Para Sempre - A Escolha escrita por AlanRod1830


Capítulo 3
O milagre


Notas iniciais do capítulo

Adrian se vê diante de uma nova adversidade: sua avó está gravemente doente e os médicos já a desenganam. Mas algo o impulsiona a não perder as esperanças. O que acontecerá em seguida? Confiram aqui!



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Fico abismado. Num impulso, coloco a mão na boca enquanto algumas lágrimas rolam pelo rosto. Confesso que já imaginava, mas me nego a aceitar que mais um membro da família esteja condenado à morte.

Testemunhei um desmaio semana passada. Ela estava na cozinha quando, de repente, recuou com passos vacilantes e, em seguida, apagou. Seu rosto ficou pálido, quase sem cor. Tentei reanimá-la, mas ela não acordou. Desesperado, gritei por ajuda. Érica tinha saído cedo para procurar trabalho e eu estava sozinho em casa sem ninguém por perto. Corri para fora e recomecei a gritar. Um homem alto e barbudo, que estava de passagem, ouviu os gritos e correu em meu socorro. Disse a ele que minha avó estava caída na cozinha e que achava que ela estava morta. O homem foi correndo até ela. Verificou o pulso. Para o meu alívio, ela ainda estava viva, mas precisava de atendimento médico o quanto antes.  

Chamamos uma ambulância, que veio dez minutos depois.

— Onde está a sua mãe? – perguntou um dos paramédicos.

— Ela saiu.

— É melhor informá-la – disse o homem que ajudara minha avó. Ele pôs a mão no bolso e pegou o celular. – Aqui. Ligue para ela.

Pouco tempo depois, estávamos no hospital, esperando o resultado dos exames. Mas acabei adormecendo na sala de espera e, quando acordei, estava de novo em casa, no meu quarto, na minha cama, o que me levou a pensar que tudo não passara de um pesadelo.

Levantei-me achando que encontraria a vovó na cozinha, sorrindo e assobiando sua música favorita enquanto terminava de preparar o café da manhã. Mas quando cheguei lá, percebi que o “pesadelo” que eu tanto temia havia se tornado realidade.

Érica falava ao telefone em voz baixa como se já esperasse a ligação e depois de vários sins, disse:

— Está bem, Jacques. Eu irei agora mesmo.

Desligou. Em seguida se virou e, quando me viu parado atrás do balcão, deixou o telefone cair no chão.

— O que foi? Que cara é essa?

— Bom dia, filho. Não foi nada. É que você me assustou.

— Com quem estava falando?

— Hã...

— Com o médico que examinou a vovó?

— Eu...

— Quais são os resultados? O que ela tem? É grave?

— Eu não sei.

— Como assim não sabe? Estava falando com o médico, não estava? O que ele disse?

— Já disse que não sei. Fique calmo. A sua avó está bem.

Se ela estivesse bem, agora ela estaria aqui conosco, era o que eu queria dizer. Sabia que ela estava mentindo. Havia tensão em sua voz. Isso significava que a vovó não estava nada bem. Vi como ela ficou pálida quando perdeu os sentidos. Ela continuava no hospital. E eu ali, sem notícias dela.

— O que quer para o café da manhã?

— Nada. Não estou com fome.

— Como quiser. A propósito, tenho que sair.

— Onde a senhora vai?

— Tenho que resolver um assunto que deixei pendente no centro da cidade.

— Que assunto?

— Prometo que logo você vai saber.

E não disse mais nada. Pegou a bolsa e saiu.

***

— Você disse que tinha deixado um assunto pendente na cidade.

— Sim.

— Em outras palavras, a senhora mentiu.

— Sim, é verdade. Admito que não fui honesta com você. Mas fiz isso pensando no seu bem-estar. Queria te poupar do sofrimento.

— Mas se trata da minha avó. Ela está doente. Eu tinha todo o direito de saber.

— Você está certo. Me desculpe.

— E agora?

— E agora o quê?

— O que vai acontecer com ela?

Érica fica calada, sem saber exatamente o que me responder.

Chegamos em casa assim que começa a chover. Érica fala que vai tomar banho e que mais tarde faremos uma visita a vovó no hospital.

— Você falou com o médico hoje? – pergunto.

Érica olha para mim e assente.

— O que ele disse? – A verdade, quero acrescentar.

— Sente-se, filho.

Sempre que alguém manda outra pessoa se sentar é porque se trata de um assunto muito sério. Na verdade, é o que eu estava esperando. Percebo, pelo olhar dela, que ela está disposta a me falar tudo o que eu preciso saber. É inútil adiar o inadiável. Há, de fato, um assunto pendente. E está mais do que na hora de colocá-lo em discussão.

— Antes de mais nada, quero que saiba que me dói muito dar essa notícia para você. O que eu mais queria era que este nosso problema tivesse uma solução. Bom... há uma solução. Mas não é a que desejávamos.

— O que quer dizer? Mãe, por favor, não me esconda nada.

Ela respira fundo, sorrindo como se nada daquilo a afetasse.

— Você é um garoto inteligente e sei que pode compreender. A sua vó tem uma doença incurável. O médico disse que há pouca ou nenhuma coisa para fazer. A ressonância feita na semana passada não mostrou apenas um tumor no cérebro. Também apareceram mais tumores, um menor no outro lóbulo occipital e diversos nódulos no córtex cerebral.

— Então ela vai morrer? O que o médico disse a respeito da quimioterapia e da radioterapia?

— Nenhum tratamento, nem químio nem radioterápico, irá curá-la.

Balanço a cabeça, me negando a aceitar.

— Mas não podemos prolongar a vida dela?

— Falando de um ponto genérico, quando se faz quimioterapia, há uma melhora da qualidade de vida e às vezes podemos prolongá-la, mas isso só acontece se houver resposta ao tratamento.

— E no caso especifico da minha avó?

— O médico não acredita que isso aconteça.

— Então o que ele recomenda fazer? Sei que em Cuba estão utilizando cartilagem de tubarão.

— Até hoje não há evidencia de efeito curativo ou antitumoral. Sinto muito, amor, mas não há nada a fazer, somente tratamento sintomático, paliativo. Ou...

— Ou?

— Quando nada mais se pode fazer contra a doença, a medicina moderna conta com recursos para tornar mais suave a progressão dos sintomas e o processo de morte.

— Processo de morte? Espere um pouco! Estamos falando de... suicídio?

— Pode parecer estranho, mas... sim.

— Eu não acredito! Quer dizer que matar é a única solução? Pensei que a função de um médico fosse curar!

— A função do médico é curar. Mas entenda que, embora a medicina tenha avançado nas técnicas cirúrgicas e encontrado vários métodos de tratamentos para o câncer, ainda não é possível ganhar todas as batalhas. Quando o médico não pode curar, ele precisa aliviar. E quando não pode curar nem aliviar, precisa confortar.

— O que esse médico sabe? Como se chama esse processo?

— Chama-se Eutanásia. É o ato de proporcionar morte sem sofrimento a um doente atingido por uma doença incurável que produz dores intoleráveis. – Ela fecha os olhos e respira fundo, tentando se manter calma. – Querido, me escuta. Não sou a favor da eutanásia, mas como todo ser humano, penso que sua avó gostaria de ter uma boa morte.

Fico sentado no sofá durante muito tempo depois da nossa conversa, pensando nas palavras que acabo de ouvir. Assim tiro algumas conclusões: “minha avó está 100% desenganada; não há mais nada para fazer na luta contra a sua doença; a quimioterapia será mantida pelo tempo que for possível ou necessário pelo tempo que ela aceitar fazer...”

Não, penso eu. Sempre fui muito religioso e se há uma coisa em que eu deposito toda a minha crença é que nenhuma doença é maior que o amor de Deus. Sim, eu acredito firmemente que, se Deus decidir curá-la, ela será curada. Uma sensação diferente percorre o meu corpo. Uma certeza de que algo está para acontecer. Não tenho certeza se é coisa boa ou ruim. Mas de uma coisa eu sei: tenho que ajudar a minha avó. E sei perfeitamente como.

Enquanto Érica toma banho, vou para o quarto e me ajoelho diante da imagem de Jesus na cruz. No momento em que meus joelhos tocam o chão, sinto algo estremecer em minhas entranhas. Sem perder um minuto sequer, fecho os olhos e, como se tivesse todo um texto pronto e decorado, deixo as palavras fluírem silenciosas pelos lábios.

Érica fica esperando na sala enquanto tomo banho e me visto. E quando a chuva finalmente pára, vamos ao hospital.

— Nada do que você falou me parece justo – digo. Ainda tenho muito para falar, mas decido ser breve. – Você mesma me ensinou que “a vida é dada por Deus e só ele a pode tirar”. O que eles vão fazer? Ficar parados, assistindo a minha avó procurar um meio de se matar? Isso não destrói a confiança que os pacientes têm em seus médicos? Isso não destrói os fundamentos da nossa sociedade? – Paro um pouco para respirar. – Bem, se essa é a opinião deles... que seja. Mas eu sou – e sempre serei – contra à essa prática desumana.

— Você tem toda razão. Se pudéssemos fazer alguma coisa para livrá-la desse sofrimento, nós faríamos. Mas tudo que podemos fazer agora é colocá-la nas mãos de Deus e esperar como ela vai responder ao tratamento. – Ela vira o volante para a esquerda e, sem desviar os olhos da estrada, continua falando: – Adrian, eu não costumo dizer isso, mas você é meu orgulho. Sinto orgulho de cada palavra que você pronuncia. Eu gostaria de ter a fé que você tem. Gostaria de acreditar que milagres existem.

— A senhora não acredita em milagres?

— Não. Mas acredito na fé. Acho importante cultivar a esperança e valorizar o pensamento positivo, os valores fundamentados, a paixão e a solidariedade. A meu ver, o que atrasa o mundo é gente transformando fé em fanatismo. Fanáticos são os que doam seu suado dinheirinho para salvadores da pátria. São os que esfolam os joelhos subindo escadarias para agradecer por uma graça alcançada. Continuo acreditando em Deus, mesmo quando os “milagres” que imploro não acontecem, pois os milagres que imploro e os pedidos que faço se baseiam em minha vontade, e Deus não está aqui para me dar o que eu desejo. Deus está aqui para me dar o que eu preciso!

— Você já me deu muitos conselhos, mamãe. Mas agora é minha vez: nunca desista de ninguém. Milagres acontecem todos os dias.

***

Não pense que não estou estranhando essa súbita mudança de atitude. Algum tempo atrás, eu não estava disposto a sequer levantar um dedo para tentar mudar a minha situação. Mas a doença da vovó e o fato de ela estar condenada à morte me deu um “chute no traseiro” que me fez acordar para a vida e ver que estava agindo de forma errada. Agora me sinto uma outra pessoa, renovado por alguma força, uma força que vai além do que eu conheço. Pressinto que teremos uma surpresa assim que entrarmos naquele hospital, e quando Érica pára o carro no estacionamento, abro a porta e, sem esperar por ela, atravesso a rua em direção à entrada.

— Adrian, me espera! – ouço ela gritar.

Entro e vou direto ao balcão da recepção, onde uma enfermeira loira completa uma ligação:

— Boa tarde. Posso falar com o doutor Jacques?

— Quem quer falar?

Estou prestes a me identificar quando Érica chega.

— Nunca mais me dê um susto desses, ouviu? Você podia ter sido atropelado! Quantas vezes já falei para não atravessar a rua correndo?

— Mãe, eu estou bem. Desculpe. Mas a senhora não entenderia se eu dissesse...

— Sra. Lindenberg! – diz uma voz atrás de mim.

Jacques Bossuet é um homem alto e magro que está na casa dos 40. Tem cabelos cor-de-palha iguais aos meus, e também tem olhos azuis. Eu o admiro muito pela sua competência e grande inteligência, a qual não deixa dúvidas de que esse cara nasceu para a medicina. O que mais estranho nele é o seu semblante infantil. Juro que se não soubesse a idade dele e ele não tivesse 1,76 m de altura, o confundiria com uma criança de 8 anos.

— Eu ia mesmo ligar para a senhora.

— Quais são as notícias, doutor? – pergunta ela, ofegando como se estivesse à beira de um ataque cardíaco. – Como está a minha mãe?

— É sobre ela que eu quero falar. Mas antes, quero que me acompanhe até o quarto dela.

— O que houve? Ela morreu? O que vocês fizeram? Não me diga que vocês...?

— Calma, Sra. Lindenberg. Só quero que me acompanhe.

O médico se vira na direção do corredor e sinaliza para que o acompanhemos. Essa atitude é típica de Spike, quando está com fome e me pede para ir até a cozinha preparar alguma comida, ou quando está com vontade de brincar e me faz segui-lo até o jardim.

Acompanhamos o médico até o quarto em que Lucy está.

— Antes de entrarmos, quero lhes contar uma coisa que aconteceu.

— Que coisa? Minha mãe não está aí dentro?

— Está, mas ela não ficará por muito tempo.

— Como assim? Não estou entendendo.

O médico percebe o brilho no meu olhar.

— Meu jovem, você acredita em Deus?

— Claro.

— E acredita que ele pode salvar sua avó?

— Sim. Eu sei que Deus tem o poder de curar e salvar.

— Pois bem. Eu também acredito. E sabe em que me baseio para dar essa declaração? No que aconteceu hoje, por volta do meio-dia...

— O que aconteceu? – pergunta Érica, cada vez mais ansiosa.

— A senhora pode achar que fiquei louco, Sra. Lindenberg, mas o que eu vou dizer é a mais pura verdade. Eu fui testemunha de um milagre. De um verdadeiro milagre.

— Milagre? Mas o que...?

Com um movimento súbito, ela toma a frente do médico e entra no quarto.

— Filha... – diz Lucy, a voz um pouco rouca pela falta de uso. – Que cara é essa?

— Mãe... Não pode ser... Você... Você está...

Entro no quarto. Embora a verdade esteja bem diante dos meus olhos, não consigo acreditar. Na última vez em que a vi (acho que foi na terça-feira passada), ela estava seriamente debilitada, revezando-se entre uma cama com colchão d’água rodeada de aparelhos e enfermeiros, e o estado dela era tão delicado que os médicos tiveram que sedá-la. Seu rosto havia perdido completamente a cor e os lábios estavam de um tom roxo assustador. Mas agora ela está acordada. Os olhos voltaram para a cor normal e o rosto pálido voltou à aparência de antes.

— Vovó?

— Adrian, querido. Vamos. Chegue mais perto.

Ando lentamente em sua direção, uma parte de mim querendo comprovar se o que estou vendo não é uma ilusão, e a outra parte desejando que eu me belisque para ter certeza de que aquilo não é um sonho.

— Doutor. Como...? Como...?

— Eu também fiquei perplexo ao ver o que vocês estão vendo. Achei que o sanduiche de sardinha que comi antes de vir para o hospital tinha me feito mal. Mas então eu vi uma coisa que me deixou ainda mais intrigado.

— O quê?

Jacques aponta com o polegar por cima do ombro. Nos viramos e olhamos para onde ele aponta. A janela do quarto está aberta.

— Vê a janela? Ela nunca fica aberta, devido ao frio. Mas quando entrei no quarto, a primeira coisa que vi foi a janela literalmente escancarada. Perguntei aos enfermeiros se algum deles tinha aberto a janela, mas fiquei surpreso quando disseram que não. A primeira coisa que pensei foi que alguém tinha tentado invadir o quarto e pedi para que chamassem a polícia. Imediatamente pensei em ligar para a senhora para informá-la sobre este estranho acontecimento, mas não podia deixar minha paciente sozinha no quarto e pedi à enfermeira para se encarregar disso. Voltei para cá e já ia fechar a janela quando, de repente, uma rajada de vento entrou por ela e me empurrou para trás. Tentei fechá-la, mas o vento ficou cada vez mais forte, e só parou quando me afastei da janela. Era como se algo estivesse tentando impedir-me de fechá-la. Foi quando eu vi a luz...

— Que luz?

— Uma luz que pairava sobre a cabeça dela. Tentei me aproximar, mas minhas pernas estavam paralisadas. Não acreditava que a luz estava realmente lá... E dentro dela, havia uma mão. Uma mão estendida sobre a cabeça da sua mãe. E quando a luz desapareceu, eis que os olhos dela se abriram.

— Não posso acreditar...

— Foi um milagre! – Começo a falar. – O que aconteceu aqui foi um milagre!

— Sim! Foi um milagre! – diz o médico.

— Mas por que disse que ela não vai ficar por muito tempo? Ela não está mais doente?

— Agora chegamos à parte mais incrível desta história. Assim que ela acordou, pedi para que fizessem uma tomografia. E o que vimos? O cérebro da sua avó em perfeito estado.

— Está dizendo que o tumor... sumiu?

— Não há tumor nenhum. Os nódulos no córtex cerebral desapareceram. Não há sinal de câncer em nenhuma área do cérebro.

Érica fecha os olhos, absorvendo o significado dessa declaração.

— Deus ouviu suas preces. E amanhã mesmo esta simpática senhora poderá voltar para casa.

— Ouviu, vovó? – pergunto, dando plena liberdade a todas as explosões de alegria e felicidade.

Na manhã seguinte, o médico lhe dá alta. A pedido dela, um empregado arranja uns óculos de sol e um chapéu de abas largas. Ajusta ambos no átrio do hospital, um momento antes de atravessar a porta pela primeira vez em sete dias.

O céu está azul e límpido, e o ar puro enche os seus pulmões. Deita a cabeça para trás e inspira profundamente.

Minutos depois, um táxi detém-se à entrada. Érica aparece emoldurada pela porta. Sorri, sai do carro e avança para ela.

— Mamãe... – diz ela, e quando a mãe abre os braços, refugia-se neles.


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Notas finais do capítulo

A vida de Adrian parece estar finalmente tomando o rumo que ele tanto desejava. Mas será que tudo vai continuar assim? Será que Érica desistiu de mandá-lo para um internato? Descubra no próximo capítulo!



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