Não há sombras na escuridão escrita por Mar


Capítulo 1
Único




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Aquele deveria ser o único cômodo que permanecia intacto em toda a nave. O chão preto brilhava lustroso, e refletia perfeitamente a luz das explosões que coloriam a imensidão do universo lá fora. Imóvel, ele a esperava, sentado onde antes Snoke governava. Mas isso já fazia muito tempo. Mesmo o seu governo, imaturo e impulsivo, já perdurava por tempo demais. Tempo demais. Já era hora de reestabelecer o equilíbrio.

 

Conseguia sentir os passos apressados que se aproximavam, e bastou um gesto com a mão para que a pesada porta se abrisse. Ele mesmo usou a Força para tirar alguns de seus próprios soltados do caminho. Ela não se espantou. Entrou no aposento resoluta, apesar do arrepio frio que percorreu sua espinha. Aquela era a primeira vez que se viam em meses – talvez anos – e mesmo assim as lembranças foram arrebatadoras: Kylo Ren matando o Líder Supremo e lutando contra seus guardas ao seu lado. Juntos eles eram invencíveis e lutaram lado a lado como se treinassem para aquele momento há anos. A Força os unia de uma maneira única, mas o que realmente os arrebatava era algo mais, um sentimento muito maior e perigoso: o amor.

 

Quando viu o olhar solitário e partido, Rey soube que ele também se lembrava. Aquele beijo carregado de paixão e sofrimento. O beijo que fez com que ambos imaginassem que passariam o resto de suas vidas juntos. O único problema era que enquanto a catadora imaginava esses dias na Aliança Rebelde, lutando pela paz, o novo Líder Supremo imaginava-os juntos derrubando não só o Império, mas também os Rebeldes, para então juntos conquistarem a galáxia. Embora fossem doloridamente complementares, o destino teimava em separá-los, e mais uma vez foi assim.

 

— Ben... – Ela suspirou – Por favor.

 

Por todo o tempo que se passou desde aquele dia, evitaram com todas as forças a ligação telepática que naturalmente se estabelecera entre eles. Não suportariam. Mas ali, frente a frente naquele momento decisivo, todas as barreiras cederam. Podiam enfim sentir toda a dor, a solidão, o desespero e a confusão que ambos sentiram após aquele beijo, tudo o que fora represado em um minuto estava livre invadindo os dois como a areia de Jakku invade as engrenagens de uma nave durante uma tempestade. E então a vontade de mais. A vontade de mais contato, das mãos pequenas enlaçando os fios escuros, das mãos grandes enlaçando a cintura fina. Da Força que os engolia como uma grande onda de sentimentos e sensações. Da paixão.

 

Rey arrastou-se para mais perto, ajoelhando aos pés do trono. Durante todo o tempo em que estiveram separados, ela havia se tornado mais forte e madura. Kylo percebera a mudança, mas no momento em que a jovem se ajoelhou a sua frente, subitamente Rey parecia a menina assustada que ele havia carregado nos braços e interrogado há muito tempo atrás.

 

— Por favor. Lute comigo. Falta pouco para ganharmos essa guerra.

 

Ele soltou o sabre que segurava em sua mão direta para segurar os pulsos da pequena mulher aos seus pés. Desde que a conhecera como prisioneira, aquilo era tudo o que gostaria de ver. Rey, uma ninguém vinda de lugar nenhum, porém incrivelmente abençoada pela Força, aos seus pés. Mas não agora. Não depois de ser tocado com tamanha ternura, de se ver através dos olhos dela: um garoto perdido e machucado, uma faísca que se acendia na escuridão e lutava para não ser tragada pela luz – seu destino. Nunca se sentira tão solitário sem ela. Nem mesmo quando seus pais o mandaram para um longo treinamento com seu tio, nem mesmo quando este o traiu. Fora como se toda a luz o traísse, e nem a vingança tardia através da morte de Han Solo fora capaz de apaziguar o ódio que sentia. Mas Rey foi diferente. Rey sabia o que era ser traída por seus pais e viver sozinha. Sabia o que era ter medo de seus próprios poderes. E mesmo assim, mesmo com essa história e com um senso moral que parecia talhado em mármore, ela o entendia e perdoava. Ela o amava.

 

Demorou muito para que Kylo Ren entendesse e para ele, não havia mais volta.

 

— A guerra já está ganha, Rey – Estremeceu ao dizer o nome dela em voz alta. Era a primeira vez em muito tempo – E não há lugar para mim nessa nova era.

 

Ela o encarava. Sentado, a diferença de tamanho quase não era perceptível. Rey tocou a cicatriz que atravessava o rosto do homem a sua frente. Cicatriz que ela mesma fizera. Apesar da fé no bem e em Luke Skywalker, fora difícil não ceder ao impulso de se juntar a Kylo. Era a sua chance de pertencer finalmente a algum lugar, de ter alguém. Os dois seriam incríveis juntos. Derrotariam o Lado Sombrio. Reconstruiriam a galáxia como um lugar de paz e democracia. Ficariam juntos.

 

Ren a puxou com voracidade para um beijo. Quando suas bocas se tocaram, podiam sentir a eletricidade que percorreu ambos os corpos e podiam jurar que o campo magnético ao redor deles era visível. A Força os envolveu em tons de vermelho, e ele teve que lutar mais uma vez para não ceder a pura violência e ao desejo de rasgar todas as peças de roupa que impediam o contato entre a sua pele e a da pequena mulher em seus braços. Sentiu seu rosto molhado pelas lágrimas de Rey. Suas mentes conectadas não deixavam que houvesse segredos: ela sabia que um impulso negro continuava impregnado em Ben. Mas também sabia como ele lutava contra isso. Sempre partido no meio, entre a luz e a escuridão, Ben Solo era a personificação das sombras.

 

Quando se separaram o ar já faltava, mas mesmo assim sentiram que havia sido muito rápido. Respiravam ofegantes, ansiando por mais. Rey tentou se aproximar, mas foi impedida.

 

— Você tem que me matar.

 

— O que?

 

— Você ouviu... – Ele sussurrou, levantando-se. – Não há espaço para mim em lugar nenhum. Você é a única que pode acabar com tudo isso. Leve minha cabeça como prêmio para os Rebeldes.

 

Sua voz voltou a assumir um tom de autocontrole e desumanidade. Rey sentia o conflito dentro dele, mais forte do que nunca. Ele parecia tão cansado. Mantinha a postura ereta e andava resoluto, mas tinha sob os olhos olheiras profundas e seu cabelo negro e volumoso parecia despenteado. Ela soube que nunca mais o beijaria, e sentiu seu coração se partir. Kylo Ren também o sentiu e precisou respirar fundo para se controlar. Seus olhos ardiam. Podia sentir cada músculo do seu corpo tenso ao mesmo tempo em que se agarrava a sensação doce dos lábios de Rey colados nos seus, na pele macia e quente sob suas mãos.

 

Respirou fundo. Pegou seu sabre de luz e assumiu uma postura defensiva.

 

— Eu não vou lutar com você, Ben. Se você quiser me machucar, pode me machucar. Eu não vou lutar.

 

E então tudo aconteceu muito rápido. A porta se abriu em uma explosão e Finn entrou na sala, sujo de fumaça e empunhando uma blaster. Atirou contra o Líder Supremo, julgando que assim daria um tempo para que Rey pudesse investir contra ele. Kylo desviou com facilidade e partiu para cima de Finn com uma velocidade surpreendente. Rey automaticamente pegou seu próprio sabre e o impediu.

 

O laser dos sabres colidiu com força, e ambos os corpos tencionaram tentando não ceder à força do outro. A luz vermelha se misturava a luz azul e o leve zumbido das armas parecia mais alto que as explosões que aconteciam do lado de fora. O olhar de Rey se traduzia em uma súplica, enquanto o de Kylo pedia perdão.

 

— Eu te amo. – Disse em um sussurro rouco. E o tempo parou.

 

 Um segundo depois, ainda sentindo todo o seu corpo reagir ao que ouvira, sentiu seus braços se moverem contra a sua vontade, e seu sabre de luz atravessar o dorso do homem a sua frente. Seus olhos se arregalaram e um grito ensurdecedor saiu de sua garganta.

 

Ben – pois agora era apenas Ben – sentiu suas pernas falharem e caiu para frente, sendo amparado por braços finos e levemente bronzeados. Os sabres jaziam esquecidos no chão. As lágrimas rolavam quentes pelo rosto de Rey e ela compartilhava a dor que ele sentia – tanto pelo ferimento, quanto por saber que aquele era o fim. Ajoelharam-se.

 

— Ajuda! Eu preciso de ajuda! – Ela gritava. Mas ninguém parecia a ouvir. Finn sorria e saia da sala, parecendo não notar que sua amiga havia se quebrado.

 

Ben ergueu um braço e tocou os lábios da mulher. Balançou a cabeça pedindo que ela se calasse. Conseguiu envolver o pescoço da mulher com um de seus braços. Encostou a sua testa na dela. Os olhos escuros, que antes brilhavam com a Força agora pareciam turvos. Antes que eles se fechassem totalmente, pôde sentir o calor que Rey emanava uma última vez. Gostaria que ela soubesse que, pelo menos, ele estava feliz por morrer em seus braços. A galáxia estava salva e finalmente Ben Solo estaria livre de todo o peso do mundo sobre seus ombros. Reuniu suas últimas forças para olhá-la e dizer:

 

— Você me libertou.


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Notas finais do capítulo

Se alguém aqui me acompanha, sabe que faz muito tempo que não posto. Fazia muito, muito tempo que não escrevia qualquer coisa, então quando me vi inspirada e segura para escrever novamente, decidi postar logo em seguida. Perdoem possíveis erros (e me avise deles!!)

Lembre-se: a cada comentário, um autor ganha um ano de vida.



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