consigo mesma por ter ido até ali de forma involuntária. Ou talvez, não tão involuntária assim. Observou a cabana que não se encontrava exatamente longe de si e mordeu o lábio inferior pensativa, tirando bilhete de seu bolso e o lendo mais uma vez.

“L. M. E.,

Sei que você provavelmente não tem a mínima intenção de cumprir as suas metas e, pelo pouco contato que tivemos, imagino que você esteja evitando-as (exatamente como tem feito comigo e sem ressentimentos por isso), mas talvez ter uma conversa com meu bom amigo Hagrid seja agradável e a faça pensar melhor sobre sua lista que eu, particularmente, achei adorável.

P.S.: Preferi te enviar um bilhete por uma pessoa e não por uma coruja, para não a assustar muito.

Se quiser ignorar e não comparecer, eu compreendo, mas de qualquer forma, o chá será servido às 17h. E por favor, evite comer biscoitos ou bolos que Hagrid oferece. Você vai entender o porquê.

Até breve,

J. F. Potter."

Suspirando, Lily fechou os olhos por um minuto para analisar suas opções. Ela podia simplesmente rasgar o bilhete, dar meia volta e ir para a biblioteca. Claro que ela ficaria pensando sobre qual seria o motivo de James Potter ter a aconselhado a não aceitar nenhum quitute feito por Hagrid.

Lily também tinha a opção de simplesmente ir até à cabana e ficar por alguns minutinhos… quer dizer, não seria tão ruim assim, certo? Talvez um pouco constrangedor e totalmente atípico para ela, mas não tão ruim assim. Um pouco de chá e engolir sua timidez durante alguns momentos não a machucaria fisicamente ou coisa do tipo.

Mais uma vez, naquela estranha semana, Lily simplesmente deixou todos os seus pensamentos de lado e continuou o caminho que estava fazendo.

E só parou quando chegou exatamente em frente à grande porta da cabana do guarda-caça de Hogwarts.

“Ok. Devo bater na porta? Ou devo simplesmente...” os pensamentos de Lily simplesmente desapareceram quando ela ouviu passos pesados dentro da cabana. Em poucos minutos, a porta foi aberta com força e a ruiva deu um passo para trás, constrangida.

— Oh, você é a senhorita Evans? — o grande homem a perguntou. Sua voz era suave, algo inesperado tendo em vista seu tamanho. Quando Lily assentiu, sem saber o que dizer, ele deu um grande sorriso e deu um passo para trás, convidando-a para entrar. — O jovem James disse que você gostaria de beber um pouco de chá comigo e você chegou no horário certo! Posso te oferecer alguns biscoitos? — Hagrid perguntou animado, fechando a porta assim que Lily entrou em seu humilde lar. Lily sorriu, lembrando-se do conselho de James.

Ela achava Hagrid uma figura excepcional e interessantíssima, por isso o tinha colocado em sua lista.

— Acredito que só um pouco de chá está bom, senhor Hagrid.

***

Bebericando seu chá, Lily encarou a bagunçada, mas confortável cabana do guarda-caça de Hogwarts. Milhares de papéis e bugigangas pareciam estar espalhados pelo local, mas ela achou o lugar muito aconchegante. Tentando engolir sua própria timidez, tentou corresponder a conversa animada do senhor que era tão gentil quanto meio gigante. Falaram sobre Hogwarts, sobre as aulas e até mesmo compartilharam uma piada sobre as aulas de Trato das Criaturas Mágicas, assunto o qual Lily descobriu que Hagrid entendia muito bem.

Quando ele lhe ofereceu biscoitos mais uma vez, fazendo Lily finalmente aceitar, com medo de chatear seu anfitrião, a garota finalmente entendeu o porquê o Potter tinha a aconselhado a negar os quitutes de Hagrid. Os biscoitos quase quebraram seus dentes em milhares de pedacinhos, mas ela conseguiu mordiscar um pedacinho de um. E elogiou seus dotes culinários, é claro, como a boa hóspede que era.

— Sabe, Hagrid, sua cabana é adoravelmente aconchegante — Lily voltou a elogiar, sentindo-se encantada pela conversa com o guarda-caça. Aquele estava sendo realmente um ótimo chá da tarde. — Imagino que você adore trabalhar e morar aqui. Hogwarts é encantadora, não? — murmurou ela, suspirando.

Uma escola tão encantadora. Uma pena que ela mal havia realmente a aproveitado, pois passou tempo demais presa em seu próprio mundo e com o nariz enfiado dentro de um livro.

— Com certeza, senhorita Lily. Mas se me permite lhe dar um conselho, eu te diria para aproveitar seus momentos nesse castelo durante seu último ano, senhorita Lily, porque eles são únicos.

Lily só pôde sorrir, assentindo. Hogwarts era realmente especial e única. E era exatamente por isso que ela se sentia tão instigada a continuar cumprindo suas metas... Pois ela queria vivenciar tudo aquilo que não teve coragem de viver antes.

***

Despedindo-se de Hagrid, Lily prometeu voltar para mais um chá, mas decidiu mentalmente de nunca mais aceitar nenhum doce que ele a oferecesse.

Sorrindo ao sair da cabana, sentiu a brisa leve bater em seus longos cabelos ruivos e o despentearem. Observou o enorme castelo, tão bonito naquele início de pôr-do-sol e suspirou com a vista. Talvez não fosse tão tarde assim para fazer algumas memórias...

Afinal, ela ainda tinha o ano todo pela frente, certo?

Seguiu seu caminho, andando com calma, dessa vez indo realmente à biblioteca, ainda com um sorriso leve no rosto.

Pelo visto, ela tinha que parar de ignorar James Potter.

E o agradecer, é claro.